RESUMO
Na flosofa de Rousseau expõe-se a paulatina construção de uma ideia ocidental de humanidade: a história de como o ser humano assim denominou-se ser, bem como a história do abuso dessa denominação. Trata-se, sobretudo, da crítica sobre a construção de um mito da dignidade exclusiva da natureza humana, tema que percorre as obras de diferentes flósofos, dos modernos aos contemporâneos, dos ocidentais aos não ocidentais. O presente artigo aborda, a partir de Rousseau e em diálogo com outros autores, o “ciclo maldito” característico da modernidade, uma ideia que separa os humanos dos animais e segrega os humanos entre si. Começa-se por apartar o ser humano da natureza e constituí-lo como um ser à parte em um processo de monopolização progressiva do valor da existência: aparece em um primeiro momento o especismo, subsequentemente a desigualdade sociopolítica, o etnocentrismo e outras formas derivadas de exclusão.
Palavras-chave: Rousseau; Lévi-Strauss; Filosofia; Antropologia; Animalidade; Humanidade
ABSTRACT
In Rousseau’s philosophy, the gradual construction of a western idea of humanity is exposed: the history of how the human being naming himself being, as well as the history of the abuse of that denomination. It is, above all, a critique of the construction of the myth of the exclusive dignity of human nature, a theme that permeates the works of diferent philosophers, from the modern to contemporary ones, from western to non-western. This article discusses, based on Rousseau and in dialogue with other authors, the “cursed cycle” characteristic of modernity, an idea that separates humans from animals and segregates humans from each other. It starts with separating human being from nature and constituting him as a distinct part in a process of progressive monopolization of the value of existence: speciesism appears at frst, then sociopolitical inequality, ethnocentrism and other forms derived from exclusion.
Keywords: Rousseau; Lévi-Strauss; Philosophy; Anthropology; Animality; Humanity
O problema da exclusividade da natureza humana
Em “Ideias para adiar o fm do mundo”, o flósofo Ailton Krenak se pergunta: “como é que, ao longo dos últimos 2 mil ou 3 mil anos, nós construímos a ideia de humanidade?” (Krenak, 2019, pp. 10-11). Não qualquer humanidade, complementa o autor, mas uma que aos poucos se descola da terra e fnda por excluir outros seres humanos de seu seleto clube, pois os considera inferiores, atrasados e incompletos. Uma única humanidade que exclui todas as outras e todos os outros seres que não compartilham de seu modo de vida – o único a seus olhos aceitável de habitar o planeta. Krenak considera que o Ocidente fabricou essa ideia de humanidade apoiada na distinção entre humanos e não humanos e, ao mesmo tempo, relegou a um nível abaixo da humanidade povos que não se adequam aos seus parâmetros. Para ele, o Ocidente começou por se afastar dos laços que unem homens e natureza e terminou com a segregação cada vez mais acentuada entre os próprios homens.
O questionamento de Krenak interessa a diversas disciplinas, tais como a flosofa e a antropologia. Encontramos no alvorecer da modernidade uma aproximação instigante entre esses modos de questionar. Na “Apologia de Raymond Sebond” presente nos “Ensaios” (XII, livro II), particularmente no momento em que se discute a escravidão, Montaigne iguala os atos de aprisionamento e exploração dos animais com o apanágio humano para a escravização de pessoas tidas como inferiores na hierarquia social (Montaigne, 1979, p. 127). A mesma imagem aparece no capítulo anterior, “Da Crueldade” (XI), no qual o autor associa a crueldade dos homens contra os animais e a crueldade dos homens contra os próprios homens: “os que são sanguinários com os bichos revelam uma natureza propensa à crueldade. Quando se acostumaram em Roma com os espetáculos de matança de animais, passaram aos homens e aos gladiadores” (Montaigne, 1979, p. 102).
Mobilizamos os dois autores não para celebrar precursores nem confundir seus contextos e objetivos, mas apenas com o intuito de apontar que diversos flósofos (não somente flósofos) discutem e discutiram a fabricação ocidental de tal conceito exclusivista de ser humano, como se fossem diferentes versões ou transformações de um mesmo mito: o mito da exclusividade da natureza humana (Lévi-Strauss, 1996, p. 53; 2013, p. 53)2. Um mito ocidental que contrasta com a mitologia ameríndia, pois dotado de um ardor exclusivista ausente nesta última. Enquanto a ameríndia toma a diferença como motor de pensamento e busca abrir-se à alteridade, a ocidental se fecha para ela como uma potência de supressão das diferenças.
A concepção de um estado originário de indistinção entre humanos e não humanos, os animais sendo a forma paradigmática da alteridade, é um elemento comum às narrativas ameríndias a respeito dos tempos míticos. O próprio Lévi-Strauss, que discorre sobre o mito exclusivista ocidental, havia sustentado que para os povos ameríndios os mitos se remetem a “uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não eram diferentes” (Lévi-Strauss; Eribon, 1988, p. 193; 2005, p. 196); diz respeito a uma condição instável, altamente transformativa, na qual aspectos humanos e não humanos se acham inextricavelmente emaranhados, ou seja, não distinguidos em espécies. Esse complexo entretecido de natureza e cultura, de ações humanas e não humanas revelam que as oposições que distinguem e, ao mesmo tempo, hierarquizam os seres são alheias às sociabilidades nativas; em outros termos, são outras variedades de gentes o que o Ocidente relega à natureza.
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro em um texto fundamental sobre o multinaturalismo ou perspectivismo ameríndio refete sobre a humanidade autoarrogada aos ocidentais, segundo ele os ocidentais seriam pouco humanos quando em comparação ao cosmocentrismo ou antropomorfsmo ameríndio ao oporem humanos e não humanos de um modo que estes nunca fzeram. O cosmocentrismo ameríndio estende os predicados da humanidade (atributo relativo e contextual) “muito além das fronteiras da espécie” (Viveiros de Castro, 2002a, p. 370). Uma diferença radical de direção é apontada pelo autor entre a metafísica ocidental e a metafísica ameríndia: “nossa antropologia popular” de matriz evolutiva “vê a humanidade como erguida sobre alicerces animais, normalmente ocultos pela cultura – tendo outrora sido ‘completamente’ animais, permanecemos, ‘no fundo’, animais”; ao passo que, “o pensamento indígena conclui ao contrário que, tendo outrora sido humanos, os animais e outros seres do cosmos continuam a ser humanos, mesmo que de modo não-evidente” (Viveiros de Castro, 2002a, p. 356)3. A humanidade é encarada como o fundo comum, a substância primordial a partir da qual (por conta de um processo de especiação) muitas – quando não todas – categorias de seres e coisas do universo vieram a existir. Donde se segue que “a condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade, mas a humanidade. […] Os humanos são aqueles que continuaram iguais a si mesmos: os animais são ex-humanos, e não os humanos ex-animais” (Viveiros de Castro, 2002a, p. 355). Os animais continuam a ser humanos debaixo de suas peles, penas e roupagens, em suas próprias aldeias e entre si mesmos assim se veem, sob os signos da humanidade; da mesma forma que consideramos humanos diferentes grupos de pessoas que se apresentam a nós sob os mais diversos ornamentos. A despeito do invólucro, os animais se veem como pessoas ou são vistos como pessoas por seres transespecífcos, como os xamãs. As diferenças externas entre humanos e não humanos não são absolutas e intransponíveis, sendo possível contextualmente refazer as condições de comunicação, já que o mito não é um tempo superado, mas uma virtualidade passível de ser atualizada. Sem nos aprofundarmos no debate sobre o perspectivismo, cabe ressaltar que importa menos saber se os animais são ou não humanos, explica o próprio Viveiros de Castro no artigo “O nativo relativo” (2002b), do que indagar sobre as diferenças de signifcado de animalidade e de humanidade – e, por conseguinte, de humanismo – entre os que dizem que os animais são ou já foram humanos e aqueles que afrmam que os animais não são e nunca foram humanos.
De Lévi-Strauss a Rousseau
Os questionamentos de Krenak aproximam-se das refexões de Rousseau, sobretudo do “Discurso sobre a desigualdade” (texto em que aparece a versão rousseauísta do mito exclusivista ocidental). A simetria entre ambos se revela nas críticas direcionadas ao modo como o Ocidente se confgurou historicamente. Num esplêndido parágrafo de sua homenagem a Rousseau – que, aliás, guarda semelhanças com os “Ensaios” de Montaigne –, Lévi-Strauss ilustra como o genebrino concebe a construção da ideia ocidental de humanidade4.
Começou-se por cortar o homem da natureza e constituí-lo como um reino supremo. Supunha-se apagar desse modo seu caráter mais irrecusável, qual seja, ele é primeiro um ser vivo. E permanecendo cegos a essa propriedade comum, deixou-se o campo livre para todos os abusos. Nunca antes do termo destes últimos quatro séculos de sua história, o homem ocidental percebeu tão bem que ao arrogar-se o direito de separar radicalmente a humanidade da animalidade, concedendo a uma tudo o que tirava da outra, abria um ciclo maldito. E que a mesma fronteira, constantemente empurrada, serviria para separar homens de outros homens, e reivindicar em prol de minorias cada vez mais restritas o privilégio de um humanismo, corrompido de nascença por ter feito do amor-próprio seu princípio e noção (Lévi-Strauss, 1996, p. 53; 2013, p. 53).
