Open-access Rastreamento do Transtorno de Despersonalização/Desrealização em Estudantes de Medicina de uma Universidade Federal no Brasil

Screening for Depersonalization/Derealization Disorder among Medical Students at a Brazilian Public University

RESUMO

Objetivo  Avaliar a prevalência de Transtorno de Despersonalização/Desrealização (DP/DR) em estudantes de Medicina da Universidade Federal de Roraima e correlacionar com dados socioeconômicos e pessoais.

Métodos  Estudo de corte transversal, quantitativo e descritivo, desenhado para avaliar a prevalência de DP/DR em estudantes de Medicina da Universidade Federal de Roraima (UFRR) em 2014 utilizando-se a Cambridge Depersonalization Scale como instrumento de pesquisa.

Resultados  A prevalência geral de DP/DR em estudantes de Medicina da UFRR foi de 11,5%. A prevalência foi maior nas séries iniciais (do primeiro ao terceiro ano) (OR = 10,7) em relação às séries finais. Não houve correlação de prevalência de DP/DR com fatores individuais, como idade, sexo ou renda.

Conclusão  Observamos uma prevalência expressiva de transtorno de DP/DR em acadêmicos de Medicina, que pode afetar negativamente a vida pessoal e profissional, gerando sofrimento significativo. É possível que as séries iniciais apresentem um risco maior de desenvolvimento do transtorno, e os mecanismos de enfrentamento do estresse desenvolvidos pelos estudantes podem exercer papel fundamental na suscetibilidade a este e a outros transtornos psíquicos.

Despersonalização; Serviços de Saúde para Estudantes; Estudantes de Medicina; Psiquiatria; Educação Médica

ABSTRACT

Objective  To assess the prevalence of depersonalization/derealization disorder (DP/DR) among medical students at the Federal University of Roraima and to correlate this with socio-economic and personal variables.

Methods  A cross-sectional study that is both quantitative and descriptive and designed to assess the prevalence of DP/DR disorder among UFRR medical students in 2014 using the Cambridge Depersonalization Scale as a research tool.

Results  The overall prevalence of DP/DR among UFRR medical students was 11.5%, with the prevalence higher among lower grades (1st to 3rd year) (OR = 10.7) compared to the final series. There was no correlation between the prevalence of DP/DR and individual factors such as age, gender or income.

Conclusion  We observed a high prevalence of DP/DR disorder among medical students, which may adversely affect their personal and professional life, causing significant distress. It is possible that students in lower years are at a greater risk of developing the disorder, and that mechanisms developed by students used to face stress may play a key role in their susceptibility to this and other psychological disorders.

Despersonalization; Student Health Services; Students, Medical; Psychiatry; Medical Education

INTRODUÇÃO

O Transtorno de Despersonalização/Desrealização (DP/DR) pode ser entendido como um distúrbio do processamento da emoção1. O portador de DP/DR se sente desconfortavelmente desconectado de seus próprios sentidos e eventos que o envolvem, como se fosse um observador externo ao ambiente e pessoas que o cercam2. As características deste transtorno são a sensação de embotamento afetivo, distorções somatossensoriais (sentimento de que o corpo não pertence à pessoa), auto-observação de um ponto elevado e, mais raramente, distorções na experiência do tempo3. O DP/DR pode ocorrer como um transtorno primário ou como um sintoma associado a outras condições psiquiátricas, como depressão, transtornos de ansiedade ou esquizofrenia1,4. Até 80% dos pacientes psiquiátricos institucionalizados apresentam sintomas desta síndrome, sendo severos e persistentes em 12% destes pacientes.Também pode ser uma manifestação de distúrbios neurológicos, como epilepsia, enxaqueca e lesões localizadas nos lobos temporais3,5.

