Open-access Pesquisa em Educação para Transformar a Atenção à Saúde no Brasil

Research on Education to Transform Health Care in Brazil

A educação médica passa por um momento de grande transformação com o desenvolvimento de novas propostas curriculares, tanto para a graduação quanto para a residência médica. Novas metodologias de ensino foram criadas com base nos resultados de pesquisas desenvolvidas com o objetivo de entender o processo de ensino-aprendizagem em diferentes cenários. Estas novas propostas surgiram de forma assimétrica no mundo, e a maioria das contribuições vem de países como Holanda, Canadá e Estados Unidos da América.

Como exemplo, podemos citar o recente desenvolvimento de treinamentos simulados de alta fidelidade, a mudança do currículo antes baseado em disciplinas para o baseado em competências; novas formas de organizar o ensino, como a Entrustable Professional Activities, a flipped classroom e o Team-Based Learning; diversas modalidades de ensino a distância; serious gaming e, por último, novas metodologias de avaliação (Osce, Mini-Cex) e admissão. Com raras exceções, a maioria das evidências que fundamentam a incorporação destas novas metodologias foi obtida em contextos culturais diferentes do brasileiro. A falta de um processo linear de desenvolvimento curricular articulado no Brasil nos últimos anos também contribui para a dificuldade de implementar muitas destas metodologias. Apesar da recente reforma das diretrizes curriculares brasileiras para o curso médico, a maioria de nossas escolas ainda utiliza práticas pedagógicas tradicionais, focadas mais na transmissão do conhecimento técnico médico do que em sua criação, com pouco diálogo interprofissional e precária integração curricular, particularmente no tocante a bioética e ensino de humanidades.

Toda teoria é uma tentativa de entender a realidade para permitir sua transformação. Para ser generalizável, o ideal é que as teorias sejam testadas em contextos diferentes. Assim, a pesquisa é parte fundamental tanto para o desenvolvimento de novas teorias quanto para garantir que a sua aplicação será efetiva, gerando novos conhecimentos. A educação médica brasileira está carente de iniciativas de peso, em que os grandes problemas da educação sejam abordados de forma sistemática e qualificada. Possivelmente, nossas práticas pedagógicas ainda estão vinculadas ao passado, pois nossas pesquisas ainda não foram eficientes em apontar para o futuro.

Mas entender a realidade com teorias não é suficiente para garantir sua transformação. O próximo passo é desenvolver práticas pedagógicas mais eficientes, de fato baseadas no novo conhecimento adquirido. Nesta etapa, a pesquisa aplicada é fundamental para entender o impacto do contexto no resultado pedagógico esperado. Considerando este aspecto, a ciência brasileira na área de educação médica tem gerado uma série de relatos de experiências, que, no entanto, carecem ainda de fundamentação científica e preocupação com a sua reprodutibilidade e escala.

A relevância de desenvolver práticas pedagógicas modernas é transformar a realidade da atenção à saúde em nosso país. A situação brasileira é particular. Lidamos com o envelhecimento populacional, ao mesmo tempo em que temos epidemias de doenças infecciosas, num contexto de urbanização caótica e desigualdade social. Assim, nossos alunos não podem ser somente receptáculos de conhecimento, mas, sim, agentes de transformação, assumindo a responsabilidade de ajudar a construir e consolidar um sistema de saúde realmente equânime.

Portanto, tal transformação só faz sentido se vier acompanhada de melhorias em nosso sistema de ensino, saúde e, principalmente, na qualidade do atendimento a nossos pacientes. Nossas pesquisas na área de educação médica devem mirar três alvos diferentes: processo de ensino-aprendizagem, qualidade do serviço e bem-estar do paciente. Apesar das dificuldades de medir o impacto das práticas pedagógicas no sistema de saúde, esta é uma necessidade mundial. Precisamos mostrar aos financiadores do sistema – no nosso caso, a sociedade como um todo – que investir em educação é melhorar a qualidade do serviço que está sendo prestado. O ensino médico brasileiro tem uma oportunidade única neste contexto. Nossos alunos estão em íntimo contato com os serviços e podemos medir diretamente o impacto de nossas práticas pedagógicas.

Investir na qualificação do processo de ensino-aprendizagem não se restringe a melhorar o desempenho cognitivo dos alunos. Envolve qualificar o médico como professor, tutor e também tecnicamente. A educação continuada passa a ser um instrumento de aperfeiçoamento pedagógico com impacto direto na qualificação do serviço. Além disso, é preciso melhorar a relação do professor com o aluno e qualificar a relação do professor e do aluno com seus pacientes, uma vez que professores e médicos têm suas atividades baseadas no respeito ao próximo e na empatia.

Professores e alunos qualificados são mais capazes de compreender o sistema em que estão imersos e assumir um papel de protagonismo na transformação da realidade em que estão inseridos. Aplicar a melhor evidência pedagógica não é diferente de aplicar a melhor evidência clínica; ambas são práticas baseadas em dados concretos, mensuráveis e replicáveis. A beleza de entender a educação como agente de transformação está também em seu componente ético/estético. Educar é buscar a beleza de sentir-se humano, apto a transformar a si mesmo e ao seu entorno. Uma medicina comprometida com esta humanidade é uma medicina mais próxima do paciente. É um estado de espírito de busca pela excelência, comprometida com a sustentabilidade.

Neste contexto, a educação médica tem um impacto que vai além do processo de ensino-aprendizagem, vai além da qualificação do estudante de Medicina. A avaliação do impacto da aplicação dos conceitos pedagógicos modernos no sistema e mesmo na saúde dos pacientes tem sido sistematicamente negligenciada.

O futuro da pesquisa em educação médica reside na busca de soluções pedagógicas que aperfeiçoem o processo de ensino-aprendizagem, mas que também tragam impacto positivo no sistema de saúde, contribuindo para a transformação da nossa realidade e culminando na construção e consolidação de uma medicina qualificada, sustentável e centrada no paciente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017
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