Lévi-Strauss sustenta, desta vez no “Pensamento selvagem”, 1962, que “os seres que o pensamento indígena investe de signifcação são percebidos como que mantendo um certo parentesco com o homem”. Ao que complementa: o “sentimento de identifcação é mais profundo que a noção das diferenças” (Lévi-Strauss, 1962, pp. 50-51; 1989, p. 53). O autor não demora para invocar “a identifcação primitiva” entre homens e animais na qual Rousseau via profundamente “a condição solidária de todo pensamento e de toda sociedade” (Lévi-Strauss, 1962, p. 53; 1989, p. 55). Rousseau é lembrado no “Pensamento selvagem” e homenageado em “Jean-Jacques Rousseau, fundador das ciências do homem” na medida em que seu itinerário refexivo vai de uma identifcação entre humanos e animais à instituição da diferença específca e da construção da própria diferenciação intraespecífca na ordem social e humana. A partir de Rousseau, Lévi-Strauss concebe a flosofa, especialmente em seu desenvolvimento moderno ocidental, como a história da construção do mito da dignidade exclusiva da natureza humana, entendendo que esse mito exprime fundamentalmente um “amor-próprio”, paixão que leva o ser humano a preferir mais a si que a qualquer outro. O desenvolvimento do amor-próprio caracteriza o “ciclo maldito” da modernidade, uma ideia que separa os humanos dos animais e segrega os humanos entre si. A seu ver, tal afeto narcísico desencadeia o especismo, depois o etnocentrismo e outros “ismos”, como o racismo, o androcentrismo (por que não?), dentre outras formas de exclusão. O humanismo daí derivado não seria outra coisa senão um humanismo estreito e corrompido.
Por que fazer esse percurso com Rousseau? Não seria ele um autor ocidental e, como tal, inscrito em uma chave de pensamento na qual haveria uma diferença ontológica entre o homem e o animal constitutiva da tradição da flosofa moderna? Sim, Rousseau de certa maneira partilha do ideário moderno e ocidental; permanece inscrito numa chave antropocêntrica, centrado no anthropos. No entanto, no interior mesmo desse ideário, ele expõe a urdidura da construção do mito da dignidade exclusiva humana, resultado de um desenvolvimento contingente; demonstra que as ideias ocidentais de humano e humanismo são históricas e, de certa forma, recentes. Ademais, discute quais são as consequências e os efeitos (ecológicos, sociais, flosófcos, etc.) oriundos do abuso do antropocentismo. Basta lembrar aqui a abertura do livro I do “Emílio” em que se denuncia a exploração humana da natureza, do animal e do próprio ser humano:
Tudo está bem ao sair das mãos do autor das coisas, tudo degenera nas mãos do homem. Ele força uma terra a sustentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Bagunça tudo, desfgura tudo, ama a deformidade, os monstros (Rousseau, 1969, pp. 245).
Rousseau não é o único a criticar os abusos do humanismo ocidental (nem ao menos é o primeiro). Essa crítica foi formulada em tempos recentes por Krenak e pelo flósofo-xamã Kopenawa ao associar de modo radical e defnitivo antropocentrismo e antropoceno. Eles elaboram uma contra-antropologia histórica do mundo branco e de sua relação doentia com a Terra. Suas flosofas – que se caracterizam como uma “crítica xamânica da economia política da natureza” [expressão de Albert (1993)] – se contrapõem à concepção ocidental de natureza humana. Krenak considera que o abismo intransponível entre humanos e natureza acontece “quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos”. Com isso, “liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista” (Krenak, 2019, pp. 49-50). Kopenawa relata o modo como o esquecimento dos brancos os fez revirar a terra como um bando de queixadas, sujar os rios, contaminar as águas, os peixes, esfumaçar tudo. O frenesi dos garimpeiros é comparado a “urubus esfomeados”, sua voracidade se iguala a de “cães famintos”. São comedores de terra. A paixão pela mercadoria faz com que os brancos se ponham “a cortar todas as árvores, a maltratar a terra e a sujar os rios” (Kopenawa; Albert, 2015, p. 407), em uma relação de estranhamento com a natureza que culminará na queda do céu.
Formulamos nosso problema nos seguintes termos: de que maneira o ocidente opôs humanos e não humanos e quais são as consequências desse grande divisor para a história humana e para o humanismo ocidentais (desnecessário dizer que essas consequências também atingem os não humanos e os não ocidentais)? Para tal propósito, a obra de Rousseau nos parece exemplar.
A partir da flosofa moderna e de Rousseau, sobretudo de seu “Discurso sobre a desigualdade”, investigaremos as diferentes imagens que o ser humano (hipotético e ocidental) faz de si próprio ao longo de seu desenvolvimento social, técnico e cognitivo. Em outras palavras, o objetivo deste artigo é analisar como progressivamente o homem forja para si uma imagem exclusiva e excludente de sua natureza, apartando-se cada vez mais da natureza dos outros seres. O desenvolvimento dessa exclusividade acaba afetando as próprias relações intraespecífcas, pois contamina até mesmo as imagens que certa humanidade constrói sobre a natureza de outras humanidades, doravante vistos como humanos de um outro mundo ou do submundo; infltra-se também nos processos investigativos e métodos científcos, bem como no discurso flosófco. Para realizar esta pesquisa, dois textos de Lévi-Strauss e que vieram a lume em 1962 (mesmo ano da aparição do “Pensamento selvagem”) serão aqui preciosos, quais sejam, o “Totemismo hoje” e “Jean-Jacques Rousseau, fundador das ciências do homem”.
O humano e o não humano
Existem dois desenvolvimentos independentes entre si e de valores desiguais que se cruzam no desenrolar do “Discurso sobre a desigualdade”: um movimento de indiferenciação e outro de identifcação. 1) de um lado – e menos importante –, a não apreensão da diferença ontológica entre humanos e animais em virtude de um ainda parco desenvolvimento cognitivo do ser humano no puro estado de natureza; 2) de outro – mais profundo e revestido de uma importância maior por Lévi-Strauss, pois princípio fundador das ciências do homem –, o sentimento de identifcação com a alteridade, isto é, a piedade. O primeiro elemento pode até mesmo ser alterado com o desenvolvimento das faculdades e a aquisição de conhecimentos, e de fato o é, mas tais alterações não podem implicar um esquecimento do sentimento de identifcação. Uma coisa não deveria levar à outra e, no entanto, ao menos no ocidente, foi exatamente isso o que aconteceu: a separação contingencial, mas defnitiva, da sociedade humana em relação à natureza. Vejamos como esses dois desenvolvimentos aparecem ao “Discurso”, começando pelo primeiro.
As refexões de Rousseau dizem respeito ao modo como o ser humano enxergou a si e aos outros ao longo dos tempos, desde o estado de pura natureza até o ocaso do processo civilizatório; diz respeito ao olhar, ao ponto de vista do humano que se descobre enquanto tal e às sucessivas ideias que ele faz de sua própria identidade, bem como da alteridade. O autor considera haver uma distância bastante considerável entre as “puras sensações” e os “mais simples conhecimentos”. Se tal distância é imensa, o que dizer, então, do percurso necessário para chegar ao conhecimento de si e de sua identidade? Lembremos, ainda, que no prefácio do “Discurso” o autor assevera que o menos avançado de todos os conhecimentos humanos parece ser justamente aquele sobre o humano, isto é, a ciência do homem.
Muitos trechos da obra de Rousseau contam a passagem de um estado de indiferenciação para outro no qual se institui a diferença e a identidade. Em um primeiro momento, sustenta o autor, o homem do puro estado de natureza encontra-se desprovido de toda ideia e de toda imagem que ele possa ter de si próprio. Ele sente existir no ritmo de suas sensações, mas não está em condições de determinar a extensão de seu ser, pois está só e, sobretudo, porque ainda é incapaz de realizar comparações – faculdade cuja importância será esclarecida mais adiante. “Perceber e sentir” marcam seu primeiro estado, “que lhe será comum com todos os animais” (Rousseau, 1964, p. 143; 2020, p. 183). Disperso entre eles, o ser humano observa e imita sua indústria, igualando-se a eles. É inevitável nessa situação a realização de comparações, mas isso ainda não implica que ele se veja ou se saiba diferente, sendo apresentado como um ser vivo igual a todos os outros e, por isso, começa sua existência “por funções puramente animais”.