Embora ainda seja pouco conhecido, o DP/DR não é uma condição rara. Os sintomas de despersonalização foram evidenciados em 2,4% da população geral em um estudo de base populacional nos Estados Unidos, em 1-2% da população no Reino Unido e em 1,9% da população na Alemanha6. Em indivíduos saudáveis, o DP/DR pode ocorrer em condições de fadiga, meditação, uso de psicotrópicos e estresse intenso1. A despersonalização pode se manifestar como uma doença em resposta a situações negativas e estressantes do dia a dia. Nesse contexto, o estresse psicológico típico dos profissionais da saúde e suas consequências para este grupo populacional vêm sendo investigados sistematicamente na literatura médica7. Em especial, os efeitos do estresse psicológico em estudantes de Medicina já foram investigados por alguns autores7,8. A escola médica é, provavelmente, o período mais estressante do treinamento médico. Evidências indicam que o estresse psicológico nos estudantes de Medicina estaria relacionado a falta de tempo livre, alta pressão de exames, dificuldades financeiras, e, sobretudo, contato com doentes e familiares7. Muitos estudantes de Medicina experimentam um substancial distress, o que contribui para performance acadêmica mais pobre, desonestidade acadêmica, cinismo e abuso de substância. Já foram descritos altos escores de ansiedade, depressão do humor e elevada incidência de síndrome de burnout neste grupo7, 8.

Entretanto, poucos estudos foram realizados para avaliar a prevalência de DP/DR em estudantes de Medicina. Um estudo alemão que utilizou uma versão abreviada da Cambridge Depersonalization Scale (CDS-9), um questionário validado para diagnóstico do DP/DR, constatou que 5,5% dos estudantes do quarto e quinto ano pesquisados apresentavam pontuações anormalmente elevadas neste escore de despersonalização7. Valores ainda maiores foram encontrados em estudantes do quinto ano de Odontologia da mesma instituição: 20,4%. A explicação aventada pelos investigadores seria um contato mais intenso e precoce dos estudantes de Odontologia com os pacientes na instituição pesquisada. Até o momento, não existem estudos sobre a prevalência deste transtorno em escolas médicas do Brasil. O objetivo deste estudo é avaliar a prevalência do transtorno de DP/DR entre os estudantes de Medicina da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e correlacionar este transtorno com variáveis pessoais e socioeconômicas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de corte transversal, de caráter quantitativo e descritivo, desenhado para avaliar a prevalência de DP/DR em estudantes de Medicina da UFRR em 2014 a partir da busca ativa dos estudantes.

População e cenário

A população-alvo são os estudantes do primeiro ao sexto ano do curso de Medicina da Universidade Federal de Roraima em 2014. O curso tem ingresso anual e possui 230 alunos em sua totalidade. O curso utiliza metodologia PBL (problem based learning), uma metodologia ativa de aprendizagem, centrada no aluno, e o contato dos alunos com a rede assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS) é estimulado desde o primeiro ano por meio da Interação Ensino, Serviço e Comunidade (Iesc), em que os estudantes do primeiro ao quarto ano desenvolvem prática semanal na Atenção Básica. O quinto e o sexto ano são em regime de internato em tempo integral.

Procedimentos de pesquisa

Os estudantes de Medicina foram abordados pessoalmente após suas atividades educacionais, nas dependências da UFRR, entre agosto e setembro de 2014. Após esclarecimento dos propósitos de pesquisa, concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o estudante selecionado foi encaminhado a uma sala reservada, com privacidade, para participação na pesquisa. O estudante respondeu a um formulário que abordava os seguintes dados pessoais: idade, gênero, renda familiar e per capita, série do curso de Medicina, área médica que pretende seguir, com quem reside, presença de filhos, estado civil, presença de repetência no curso, diagnóstico prévio de depressão, ansiedade ou uso de remédio controlado. Foi utilizado um questionário autoaplicável, denominado Cambridge Depersonalization Scale, traduzido para o português (CDS-BR) para avaliar o desfecho principal9. O questionário consiste em 29 itens que avaliam a frequência e duração das experiências relacionadas à despersonalização nos últimos seis meses, conferindo uma pontuação de 0 a 290. Foi utilizado o ponto de corte de 70 pontos para considerar rastreio positivo, valor que possui sensibilidade de 75,7% e especificidade de 87,2% para o diagnóstico do transtorno de DP/DR de forma transcultural9,10.

Amostra e amostragem

Para o cálculo do tamanho amostral, a prevalência de DP/DR na população-alvo foi estimada em 5%, com base nos resultados de estudo semelhante realizado em estudantes de Medicina por Prinz et al.7. Considerando um intervalo de confiança de 95% e erro aceitável de 5%, obteve-se o tamanho amostral mínimo de 92 estudantes. Supondo uma perda de até 5% de dados, o tamanho de amostra final foi de 96 participantes. Este tamanho amostral tem poder de 80% para detectar odds ratio maior que 1,5, com erro alfa de 10% em distribuição bilateral. Foi utilizado o método de amostragem aleatório simples. Os estudantes foram selecionados a partir da geração de sequência de números aleatórios (www.random.org), vinculados ao número de registro da escola médica. O processo de amostragem foi ponderado pelo tamanho de cada série escolar.

