Open-access CIÊNCIA, IMAGINAÇÃO E VALORES NA VIRADA ENERGÉTICA ALEMÃ: UM EXEMPLO DA METODOLOGIA DE NEURATH PARA A TECNOLOGIA SOCIAL

SCIENCE, IMAGINATION AND VALUES IN THE GERMAN ENERGY TURN: AN EXAMPLE OF NEURATH’S METHODOLOGY FOR SOCIAL TECHNOLOGY

RESUMO

O utopianismo científico de Neurath é a proposta para que as ciências sociais se envolvam na elaboração, desenvolvimento e comparação de cenários contrafactuais, as ‘utopias’. Tais cenários podem ser entendidos como peças centrais de experimentos de pensamento científicos, isto é, em exercícios da imaginação que não apenas promovem a revisão conceitual, mas também estimulam a criatividade para lidar com problemas vivenciados, já que utopias são esforços para imaginar como o futuro poderia ser. Ademais, experimentos de pensamento utópicos podem oferecer conhecimento científico para informar debates e decisões políticas, contribuindo para formatar a sociedade. Este ensaio reconstrói um evento histórico como um exemplo da metodologia utopianista de Neurath. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, uma comissão científica e política designada pelo parlamento da Alemanha Ocidental inventou e comparou quatro cenários para políticas energéticoeconômicas futuras. Conclusões da comissão informaram decisões políticas que puseram a Alemanha Ocidental (e depois reunificada) em um caminho para se tornar uma potência industrial verde. Uma parte fundamental do trabalho da comissão envolveu um apelo à imaginação, permitindo a caracterização sob a metodologia de Neurath.

Palavras-chave: Empirismo lógico; Economia e ecologia; Filosofia das ciências sociais; Imaginação científica; Experimentos de pensamento; Ciência, tecnologia e sociedade

ABSTRACT

Neurath’s scientific utopianism is the proposal that the social sciences should engage in the elaboration, development, and comparison of counterfactual scenarios, the ‘utopias’. Such scenarios can be understood as centerpieces of scientific thought experiments, that is, in exercises of imagination that not only promote conceptual revision, but also stimulate creativity to deal with experienced problems, as utopias are efforts to imagine what the future could look like. Moreover, utopian thought experiments can offer scientific knowledge to inform political debates and decisions, contributing to the shaping of society. This essay reconstructs a historical event as an example of Neurath’s utopianist methodology. In the late 1970s and early 1980s, a scientific and political commission appointed by the Western German Parliament devised and compared four scenarios for future energetic-economic policies. Conclusions of the commission informed political decisions that put Western (later reunified) Germany in a route towards becoming a green industrial power. A fundamental part of the commission’s work involved an appeal to imagination, allowing for the characterization under Neurath’s methodology.

Keywords: Logical empiricism; Economics and ecology; Philosophy of social science; Scientific imagination; Thought experiments; Science, technology and society

Introdução

Otto Neurath (1882-1945), integrante do Círculo de Viena e representante da filosofia do empirismo lógico, apresenta uma interessante concepção da metodologia das ciências sociais que permite colocá-las em uma perspectiva tecnológica. Ele via nas teorias dessa área um potencial para desenvolver propostas de reforma social, oferecendo conhecimento para o debate político a respeito da transformação de nossa sociedade. Este ensaio caracterizará um evento histórico, ocorrido no final do século XX na Alemanha, nos termos da concepção de Neurath. Isto é, veremos que cientistas elaboraram propostas de transformação social, projetaram seu desenvolvimento futuro e realizaram comparações entre essas propostas. Com isso, cientistas aprovisionaram um debate político no qual foram tomadas decisões que ainda têm impacto na sociedade alemã.

Estamos nos referindo à chamada Energiewende, a transição energética que a Alemanha tem realizado nas últimas décadas, adotando cada vez mais fontes renováveis de energia. Essa transição na política energética e econômica, como veremos, foi fortemente influenciada por uma discussão científica e tecnológica realizada entre 1979 e 1983 pela Enquete-Kommission Zukünftige Kernenergie-Politik, a Comissão de Pesquisa sobre Política Energética Nuclear Futura designada pelo Parlamento Alemão. Com isso, por meio de um exemplo, esperamos mostrar que a proposta metodológica de Neurath para as ciências sociais em uma perspectiva tecnológica, apesar de ter sido apresentada há cerca de um século, ainda pode nos auxiliar a compreender filosoficamente a ciência e o mundo contemporâneo.

Para realizar esse objetivo, a primeira seção apresenta a metodologia de Neurath, o chamado utopianismo científico. Em seguida, a segunda seção apresenta em linhas gerais a Energiewende alemã e a terceira discute os trabalhos da Enquete-Kommission, caracterizando-os na metodologia proposta por Neurath. A quarta seção se concentra no trabalho de um dos integrantes da Enquete-Kommision, o físico e filósofo Klaus Michael Meyer-Abich, que apresentou um importante argumento para que a discussão não se pautasse apenas em questões de economia e ecologia, mas também em questões sociais. Veremos que o argumento de Meyer-Abich exige um recurso à imaginação, o que permite uma aproximação à metodologia de Neurath, que, como também veremos, faz uso de experimentos de pensamento. A quinta seção realiza uma discussão sobre ciência, tecnologia, política e valores, preparando o caminho para as considerações finais do ensaio sobre a atualidade da filosofia de Neurath.

1. As Utopias de Neurath

Para Neurath, o objeto de estudo das ciências sociais deve ser compreendido como algo complexo, composto por elementos que podem ser estudados por diferentes disciplinas, como a sociologia, a economia, a psicologia, a antropologia, a história etc., e também pelas disciplinas das chamadas ciências naturais, incluindo a física, a química, a geologia, entre outras. Apesar dessa divisão metodológica, o interesse das ciências sociais está na complexidade do objeto, em seu caráter multifacetado. Para descrever essa complexidade, Neurath usa o termo alemão Ballung, que pode ser traduzido como agregado ou aglomerado, dando a ideia de que se trata de um bloco complexo (Neurath, 1944/1970; Cartwright et al., 1996; Cat, 1995).

Apesar dessa diferença de direcionamento metodológico, é importante observar que Neurath era um defensor da unidade da ciência, assim como seus colegas do Círculo de Viena. No entanto, para Neurath, assim como para outros integrantes do grupo, essa unidade não deve ser entendida na forma de redução de todas as ciências à física, mas na compreensão de que todas as disciplinas científicas tratam, direta ou indiretamente, de objetos e eventos à nossa volta. Isto é, mesmo as teorizações mais abstratas de cada um dos ramos específicos da ciência empírica devem poder ser remetidas a algo que pode ser experienciado e descrito em linguagem cotidiana. Com isso, todas as áreas da ciência se interligam porque dizem respeito ao mundo empírico, o que se reflete na capacidade da ciência unificada de fazer predições bem-sucedidas. Nas palavras de Neurath, “todas as leis da ciência unificada devem ser capazes de ser ligadas umas às outras para que possam realizar a tarefa de predizer sempre que possível eventos individuais ou grupos de eventos” (Neurath, 1931/1983, p. 68). A diferença metodológica, dessa forma, está no fato de que as ciências sociais tendem a se direcionar a fenômenos de complexidade mais elevada. Assim, a abordagem de diversas disciplinas se faz mais relevante. Nas ciências naturais, em geral, embora também tenham como ponto de partida os objetos e eventos complexos à nossa volta, a abordagem disciplinar com um recorte restrito é frequentemente satisfatória.