Seja no “Ensaio sobre a origem das línguas”, seja no “Discurso sobre a desigualdade”, as refexões linguísticas do autor corroboram a indiferenciação entre humanos e animais. No “Ensaio”, por exemplo, o primeiro estágio da língua é o da confusão entre sentido próprio e fgurado (Rousseau, 1995, p. 381; 2020, p. 297). A primeira linguagem é apresentada como uma linguagem metafórica que confundiria cada ser com os demais. Apenas posterior e progressivamente o nome verdadeiro se desprenderá da metáfora (Lévi-Strauss, 1996, p. 51; 2013, p. 51). Nas refexões que Rousseau tece sobre a origem da língua na primeira parte do “Discurso”, cada objeto recebe num primeiro momento um nome particular, “sem relação aos gêneros e às espécies”, já que os homens ainda não eram capazes de os “distinguir”. Havia indivíduos, mas estes não se agrupavam em classifcações, não havia a categoria de humano nem a de animais, de modo que “quanto mais limitados fossem os conhecimentos, mais extenso se tornava o dicionário”. O embaraço causado por toda essa nomenclatura não se resolve facilmente: “para classifcar os seres sob denominações comuns e genéricas, precisava-se conhecer as propriedades e as diferenças, eram necessárias observações e defnições, isto é, história natural e metafísica, muito mais que os homens desse tempo poderiam ter” (Rousseau, 1964, p. 149; 2020, pp. 190-191). Na ausência dessas divisões e classifcações, humanos e animais eram vistos como seres que dividiriam o mesmo álbum de família. Se não há uma plena identifcação entre os seres, ao menos não há uma distinção entre grupos e subgrupos. Desse modo, é possível aproximar o “Ensaio” e o “Discurso” dizendo que a confusão promovida tanto pela linguagem (linguagem metafórica do “Ensaio”) quanto pela extensão do dicionário (“Discurso”) expressa adequadamente – isto é, de maneira não confusa – a indiferenciação entre humanos e animais, já que não havia metafísica e espírito esclarecido sufcientes para apreender as propriedades e as diferenças.
Ao contrário do que indica o pensamento mitológico ameríndio, as sobreditas passagens de Rousseau sugerem que a indiferenciação entre humanos e animais não diz respeito a uma humanidade previamente compartilhada. As refexões do autor propõem que nos primórdios ninguém era humano e ninguém era animal, ou melhor, ninguém era humano na exata medida em que ninguém era animal. Todos eram apenas viventes e seres sensíveis, e antes dos humanos e dos animais, viria a vida (voltaremos a este ponto).
O estabelecimento da diferença acontece lentamente. Rousseau declara na segunda parte do “Discurso” que somente aos poucos, em virtude da comparação e da “aplicação reiterada dos diversos seres a si e de uns aos outros”, foi engendrado “no espírito do homem as percepções de certas relações”. Essas percepções produziram a consciência da diferença humana em relação aos outros seres, sugerindo assim certa ideia de superioridade do ser humano sobre os demais. Em suma, o primeiro sentimento e a primeira ideia de superioridade nascem quando o homem se compara com os outros seres naturais, sobretudo, com os animais. Com isso, ele aprende a ver-se enquanto ser humano e a relacionar-se (inclusive por meio da dominação) com quase todos os demais.
O encontro com outros seres humanos também contribui para a formação da identidade humana e sua distinção em relações a outras identidades não humanas. O reconhecimento de determinados seres enquanto seres semelhantes é um processo gradual e também pressupõe certas experiências e comparações.
Embora seus semelhantes não fossem para ele o que são para nós, e não tivesse muito mais comércio com eles do que com os outros animais, eles não foram esquecidos em suas observações. As conformidades que o tempo pôde fazê-lo perceber entre eles, sua fêmea e ele próprio, fzeram-no julgar as que não percebia e, vendo que todos se comportavam como teria ele feito em iguais circunstâncias, concluiu que a maneira de pensar e de sentir deles era inteiramente conforme à sua (Rousseau, 1964, p. 166; 2020, p. 209).
Depois de muitas experiências e conhecimentos adquiridos por meio da comparação, o homem natural fnalmente veio a descobrir-se enquanto partícipe da espécie humana e diferente dos outros seres vivos.
Há de modo curioso e aparentemente contraditório uma defesa de Rousseau da superioridade da espécie humana, um antropocentrismo confesso. Tal defesa não se restringe às páginas do “Discurso”, aparece de modo acentuado no “Emílio” (Rousseau, 1969, p. 582) e diz respeito ao lugar do ser humano na grande cadeia dos seres criada pela sabedoria divina. Essa posição na ordem geral do universo aparece no “Discurso” como a melhor possível no que se refere ao aspecto físico, sendo a espécie humana organizada da maneira mais vantajosa de todas. Ela se faz ver de modo ainda mais convincente e fundamental no aspecto metafísico: a humanidade se distingue da animalidade por dois predicados metafísicos, quais sejam: a liberdade e a perfectibilidade.
Apesar de Rousseau parecer em seu texto ratifcar uma espécie de monismo anticartesiano, no qual haveria uma diferença de graus e não de natureza entre humanos e animais, convém ressaltar que ele concebe a existência de predicados exclusivos aos seres humanos – o que acaba por inscrever sua flosofa em um dualismo, diferente, porém, do dualismo cartesiano. Em sua obra, os humanos aparecem em oposição aos não humanos como seres dotados de uma dignidade própria, já que perfectíveis e agentes livres não entregues ao instinto. Por sua vez, os animais são condenados a seguir o instinto fxo próprio de sua espécie e a permanecer sempre idênticos a si mesmos. Os humanos sucumbiriam sem a perfectibilidade, dado que para sobreviver precisam vencer constantemente as alterações do meio ambiente, as condições adversas de existência (sempre renovadas) e os obstáculos que a natureza lhes impõe. A perfectibilidade então faz a mediação necessária entre a natureza e o desenvolvimento histórico-cultural. Mesmo que não idênticas, ela aparece associada a liberdade, como um índice e um sintoma. Se a liberdade se defne como a abertura ao campo dos possíveis, a perfectibilidade representa a efetivação concreta dessas possibilidades. Sendo a existência humana caracterizada por seu constante movimento, a perfectibilidade pode ser então considerada como uma temporalização histórica da liberdade5.
Mesmo que dotados de uma natureza própria, os humanos demoram a reconhecê-la. Apenas tardiamente eles passaram a se (re)conhecer enquanto humanos e a dizer e a apontar o outro, outrora próximo e semelhante, como diferente e como algo não humano, encerrando-o sob uma denominação comum: o animal. A história do rebaixamento e do silenciamento dos animais foi já apontada de forma exaustiva no pensamento ocidental. Talvez a expressão mais marcante dessa história ainda seja os “Ensaios” de Montaigne, particularmente os capítulos intitulados “Da Crueldade” e “Apologia a Raymond Sebond” presentes no livro II. Montaigne acusa a vaidade, a presunção e a arrogância humanas, sobretudo seu antropocentrismo.
O rebaixamento do animal faz com que nós que nos denominamos humanos, nós que nos reconhecemos sob este nome, engajamo-nos em defnir imperturbavelmente o que acreditamos não se enquadrar nessa humanidade, chamamos isso de o animal ou os animais. De um lado, nós os humanos e, de outro, o que estes humanos que dizem “nós” chama de “ele”, o animal ou os animais. Eis traçado o grande divisor e estabelecida a fronteira metafísica do ocidente. Doravante, uma miríade de seres distintos (alguns de natureza ainda bastante incerta) é encerrada em um lugar-comum. Apesar da grande diferença existente entre as espécies (entre o tubarão e o carneiro, o papagaio e o chimpanzé, o elefante e o gato, o lagarto e o bicho-da-seda), todas são catalogadas enquanto animais, ao passo que o humano julga a si mesmo e de acordo com seus critérios a delícia da criação.
Montaigne se distancia da celebração exclusivista da dignidade humana e abdica da “realeza imaginária do homem sobre as demais criaturas” ao sustentar que “há mais diferença entre um homem e outro que entre um animal e um homem” (Montaigne, 1979, p. 132). Rousseau retoma integralmente esta passagem de Montaigne na primeira parte do “Discurso” (Rousseau, 1964, p. 141; 2020, p. 182). Aqui, o leitor poderia acusar-nos de contradição, pois havíamos dito que existe para Rousseau uma fronteira intransponível entre o humano e o animal e que, em seus textos, o humano aparece em oposição aos não humanos como ser dotado de uma dignidade exclusiva. Daí a pergunta: como articular antropocentrismo e indiferenciação/identifcação? Ora, a fronteira se torna praticamente invisível no estado de natureza, de sorte que a oposição entre humanos e animais não é apreendida na experiência humana primitiva. O ser humano ainda não percebe suas qualidades metafísicas, restando apenas a indiferenciação. Apenas posteriormente adquirirá a capacidade de distinguir a si próprio, bem como de distinguir os animais. Ou melhor, ele somente saberá se distinguir, na condição de que um longo e penoso aprendizado “o tiver ensinado a distinguir os outros – os animais segundo a espécie, a humanidade e a animalidade”, seu “eu dos outros eus” (Lévi-Strauss, 1996, p. 50; 2013, p. 50).