Métodos de análise de dados

A variável desfecho principal foi a prevalência de DP/DR, calculada pela razão entre número de estudantes de Medicina com pontuação na escala utilizada igual ou superior a 70, e número de participantes incluídos, e expressa com intervalo de confiança de 95%. Dados pessoais foram considerados variáveis explicativas.

Foi realizada análise estatística descritiva, incluindo frequência de distribuição para variáveis categóricas, e médias (com desvio padrão) e medianas (com desvio interquartílico) para variáveis contínuas, com distribuição normal e não normal, respectivamente. A prevalência da variável desfecho e seus intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estimados com base em distribuição binomial. Para comparação de médias amostrais, foi utilizado o teste t de Student para variáveis de distribuição normal e com homogeneidade de variâncias amostrais. Se não, foi utilizado o teste de Mann-Whitney para este propósito. Foi utilizado o teste χ-quadrado para comparar diferenças de proporções de variáveis categóricas. Odds ratio (OR) e IC95% foram calculados em análise bivariada. Os dados foram tabulados e analisados utilizando-se o software Epiinfo® versão 7 (CDC, Atlanta, EUA).

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRR (854.025/2014). Os registros de pesquisa foram codificados em vez de identificados, para aumentar o sigilo e a confidencialidade.

RESULTADOS

O questionário CDS-BR foi aplicado e respondido por 99 estudantes de Medicina da UFRR, distribuídos da seguinte forma: 16 acadêmicos do sexto ano, 16 do quinto, 15 do quarto, 16 do terceiro, 15 do segundo e 21 do primeiro ano. Foram excluídos por mau preenchimento do questionário um acadêmico do sexto ano, um do quinto e um do terceiro ano, totalizando uma amostra final de 96 estudantes. Destes, a maioria pertence ao gênero feminino (52%; n = 50). A idade variou entre 18 e 43 anos, com idade média de 24,4 anos (± 4,3). Metade dos estudantes reside com os pais (50,5%; n = 48). Entre as carreiras médicas, 21,8% pretendem seguir Cirurgia Geral, 18,7% não sabem qual carreira seguir e 30,2% pretendem seguir outra carreira não especificada no questionário. Sobre renda familiar, 20,8% dos pesquisados não responderam. A renda familiar mensal média dos demais entrevistados foi de R$ 7.605,45. Sobre renda per capita, 28,1% não responderam, e a renda média dos demais foi de R$ 2.240,43. A maioria dos estudantes é solteira (90,6%, n = 87), não possui filhos (93,7%, n = 90) e nega repetência em disciplinas do currículo escolar médico (89,6%, n = 86). Sobre antecedentes patológicos, 11 estudantes relataram diagnóstico prévio de depressão (11,5%),e 13 estudantes relataram uso prévio de medicação controlada (15,5%). Um quarto dos estudantes (25%; n = 24) referiu diagnóstico prévio de transtorno de ansiedade. A Tabela 1 descreve a amostra.

TABELA 1
Características sociodemográficas da amostra, estudantes de Medicina da UFRR, 2014

A prevalência geral de DP/DR em estudantes de Medicina da UFRR foi de 11,5% (IC95%: 5,8 a 19,5%) (n = 11). A prevalência variou por série, sendo maior nas séries iniciais em relação às finais (Figura 1). Quando comparadas as séries iniciais (do primeiro ao terceiro ano) com as séries finais, observou-se maior prevalência do transtorno de DP/DR para as séries iniciais (19,6% vs. 2,2%, respectivamente; p = 0,009), com OR = 10,7 (IC95%: 1,3 – 87,5). Não houve diferença na prevalência de DP/DR entre os gêneros ou correlação com renda familiar e renda per capita. Houve tendência a maior prevalência de DP/DR nos estudantes com menos de 25 anos, sem significância estatística. A opção de carreira médica escolhida (ou a dúvida na escolha), com quem o estudante reside, estado civil, presença ou não de repetência em disciplinas e diagnóstico prévio referido de depressão ou ansiedade não influenciaram a prevalência de DP/DR no nosso estudo. A influência da presença ou não de filhos e do uso de remédios controlados não pôde ser avaliada apropriadamente devido à baixa expressão em nossa amostra (Tabela 2).