Em conformidade com esse ponto de vista, propostas científicas para a melhoria das ordens sociais existentes não podem se restringir a reformas localizadas e minimalistas, mas devem ter em vista que tais reformas podem produzir alterações em todo o agregado, ou Ballung. Dessa forma, Neurath propõe que a ciência social lide com utopias em seus esforços tecnológicos, concebendo tantos efeitos das reformas propostas quanto for possível. As utopias de Neurath são modelos abrangentes de situações sociais (não necessariamente englobando a sociedade como um todo), em que se buscam compreender quais as implicações que uma proposta pode ter. O objetivo é promover o debate social por meio da comparação entre ordens sociais. Indo além dos exercícios filosóficos e literários de imaginar a sociedade ideal, o utopianismo científico de Neurath se apresenta como um esforço científico para promover a comparação sistemática entre ordens sociais existentes, historicamente dadas, e ordens sociais imaginadas. Nesse processo de utopística comparativa, cientistas apresentam e desenvolvem propostas de arranjos sociais que poderiam ser implementados e mostram como essas propostas se relacionam com os objetivos de uma comunidade (Neurath, 1919/1979; cf. Nemeth, 1982/1991; Uebel, 2008). A partir desses recursos, a comunidade teria condições de discutir politicamente as propostas apresentadas e valorálas, identificar se são adequadas ou inadequadas, e tomar decisões a respeito de implementar as reformas ou não.

O papel da ciência social na proposta metodológica de Neurath não é o de fornecer planos para resolver de uma vez por todas os problemas de uma comunidade ou sociedade. O objetivo é estimular a imaginação das pessoas em uma comunidade, para que considerem como seu arranjo social poderia ser no futuro. Esse estímulo à imaginação por meio de exercícios com cenários contrafactuais, ao promover um aumento da criatividade, contribui para formar a consciência de que as situações que vivenciamos não são inevitáveis, de que outras ordens sociais são possíveis. Além disso, esses exercícios, por levarem em consideração uma pluralidade de aspectos e propostas, auxiliam comunidades a tomarem decisões informadas. Mas o papel de tomar essas decisões não cabe à ciência na proposta de Neurath, permanecendo no domínio da política.

Essa perspectiva exibe uma separação entre fatos, domínio da ciência, e valores, domínio da política. Essa separação vem da percepção de que a ciência é necessariamente um empreendimento plural que pode dar suporte a variados pontos de vista. A ciência não teria condições, na concepção de Neurath, de oferecer respostas unívocas para questões de valores, apontando qual seria o melhor arranjo social. As respostas da ciência nem mesmo podem ser concebidas como absolutamente corretas. O papel da ciência é apenas o de aumentar o leque de possibilidades para lidar com um futuro incerto.

Isso se reflete na famosa metáfora criada por Neurath segundo a qual “somos como marinheiros que precisam reconstruir seu barco em mar aberto, sem jamais poder desmontá-lo em doca seca, e reconstruí-lo ali com os melhores componentes” (Neurath, 1932/1983, p. 92). Ou seja, não temos como construir aquilo que concebemos como o melhor arranjo social possível - precisamos permanecer na velha estrutura e lidar com vendavais e ondas trovejantes (Neurath, 1944/1970, p. 47). Ao mesmo tempo que produzimos algo com os nossos melhores esforços, devemos ter consciência da possibilidade de alternativas e da possibilidade de que podemos modificar o nosso futuro. O estímulo à imaginação e o levantamento de informações e condições para considerar a implementação daquilo que é imaginado são as contribuições da ciência, como Neurath concebe, para a melhoria da sociedade.

Assim, ao colocar a ciência social em uma perspectiva tecnológica, isto é, em um esforço para imaginar ordens sociais e auxiliar comunidades a implementá-las, Neurath nos faz perceber uma limitação da própria ciência. Entender essa limitação da ciência é importante para podermos conceber o espaço da política nos esforços para o melhoramento da sociedade. Mesmo que fortemente amparados pelo nosso melhor conhecimento científico, a tecnologia social apresenta uma dimensão política, um domínio de decisões, as quais não podem ser tomadas pela ciência.

Essa relação entre ciência e política aparece também em um aspecto enfatizado por pesquisas recentes sobre o utopianismo científico de Neurath. Linsbichler e da Cunha (2023), enfatizando o papel da criatividade na proposta de Neurath, traçam uma relação entre o utopianismo científico de Neurath, a metodologia de experimentos de pensamento e o assessoramento científico em políticas. Nessa perspectiva, as utopias, os modelos contrafactuais da sociedade, desempenham um papel em argumentos que buscam desvelar contradições em nossos aparatos conceituais. As utopias e os exercícios que fazemos com elas nos mostram, de acordo com esse ponto de vista, que aspectos teóricos que tomamos como dados em nossos raciocínios são problemáticos e necessitam de revisão. Vemos isso ao longo da tradição utópica na filosofia e na literatura: por exemplo, na discussão levantada por Thomas More, de que poderia haver outro jeito de organizar a sociedade; e também no Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, que mostrou que uma sociedade organizada com técnicas de melhoramento genético pode não ser um paraíso na terra. E vemos isso também nas ciências naturais, quando Galileu nos pede para imaginar corpos caindo em situações que contrariam o que nossas teorias nos dizem, ou quando Schrödinger nos convence que objetos macroscópicos (como gatos) não podem se comportar da mesma maneira que objetos quânticos. No entanto, nesses exercícios de imaginação, permanece a necessidade de decisões: como se sabe na filosofia da ciência desde o início do século XX (cf. Duhem, 1906/2007), os experimentos, convencionais ou de pensamento, não nos comprometem necessariamente a uma decisão específica, de aceitar ou rejeitar, uma teoria, por exemplo. No que diz respeito à implementação de propostas das ciências sociais, parece sempre haver espaço para o debate político.1

Convém ressaltar, seguindo Linsbichler e da Cunha (2023), que a metodologia de experimentos de pensamento se encaixa na filosofia da ciência de Neurath - embora possamos, com razão, questionar como é possível que exercícios da imaginação produzam conhecimento (cf. Brown; Fehige, 2022), especialmente em uma perspectiva empirista (cf. Norton, 2004). Como vimos, uma característica importante da ciência unificada, na concepção de Neurath, é a capacidade de realizar predições. Porém, como diferenciar a ciência de uma mera criação da imaginação, uma fantasia que, por pura sorte, faz predições bem-sucedidas? Essa é uma questão complicada, pois, dado o caráter falível da ciência, ilustrado pela metáfora do barco, não temos uma maneira absolutamente certa ou garantida de fazer essa diferenciação - não podemos “desembarcar” ou sequer aportar para poder avaliar a embarcação de um ponto de vista externo. Nesse esforço, usamos a nossa própria imaginação, como escreve Neurath: “reconhece-se completamente o real apenas quando se examina também o possível” (Neurath, 1919/1979, p. 240). Ou seja, a compreensão e comparação do conhecimento em relação ao que poderia ser o caso é um instrumento para manter o barco navegando. Como comenta Thomas Uebel (1996, p. 109) a partir da passagem que citamos, “a própria discussão da possibilidade de alternativas pode reformular todo um panorama intelectual”. Nesse sentido, também Elisabeth Nemeth (1996, p. 12) afirma que “a abordagem científica da realidade é, de acordo com Neurath, inevitavelmente utópica: a ciência que ele nos propõe não pode dizer nada sobre a realidade ‘no singular’, pois ela analisa a realidade ‘dada’ ao colocá-la ao lado de outras possibilidades […]”. Ao concebermos alternativas aos arranjos existentes, confrontamos nossos referenciais conceituais e teóricos com cenários que tomamos como possíveis e, assim, temos oportunidade de reorganizar tais referenciais. Considerando que é a partir desses referenciais - a partir da ciência unificada - que produzimos predições, temos condições de aprimorar o conhecimento científico.