Mas o principal argumento (segundo desenvolvimento) é outro: a superioridade metafísica inscrita no “Discurso” e sobretudo no “Emílio” é menos forte – sendo nulos seus efeitos – que a identifcação. A força do sentimento de identifcação é tanta que até mesmo os animais participam do direito natural, já que partilham junto com o ser humano da mesma natureza sensível. Entre outras criaturas e os humanos existem relações que obrigam o respeito destes últimos para com aqueles, pois os humanos aproximam-se deles antes de distinguirem-se. Os humanos são obrigados a uma espécie de dever para com os animais, não podendo maltratá-los nem matá-los desnecessariamente, sendo o amor-de-si o responsável por regular essa necessidade6. Reconhece-se assim o animal como sujeito de direitos, já que a continuidade sensível é superior à descontinuidade metafísica7. O respeito a todos os seres vivos possui “um fundamento natural”, a piedade, “imune à refexão e aos seus sofsmas porque anterior a ela” (Lévi-Strauss, 1996, p. 54; 2013, p. 53). Sem o antropocentrismo de Rousseau, portanto mais radical, Montaigne também se mostra contrário aos maus-tratos infigidos aos viventes não humanos e sustenta que mesmo a “teologia” recomenda “algum respeito e afeição pelos animais” (Montaigne, 1979, p. 102). Montaigne estende a simpatia ou a comiseração a todos os seres vivos: cumpre observar “certo respeito não somente pelos animais, mas também por tudo o que encerra vida e sentimento, inclusive árvores e plantas” (Montaigne, 1979, p. 104).
A identifcação pela piedade em Rousseau se dá entre o ser humano e todos os outros seres animados. A piedade – “tão natural que os próprios animais dão dela alguns signos sensíveis” (Rousseau, 1964, p. 154; 2020, p. 197) – consiste em “uma repugnância natural em ver perecer ou sofrer qualquer ser sensível e principalmente nossos semelhantes” (Rousseau, 1964, p. 126; 2020, p. 165). Ela decorre “da identifcação a um outrem que não um parente, um amigo ou um compatriota, mas a um homem qualquer porque é homem, ou bem mais que isso: a um ser vivente qualquer, porque vive” (Lévi-Strauss, 1996, p. 50; 2013, p. 50). Por meio dela, o ser humano começa por sentir-se idêntico a todos os seus semelhantes, aí incluso os animais (Lévi-Strauss, 2008, p. 544; 1976, p. 182). Essa apreensão global de humanos e animais como seres sensíveis comanda e precede a consciência da oposição entre o humano e o não humano, isto é, a consciência do antropocentrismo e de seus efeitos.
Lévi-Strauss defende em sua conferência de 1962 que Rousseau condena o humanismo ocidental, “corrompido”, que institui a separação radical entre a humanidade e a animalidade. E afrma por meio da piedade um humanismo outro, “além do homem”, fundado “sobre a identifcação a todas as formas de vida”, “princípio de toda sabedoria e de toda ação coletiva”, o único capaz “de permitir que os homens vivam juntos e construam um futuro harmonioso” (Lévi-Strauss, 1996, p. 54; 2013, p. 54). O próprio Rousseau considera tanto no “Discurso” quanto em outros textos (“Ensaio” e “Emílio”) que as virtudes sociais e os sentimentos morais (generosidade, clemência, humanidade, benevolência, amizade etc.) decorrem da piedade, princípio responsável pela sobrevivência do gênero humano. De acordo com o intérprete, a identifcação é “o verdadeiro princípio das ciências humanas e o único fundamento da moral” (Lévi-Strauss, 1996, pp. 55-56; 2013, p. 55). Ele chega a citar uma passagem dos “Devaneios do caminhante solitário”, na qual Rousseau relata os instantes deliciosos em que se esquecia de si mesmo, de sua identidade e se fundia, por assim dizer, “no sistema dos seres”, identifcando-se “com a natureza inteira” (Rousseau, 1959, pp. 1065-1066).
O nós e o eles
Rousseau considera que dois movimentos de exclusão aparecem com a demarcação da fronteira metafísica ocidental: i) no processo de construção da ideia de humano, a fronteira separando humanos de animais não abre um espaço adequado para abarcar seres de natureza ainda incerta (que poderiam porventura ser humanos); ii) mais do que isso, a instabilidade da linha divisória acaba por animalizar ou rebaixar a uma categoria inferior seres já previamente reconhecidos como humanos. Ambos os movimentos impedem certos seres de desfrutar dos benefícios arrogados à humanidade e a intenção de Rousseau é restituir essas humanidades negadas.
Aos olhos de Rousseau as defnições de humanidade e animalidade não se encontram bem sedimentadas, existindo ainda seres de difícil classifcação que confundem as certezas dos sistematas e taxônomos. Do mesmo modo que a planta dormideira ou sensitiva (Mimosa pudica) e os pólipos perturbaram os sistemas rígidos de classifcação entre o vegetal e o animal no século XVIII, o caso dos grandes macacos antropoides tornou-se paradigmático e capaz de ofuscar a linha divisória entre a animalidade e a humanidade. Seriam eles animais, humanos ou seres híbridos? Poderiam ser homens e mulheres selvagens ou de uma raça ainda desconhecida? O programa desenvolvido na nota X do “Discurso sobre a desigualdade” examina e interroga a eventual humanidade dos grandes primatas. A questão que Rousseau formula nessa nota pode ser expressa nos seguintes termos: quais critérios permitem assegurar que os macacos antropoides são animais e não humanos cujas faculdades ainda não se desenvolveram? Sobre isso, um caloroso debate animou o cenário intelectual e científco europeu nos séculos XVII e XVIII. Ao defender a diferença inconciliável de natureza e a não continuidade envolvendo homens e animais, o diretor do jardim do rei em Paris, o naturalista Bufon, assevera que estes seres são meros animais, pois desprovidos de linguagem e pensamento. Assim como para Descartes, sobretudo por conta de Descartes, a razão e sua expressão por meio da linguagem distinguem humanos de animais para boa parte dos flósofos modernos. A anedota do cartesiano Polignac narrada por Diderot em “O sonho de d’Alembert” é expressão maior dessa partilha metafísica: apresentando-se diante de um grande símio, Polignac ter-lhe-ia dito: “Fala, e eu te batizo” (Diderot, 2010, p. 409).
Celebrado por Derrida como “um dos maiores textos pré-cartesianos e anticartesianos que existem sobre o animal” (Derrida, 2011, p. 19), a “Apologia a Raymond Sebond” de Montaigne não apresenta a razão e a linguagem como atributos adequados para distinguir humanos e animais. Tendo muito provavelmente se inspirado nesse autor, Rousseau se afasta dos critérios adotados pela metafísica clássica, especialmente pelos cartesianos e por Bufon. Centrais e decisivos para Descartes e Bufon, a ausência de linguagem e a suposta estupidez desses seres não são critérios válidos e pertinentes. Eles não excluem a possibilidade de pertencimento dos grandes primatas antropoides ao gênero humano, já que – como bem fundamenta a primeira parte do “Discurso” – tanto a linguagem quanto a inteligência são capacidades adquiridas e não naturais ao ser humano. De acordo com o “Discurso sobre a desigualdade”, o único critério (eticamente) válido capaz de responder e julgar a animalidade ou a humanidade dos grandes primatas e quaisquer outras criaturas é a perfectibilidade. A constatação e a confrmação dos efeitos da perfectibilidade constituem o critério essencial a fm de se resolver a espinhosa questão do pertencimento desses seres ao gênero humano. Tal investigação apenas poderá ser bem encaminhada se conduzida por meio de viagens adequadamente orientadas. Tais viagens têm como objetivo nuclear distinguir a animalidade da humanidade, bem como mapear a variabilidade da perfectibilidade humana a partir de múltiplos contextos, atestando, para lembrar aqui um título de Bufon, as “variedades na espécie humana” (Bufon, 2009) – voltaremos a isso mais adiante.
Até que se prove o contrário, Rousseau prefere na nota X do “Discurso” considerar os grandes símios enquanto humanos. Esses viventes que os humanos não reconheceram (imediatamente) como seus semelhantes foram de forma bastante precipitada excluídos da humanidade. Com isso, Rousseau almeja de certa maneira alargar a humanidade de sorte a abrigar em seu interior seres que até então permaneceram fora de sua defnição, seres de natureza ainda incerta que, não obstante, poderiam ser humanos. Rousseau pretende mostrar menos a resolução do problema do que questionar a rapidez com que os viajantes, carregados de preconceitos e de critérios equivocados, decidem sobre a humanidade ou não de determinados seres8. Seu objetivo é alargar a defnição de ser humano por meio da crítica tanto dos questionáveis parâmetros mobilizados na distinção entre humanos e animais quanto do etnocentrismo europeu incapaz de despir-se de seus preconceitos e de seus hábitos culturais para enxergar o outro em suas diferenças físicas e, porventura, culturais. Rousseau não afrma categoricamente uma posição para esses seres na escala dos viventes. Prefere conceder-lhes o benefício da dúvida, considerando-os seres humanos, até que se prove o contrário. Na falta de um critério científco, a decisão de Rousseau se baseia em um preceito moral. É preferível considerar os grandes primatas antropoides da África e da Ásia como homens e mulheres de uma raça desconhecida, em vez de correr o risco de contestar a natureza humana de seres que poderiam porventura possuí-la. Se esse reconhecimento se mostrar futuramente falho e equivocado, tal fato certamente será um erro menos grave do que descobrir que esses supostos animais seriam, na realidade, humanos.
