Estresse entre estudantes de medicina; Qualidade de vida; Burnout ; Abuso no curso médico e outros vêm sendo foco de estudos há mais de três décadas, no Brasil e em diversos outros países. Dentre os fatores apontados como geradores de distúrbios clínicos e psicológicos estariam aqueles considerados inevitáveis (quantidade e dificuldade do conteúdo a ser aprendido; pressão das provas, ansiedade relacionada ao contato com cadáveres ou com pacientes graves; mudança para uma nova cidade ou estado); e os que poderiam ser evitados. No segundo grupo, fatores relacionados ao grande número de estudantes em sala, concentração de provas em período curto; e os classificados como abusos11. Costa LSM. O Abuso como causa evitável de estresse entre estudantes de Medicina. In: Costa LSM. Metacognição, Abuso no Curso Médico e Bem-Estar Subjetivo. Rio de Janeiro: HP Comunicação Editora; 2015(a). p. 9-30.. As causas de baixa qualidade de vida de estudantes de medicina são múltiplas e variam ao longo dos anos, e de um curso para outro.
Programas psicopedagógicos foram criados para auxiliar os estudantes no desenvolvimento de estratégias adaptativas buscando a redução dos danos provocados por fatores inevitáveis, mas também evitáveis. O mesmo empenho junto aos alunos (atuação no componente “psi”), nem sempre é observado em relação ao componente pedagógico, por parte dos professores gestores. Não que não tenham surgido iniciativas deste tipo, mas acabam por não avançar.
Desta forma, corre-se o risco dos fatores “evitáveis” serem considerados normais, logo, “inevitáveis”. A influência negativa do curso na saúde física e mental dos estudantes de medicina continua a ser ignorada. Fazemos de conta que esse problema não existe.
Mas até que ponto, a “dificuldade do conteúdo a ser aprendido”, que os leva à redução das horas de sono ou a “virarem a noite” antes das provas, seria mesmo um fator inevitável. Os avanços científicos e consequente acréscimo no volume de informação disponível, nas últimas décadas, poderiam ser responsáveis pela “quantidade e dificuldade do conteúdo a ser aprendido” – apontados como geradores de estresse entre estudantes de medicina? A “pressão das provas” poderia ser o resultado de cobrança desse grande volume de informação, principalmente nos primeiros anos do curso?
Será que a profundidade com que o conteúdo oferecido e cobrado aos estudantes durante a graduação em medicina estaria adequada? Quem define quanto o estudante deve aprender de cada tópico da ementa? Os objetivos também não dão conta desse limite. Se a profundidade não é descrita nas ementas, onde pode ser encontrada? Se for definido pelo professor especialista no tema, seja o biólogo que ensina Imunologia, o ortopedista ou o cirurgião que ministra aulas de anatomia, ou sanitarista, responsável pelas disciplinas da área de saúde coletiva, não poderia haver uma tendência a ser considerado muito mais do que um formando realmente precisaria saber? Mas quem senão o professor especialista na área seria o mais adequado para ensinar o que conhece profundamente?
Logo, a origem do problema considerado aqui como uma das possíveis causas de influência negativa na qualidade de vida dos estudantes de medicina – conteúdo excessivo, talvez não esteja no professor, mas na falta de definição do que seria indispensável e do que seria desejável que os estudantes aprendessem para obterem o título de médicos. Nem de ortopedista, nem de virologistas ou sanitaristas – de médicos. A pergunta: O que seria indispensável ao médico, com
[...] formação geral, humanista, crítica, reflexiva e ética, com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, nos âmbitos individual e coletivo, com responsabilidade social e compromisso com a defesa da cidadania, da dignidade humana, da saúde integral do ser humano e tendo como transversalidade em sua prática, sempre, a determinação social do processo de saúde e doença33. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 3/2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de junho de 2014; Seção 1. p. 8-11. (p.8),
perfil presente na Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (2014)? Aqueles conhecimentos e habilidades indispensáveis seriam racionalmente distribuídos no tempo e espaço, ao longo dos seis anos. Os estudantes teriam tempo para ler, reler, observar, vivenciar, atuar, refletir, avaliar.
Já os conhecimentos e habilidades que não fossem indispensáveis, mas desejáveis, poderiam ser oferecidos/desenvolvidos através de projetos de pesquisa ou extensão.
O quanto será que restaria? O quê será que restaria? Esse quanto e esse o quê seriam contemplados nos cursos de residência ou especialização.
Outro fator que incide com maior ou menor força nos diversos cursos é o ensino prático – o “colocar a mão na massa”, dissecando cadáveres, realizando procedimentos em Unidades Básicas de Saúde, realizando muitas anamneses e examinando muitos pacientes: ouvir, tocar, cheirar, ver – utilizar todos esses sentidos para aprender, não apenas um.
Algumas universidades estrangeiras possuem um Departamento de Educação Médica. Nas nossas universidades será que caberia aos Núcleos Docentes Estruturantes, às Coordenações dos Cursos de Graduação em Medicina, ou a outra instância, a criação de uma comissão permanente para identificar os conhecimentos e habilidades indispensáveis e desejáveis?
Não sei se esse seria o melhor caminho, mas sem dúvida a saúde dos nossos estudantes merece nossa atenção e ação.
REFERÊNCIAS
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1Costa LSM. O Abuso como causa evitável de estresse entre estudantes de Medicina. In: Costa LSM. Metacognição, Abuso no Curso Médico e Bem-Estar Subjetivo. Rio de Janeiro: HP Comunicação Editora; 2015(a). p. 9-30.
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2Costa LSM. Abuso no Curso Médico e Bem-Estar Subjetivo. In: Costa LSM. Metacognição, Abuso no Curso Médico e Bem-Estar Subjetivo. Rio de Janeiro: HP Comunicação Editora; 2015(b). p. 9-30.
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3Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 3/2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de junho de 2014; Seção 1. p. 8-11.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015