Para Neurath, isso é particularmente importante nas ciências sociais, pois nessa área o repertório de arranjos sociais existentes e passados é bastante pequeno se comparado ao que podemos imaginar. Como exemplo, Neurath menciona que “temos estudos muito bons sobre correlações de mercado, mas não sabemos em que condições essas correlações se mantêm válidas […]” (Neurath, 1944/1970, p. 30). Uma tal compreensão só poderia surgir com o estudo de uma grande quantidade de situações parecidas, o que pode não ser possível nas ciências sociais caso a pesquisa se limite aos arranjos sociais que existem atualmente ou que sabemos que existiram no passado. Dessa forma, o utopianismo científico é a maneira que ele propõe para superar essa limitação. Nessa proposta, ele se inspira no que ocorre na mecânica: ele nos explica que a engenharia mecânica, caso se ocupe apenas de arranjos existentes, “lida com uma seleção de certos agregados, por exemplo, motores a vapor historicamente dados e certos motores a vapor planejados, mas não com todos os motores a vapor possíveis; ao passo que a mecânica científica tenta lidar com todos os tipos possíveis de alavancas” (Neurath, 1944/1970, p. 31). Completando a analogia, para compreendermos até que ponto nosso conhecimento da sociedade funciona, precisamos, de acordo com Neurath, checar como esse conhecimento se articula com possibilidades imaginadas. Assim, no processo de imaginar, desenvolver e discutir cenários possíveis, temos a oportunidade de ampliar nosso conhecimento em geral. É esse conhecimento sobre o que é possível que, na visão de Neurath, fomenta o debate político.

Como apresentado na introdução, este ensaio traz, nas próximas seções, uma leitura de um evento na história política e econômica da Alemanha no final do século XX reconstruído como um exemplo da metodologia de Neurath. Veremos que cientistas de diversas áreas se reuniram a pedido do Parlamento alemão e conceberam uma variedade de alternativas sobre como a sociedade futura poderia ser organizada. Diante do desenvolvimento, comparação e discussão dessas alternativas, no âmbito científico, o Parlamento pôde desenvolver um debate para tomar decisões políticas.

2. A Energiewende na Alemanha

Um assunto que ganhou as notícias de grande parte do mundo recentemente é a questão energética na Alemanha, a principal potência industrial da União Europeia e uma das principais superpotências econômicas do mundo. O motivo para a atenção dada à questão energética alemã foi que, com o início da guerra entre Rússia e Ucrânia em 2022, tornou-se evidente um trunfo da Rússia contra sanções econômicas por parte da União Europeia: o fato de que, mais do que outros países do bloco, a Alemanha depende de gás natural importado daquele país para manter sua indústria em funcionamento. Enquanto este texto é escrito, a tensão diplomática aumenta à medida que a Rússia ameaça reduzir ou cortar a oferta do combustível caso suas intenções expansionistas não recebam anuência por parte dos países europeus (cf. Deutsche Welle, 2022; McGuinness, 2022).2

Cerca de dez anos antes, a questão energética alemã já tinha chamado a atenção dos noticiários quando o país decidiu abandonar o uso de energia nuclear, desativando grande parte de seus reatores e comprometendo-se a desativar todos até o final de 2022 (cf. BBC News, 2011).3 Essa decisão seguiu uma mudança na opinião pública a respeito da energia atômica ocorrida após o acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011. Essa decisão foi apenas um ajuste de percurso no processo chamado de Energiewende, “virada energética”, que designa a transição para fontes renováveis de energia realizada pela Alemanha desde 2010. Outras metas da Energiewende são a desativação das usinas movidas a carvão até 2038 e a redução drástica da emissão de gases relacionados ao efeito estufa até 2050 (cf. Reis, 2017).

Entre a desativação das usinas nucleares e a recente tensão com a Rússia, a questão energética alemã também recebeu atenção, nem tanto nas primeiras páginas dos noticiários, mas nos cadernos mais especializados de economia. Isso se deu em 2015, quando a Alemanha anunciou o chamado “desacoplamento” entre seu crescimento econômico e seu consumo de energia (cf. Eddy, 2015). De acordo com Gross (2017, pp. 514-515), isso representou um rompimento com um padrão dos países desenvolvidos, no qual o crescimento do PIB acompanha o crescimento do uso de energia. Ao desacoplar as duas medidas, a Alemanha mostrou que sua Energiewende não estava afetando seu status de superpotência industrial: mesmo em processo de desativar seus reatores nucleares e, de fato, usando menos energia, de quaisquer fontes, a economia alemã continuava crescendo.

Esse feito, que parece ser um divisor de águas na intersecção entre a economia e a ecologia, não foi resultado nem de uma evolução natural da economia alemã, nem de um planejamento em curto prazo. Pelo contrário, como nos explica Gross (2017, p. 515), o desacoplamento “está no final de uma longa cadeia de desenvolvimentos que fez da Alemanha líder global em energia”. De acordo com o autor, o final da década de 1970 foi determinante para que a Alemanha se diferenciasse de outras superpotências, como EUA, Reino Unido e França: em reação às crises do petróleo de 1973 e 1979, estes países optaram por “priorizar a expansão de sua oferta de energia”, seja expandindo sua rede de usinas nucleares, seja assegurando acesso a combustíveis fósseis; os líderes políticos e especialistas da Alemanha Ocidental, em contrapartida, “começaram a pensar seriamente em reduzir a demanda por energia” (Gross, 2017, p. 515).

A motivação para esse percurso diferenciado na Alemanha Ocidental (e depois reunificada), ainda de acordo com Gross (2017), parece ter origem em três fatores. Em primeiro lugar, podemos mencionar as bem conhecidas crises internacionais do setor energético, como as já mencionadas crises do petróleo nos anos 1970; o acidente na usina nuclear de Chernobyl em 1986, que levantou questionamentos em diversos setores da sociedade sobre a segurança da energia nuclear; e a degradação florestal em larga escala no hemisfério norte a partir de 1980, no fenômeno conhecido em língua alemã como Waldsterben, que foi atribuído à deterioração do meio ambiente. Esse primeiro fator parece ter afetado todas as grandes potências industriais de maneira semelhante. Um segundo fator é o surgimento de movimentos ambientalistas de base, ocorrido em diversos países desenvolvidos, especialmente na Europa. Neste caso, temos um diferencial na Alemanha em relação aos outros países desenvolvidos, que foi a entrada precoce do movimento ambientalista no sistema político alemão, ocorrida já em 1983, quando o Partido Verde (Die Grünen), fundado três anos antes, conseguiu eleger representantes para o Parlamento do país.4 Porém, além desses dois fatores, Stephen Gross aponta um terceiro, que é o que nos interessa mais neste texto:

a disseminação de um novo corpo de conhecimentos sobre economia energética nos ajuda a entender a divergência da Alemanha em relação aos outros grandes estados industrializados em sua resposta aos desafios das décadas de 1970 e 1980. Este terceiro referencial explicativo complementa as narrativas das crises exógenas e do movimento Verde ao mostrar como nova expertise econômica incitou Alemães Ocidentais a reconceitualizarem a relação entre crescimento e energia, permitindo-lhes imaginar um futuro no qual o desacoplamento seria possível tecnologicamente, tanto quanto politicamente (Gross, 2017, p. 517, ênfase nossa).

O trecho que grifamos na passagem citada acima traça uma relação entre as noções de reconceitualização e de imaginar um futuro. Já vimos acima que a ideia de imaginar como poderia ser o futuro faz parte do utopianismo científico de Neurath. Mencionamos também que as utopias de Neurath podem ser compreendidas como partes de processos de experimentação de pensamento, os quais promovem justamente a reconceitualização, isto é, a reorganização dos conceitos científicos para lidar com situações possíveis que não estavam originalmente previstas nas teorias. Veremos agora como a expertise econômica de que fala Gross adentrou o debate político alemão da década de 1980 e desenvolveremos nossa descrição do processo a partir da proposta metodológica de Neurath.