Como analisamos, os primeiros olhares que o ser humano lançou sobre si mesmo e as primeiras comparações que fez em relação aos animais desenvolveram nele certas luzes, produzindo paulatinamente um sentimento de superioridade. Deu-se exatamente o que não poderia acontecer: o esmorecimento do sentimento de identifcação. A comparação tornou visível a diferença metafísica entre humanos e animais. Tal foi a primeira ideia que ele se fez de sua própria identidade, o que acabou por lançar as bases para o desenvolvimento de outros sentimentos e ideias, como o orgulho e o amor-próprio. Nas palavras de Rousseau, “foi assim que o primeiro olhar que dirigiu a si mesmo produziu-lhe o primeiro movimento de orgulho; foi assim que, mal sabendo ainda distinguir as categorias, e contemplando-se como o primeiro por sua espécie, preparava-se de longe para pretender-se o primeiro como indivíduo” (Rousseau, 1964, p. 166; 2020, p. 209).
A crítica ao sentimento da vaidade e do amor-próprio é reforçada nas “Cartas morais”.
Não digamos em nossa tola vaidade que o homem é o Rei do mundo e que o sol, os astros, o frmamento, o ar, a terra e o mar são feitos para ele, que os vegetais germinam para sua subsistência, que os animais vivem para que ele os devore. O que impediria com esse tipo de raciocínio – essa devorante sede de felicidade, de excelência e de perfeição – cada um de acreditar que o resto do gênero humano foi criado para servi-lo? E de se olhar pessoalmente como o único objetivo de todas as obras da natureza? (Rousseau, 1969, p. 1100).
Este trecho das “Cartas” aproxima-se bastante do “Discurso”9. O autor critica o orgulho individual encarado como a manifestação de uma mesma paixão (o amor-próprio) que em seu desenvolvimento progressivo leva cada indivíduo a se sobrepor aos demais, fazendo com que o ser humano se acredite ou se veja não apenas como o primeiro enquanto espécie humana, mas o primeiro também em relação a seus semelhantes. Em suma, como também disseram Krenak e Montaigne, a separação entre humanos e não humanos abre caminho para a segregação entre os próprios homens. Ou seja, a diferença interespecífca abre a possibilidade para pensar a diferença intraespecífca humana. Assim, seja nas “Cartas morais”, seja no “Discurso sobre a desigualdade”, as refexões de Rousseau sustentam que o ser humano começa por se considerar especial em relação aos outros seres vivos e, esse fato confgura só o primeiro passo para, em seguida, começar a se achar melhor do que os outros seres humanos. Ao lançar mão de um vocabulário lévi-straussiano, é possível sustentar que as diferenças na série natural servem para a estruturação das diferenças na série cultural. Não à toa, Lévi-Strauss conclui o “Totemismo hoje” recorrendo a Rousseau: as diferenças entre as espécies naturais são utilizadas para organizar logicamente a ordem interna à sociedade10.
O já citado parágrafo de Lévi-Strauss em homenagem a Rousseau declara que se iniciou aqui o “ciclo maldito” de exclusão. A visibilidade do lugar da humanidade na ordem da natureza e na cadeia dos seres com a aquisição de certas luzes excita um segundo tipo de sentimento, qual seja, o amor-próprio, isto é, o desejo de preferência no interior da ordem social. Da consciência da superioridade humana adquirida frente aos demais seres não humanos não se segue necessariamente o desejo de ser mais estimado e mais honrado entre os seres humanos. O desejo de estima não se mistura – ao menos, não deveriam se misturar – com o sentimento da dignidade enquanto partícipe da espécie humana. Todavia, a narrativa do “Discurso” – e a interpretação de Lévi-Strauss em sua conferência realça esse aspecto – conta justamente a história da construção dessa confusão entre a ordem natural criada por Deus e a (des)ordem política que os homens instituíram.
Para melhor entender o movimento de (des)ordenação da esfera social é necessário fazer uma distinção entre diferença e desigualdade na obra de Rousseau. Os processos de distinção e diferenciação entre os grupos humanos são absolutamente normais e se dão de acordo com fatores naturais e sociais. Esses processos foram se estendendo ou se alargando por conta das circunstâncias, da força modeladora da natureza (geografa, topografa, clima, grau de fertilidade ou esterilidade da terra, fauna, fora, regime das águas e dos ventos), das catástrofes naturais, do crescimento demográfco, das ações antrópicas, dos desenvolvimentos econômicos, políticos e sociais. Dentre todos esses fatores, Lévi-Strauss ressalta sobremaneira o papel do crescimento demográfco como o gatilho responsável pela diversidade humana na obra de Rousseau. Referindo-se a Rousseau no segundo volume das “Mitológicas”, “Do mel às cinzas”, diz ele que “as primeiras difculdades da vida social” resultam “do crescimento populacional” (Lévi-Strauss, 1966, p. 260; 2004, p. 284). Em “Jean-Jacques Rousseau, fundador das ciências do homem”, conta que o crescimento demográfco – um acontecimento contingente que poderia não ter ocorrido – obriga o ser humano “a identifcar seus modos de vida para se adaptar a diferentes ambientes para os quais o aumento da população irá obrigá-lo a se deslocar” (Lévi-Strauss, 1996, p. 50; 2013, p. 50). Lévi-Strauss ainda afrma, desta vez no fnal do “Totemismo hoje”, que “a passagem da natureza para a cultura teve como condição o crescimento demográfco; mas este não agiu diretamente e como uma causa natural. Primeiro forçou os homens a diversifcar as suas maneiras de viver para poderem subsistir nos meios ambientes diferentes e a multiplicar suas relações com a natureza” (Lévi-Strauss, 2008, p. 543; 1976, p. 181).
A diversifcação física e cultural humana indica os vários caminhos tomados pelos seres humanos de acordo com os tempos e as circunstâncias impostas pelo meio ambiente. Devido às condições de existência serem distintas em cada rincão da Terra (seja por conta da migração para outros cantos distintos do locus originário de nascimento da humanidade, seja em virtude de catástrofes, acidentes naturais ou mesmo ações antrópicas que fzeram variar a superfície terrestre e os climas de cada região), distintos também serão os indivíduos e os grupos humanos.
Embora as culturas e os humanos sejam distintos entre si, cada uma das variedades físico-culturais humanas segue participando igualmente da humanidade. A humanidade é partilhada por todos, apesar das distâncias e dos écarts diférentiels que separam os franceses dos senegaleses, os citadinos parisienses dos camponeses do Bocage ou mesmo dos banlieusards, os ingleses dos europeus, os brasileiros dos portugueses, os tibetanos dos chineses, os barceloneses dos espanhóis, os yanomami dos garimpeiros, os guarani-kaiowá dos sul mato-grossenses, os americanos dos japoneses, os krenak dos empresários da Vale, os asselvajados (Peter de Hanôver, Marie Angélique Leblanc, Victor de Aveyron, etc.)11 dos grandes macacos antropoides (se for verdade que estes últimos sejam humanos).
Em sua antropologia Rousseau explica – talvez esse seja seu maior desejo – os processos que levaram à formação das diferenças físicas e culturais entre os homens, enaltecendo a capacidade humana de diferir – consequência direta da perfectibilidade –, uma diversidade de modos humanos de viver e existir, sem ser desigual. No entanto, o ocidente e sua razão prosseguem trabalhando para controlar e excluir a alteridade. O ciclo maldito aludido por Lévi-Strauss continua de forma inabalável sua marcha: ele reduz, apaga ou silencia a variedade humana, confundindo diferença com desigualdade, ou melhor, substituindo uma pela outra. A diversidade humana foi então substituída por um sentimento de superioridade baseado em relações de força e na afrmação da desigualdade. Cada vez menos humanos foram enquadrados na espécie, já que alguns passaram a não mais considerar outros seres humanos enquanto plenamente humanos. A fronteira que separa a humanidade da animalidade é empurrada de modo a separar os humanos entre si: de um lado, estariam os homens que arrogam somente para si as prerrogativas da humanidade, de outro, seres menos que humanos ou sub-humanos. Desse modo, minorias cada vez mais restritas reivindicam para si o privilégio de um humanismo (Lévi-Strauss, 1996, p. 53; 2013, p. 53). Um grupo de humanos não apenas se distingue de outros, mas também impõe sua imagem (gênero, realidade política, socioeconômica, sua etnia, nacionalidade, etc.) como a realização plena do ser humano. Começou com o excepcionalismo humano frente aos animais, depois veio o excepcionalismo dos homens, dos ricos, dos brancos, dos cristãos, dos ocidentais, da civilização, etc. A maioria dos seres humanos – negros, indígenas e virtualmente todas as mulheres – foi praticamente excluída da condição de membro da humanidade, havendo pouco espaço no anthropos para quem não fosse rico, branco e homem.
