RESUMO
Introdução Estudantes do curso de Medicina estão expostos a carga elevada de estresse, desencadeada por terem que lidar com adoecimento e morte dos pacientes, extensa carga horária, privação de sono, competitividade, cobrança, responsabilidade e medo de errar, entre outros fatores. Algumas técnicas e práticas como a meditação têm sido utilizadas para auxiliar no manejo e redução de estresse, já sendo utilizadas em escolas médicas. O estresse pode ativar componentes do sistema inflamatório, desencadeando uma série de doenças. As desordens causadas pelo estresse podem ser mensuradas por meio de marcadores sorológicos, sendo que os biológicos são os principais utilizados.
Objetivo Avaliar os efeitos de um programa de práticas mente-corpo, Redução de Estresse e Desenvolvimento da Empatia na Medicina (Redemed©), nos níveis dos marcadores pró- e anti-inflamatórios de estudantes de medicina.
Metodologia Trata-se de um estudo quase-experimental, composto por 86 estudantes, sendo 44 do grupo intervenção, que participaram do programa Redemed© com oito encontros semanais, englobando técnicas de meditação e exercícios de vivências interpessoais, e 42 estudantes do grupo controle. Ambos os grupos, antes e após o curso, coletaram sangue para análise dos marcadores: proteína C reativa (PCR), fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), interleucina 06 (IL06) e interleucina 10 (IL10).
Resultados Neste estudo, não foi observada alteração estatisticamente significativa nas citocinas pró-inflamatórias: PCR, TNF-α e IL06. No entanto, a IL-10, que é uma citocina anti-inflamatória, apresentou uma variação positiva e estatisticamente significativa (p: 0,009). Ela tem sido utilizada em estudos com práticas integrativas e complementares a fim de demonstrar seus benefícios.
Conclusão O programa Redemed© parece beneficiar os estudantes de Medicina por meio da modulação inflamatória e como grupo de acolhimento no qual eles puderam compartilhar seu estresse e treinar estratégias de enfrentamento. Este estudo, mesmo não tendo encontrado diferença estatística significativa nos marcadores pesquisados, com exceção da IL10, traz à tona este tema importante do grande estresse vivenciado por estudantes de Medicina e a necessidade de as escolas médicas terem maior cuidado com seus alunos, acolhendo e trabalhando o estresse desses estudantes de forma a reduzir e gerenciar melhor este fator de adoecimento em suas vidas.
Educação médica; Estudantes de medicina; Estresse; Marcadores inflamatórios; Meditação
ABSTRACT
Introduction Medical students are exposed to high stress levels, triggered by having to deal with their illness and death of their patients, extensive workloads, sleep deprivation, competition, having to fulfil demanding duties, responsibility, and fear of making mistakes, among other factors. Some techniques and practices, such as meditation, are used in medical schools to help manage and reduce stress. Stress can activate components of the inflammatory system, triggering a series of pathologies. The disorders caused by stress can be measured by means of serological markers, with biological markers being the main ones used. Objective. To evaluate the effects of a program of mind-body practices, Reduction of Stress and Development of Empathy in Medicine (REDEMED ©), on pro- and anti-inflammatory markers of medical students.
Methodology This is a quasi-experimental study, composed of 86 students: 44 in the intervention group, who participated in the REDMED© program with eight-weekly meetings that included meditation techniques and exercises of interpersonal experiences, and 42 students in the control group. Before and after the course, blood was collected from both groups for analysis of the markers: C-reactive protein (CRP), tumor necrosis factor-alpha (TNF-alpha), interleukin-6 (IL06) and interleukin-10 (IL10).
Results No statistically significant changes were observed in the proinflammatory cytokines CRP, TNF-α and IL06. However, IL-10, an anti-inflammatory cytokine, showed a positive and statistically significant variation (p: 0.009). It has been used in studies with integrative and complementary practices to demonstrate its benefits.
Conclusion The REDEMED© program seems to benefit medical students through inflammatory modulation and as a group that provides a forum to share their stress and receive coaching in coping strategies. This study, even though it did not find a statistically significant difference in the markers studied, with the exception of IL10, raises the important theme of the high levels of stress that medical students experience, and the need for medical schools to take greater care of their students, addressing stress in order better manage it in their own lives.
Medical education; Medical students; Stress; Inflammatory markers; Meditation
INTRODUÇÃO
O estresse, a depressão e os sintomas ansiosos são mais acentuados nos estudantes de Medicina do que nos estudantes de outros cursos1,2. São muitos os fatores que favorecem estas condições, entre eles o convívio próximo a situações de doença e morte, a dificuldade de conciliar vida pessoal e acadêmica frente à intensa e extensa carga horária do curso, a competitividade entre os estudantes, o cansaço agravado pela privação do sono, o medo de adquirir doenças e cometer erros1,3.
Para muitos estudantes de Medicina, o estresse gera sentimentos como medo, incompetência, sensação de inutilidade, raiva e culpa, e pode estar associado a morbidades físicas e psicológicas4. Moreira e Vasconcellos3 avaliaram as causas do estresse entre estudantes de Medicina e suas formas de enfrentamento, por meio de uma pesquisa com alunos de uma faculdade médica de Montreal, no Canadá, e mostraram que a racionalidade científica característica da formação médica não valoriza aspectos subjetivos do cotidiano dos estudantes. Sendo assim, os alunos não encontram abertura para compartilhar sentimentos, angústias e preocupações no contexto universitário e, com isto, vivenciam de forma solitária essas situações de ansiedade.