3. A Comissão sobre Política Energética Nuclear Futura

Desde o início da década de 1970, o Parlamento alemão organiza comissões, chamadas Enquete-Kommissionen, que reúnem parlamentares e especialistas para discutir os mais variados assuntos polêmicos e relevantes para a política do país. O objetivo é equilibrar os diferentes grupos de interesse da sociedade e chegar a um acordo a respeito de uma orientação para decisões futuras do Parlamento. Em 1979, diante das crises do setor energético e das intensas manifestações populares contra a energia nuclear, que até então era amplamente considerada a alternativa ótima aos combustíveis fósseis, o Parlamento designou a Enquete-Kommission sobre Política Energética Nuclear Futura [Zukünftige Kernenergie-Politik] (Bundestag, s/d).5 A comissão foi composta por sete parlamentares, sendo quatro representando a coligação do Partido Social-Democrata (SPD) com o Partido Democrático Liberal (FDP), grupo que estava no poder na época, e três representando a coligação da União Democrata Cristã (CDU) com a União Social Cristã (CSU), grupo de oposição. Ao lado destes, a comissão reunia oito especialistas: três pesquisadores da área de física nuclear, sendo dois atuantes em universidades e um atuante na indústria; dois pesquisadores de questões ambientais; um pesquisador da área de economia, especializado em questões energéticas; um representante da federação dos sindicatos da Alemanha; e um físico-filósofo, Klaus Michael Meyer-Abich, de quem falaremos mais adiante (cf. Enquete-Kommission, 1980, p. 4).

De acordo com Gross (2017, p. 540), essa composição plural fez com que as questões levantadas pela comissão fossem extraídas “diretamente do novo paradigma, dando a este uma nova legitimidade”. Isto é, a comissão tomou o rumo daquelas novas ideias econômicas, de que falávamos na seção anterior, as quais promoveram a mudança conceitual no cenário alemão. Além disso, como continua Gross, a comissão não se limitou a dar conselhos técnicos sobre o fomento ou não ao desenvolvimento de novas tecnologias atômicas, mas buscou também fazer recomendações que levavam em conta

os efeitos de diferentes tecnologias energéticas sobre a vida social. E os critérios usados para julgar as opções da Alemanha incluíram o conceito de compatibilidade social criado por Meyer-Abich, ao lado da viabilidade econômica, da compatibilidade com normas internacionais e da sustentabilidade ambiental (Gross, 2017, p. 540; cf. também Enquete-Kommision, 1980, pp. 12-13).

A comissão ficou ativa até 1983, tendo produzido três relatórios e tendo apresentado recomendações para o Parlamento. O aspecto para o qual gostaríamos de chamar a atenção aqui é que a parte mais importante do trabalho da comissão foi a elaboração, simulação e discussão de quatro cenários energético-econômicos e sua comparação em projeções para cinquenta anos (de 1980 a 2030). É interessante notar que “o objetivo era o de esclarecer as premissas subjacentes e as consequências de cada cenário” (Conrad, 1982, p. 246), e não escolher um cenário em específico, como veremos. De maneira bastante resumida, os quatro cenários são:6

(C1) Um primeiro cenário previa a manutenção das taxas de crescimento econômico mediante uma forte expansão do uso da energia nuclear e a manutenção da disponibilidade da energia proveniente de combustíveis fósseis. Este cenário era apenas a continuação da matriz econômica e energética do país na época e, por isso, foi chamado o “cenário ‘oficial’”.

(C2) O segundo cenário previa a redução moderada das taxas de crescimento econômico, introduzindo medidas de conservação de energia e de redução do uso de combustíveis fósseis, mas, ao mesmo tempo, expandindo moderadamente o uso da energia nuclear.

(C3) O terceiro cenário previa uma mudança radical na estrutura econômica, aumentando a importância do setor de serviços sem um aumento do protagonismo da indústria básica; a taxa de crescimento econômico teria a mesma redução moderada de (C2) mediante a introdução de medidas de conservação de energia e desativando as usinas nucleares até o ano 2000.

(C4) O quarto cenário previa as taxas de crescimento econômico reduzidas de (C2) e a grande mudança estrutural da economia de (C3), alavancando ao máximo o uso de fontes renováveis de energia, reduzindo fortemente o uso de combustíveis fósseis e desativando as usinas nucleares assim que possível.

Os quatro cenários desenvolvidos pela Enquete-Kommission podem ser considerados utopias neurathianas no sentido que discutimos neste texto porque são modelos contrafactuais que relacionam uma pluralidade de aspectos, formando aquilo que Neurath chamou de Ballungen. Isto é, os cenários cruzam dados e extrapolam informações provenientes de diferentes fontes, descrevendo um agregado de possibilidades interligadas: ao mesmo tempo que os cenários enfatizam a questão energética, propondo transformações nesse domínio, eles apontam consequências em outros domínios, como a estrutura da economia do país, que pode ser protagonizada pela indústria ou pelos serviços. A discussão levou em conta que a estrutura econômica tem implicações na oferta de empregos no país, o que atesta a relevância de também considerar as características demográficas, como faixa etária e nível de instrução, bem como o próprio estilo de vida da população.7 Para poder estimar essas implicações e consequências da maneira mais objetiva possível, a comissão utilizou técnicas de simulação computacional de última geração, o que era uma grande novidade no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 (cf. Gross, 2017, pp. 525-527).

Assim, notamos que a Enquete-Kommission elaborou cenários que projetam como poderia ser o futuro do país. Além disso, a comissão desenvolveu as consequências e implicações de cada um desses cenários em uma variedade de domínios, projetando os caminhos propostos 50 anos no futuro utilizando os melhores esforços técnicos disponíveis. E esses cenários, com suas consequências e implicações, foram submetidos à discussão e avaliação da população (supostamente) representada de maneira democrática, primeiramente dentro da própria comissão, cuja composição refletia aquela do parlamento alemão da época, ao lado de especialistas considerados relevantes para o assunto. Nessa etapa, como mencionamos acima, considerou-se a adequação dos quatro caminhos conforme quatro critérios, ou valores, escolhidos pela comissão: (Ka) crescimento econômico, (Kb) compatibilidade com normas e convenções internacionais, (Kc) compatibilidade ambiental e (Kd) compatibilidade social. Uma parte considerável, quase a metade das 200 páginas do primeiro relatório da comissão (cf. Enquete-Kommission, 1980), discutiu justamente a adequação de cada cenário em relação a esses valores.

A comissão considerou que um equilíbrio entre tais valores era algo desejável e, por isso, sugeriu descartar o primeiro cenário (C1), considerando que este consumia energia demais e prezava excessivamente pelo valor (Ka) de crescimento econômico, praticamente desconsiderando os outros três valores. A comissão sugeriu também descartar o quarto cenário (C4), visto que este parecia representar uma mudança radical demais para a sociedade alemã, que teria que passar por muitas mudanças em pouco tempo, impactando fortemente tanto a produção quanto o mercado de trabalho e, assim, desequilibrando os valores (Ka) do crescimento econômico e (Kd) da compatibilidade social (cf. Gross, 2017, p. 540). Diante disso, a comissão chegou a uma recomendação para o parlamento, sugerindo que houvesse uma mediação entre os dois cenários intermediários (C2) e (C3) (cf. Enquete-Kommission, 1980, p. 100). A diferença entre os dois está no uso progressivo ou regressivo da energia nuclear (cf. Meyer-Abich; Schefold, 1981). A comissão sugere em seu relatório que o Parlamento fomente mais pesquisas sobre a viabilidade e os riscos dos avanços nessa área e que postergue a decisão sobre avançar ou reduzir o uso e desenvolvimento dos reatores nucleares até 1990 (Gross, 2017, p. 540; Enquete-Kommission, 1982; 1983).