FIGURA 1
Prevalência de DP/DR em estudantes de Medicina da UFRR por série do curso, 2014

TABELA 2
Prevalência de DP/DR em estudantes de Medicina da UFRR comparada a variáveis explicativas, 2014

DISCUSSÃO

No limite de nosso conhecimento, este foi o primeiro estudo a avaliar a prevalência de DP/DR em uma escola médica no Brasil. O estudo de Prinz et al.7 comparou alunos do quarto e quinto anos de Medicina com estudantes dos mesmos períodos de Odontologia da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha, utilizando diversas escalas para diferentes transtornos psiquiátricos, entre elas uma versão abreviada da Cambridge Depersonalization Scale chamada CDS-9, semelhante ao instrumento de pesquisa utilizado no presente estudo. No estudo alemão, a prevalência geral do transtorno de despersonalização em estudantes de Medicina foi de 5,5%. O número da amostra foi insuficiente para comparar estudantes de Medicina entre os semestres. Nesse mesmo estudo, a prevalência geral de DP/DR em estudantes de Odontologia foi de 20,4%. Ressalta-se que os autores relataram uma tendência decrescente da síndrome ao longo de três semestres consecutivos, em consonância com o nosso estudo, fato que contrariou as expectativas dos autores, que esperavam encontrar uma prevalência ascendente à medida que o estudante progride no curso. A principal hipótese aventada pelos autores para explicar a maior prevalência em estudantes de Odontologia foi a presença de contato mais precoce com pacientes e maior responsabilidade por ações terapêuticas de longa duração nas séries pesquisadas.

Em nosso estudo, os acadêmicos de Medicina da UFRR, que iniciam seu contato com pacientes já nos primeiros meses da escola médica, apresentaram uma prevalência geral de DP/DR de 11,5%, mais alta que a do estudo de Prinz et al7. Observamos ainda um pico de prevalência no primeiro ano do curso (33,3%), que seguiu um padrão decrescente (13,3% no segundo ano e 6,7% no terceiro), tendendo a zero nos últimos anos do curso. Múltiplos fatores concorrem para explicar estes achados. Segundo um estudo de revisão sobre estresse em estudantes de Medicina8, a adaptação ao ambiente da escola médica é um fator estressor. No primeiro ano especificamente, existe o desafio de se deslocar da família e amigos para se adaptar a um ambiente de aprendizado exigente, com uma carga substancialmente aumentada de trabalho acadêmico. Há também a preocupação com a performance, tentando-se dominar uma grande quantidade de informação junto a um grupo de pares de igual inteligência e motivação. Outro possível fator é o contato precoce com pacientes e o consequente envolvimento com seu sofrimento, sem um apropriado amadurecimento pessoal e profissional11. Além disso, o modelo curricular de aprendizagem da UFRR pode também ter participação neste processo. Evidências apontam que os fatores estressores divergem entre estudantes de Medicina de escolas com currículo PBL e não PBL. Um estudo inglês comparou estudantes do segundo ano de Medicina de duas instituições (uma com currículo baseado em PBL e outra tradicional) em relação aos fatores estressores12. Embora a maioria dos estudantes de ambas as escolas médicas tenha relatado quantidade significativa e semelhante de estresse relacionada ao estudo da Medicina, a qualidade destes estímulos variou entre elas. Ao contrário dos estudantes de currículo tradicional, que se queixaram principalmente da falta de feedback dos professores, os estressores que melhor caracterizaram os estudantes de currículo PBL foram o sentimento de não saber o que a faculdade espera deles, a presença de muitas sessões conduzidas por estudantes, a percepção de um currículo pouco claro e a falta de oportunidade de explorar assuntos acadêmicos de interesse.