Na carta XVII, da segunda parte da “Nova Heloísa”, uma passagem sobre os frequentadores dos teatros é bastante instrutiva para compreender as questões que temos em mente:
Eles são como os únicos habitantes da terra: todo o resto não é nada a seus olhos. Ter uma carruagem, um porteiro, um mordomo é ser como todo mundo. Para ser como todo mundo é preciso ser como bem pouca gente. Aqueles que vão a pé não são do mundo; são burgueses, homens do povo, gente do outro mundo; e alguém diria que uma carruagem não é tão necessária para se conduzir quanto para existir (Rousseau, 1961, p. 252).
Os excluídos continuam a ser pessoas, mas caracterizados como “pessoas do outro mundo”, estranhas a certa condição e certa realidade humana que compõem o que Krenak chama de “clube da humanidade” (Krenak, 2019, p. 13). Resulta dessa visão que os grupos humanos que não apresentam o caráter distintivo não podem ser considerados como perfeitamente humanos. Exclui-se da humanidade o diferente, o não imediatamente semelhante e reconhecível, o não identifcável com os padrões econômicos e de comportamentos dominantes ou, ainda, com determinado padrão de desenvolvimento técnico-cognitivo. Radicalizando essa exclusão dos outros humanos da ideia de humanidade, chegaremos a uma situação análoga àquela machadiana, representada pelo Dr. Bacamarte que, de exclusão em exclusão, acaba sozinho. Contudo, o fnal da narrativa do “Discurso” de Rousseau, marcado pela distinção e pela cisma entre senhor e escravos, não é o mesmo do “Alienista” de Machado de Assis, uma vez que o tirano não percebe o absurdo de se considerar o único homem sobre a face da Terra. A seus olhos, todo o resto seria composto apenas por escravos destituídos de humanidade, sendo contado “como gado” dentre as coisas que lhe pertencem (Rousseau, 1964, p. 187; 2020, p. 236). A expressão “como gado” é do próprio Rousseau e indica o processo que considera os outros apenas como recursos e coisas. Se não exatamente gado, ao menos encontram-se no mesmo celeiro da carne bovina.
Os limites da flosofa ocidental
O outro mundo do qual fala Rousseau pode ser entendido tanto como um mundo próximo alguns passos (como no exemplo da “Nova Heloísa”) quanto distante um oceano. Seja em um caso, seja em outro, o Ocidente em sua marcha exclusiva afasta a alteridade das observações do discurso flosófco e, sobretudo, da dignidade flosófca, como se ela não fosse capaz de flosofa. O autor chega a considerar no segundo prefácio da “Nova Heloísa” a estranha situação de alguém – por exemplo, um flósofo francês – incapaz de reconhecer a humanidade de outro ser humano que não se apresentasse trajando os hábitos franceses (Rousseau, 1961, p. 12). Essa consideração é cheia de signifcados. A partir dela, o que dizer do reconhecimento que este mesmo flósofo teria acerca do pensamento ou da flosofa de um outro que não um homem, rico, branco e europeu? Certamente considerações não muito generosas. A razão ocidental persevera em seu incessante trabalho de controle e exclusão da alteridade, negando-lhe inclusive a dignidade de pensamento. Isso porque Rousseau julga que a razão faz o ser humano ensimesmar-se e que a flosofa o isola da natureza. Desse modo, os nativos ameríndios e os despossuídos europeus conservam um parentesco oriundo não de uma homologia estrutural ou funcional, mas da igual recusa imposta pelo ocidente a manter um diálogo com eles. Destituídos dos signos materiais de riqueza tão necessários “para existir” na civilização ocidental (sem carruagem nem porteiro, nem sequer mordomo), não surpreende que os “homens do povo” não tenham flosofa. De modo análogo, se outrora fora decretado que os nativos americanos não tinham nem fé, nem lei, nem rei, logo, não estranha que tampouco tivessem flosofa. Assim, a instauração do um (último grau da história da desigualdade narrada por Rousseau) é solidária do discurso flosófco único, afnal de contas – e esta é uma das principais teses do “Ensaio sobre a origem das línguas” de Rousseau – o movimento da linguagem (e por que não o do discurso flosófco?) reproduz, a seu modo e em seu plano, o da história da humanidade. Por isso, a exclusividade é de existência, mas é ao mesmo tempo analítica e discursiva.
A exclusão do outro aparece sob o que poderia ser considerado um problema oftalmológico da flosofa: a cegueira etnocêntrica e a ignorância das diferenças. A incapacidade da flosofa de se deparar com outras realidades ou de flosofar sem o habitual robe de chambre próximo ao conforto de uma lareira. No “Ensaio sobre a origem das línguas”, capítulo VIII, Rousseau constata que o grande defeito dos europeus consiste em sempre flosofar próximo ao que se passa ao seu redor; eles veem em todos os lugares apenas a neve e os gelos da Europa, sem pensar que sobre dois terços do globo o inverno mal é conhecido (Rousseau, 1995, p. 394; 2020, p. 313). Na impaciência de seu método, a flosofa acredita poder decidir suas questões sem ter que entrar em contato com a diferença, sem se abrir para ela. Desse modo, sempre projeta seus preconceitos (ou os do século) em seu objeto e em seu discurso. O problema se dá, afrma o autor no capítulo XI do mesmo “Ensaio”, quando nos colocamos “no lugar dos outros [...] como se nós fôssemos modifcados, não como se eles devessem sê-lo” (Rousseau, 1995, p. 409; 2020, p. 330). Ou seja, o erro consiste no despreparo dos flósofos ou na insufciência da flosofa, sua inadequação instrumental, em estudar os seres humanos e suas flosofas em sociedades diversas ou em realidades, senão inéditas, ao menos invisíveis (ou impensável) às cataratas do observador ocidental que, no geral, força uma identifcação da alteridade consigo mesmo e com seu sistema cultural. Vão até o outro extremo do mundo e observam o que poderiam notar sem sair de sua rua, diz o autor no “Discurso” (Rousseau, 1964, p. 212; 2020, p. 270). Pior ainda, vão até a rua e observam o que poderiam notar sem sair de seu empoleirado gabinete de trabalho. Nas páginas do “Emílio”, o autor afrma que mesmo que lêssemos ou fôssemos capazes de ler o livro do mundo, quase sempre divisaríamos apenas nossa folha (Rousseau, 1969, p. 826). O europeu mergulhado no imenso álbum de fotografas do livro do mundo se ateria apenas ao seu respectivo retrato particular e dotado dessa espécie de negativo tentaria revelar as imagens dos demais povos, na esperança de que todas elas refitam a mesma cultura, a sua cultura, uma monocultura. Essas imagens e fotografas, no entanto, sairiam bastante distorcidas: não veria senão aquilo que seus preconceitos o permitem ver.
Por essas e outras é necessário ressignifcar a flosofa, estabelecer uma flosofa outra que viaje e se depare com o diferente, deixando-se afetar por ele. Rousseau propõe o que constituiria as bases de um efetivo programa etnológico cujo fm seria mapear e aferir a perfectibilidade dos mais distintos seres humanos espalhados pelo globo terrestre, mesmo daqueles grupos e indivíduos desprovidos de certos predicados ocidentais, como sua racionalidade e sua linguagem, já que tais carências não seriam razões sufcientes para excluir esses seres dos limites da humanidade. Assim, em tom de manifesto, o autor clama com urgência por flósofos viajantes. O texto de Rousseau, embora velho conhecido dos intérpretes, vale a pena ser lembrado por sua vitalidade e pertinência:
Suponhamos um Montesquieu, um Bufon, um Diderot, um Duclos, um d’Alembert, um Condillac ou homens dessa têmpera, viajando para instruir seus compatriotas, observando e descrevendo, como sabem fazer, a Turquia, o Egito, a Barbária, o Império do Marrocos, a Guiné, o país dos Cafres, o interior da África e suas costas orientais, os Malabares, o Mongol, os rios dos Ganges, os reinos do Sião, de Pegu e de Ava, a China, a Tartária e, sobretudo, o Japão; depois, no outro hemisfério, o México, o Peru, o Chile, as Terras Magelânicas, sem esquecer os patagões (verdadeiros ou falsos), o Tucumã, o Paraguai – se possível –, o Brasil, enfm, as Caraíbas, a Flórida e todas as regiões selvagens. Viagem a mais importante de todas e que seria preciso fazer com o maior cuidado. Suponhamos que esses novos Hércules, retornando de suas excursões memoráveis, fzessem depois com vagar a história natural, moral e política do que tivessem visto, veríamos sair um mundo novo de baixo de suas penas e aprenderíamos assim a conhecer o nosso (Rousseau, 1964, pp. 313-314; 2020, pp. 271-272).
Viagens feitas com cuidado e com método a fm de observar e descrever outros mundos, novos mundos humanos diferentes do mundo europeu ocidental. Como anteriormente sublinhado, o objetivo de Rousseau é duplo: distinguir a animalidade da humanidade e, simultaneamente, mapear a variação humana.