4. Apelo à Imaginação

Para determinar que o equilíbrio entre os quatro critérios ou valores era desejável, a contribuição de Klaus Meyer-Abich parece ter sido fundamental (cf. Gross, 2017). Como mencionamos acima, Meyer-Abich era um dos integrantes da comissão e tinha formação em física e filosofia. Ele atuava como professor de “Filosofia Natural” na Universidade de Essen, na Alemanha (Enquete-Kommission, 1980, p. 4). Ao mesmo tempo que atuava na comissão, Meyer-Abich escreveu em parceria com o economista Bertram Schefold o livro Wie möchten wir in Zukunft leben (Meyer-Abich; Schefold, 1981), em que as propostas da comissão são apresentadas a um público acadêmico mais abrangente, explicando as questões técnicas e discussões de modo a dialogar com diversas áreas. Trataremos de um dos capítulos desse livro, intitulado “Energiepolitik”, escrito por Meyer-Abich (1981), em que encontramos uma defesa da importância do critério de compatibilidade social.8

A ideia de Meyer-Abich é que o planejamento econômico não pode se pautar apenas pelos valores do crescimento econômico e da preservação ambiental: aspectos da vida em sociedade e da cultura devem ser levados em conta. Como exemplo, ele menciona brevemente duas perspectivas que podemos caracterizar como distópicas. A primeira representa o temor, por parte dos críticos do uso da energia nuclear, de que a segurança das usinas só poderia ser garantida em longo prazo pela força de certas instituições. O uso da energia nuclear depende, por exemplo, de administradores idôneos que não tentem economizar em questões de segurança, bem como de bons profissionais das áreas de física e de engenharia, formados em boas universidades. A preocupação é que a necessidade de garantir que essas e outras instituições tenham uma vida longa poderia acabar levando a “um fortalecimento de estruturas autoritárias em detrimento da ordem social livre, levando até mesmo a um estado policial” (Meyer-Abich, 1981, p. 97). A segunda perspectiva distópica que Meyer-Abich menciona está em um extremo oposto: se, em nome da conservação energética ou do uso de fontes renováveis de energia, abandonamos completamente o uso da energia nuclear, corremos o risco de caminhar em direção a um estado dirigista, que controla os mínimos aspectos do consumo de energia e, consequentemente, da vida das pessoas. Isso é porque a matriz energética alemã da época não tinha condições de suprir a demanda da população e da indústria sem o uso da energia nuclear.9 Em tom irônico, Meyer-Abich fala de “fiscais de quarteirão [Blockwarte], [que] tomam conta para que ninguém use o aquecedor em excesso” (Meyer-Abich, 1981, p. 97).

Ao nos fazer imaginar essas consequências exageradas, Meyer-Abich está levantando a questão de que há uma inadequação nos dois cenários extremos apresentados - (C1), em que se mantém a matriz energética vigente na época, e (C4), em que se abandona imediatamente o uso da energia nuclear. Essa inadequação se dá na incompatibilidade desses cenários em relação à forma de vida das pessoas da Alemanha (ou da Europa e do Ocidente como um todo), que tendem a rejeitar medidas dirigistas e autoritárias, prezando liberdades individuais. Os valores do crescimento econômico e da compatibilidade ambiental, se tomados de maneira absoluta, parecem gerar uma polarização, uma tendência a situações extremas incompatíveis com a cultura e com a vida em sociedade conforme a conhecemos. Como argumenta Meyer-Abich, é preciso que seja adicionado um valor, um critério que contemple essa perspectiva de que existe um esforço por parte da sociedade para implementar um cenário. Uma estimativa desse esforço é o que ele chama de compatibilidade social.

Essa estimativa, porém, não deve ser compreendida como uma medida puramente quantitativa. Nas palavras de Meyer-Abich (1981, p. 99), “quantificações não são, via de regra, possíveis, pois relações sociais são descritas apenas de maneira muito imperfeita por indicadores sociais - ao menos no atual desenvolvimento dos esforços nas ciências sociais”. Todavia, ele defende a importância desse critério qualitativo para a avaliação dos cenários, dizendo que “respostas ‘apenas qualitativas’ às perguntas certas são de qualquer forma mais úteis do que respostas quantitativas para perguntas erradas ou desinteressantes” (Meyer-Abich, 1981, p. 99). Com isso, o autor está defendendo que a avaliação dos cenários seja feita a partir de critérios não apenas mais variados, mas também em um grau maior de complexidade, incluindo também valores que não são tão facilmente mensurados de maneira quantitativa. Notamos, assim, que esse conceito não deve substituir os outros, mas complementá-los - assim como o critério de compatibilidade às normas e convenções internacionais.

Nessa exposição fica claro que Meyer-Abich apela à imaginação de sua audiência para argumentar contra a iniciativa de avaliar os cenários apenas em termos de crescimento econômico e de compatibilidade ambiental. Ele convida seus leitores a imaginar situações extremas que decorrem dos cenários (C1) e (C4). Embora seja discutível se ele propõe um experimento de pensamento típico, visto que ele não se dedica tanto a desenvolver uma narrativa para descrever esses cenários, é certo que seu argumento depende de um esforço imaginativo. Além disso, a estrutura argumentativa pode ser descrita da maneira proposta por Linsbichler e da Cunha (2023) para os experimentos de pensamento envolvendo utopias neurathianas. Segundo essa concepção, um experimento de pensamento utópico pode ser reconstruído racionalmente como um argumento que atesta a inconsistência de um conjunto de sentenças {T, ◊C, T → (C □→ W), C □→ ¬W}.10 No nosso exemplo, os elementos desse conjunto são:

(1) T: a concepção vigente, de que os critérios (Ka) e (Kc), respectivamente, de crescimento econômico e compatibilidade ambiental, são os únicos critérios para informar uma avaliação da estabilidade, adequação e desejabilidade dos cenários.

(2) ◊C: um cenário possível. No caso, temos os quatro cenários possíveis (C1)- (C4), que podemos representar de maneira mais completa como {◊C1, ◊C2, ◊C3, ◊C4}.

(3) T → (C □→ W): a afirmação, decorrente da concepção vigente T, de que, se algum dos cenários fosse implementado, teríamos uma situação que consideramos adequada, uma ordem social estável. No caso, a concepção vigente T nos conduz a escolher ou (C1) ou (C4), isto é, ou um cenário que maximiza o valor de crescimento econômico ou um cenário que maximiza o valor de compatibilidade ambiental, deixando de lado (C2) e (C3). Em conformidade com a concepção vigente T, dessa forma, tanto (C1) quanto (C4), se implementados, poderiam nos conduzir a uma ordem social estável, adequada, desejável, o que expressamos com W, na forma T → ((C1 ∨ C4) □→ W).11

(4) C □→ ¬W: no ponto-chave de seu argumento, Meyer-Abich nos conduz a imaginar que, se um dos cenários (C1) ou (C4) fosse implementado, chegaríamos a uma situação em que há um aumento do controle estatal sobre a sociedade e a cultura, o que contraria o ideal de uma sociedade adequada expresso em W. Assim, representando com D o aumento do controle estatal sobre a sociedade e a cultura, o argumento nos faz perceber que (C1 ∨ C4) □→ D e também que (C1 ∨ C4) □→ ¬W.