A causa aventada para um padrão decrescente na prevalência de DP/DR encontrada por Prinz et al.7 em seu estudo pode estar relacionada com o tipo de estratégia de enfrentamento do estresse desenvolvida pelo estudante. Os pesquisadores também utilizaram o questionário Brief Cope, que avalia como os estudantes lidam com o estresse. As estratégias são divididas em três classes principais: enfrentamento ativo funcional, cognitivo funcional e enfrentamento disfuncional. O ativo funcional, que representa o enfrentamento por meio de atitudes, está representado no Brief Cope pelos exemplos “eu agi para melhorar a situação” ou “eu venho tentando buscar conselhos ou ajuda de outras pessoas”. Já o enfrentamento cognitivo funcional é expresso no Brief Cope por afirmações como “eu tentei achar algo bom no que aconteceu comigo” ou “eu vi o lado engraçado de tudo”. Enfrentamento disfuncional é exemplificado por afirmações como “eu ingeri álcool ou outras drogas para me sentir melhor” ou “eu me culpei e me critiquei”. No referido estudo, houve uma correlação positiva entre estratégias de enfrentamento disfuncional e escores de despersonalização, ansiedade, depressão e burnout. Portanto, é possível que, mediante os fatores estressores inerentes à iniciação do ensino médico, uma parte dos estudantes se adapte ao longo do tempo e outra não se adapte pela utilização de mecanismos disfuncionais de enfrentamento do estresse8. Nesse sentido, a adaptação à escola médica, as pressões inerentes ao estudo da Medicina e estressores característicos de cada currículo parecem desempenhar papéis importantes.

Até o momento de fechamento deste trabalho, não existiam estudos sobre prevalência de DP/DR no Brasil. Se assumirmos que ela é semelhante às prevalências populacionais conhecidas no mundo (Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Reino Unido), que variam entre 0,5% e 2,4%, teríamos uma prevalência na escola médica da UFRR maior que a média populacional geral3,13. Em nosso estudo não foi possível correlacionar de forma significativa idade, sexo, renda, companhia de moradia, opção de carreira médica, estado civil, reprovação em disciplina e relato de diagnóstico prévio de ansiedade ou depressão com o diagnóstico de DP/DR. Uma revisão britânica sobre epidemiologia e antecedentes de pacientes com DP/DR3 também não encontrou diferença entre os sexos e sugeriu que a escolaridade parece ser alta (mais de 50% dos pacientes com algum grau de educação superior). Essa correlação não pôde ser avaliada em nossa amostra, composta exclusivamente de estudantes de nível superior.

Este estudo possui limitações. Primeiro, o delineamento transversal não permitiu utilizar a temporalidade como critério de causalidade, uma vez que fatores de risco e desfecho foram aferidos sincronicamente, e o viés da causalidade reversa não pôde ser eliminado. Consequentemente, não podemos afirmar com certeza que a prevalência de DP/DR decrescente por série do curso, observada em nossa amostra, será seguida. Somente um estudo longitudinal poderia definir melhor os fatores de risco e proteção desta síndrome e entender o impacto do diagnóstico de DP/DR sobre a vida pessoal e profissional do estudante. Segundo, o uso de formulários como instrumentos de pesquisa pode ser falho em virtude de ocultação da verdade e mascaramento de resposta, além da possibilidade do viés de memória, inerente aos estudos de corte transversal. Soma-se a isso o tema de natureza pessoal e íntima abordado nesta pesquisa. Embora a tradução para o português do questionário que utilizamos neste estudo (CDS-BR) ainda careça de uma análise formal de validação transcultural para assegurar sua estabilidade, a Cambridge Depersonalization Scale é uma ferramenta testada e validada transculturalmente em diversos países (CDS, CDS-J, CDS-IV, CDS9, CDS-VE)9, mantendo sua acurácia e confiabilidade em diversos países onde foi testada7,10,14,15. Entretanto, recomenda-se cautela na interpretação destes resultados. Por último, a ausência de dados sobre a prevalência de DP/DR em estudantes de Medicina no Brasil faz com que tenhamos que utilizar a estimativa baseada nas prevalências mundiais conhecidas. Embora não tenhamos motivos para acreditar que haja discrepâncias, estudos de âmbito nacional são necessários para o conhecimento da prevalência nacional de DP/DR e possíveis variações regionais e variações em subgrupos especiais, como os estudantes de Medicina.

Conclui-se que o transtorno de DP/DR apresenta-se como um agravo comum em acadêmicos de Medicina da UFRR, o que pode afetar negativamente a vida pessoal e profissional, gerando sofrimento significativo. Acreditamos que a escola médica deve encarar com atenção o problema do estresse psicológico em seus acadêmicos, principalmente nas séries iniciais, que parecem estar sob maior risco de desenvolvimento do transtorno. Um enfrentamento institucional e curricular do problema pode ajudar na adesão a estratégias funcionais de enfrentamento do estresse em detrimento das disfuncionais. Pesquisas adicionais são necessárias na área deste transtorno, que só recentemente está sendo estudada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2015
  • Aceito
    15 Fev 2016
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