Embora existisse, há vários anos, em nosso País, sob forma espontânea e informal, o Internato só passou a ser considerado como etapa final obrigatória do Curso de Graduação em Medicina a partir de 1969, com a resolução n° 8 do Conselho Federal de Educação.
Consideramos perfeitamente atual e completa a conceituação de Internato instituída pela Comissão de Ensino Médico do Ministério da Educação e Cultura, em seu doc. n° 3, de 1976: “Parte integrante do currículo de graduação, é o Internato, o último período do Curso Médico, em que o estudante deve receber treinamento prático intensivo, livre de cargas disciplinares acadêmicas, em hospitais de ensino ou instituições de prestação de serviço médico, de modo a assumir, progressivamente, a responsabilidade de tratamento de pacientes, sob supervisão docente contínua.” Os objetivos do Internato, as indicações para um bom estágio e as dificuldades do mesmo estão amplamente expostas nesse documento, cuja leitura cuidadosa, recomendamos.
Muito se tem escrito e discutido acerca do Internato, sobretudo em reuniões promovidas pela ABEM (Poços de Caldas, 1964; São Paulo, 1974; Rio de Janeiro, 1976; Recife, 1981). Além de inúmeros artigos nos Anais desses Congressos, na Revista Brasileira de Educação Médica e no periódico “Educação Médica y Salud”, a mais recente publicação sobre o assunto é “O Internato nas Escolas Médicas Brasileiras”, ABEM, 1982. Elaborada por uma equipe de educadores, ela é uma síntese objetiva do que vem se fazendo, de forma adequada ou não, em relação ao estágio, nas 75 Escolas Médicas do País. Os dados apresentados mostram a variabilidade dos programas, tanto nos aspectos de ordem administrativa, quanto nos de ordem pedagógica.
O levantamento realizado por essa equipe permitiu três ordens de conclusões-recomendações: 1ª) refere-se ao reexame da legislação atual, objetivando os necessários ajustes aos conceitos em vigor; 2ª) diz respeito à riqueza de elementos diretivos de que se dispõe para o planejamento do Internato; 3ª) reconhece que, apesar das dificuldades e da influência de fatores externos às escolas médicas, cabe a estas a responsabilidade de proceder à análise crítica desses programas e de promover as mudanças necessárias, muitas delas dependentes apenas de decisões no seu próprio âmbito.
Bem a propósito da primeira conclusão citada, o Conselho Federal de Educação elaborou o parecer n° 116/83 e resolução n° 9 de 24 de maio de 1983, decorrente, regulamentando o Internato dos Cursos de Medicina. Neste importante documento, estabelece-se que: 1. o estágio poderá ser realizado em instituições da própria universidade, ou em outras instituições utilizadas por convênio; 2. o Internato deverá ser feito sempre em rodízio pelas quatro grandes áreas da Medicina: Clínica Médica, Cirurgia, Tocoginecologia e Pediatria; 3. quando tiver duração de mais de dois semestres, poderá ter o período final dedicado somente a uma das quatro áreas citadas; 4. não será permitido o Internato em especialidades; 5. os períodos de férias serão eliminados quando a duração for de dois semestres, e, quando a duração for maior, serão reduzidos a um mínimo condizente com a necessidade de descanso do estudante (indago: 15 dias?); 6. o programa a ser realizado deverá ter a aprovação do colegiado competente da instituição de ensino; 7. quando o Internato for realizado fora da instituição em que o estudante vem fazendo seu Curso, haverá as seguintes exigências: a) demonstração de convênio ou outro instrumento legal; b) deverá ser dada preferência a IES do mesmo distrito ou região geoeducacional onde estiver localizado o Curso de Medicina; c) comprovação da existência de pessoal médico capacitado para exercer as funções de orientadores, devendo estes serem aprovados, individualmente, pelo colegiado competente do Curso, podendo cada orientador ter a seu cuidado, no máximo, dez estudantes; d) exigência de prova final para avaliação do aproveitamento dos Internos, realizado na instituição fornecedora do diploma; 8. para registro deste será exigido que o Internato tenha sido realizado nas condições expressas nessa resolução.
Deixaremos de comentar cada item em particular da nova resolução, por sua concisão e clareza. Basta salientar, no entanto, que, graças a esta resolução, passou finalmente à fase de obrigatoriedade a recomendação anterior, expressa em vários documentos da ABEM, do Ministério da Educação e Cultura e do Conselho Federal de Educação, no sentido de que o Internato seja realizado, em forma rotatória, nas quatro grandes áreas da Medicina. Isto vem, em boa hora, ao encontro das diretrizes atuais da educação médica na América Latina, da necessidade de formar médicos gerais e do conceito de terminalidade do Curso de Graduação em Medicina.
Aceita a premissa de que esse Curso deve preparar médicos não-especializados, capacitados a atender prioritariamente às necessidades de saúde da população, no nível de cuidados primários e secundários, é óbvio que essa modalidade de Internato constitui o modelo certo para alcançar aquele objetivo, sobretudo, se o entendermos como “regime de treinamento intensivo para completar a formação prática do estudante de Medicina, capaz de habilitá-lo à prática profissional imediata logo após a formatura, ou fornecer-lhe a base geral indispensável à especialização através da Residência”, conforme o citado documento.
Apesar das inúmeras dificuldades e distorções na aplicabilidade do estágio rotativo, não se devem esquecer, segundo Lopes Pontes, duas verdades incontestáveis: 1. as necessidades da população, com a demanda de médicos gerais; 2. a necessidade de uma boa formação geral, alicerce do futuro especialista.
Ainda o ilustre professor asseverou, em 1981: “O Internato rotatório constitui o modelo mais adequado aos objetivos terminais do Curso Médico. Embora as condições de muitas Faculdades não permitam ainda a sua prática, e conquanto fatores conjunturais aconselham certa flexibilidade em sua execução, o empenho em adotá-lo deve permanecer como meta permanente de melhor formação médica e para o atendimento das demandas básicas de saúde da comunidade.” Isto é o que vem de estabelecer, de forma definitiva, a nova resolução, esperando o Conselho Federal da Educação atingir seu objetivo imediato, em todas as escolas médicas do país, dentro do prazo de um ano.
É evidente que em decorrência desta resolução e do conceito de terminalidade do Curso Médico, a maioria das escolas será levada a instituir mudanças curriculares importantes no período de formação acadêmica, isto é, na fase de estudo das bases doutrinárias e de realização de exercícios práticos pertinentes às matérias do currículo mínimo. Também a organização dos serviços clínicos do hospital de ensino deve merecer um reestudo, no sentido de restabelecer e desenvolver as estruturas gerais da Clínica Médica e da Cirurgia Geral indispensáveis para o ensino de graduação, deixando o treinamento nas especialidades para a pós-graduação.
Amaury Coutinho
Conselho Editorial
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Jan 2022 -
Data do Fascículo
May-Aug 1983