Ou seja, o argumento de Meyer-Abich pode ser formulado em uma versão do template de Linsbichler e da Cunha (2023), isto é, como um argumento que ressalta a inconsistência do conjunto {T, {◊C1, ◊C2, ◊C3, ◊C4}, T → ((C1 ∨ C4) □→ W), (C1 ∨ C4) □→¬W}. Para uma lógica de contrafactuais suficientemente forte, como VCA, a fórmula ¬(T ∧ ◊C1 ∧ ◊C2 ∧ ◊C3 ∧ ◊C4 ∧ (T → ((C1 ∨ C4) □→ W)) ∧ ((C1 ∨ C4) □→ ¬W)) é, de fato, válida e pode ser provada.12 Diante dessa inconsistência, uma decisão precisa ser tomada para rejeitar algum dos quatro elementos do conjunto. A sugestão de Meyer- Abich, como vimos, é que abandonemos a concepção vigente T e adotemos uma concepção mais abrangente de critérios para pautar a implementação de algum dos cenários energético-econômicos, digamos, T’, que inclui o critério de compatibilidade social (Kd). Essa concepção mais abrangente T’ nos levaria a escolher ou (C2) ou (C3), cenários que, se fossem aplicados, tanto quanto sabemos no momento, não conduziriam necessariamente a um aumento do controle estatal, expresso em D, e assim evitar ¬W.13

5. Ciência, Imaginação e Ativismo

No artigo “Energiepolitik”, que estamos discutindo, Meyer-Abich desenvolve também uma discussão sobre a relação entre ciência e política. Ele afirma que nas ciências sociais, “às vezes se assume o ponto de vista de que cientistas não são responsáveis por avaliações e que, portanto, só podem realizar pesquisas de opinião, […] levantamentos empíricos sobre a avaliação de fatos por parte de grupos populacionais” (Meyer-Abich, 1981, p. 99). Neste ponto, o autor está discutindo a separação entre fatos e valores nas ciências sociais, a perspectiva de que cientistas devem se ater a fatos e se abster de juízos valorativos. Porém, ele afirma, se tomarmos essa restrição de maneira exagerada, correremos o risco de “desconsiderar uma importante contribuição da ciência para a formação de opinião política” (Meyer-Abich, 1981, p. 99). A questão é que os critérios ou valores por meio dos quais se julgam os cenários propostos se relacionam com uma pluralidade de objetivos sociais mais abrangentes, de modo que não é possível enunciar categoricamente que determinada proposta seja ou não seja aceitável ou adequada. O que se pode fazer, de maneira estritamente factual, é mostrar que uma proposta pode ou não ser compatível com certos objetivos previamente estabelecidos. Assim, nas palavras de Meyer- Abich (1981, p. 100), alguém que busca um determinado desenvolvimento político ou econômico “pode, com a avaliação da compatibilidade social, aprender qual decisão político-tecnológica é consistente ou inconsistente com o desenvolvimento desejado”. As decisões políticas, dessa forma, podem se beneficiar daquilo que Meyer-Abich chama de “catálogo de implicações”, que indicam factualmente a compatibilidade de cenários propostos em relação a objetivos determinados. A discussão política pode se desenvolver a partir dessa base científica.

Com isso, notamos que, ao propor o critério ou valor de compatibilidade social para pautar a discussão política sobre os quatro cenários propostos pela comissão, Meyer-Abich não está deixando para trás seu papel de cientista e atravessando a fronteira em direção ao ativismo. Ele está constatando factualmente que certos objetivos sociais não estão sendo contemplados pelos critérios vigentes. Ao propor que se adicione um novo critério de avaliação, ele está propondo uma expansão do catálogo de implicações de cada um dos cenários, fornecendo mais dados às pessoas que tomarão as decisões relevantes. Como cientista, ele mostra quais são essas implicações, compara com os objetivos estabelecidos e indica quais cenários levam a quais caminhos. Ao desenvolver esse “catálogo de implicações”, a comissão, com sua pluralidade de integrantes, fornece informações para que o Parlamento tome uma decisão. Essa descrição combina plenamente com o utopianismo científico ou utopística comparativa que Neurath propõe, conforme descrito brevemente no início do texto.

Como ativista, em contrapartida, Meyer-Abich tinha suas próprias inclinações: ele atuava em prol da causa ambientalista, colocando-se contrário ao uso da energia nuclear. Mas notamos que a sua recomendação enquanto cientista é para ter cautela no abandono das fontes atômicas de energia, levando em conta justamente os objetivos da sociedade.14 Como aponta Gross (2017, pp. 540-543), o trabalho de Meyer-Abich e seu grupo teve grande influência em uma virada ideológica no Partido Social-Democrata alemão (SPD): tal partido temia que a virada energética pudesse causar desemprego em massa, percebendo uma incompatibilidade entre a causa trabalhista, objetivo tradicional do partido, e a causa ambientalista. O argumento de Meyer-Abich, ao nos convidar a imaginar uma coleção mais abrangente de critérios, incluindo a compatibilidade social, foi bem recebido pelo SPD. Essa virada ideológica abriu margem para diálogos com grupos ambientalistas e para futuras coligações com o Partido Verde alemão. Em particular, essa coligação governou o país entre 1998 e 2005, momento em que o desligamento gradual dos reatores nucleares foi finalmente posto em prática,15 dando um passo decisivo para estabelecer o desacoplamento entre crescimento econômico e consumo de energia como um objetivo para o futuro.

6. Considerações Finais

Neste ensaio, apresentamos o trabalho da Enquete-Kommission sobre Política Energética Nuclear Futura e, mais especificamente, o trabalho de Klaus Meyer-Abich nessa comissão, reconstruído na forma de um exemplo da proposta metodológica de Otto Neurath para a ciência e tecnologia social. Se nossa argumentação foi bem-sucedida, podemos considerar que os cenários energético-econômicos elaborados pela comissão podem ser compreendidos como utopias no sentido neurathiano, isto é, como modelos que reúnem uma pluralidade de aspectos de uma variedade de domínios com o objetivo de estimular nossa imaginação sobre como pode ser o futuro. Além de ter desenvolvido esses modelos ecológico-econômicos, vimos que a Enquete- Kommission também desenvolveu, discutiu e comparou esses cenários tendo como parâmetros quatro critérios ou valores que representavam os objetivos e interesses sociopolíticos em jogo na época. Essa discussão da adequação dos modelos aos valores forneceu conhecimento para que a comissão realizasse uma comparação entre os diferentes cenários, naquilo que pode ser descrito na proposta de Neurath como utopística comparativa. O primeiro relatório da comissão mostra como cada cenário contribui para a obtenção do crescimento econômico, da compatibilidade com convenções internacionais, da compatibilidade ambiental e da compatibilidade social. Por fim, a comissão apresentou seus trabalhos de maneira pública,16 fazendo uma recomendação ao Parlamento, isto é, à instância a quem competia tomar as decisões relevantes.

Nesse processo de desenvolver os modelos utópicos e discutir sua adequação a valores para fornecer recursos para uma comparação, encontramos os elementos da caracterização feita por Stephen Gross (2017): a discussão levantada explorou novas maneiras pelas quais economia, energia e ecologia poderiam se relacionar e, com isso, auxiliou as pessoas envolvidas a imaginar possibilidades para o futuro de sua sociedade. Ao expandir os dados e o conhecimento sobre o tema, a comissão permitiu que ficassem claros os posicionamentos políticos envolvidos: foi possível imaginar qual cenário teria qual impacto no mercado de trabalho, no meio ambiente, na indústria etc. - de fato, como vimos, a conclusão da comissão foi que os cenários (C1) e (C4) poderiam ser descartados, mas que era necessário mais conhecimento para que o debate sobre (C2) e (C3) pudesse ser mais eficaz; por isso, a recomendação para que a decisão sobre o uso da energia nuclear fosse postergada por mais uma década.