Somente por meio de campanhas bem orientadas e da realização de comparações é que o ser humano chegará a se conhecer verdadeiramente, a divisar seu mundo distinto da animalidade, e, ao mesmo tempo, a compreender seu sistema de referência cultural distinto dos sistemas forjados no seio de outros povos ou agrupamentos humanos. Essas viagens reorganizariam as ciências humanas, colocando-as em um caminho seguro. Para além de um conhecimento imediato de um povo qualquer, Rousseau procura uma ciência assentada em um olhar mais amplo, um olhar distanciado. A exortação de Rousseau de levar a vista ao longe exige a observação atenta das diferenças entre os humanos a fm de conhecer o ser humano em sua especifcidade e propriedade (Rousseau, 1995, p. 394; 2020, p. 313). Sua insistência em um programa efetivo de comparação etnográfca visa a compreender os acidentes como constitutivos das humanidades, observando quais são as possibilidades da perfectibilidade assumidas historicamente pelos mais distintos agrupamentos humanos que habitam ou habitaram o globo terrestre. As viagens oferecem, assim, as condições necessárias para se pensar as formas que a humanidade pôde assumir ao longo dos tempos e de acordo com circunstâncias locais específcas12.
A revolução do conhecimento antropológico depende de viagens bem conduzidas e esse conhecimento reconfgura o próprio mundo europeu e seu discurso flosófco. É como se Rousseau dissesse, lembrando a chave narrativa do “Catatau” de Paulo Leminski (que conta a hipotética história de Descartes, Renatus Cartesius, chegando ao Brasil): se os flósofos ultrapassassem as fronteiras de seus países ou do ocidente conhecido, desembarcando no novo mundo, em algumas ilhas do sudeste asiático, da Oceania ou no interior da África, e retornassem com observações ali colhidas, seriam obrigados a rever, parcial ou completamente, as suas próprias teorias, senão o seu modo de pensar.
O autor sustenta que, por meio dessas viagens e desses relatos flosófcos, seria possível ver “um mundo novo” e, assim, aprenderíamos a melhor “conhecer o nosso”. Isso não implica que reconheceríamos nesse mundo o nosso, forçando identifcações, pois, como mostrara Pierre Clastres, nem sempre o espelho devolve a nossa imagem (Clastres, 2003, p. 35). Signifca que não mais nos reconheceríamos em nosso próprio mundo, já que toda comparação e experiência de uma outra cultura nos oferece a ocasião para fazer uma experiência sobre nossa própria; do mesmo modo, todo contato e experiência de um outro pensamento e flosofa é uma experiência sobre nosso pensamento e nossa flosofa. Assim, as viagens até esses mundos distantes reformulariam a imagem que fazemos de nosso próprio mundo e de nosso pensamento. A imagem dos outros revelaria algo sobre nós, certos aspectos de nossa própria humanidade que não somos capazes de reconhecer como nossos. Por via da imagem do outro, uma outra imagem do mundo surgiria: mais ampla, pois diz respeito a uma imagem do mundo que incorpora a imagem que o outro faz dele. Uma nova imagem, então, do humano, do humanismo, do pensamento, da flosofa, da cultura, da sociedade, da política, etc.
Isso não é tudo. Diz Rousseau no “Discurso sobre a desigualdade” que “os particulares podem ir e vir, parece que a flosofa não viaja, de modo que a de cada povo é pouco própria para um outro” (Rousseau, 1964, p. 212; 2020, p. 269). Algumas interpretações parecem aqui possíveis e não excludentes. O texto tomado em seu conjunto deixa supor que os flósofos deveriam viajar mais e dar voz às narrativas feitas não a partir de interesses comerciais e de conquista, e sim a partir do interesse em estudar e desvendar a história natural do ser humano. Outra possibilidade é que a flosofa dos viajantes se mantém enraizada em seu país de origem, entranhada em uma visão de mundo etnocêntrica, sendo, portanto, a expressão de um sistema cultural particular de determinado povo. Tentemos ainda uma terceira via: existem flosofas no plural que não entram em diálogo, por um sem número de razões, mas que poderiam (Rousseau deixa essa possibilidade aberta) entrar em contato umas com as outras.
Nessa terceira via não basta constatar (como sugerido algumas linhas acima) que a flosofa e os flósofos ocidentais devam simplesmente viajar, pois assim reconheceríamos implicitamente que há um lugar de origem para a flosofa – uma morada –, que ela até pode viajar contanto que volte para casa para contar a história do que viu e ouviu. Ao contrário, não se trata mais do europeu que viaja e percebe o mundo a partir de seus olhos. E sim de uma flosofa que veja o mundo a partir dos olhares, das lentes e experiências dos mais distintos povos e grupos humanos. Não basta à flosofa ocidental viajar para encontrar a diferença – como se ela controlasse a diferença e discursasse sobre ela sem se misturar –, convém que ela se descentralize e dialogue com a diferença dos outros mundos. O surgimento de uma nova flosofa implica, então, a leitura de outras flosofas ou da flosofa dos ditos outros, bem como de seus tradutores. Tal é o caminho para que se possa refetir sobre o mundo e o humano, sobretudo o humano no mundo ou uma proliferação de outros mundos. Não é difícil perceber que esse encontro não produz um simples “discurso sobre” os outros, mas sim um “diálogo com”. Nossa esperança (e também de Rousseau) é que esse diálogo realmente nos transforme e, ao mesmo tempo, transforme a flosofa ao romper os quadros de um racionalismo e de um humanismo sempre estreitos, ao subverter a razão e o humanismo ocidental na perspectiva de que um pensamento outro sobre o humano possa ser lentamente construído em um processo do qual participam também parceiros – como a multidão de não humanos – até então inesperados. Esperança essa que pode ser capaz de ampliar os horizontes tão etnocêntricos e antropocêntricos de nossa flosofa. Um humanismo outro e uma flosofa outra nos quais se imbricam com suas diferenças, algumas inconciliáveis, os pensamentos de Montaigne, Rousseau, Lévi-Strauss, Viveiros de Castro, Kopenawa, Krenak e tantos outros que não separam de modo rígido o ser humano da natureza.
Rousseau se afasta de determinada flosofa ensimesmada, aproximando-se de outra que até poderia se chamar antropologia (ciência jamais nomeada em seus escritos). Talvez aqui não seja de todo descabido sugerir um paralelo hipotético entre Rousseau e Lévi-Strauss, na medida em que este lembra no posfácio da edição dedicada ao parentesco da revista “L’Homme” de 2000 seu contentamento com a nova antropologia voltada ao estudo dos povos indígenas em sua aproximação com a flosofa, a bem dizer, não aquela flosofa autocentrada da qual ele fzera questão de se apartar, mas da flosofa dos outros, ou seja, as flosofas indígenas (Lévi-Strauss, 2000, p. 720). Rousseau considera que a flosofa precisa se aproximar de algo que chamaríamos de antropologia, ao passo que Lévi-Strauss julga que a antropologia se aproxima da flosofa. Seja em um, seja outro caso, concebe-se a flosofa não como algo ensimesmado, mas sim como uma disciplina habitada por gente – para lembrar aqui a fórmula lapidar de Tim Ingold, segundo a qual “antropologia é flosofa com gente dentro” (Ingold, 1992, p. 696) –, por pessoas comuns e por outros povos do planeta, outras gentes; uma flosofa que busca passar de um “nós” exclusivo ocidental para um “nós” inclusivo global.
Considerações fnais
O mito exclusivista da natureza humana foi abordado por diversos autores em diferentes versões. Apontamos neste estudo alguns deles e decidimos seguir de perto a versão de Rousseau, o que, desnecessário dizer, não esgota o tema, apenas sugere a nós e aos leitores a necessidade de continuar o trabalho abordando e elaborando as flosofas dos demais sobre o assunto, estabelecendo aproximações e diferenças entre elas. A escolha por Rousseau justifca-se na medida em que o autor expõe as raízes flosófcas do problema, mostrando seu desenvolvimento até culminar na exclusão da alteridade. Um problema metafísico-político-flosófco expresso na modernidade que encontra espaço fértil de existência ainda hoje, sobretudo em virtude dos efeitos que atingem em cheio os povos e seres excluídos, mas que também deixam marcas indeléveis no próprio seio do mundo ocidental, ameaçando-o tanto quanto ameaça toda a diversidade das formas de vida e de existência.
Rousseau considera que o ser humano é o ser vivo melhor organizado e possui uma natureza exclusiva, um próprio que o distingue metafsicamente dos demais viventes não humanos. Ao mesmo tempo, defende que essa natureza não se apresenta na experiência primitiva como tal, como exclusiva. E mesmo que o ser humano venha a se perceber como um ser vivo dotado de maior dignidade, tal fato não deve obliterar sua natureza sensível. A consciência da especifcidade humana não apaga a comunhão do mundo sensível, partilhada com os seres animados. A piedade e seus efeitos tornam-se os signos constantes dessa lembrança e temperam, por assim dizer, o ardor narcísico e antropocêntrico do ser humano, amenizando-o ou amortecendo-o. Tal perspectiva funda um humanismo outro, um humanismo para além do homem, pois abarca em seu interior humanos e não humanos.