Vimos também, particularmente na obra de Meyer-Abich, que um esforço imaginativo é fundamental nessa proposta metodológica, já que é ao imaginar o futuro que temos condições de pensar se um cenário terá os impactos que gostaríamos ou não gostaríamos que tivesse. Meyer-Abich adota uma estrutura argumentativa que pode ser reconstruída da mesma maneira que os experimentos de pensamento característicos das utopias de Neurath. Esse esforço imaginativo promove uma conexão entre o desenvolvimento dos fatos relevantes a cada um dos cenários propostos, obtidos cientificamente, e os valores que pautam a discussão política. A lacuna entre fatos, entre o que é o caso, de um lado, e valores, aquilo que deve ser o caso, de outro, permanece: não deve haver confusão entre os dois domínios. Porém, a discussão tecnológica precisa traçar relações entre os dois e a metodologia do utopianismo científico de Neurath permite que compreendamos essas relações. A metodologia proposta por Neurath, como vimos no exemplo que construímos a partir do argumento de Meyer-Abich, também nos ajuda a entender o papel da política na investigação científica e tecnológica: o raciocínio científico deixa aberto o espaço para decisões; dessa forma, agentes políticos precisam (idealmente) ter consciência de seu papel e tomar as devidas decisões de maneira responsável e bem informada.

É interessante notar, além disso, que o exemplo ressalta uma característica importante do utopianismo científico de Neurath, a de que tal metodologia permite uma reconstrução reflexiva dos próprios critérios inicialmente adotados para julgar os cenários. Como discutido por Linsbichler e da Cunha (2023), a proposta metodológica de Neurath permite a uma comunidade não apenas debater qual cenário possível lhe parece mais adequado, mas também uma reflexão sobre o que a própria comunidade entende a respeito da adequação de um cenário. No nosso exemplo, vimos justamente que Meyer-Abich utilizou os exercícios imaginativos para mostrar que precisamos do valor de compatibilidade social. Isto é, o próprio raciocínio a que Meyer-Abich nos conduziu indicou que nossa escolha não deveria ser pautada exclusivamente pelos critérios do desenvolvimento econômico e da compatibilidade ambiental.

Ao compreender o trabalho da Enquete-Kommission nos termos da metodologia de Neurath, notamos que foi resguardado o caráter plural do conhecimento científico, algo que Neurath enfatizava como uma maneira de compreender a necessidade de decisões políticas a partir do conhecimento científico: se o conhecimento não implica necessariamente uma decisão específica, então, por mais informada que seja, essa decisão cabe aos agentes políticos. Ao mesmo tempo, ao articular o exemplo, notamos que a perspectiva metodológica de Neurath resguarda a dimensão política da tecnologia, que não pode ser vista como mera ciência aplicada: se a implementação da tecnologia, particularmente de tecnologias sociais, fosse mera aplicação do conhecimento científico, não haveria um espaço tão amplo para as decisões políticas.

Com essa discussão, percebemos como a pesquisa científica plural, enfocando não apenas questões técnicas econômicas, mas também ecológicas e sociais, pôde contribuir para o desenvolvimento da Alemanha que, como mencionamos acima, caminha para se tornar uma superpotência movida a energia limpa e renovável. É claro, como em qualquer utopia, a ordem estabelecida é mantida por um equilíbrio muito delicado, de modo que novos acontecimentos podem trazer o risco de uma distopia. Esse risco parece ter surgido no horizonte da Alemanha, que acabou dependente da importação de combustíveis fósseis e agora se encontra em uma situação desconfortável diante da política imperialista russa.17

Isso não invalida a metodologia científica e tecnológica que apresentamos; pelo contrário, temos a oportunidade de notar que Neurath tinha razão ao nos comparar com marinheiros que precisam reconstruir seu barco enquanto navegam em mar aberto. As utopias são planos para reconstruir o barco, planos que vão sendo implementados com os materiais que temos à disposição. Como diz Neurath (1944/1970, p. 47), “um novo barco cresce a partir do antigo, passo a passo - e enquanto ainda estão construindo, os marinheiros podem já estar pensando em uma nova estrutura […]”. Se as tempestades que estamos enfrentando exigem outros planos, outra estrutura para nosso barco, talvez seja o caso de repensar ou de readaptar nossas utopias. A ciência, concebida de maneira plural e levando em conta as demandas da sociedade, tem plenas condições de servir a esse objetivo mais uma vez.

Agradecimentos:

Os autores agradecem a Hans-Joachim Dahms, a Thomas Linsbichler e a Jonas Becker Arenhart por sugestões e discussões; também aos(às) pareceristas pelas recomendações. A pesquisa de Alexander Linsbichler é financiada total ou parcialmente pela agência Austrian Science Fund (FWF) [grant DOI 10.55776/ESP206].