No entanto, o ser humano veio justamente a esquecer de parte de sua natureza, guardando apenas a lembrança de sua especifcidade. Como não cansa de repetir Kopenawa, o ocidente está mesmo cheio de esquecimento. Os ramos desse especismo antropocêntrico foram ganhando força e se estendendo até abarcar elementos da ordem social, instaurando a desigualdade político-social, o etnocentrismo, o racismo, etc. Em suma, o processo de (des)humanização ocidental descrito por Rousseau – mas não apenas por ele – e comentado por Lévi-Strauss apoia-se sobre duas distinções: entre humanos e demais existentes não humanos e entre humanidade e sub-humanidade. Tais distinções completam o ciclo maldito de exclusão e instauram no ocidente a diferença radical entre o eu e o outro ou entre o “nós” e o “eles” (desimportantes e descartáveis); um nós humano e um outro, seja este um animal não humano seja um humano menos que humano. Instaura-se, assim, uma imagem exclusiva de humanidade, qual seja, aquela que refete as forças econômicas e políticas triunfantes, bem como um discurso flosófco único, autocentrado e ensimesmado, máquina de propaganda deste seleto clube humano, projeto ideológico de universalidade, refexo de uma particularidade histórica e local, insensível a toda e qualquer alteridade.
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Adotamos como referência a edição das obras completas de Rousseau em francês organizadas por Bernard Gagnebin e Marcel Raymond, Col. Bibliothèque de la Pléiade, 5 volumes, 1959-1995. Quando necessário, as traduções para o português a partir do idioma francês serão de nossa autoria. As passagens do “Emílio” citadas neste texto contaram com a tradução de Thomaz Kawauche, a quem agradecemos por gentilmente ter disponibilizado sua tradução desta obra de Rousseau (no prelo). Mesmo não seguindo rigorosamente as traduções existentes em língua portuguesa do “Discurso sobre a desigualdade” e do “Ensaio sobre a origem das línguas”, foi adotada a edição em português organizada por Pedro Paulo Pimenta dos escritos sobre a política e as artes (Rousseau, 2020) para uma leitura cotejada com as obras em idioma francês. As citações dessas duas obras de Rousseau aparecerão com a paginação em referência à edição francesa, seguida da paginação da edição em português (2020). O mesmo procedimento foi adotado para as obras de Lévi-Strauss: as citações aparecerão com a paginação das edições francesas, seguida da paginação das edições em português.
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Marshall Sahlins (2008) fala em “ilusão ocidental da natureza humana”.
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Os yanomami em seus mitos sobre as origens consideram que o mundo nos primeiros tempos era composto apenas de gente, yarori. Essa gente era os ancestrais humanos com nomes de animais que se transformaram: suas peles se tornaram animais de caça e suas imagens, espíritos xapiri. Por isso, os xapiri “sempre consideram os animais como antepassados, iguais a eles mesmos, e assim os nomeiam. Nós também, por mais que comamos carne de caça, bem sabemos que se trata de ancestrais humanos tornados animais. São habitantes da foresta, tanto quanto nós. [...] Hoje, atribuímos a nós mesmos o nome de humanos, mas somos idênticos a eles. Por isso, para eles, continuamos sendo dos seus” (Kopenawa; Albert, 2015, pp. 116-118). Os animais “são gente, como nós”, são humanos animais e “embora sejamos humanos, eles nos chamam pelo mesmo nome que dão a si mesmos”, o que faz com que a condição excepcional que os humanos reivindicam para si (“nós, que não viramos caça”) apareça como obra de fngimento e auto dissimulação: “por isso acho que nosso interior é igual ao da caça, mesmo se atribuímos a nós mesmos o nome de humanos, fngindo sê-lo” (Kopenawa; Albert, 2015, p. 473).
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A relevância deste parágrafo foi também percebida por Viveiros de Castro quando compara as flosofas ocidentais e ameríndias (2002a, p. 370, nota 27). Recorrer a Lévi-Strauss e Viveiros de Castro importa na medida em que eles são tradutores do pensamento ameríndio para o Ocidente, ou melhor, são construtores de pontes entre a flosofa ocidental e a ameríndia.
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O leitor interessado em melhor analisar a noção de perfectibilidade e a exclusividade da natureza humana em Rousseau poderá consultar nosso artigo dedicado ao tema, “A perfectibilidade segundo Rousseau” (Bandera, 2019a).
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O amor-de-si é apresentado no “Discurso” como um princípio não racional que garante tanto aos humanos quanto aos animais a preservação e a busca pelos meios de satisfazer suas respectivas necessidades.
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“Ele jamais fará mal a outro homem nem sequer a nenhum ser sensível, exceto no caso legítimo em que, estando em jogo sua conservação, é obrigado a dar preferência a si mesmo. Por esse meio, terminam-se também as antigas disputas sobre a participação dos animais na lei natural. Está claro que, desprovidos de luzes e de liberdade, não podem reconhecer essa lei. Mas, relacionados de certo modo com nossa natureza pela sensibilidade de que são dotados, julgar-se-á que também devem participar do direito natural e que o homem está sujeito a uma espécie de dever para com eles. Parece de fato que, se sou obrigado a não fazer nenhum mal ao meu semelhante, é menos porque ele é um ser racional quanto porque é um ser sensível; qualidade que, sendo comum ao animal e ao homem, deve ao menos dar a um o direito de não ser maltratado inutilmente pelo outro” (Rousseau, 1964, p. 126; 2020, pp. 165-166).
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O leitor interessado em melhor analisar a fgura dos grandes primatas antropoides no século XVII e XVIII (Nicolaes Tulp, Edward Tyson, Lineu, La Mettrie, Bufon, Rousseau, Monboddo), sobretudo ao longo da nota X do “Discurso sobre a desigualdade”, poderá consultar o capítulo II de nossa tese de doutorado, particularmente a seção 2.1, intitulada “Homo sylvestris e Homo ferus: sobre o alargamento do conceito de homem” (Bandera, 2018).
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Tanto as passagens das “Cartas” quanto do “Discurso” se contrapõem diretamente a já aludida, mas ainda não citada, passagem do livro IV do “Emílio”, na qual Rousseau considera o ser humano o rei do mundo: “Que ser aqui embaixo, exceto o homem, sabe observar todos os demais, medir, calcular, prever seus movimentos, seus efeitos, e somar, por assim dizer, o sentimento da existência comum ao de sua existência individual? O que há de tão ridículo em pensar que tudo é feito para mim, se sou o único que sabe tudo relacionar consigo mesmo? É verdade, portanto, que o homem é o rei da terra que habita, pois, não somente ele doma todos os animais, não somente dispõe dos elementos por sua indústria, mas também só ele na terra sabe dispor deles, e ainda se apropria, pela contemplação, até mesmo dos astros de que não pode aproximar-se. Mostrem-me outro animal na terra que saiba fazer uso do fogo e que saiba admirar o sol. Qual! Posso observar, conhecer os seres e suas relações; posso sentir o que é ordem, beleza e virtude; posso contemplar o universo, elevarme até a mão que o governa; posso amar o bem e praticá-lo; e comparar-me-ia aos animais? Alma abjeta, é tua triste flosofa que te torna semelhante a eles; ou antes, queres em vão aviltar-te, teu gênio depõe contra teus princípios, teu coração benfazejo desmente tua doutrina, e o próprio abuso de tuas faculdades prova a excelência delas, apesar de ti” (Rousseau, 1969, p. 582). A adoção de uma perspectiva antropocêntrica traz frequentemente em seu bojo elementos etnocêntricos, eis o que tem demonstrado nossa análise. Rousseau parece não escapar ele próprio desta sina, ao menos é o que sugere as seguintes passagens do livro I do “Emílio”, que podem ser lidas como uma profssão de fé etnocêntrica: “a região não é indiferente à cultura” dos seres humanos; eles “são tudo o que eles podem ser somente nos climas temperados”. Ou ainda, “parece que a organização do cérebro é menos perfeita nos dois extremos. Nem os negros nem os lapões possuem o senso dos europeus” (Rousseau, 1969, pp. 266-267).
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No Totemismo hoje, Lévi-Strauss defende que a chave do totemismo foi concebida por Rousseau muitos anos antes da aparição das primeiras noções sobre o tema. O ser humano adquire a capacidade de se distinguir como ele distingue seus semelhantes (incluindo os animais), isto é, toma a diversidade das espécies como suporte conceitual da diferença social (Lévi-Strauss, 2008, p. 544; 1976, p. 182).
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Casos de asselvajamento de homens e mulheres condenados, desde muito cedo, a uma vida privada de todo o contato e comércio com seus semelhantes.
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Sobre a importância das viagens, do método comparativo e da educação do olhar para a antropologia de Rousseau, remetemos o leitor ao nosso artigo “O olhar distanciado: o programa etnológico de Rousseau” (Bandera, 2019b).
Agradecimentos
Gostaria de agradecer à Karen Shiratori por suas correções ao argumento deste texto e por suas valiosas sugestões, bem como a Ciro Lourenço Borges por sua atenciosa leitura e importantes observações.
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
31 Ago 2020 -
Aceito
05 Mar 2021