Anexo

  • 1
    Excede às possibilidades deste ensaio discutir as diversas questões filosóficas envolvendo experimentos de pensamento. Para abordagens introdutórias sobre o tema, cf. Islas Mondragón (2020); Nyland (2020); Brown e Fehige (2022).
  • 2
    Ao produzir uma versão revisada do texto, a situação, conforme consta nas notícias mais atuais, é que a Alemanha permanece dependente de importações de gás natural, mas não mais do combustível russo. A situação de fragilidade contribui para uma onda de inflação no país, bem como em outros integrantes do Mercado Comum Europeu (cf. Hill, 2022).
  • 3
    Para uma versão mais detalhada da história anterior da energia nuclear na Alemanha, cf. Radkau (1983). Radkau e Hahn (2013) oferecem uma versão resumida e atualizada.
  • 4
    Podemos mencionar um exemplo de conquista dos movimentos de base ambientalistas antinucleares na Áustria. Em 1978, o governo austríaco reagiu a intensos e contínuos protestos promovendo o primeiro referendo da história do país, no qual cidadãos foram questionados se aprovavam uma lei que permitia o uso pacífico da energia atômica, em particular no que dizia respeito à ativação da primeira usina nuclear do país, recémconstruída no município de Zwentendorf. Muito surpreendente à época, o resultado da consulta popular foi negativo, com 50,5% dos eleitores optando pela rejeição da nova lei. Até hoje não há usinas nucleares em operação na Áustria. Esse evento mostra que a pressão ambientalista estava presente em outros países da região, mesmo sem o diferencial da presença do movimento verde entre os representantes eleitos da população.
  • 5
    O motivo imediato para a formação da comissão foi a possibilidade de financiar a pesquisa para desenvolver uma nova tecnologia e construir um novo tipo de reator nuclear, o Reator Reprodutor Rápido (Fast Breeder Reactor), que seria mais eficiente na produção de energia, utilizando menos combustível atômico e, consequentemente, produzindo menos poluentes; no entanto, mesmo com essas promessas, não se sabia muito sobre a segurança dessa tecnologia, o que contribuiu para que os protestos antinucleares se intensificassem. Diante da situação de incerteza, o Parlamento nomeou a comissão para investigar os prós e contras do reator. Porém, devido ao clima político da época, com o fortalecimento dos grupos ambientalistas, a investigação foi expandida para “incluir o efeito da tecnologia energética na sociedade em geral” (Gross, 2017, p. 540).
  • 6
    Esta apresentação dos quatro cenários é adaptada da versão resumida feita por Conrad (1982). A versão completa pode ser encontrada no primeiro relatório da Enquete-Kommission (1980, pp. 37-50). Há também uma apresentação e discussão feita por Meyer-Abich (1981). Gross (2017) também apresenta os quatro cenários em uma perspectiva contemporânea.
  • 7
    Todos os cenários previam uma redução da população na Alemanha Ocidental, a partir do fato de que a taxa de fecundidade vinha diminuindo. Os cenários previam também um aumento no consumo de energia elétrica nos domicílios, à medida que as pessoas adquiririam novos eletrodomésticos. Essas duas suposições pareciam plausíveis no início dos anos 1980, mas hoje elas parecem previsões que erraram o alvo, já que a tendência é de aumento populacional à medida que a expectativa de vida aumenta, e de redução no consumo domiciliar de eletricidade à medida que eletroeletrônicos mais eficientes ficam disponíveis no mercado. Isso não tira o valor dos raciocínios desenvolvidos a partir da comparação dos cenários, mas apenas mostra que tais cenários têm o caráter de modelos, com simplificações, idealizações, abstrações e condições ceteris paribus. As conclusões mais recentes sobre o tema (cf. Cartwright, 1999; Elgin, 2022) indicam que é justamente por apresentar essas simplificações, idealizações, abstrações e condições especiais que os modelos permitem que cientistas desenvolvam seus raciocínios, atentando àquilo que as teorias consideram mais fundamental no sistema analisado e compreendendo a relação de tal sistema com as contingências de seu funcionamento. Ou seja, é ao lidar com a própria contrafactualidade dos modelos que cientistas conseguem extrair indicações para lidar com o mundo empírico (cf. também Dutra, 2021; Cani, 2022). Cunha (2015) mostra que as utopias de Neurath podem ser tomadas como modelos nesse sentido que estamos empregando.
  • 8
    O critério de compatibilidade social [Sozialverträglichkeit] como uma ferramenta para avaliar propostas de desenvolvimento social e econômico havia sido elaborado pelo próprio Meyer-Abich alguns anos antes (cf. Meyer-Abich, 1978; cf. também Meyer-Abich; Dickler, 1982). É interessante notar que Meyer-Abich havia já discutido o valor da compatibilidade social em um artigo publicado no periódico Evangelische Theologie, “Teologia Evangélica”, em uma edição especial dedicada à questão da crise energética (Meyer-Abich, 1979). O organizador da edição especial, Günter Altner, era, assim como Meyer-Abich, integrante da Enquete- Kommission sobre Política Energética Nuclear Futura, na qualidade de pesquisador da área de biologia e ecologia (Enquete-Kommission, 1980, p. 4). A questão interessava à teologia, de acordo com Altner, que também era teólogo protestante, pois “a crise energética […] tem algo a ver com o nosso desalento na crise do progresso moderno” e a teologia, por seu dever de ofício, deve contribuir com o que “dá esperança na hora da crise, para que possamos enfrentar o medo e a destruição” (Altner, 1979, p. 1). É interessante notar que a discussão sobre a crise energética estava ocorrendo em diversos setores da sociedade e também, como apontado por Gross (2017), que o novo conhecimento ecológico-econômico estava se disseminando por esses variados setores, inclusive no que diz respeito à questão dos critérios para avaliar os cenários que se descortinavam, trazida por Meyer-Abich.
  • 9
    Até hoje, como se nota na crise energética atual, após ter desligado a maioria de seus reatores nucleares, a Alemanha ainda não tem condições de se manter exclusivamente com fontes renováveis de energia, dependendo da importação de combustíveis fósseis.
  • 10
    O template para o argumento reconstruído a partir de um experimento de pensamento proposto por Linsbichler e da Cunha (2023), como os autores explicam, é uma reformulação de um template proposto por Häggqvist (2009). Instâncias desse argumento são válidas em lógicas contrafactuais usuais.
  • 11
    Compreendemos que (C1) conduz a uma ordem social diferente de (C4), visto que o primeiro cenário preza o desenvolvimento econômico e o segundo preza a compatibilidade ambiental. Porém, podemos afirmar que a concepção vigente T considera que ambas as ordens sociais são W, isto é, estáveis, adequadas, desejáveis.
  • 12
    Para lógicas de contrafctuais, cf. Lewis (1973), Girlando et al. (2017), Girlando et al. (2022). Dado o input ‘-(t and (-(false<c) and -(false<b)) and ((false<(b or c)) or (((b or c) and w) <(b or c))) and (t-> ((false<(b or c)) or (((b or c) and -w) <(b or c)))))’, o provador de teoremas online tuCLEVER (http://193.51.60.97:8000/tuclever/) confirma a validade da fórmula na lógica VCA. Para uma prova sintática, veja o documento suplementar à versão online deste ensaio. De maneira similar, a inconsistência em VCA dos quatro elementos do template original de Häggqvist, como enunciado em Linsbichler e da Cunha (2023), pode ser provada.
  • 13
    A sugestão de Meyer-Abich é para rejeitar o elemento (1). Como Linsbichler e da Cunha (2023) nos mostram, outras decisões são possíveis diante desse argumento. Seria possível, por exemplo, negar que os cenários (C1) e (C4), se implementados, implicariam necessariamente (D), o aumento do controle estatal. Outra possibilidade seria assumir que o aumento do controle estatal sobre a sociedade e a cultura vale a pena, considerando os benefícios dos cenários (C1) ou (C4), rejeitando, portanto, a implicação de ¬W. Uma outra opção seria rejeitar a possibilidade dos cenários apresentados.
  • 14
    É razoável supor que os outros cientistas e técnicos integrantes da comissão também tinham suas inclinações políticas, assim como, obviamente, os parlamentares que integravam o grupo representando as frações do governo. Em tese, essa composição plural deve reduzir a chance de enviesamento na elaboração do catálogo de implicações.
  • 15
    O tema volta a ser lembrado atualmente, quando surgem, no Parlamento alemão e na sociedade em geral, vozes propondo o religamento de alguns reatores ou que se adie o desligamento dos que ainda estão em funcionamento (cf. Reiber, 2022). Críticos da Energiewende argumentam, por exemplo, que uma redução no uso de combustíveis fósseis na Alemanha simplesmente leva à redução do preço no mercado mundial. Consequentemente, o consumo geral permanece estável enquanto a Alemanha coloca empecilhos para sua própria economia, seus próprios consumidores e contribuintes.
  • 16
    É possível esboçar uma crítica de inspiração neurathiana ao trabalho desenvolvido pela comissão no que diz respeito à apresentação ou divulgação dos dados obtidos. Embora a discussão tenha sido claramente democrática, com representantes dos partidos de situação e de oposição, bem como de outros grupos de influência, como a indústria e os movimentos ambientalistas, podemos questionar se a discussão não ficou restrita a um grupo relativamente pequeno. É certo também que os integrantes da comissão buscaram levar o debate para círculos acadêmicos mais abrangentes, bem como aos movimentos de base que representavam. Porém, ainda assim, é razoável supor que Neurath teria defendido uma divulgação mais didática dos trabalhos: por exemplo, Neurath dedicou grande parte de sua carreira ao desenvolvimento de uma linguagem pictórica, chamada ISOTYPE, para expressar dados estatísticos e outras relações socioeconômicas. O objetivo de Neurath era promover a educação de uma parcela ampla da população que muitas vezes não tem tempo ou condições de se informar sobre dados sociológicos e econômicos que são relevantes para seu cotidiano e para participar mais ativamente de decisões políticas (cf. Neurath, 1996; Burke; Kindel; Walker, 2013; Nemeth, 2019). Nossa impressão é que, do ponto de vista de Neurath, um esforço maior deveria ter sido feito para levar a discussão a mais setores da sociedade. Para Neurath, o principal destinatário do conhecimento científico social obtido pelos experimentos de pensamento deveria ser o público em geral, e não os políticos. O desenvolvimento dessa discussão excede as possibilidades deste texto (cf., por exemplo, Linsbichler 2023, para uma discussão do contraste entre Neurath e Tinbergen sobre o papel dos especialistas).
  • 17
    Cf. também nota 15.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2022
  • Aceito
    04 Ago 2023
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