Lima et al.5 realizaram um estudo com 551 universitários de um curso de Medicina de uma faculdade pública do interior de São Paulo e encontraram uma prevalência de 44,7% de transtorno mental comum entre os estudantes. As variáveis que se associaram positivamente a este achado foram: dificuldade de fazer amigos, avaliação ruim sobre o desempenho escolar, pensamento de abandonar o curso e não receber o apoio emocional de que necessita.
Um estudo multicêntrico (ocorrido de agosto de 2011 a agosto de 2012) que envolveu 22 escolas médicas brasileiras (13 públicas e 9 privadas) para avaliar a qualidade de vida, competências emocionais e ambiente educacional de estudantes e de residentes de saúde investigou 1.350 alunos e mostrou que a prevalência de sintomas depressivos nos estudantes médicos brasileiros (41,3%) é mais alta do que a global (28%)2.
A lista de publicações a respeito do estresse na educação médica é vasta e ainda assim parece haver uma negligência no contexto educacional, já que são poucas as universidades que contam com um serviço de apoio psicológico aos estudantes, com a implementação de programas que os auxiliem a lidar com as dificuldades presentes na vida acadêmica6.
A resposta do organismo ao estresse engloba ações que acontecem no sistema nervoso central (hipotálamo e tronco cerebral) e no sistema nervoso periférico. Os componentes periféricos incluem o eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (eixo HPA) e o sistema nervoso autônomo (sistema nervoso simpático e parassimpático), que interagem diretamente com o sistema imune. Desta forma, as desordens causadas pelo estresse podem ser mensuradas por meio de marcadores sorológicos, sendo que os biológicos são os principais7.
Nater et al.7 fizeram uma revisão dos marcadores que têm se destacado no estudo do estresse e citaram como os mais evidentes: cortisol (para a atividade do eixo HPA), enzima alfa-amilase salivar (para o sistema nervoso autônomo) e citocinas pró-inflamatórias (para o sistema imune). Entre as citocinas pró-inflamatórias, as mais estudadas são as interleucinas 6 e 1β (IL6 e IL1β) e o fator de necrose tumoral (TNF) – α. A proteína C reativa é exemplo de marcador da inflamação crônica usado na prática clínica8.
A Inteleucina-6 já se estabeleceu como um bom marcador em populações com alto grau de estresse e está associada a maiores índices de doenças cardiovasculares e risco de mortalidade9.
Outras citocinas atuam como imunomoduladoras, como a IL-10, que apresenta atividade imunossupressora e age inibindo a produção de TNF e protegendo o organismo dos mecanismos maléficos do processo inflamatório agudo causado por uma superprodução de leucócitos10,11.
A cartilha publicada em 2011 por uma ação conjunta da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), OMS e Conselho Nacional de Secretários de Saúde, intitulada “Redes de Atenção à Saúde”, sugere que diferentes técnicas de relaxamento muscular e meditação podem ser estratégias usadas para a redução do estresse12.
A revisão de Dobkin e Hutchinson13 sobre os programas de mindfulness, que incluem práticas de meditação, implantados em várias escolas médicas de universidades dos Estados Unidos (universidades de Rochester, Brown, Drexel, Duke, Georgetown, Lowa, Jefferson, Massachusetts), Canadá (universidades de Toronto, Montreal, McGill) e Austrália (Universidade de Monash), mostra que eles são eficazes em reduzir as emoções negativas e o estresse, assim como em aumentar a atenção concentrada, a empatia e a compaixão.
Diante destes dados e considerando que estudantes de Medicina são altamente expostos ao estresse e suas consequências, o presente artigo busca avaliar e discutir se um curso de gerenciamento de estresse e desenvolvimento da empatia aplicado a estudantes de Medicina durante oito semanas é capaz de interferir nos níveis dos marcadores pró- e anti-inflamatórios quando comparados aos resultados anteriores e posteriores ao curso com o grupo controle.
A hipótese deste estudo é que a intervenção com práticas de meditação e vivências interpessoais é capaz de promover redução nos valores dos marcadores pró-inflamatórios analisados, assim como aumento nos valores do marcador anti-inflamatório escolhido para esta pesquisa.
MÉTODO
Foi realizado um estudo quase-experimental, prospectivo, controlado, com estudantes do curso de Medicina de uma universidade pública do interior do Estado de São Paulo, Brasil, para avaliar os efeitos de um programa de Redução de Estresse e Desenvolvimento de Empatia na Medicina (Redemed©) em relação aos níveis séricos de marcadores pró- e anti-inflamatórios. O programa foi desenvolvido e patenteado por Andrews et al.14, do Instituto Visão Futuro, e aplicado nesta pesquisa.
Inicialmente, os alunos do curso de Medicina do primeiro ao sexto ano da graduação foram convidados a assistirem a uma palestra, durante a qual a proposta da pesquisa foi apresentada e os alunos puderam esclarecer suas dúvidas.
Aqueles que tiveram interesse em participar da pesquisa e possibilidade de freqüentar os oito encontros propostos para o curso Redemed© compuseram o grupo ativo. O grupo controle foi composto por voluntários graduandos de Medicina que não participaram do curso. Ambos os grupos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O curso Redemed©, ministrado pela Dra Susan Andrews, foi constituído de oito encontros presenciais com duração total de duas horas cada, sendo uma parte teórica, com duração de trinta minutos, e uma parte prática, de 90 minutos. Na parte teórica, foram abordadas as pesquisas que correlacionam os benefícios da meditação e respiração no sistema nervoso central e seus efeitos sobre o estresse diário vivenciado pelos alunos e profissionais da área da saúde em geral. Na parte prática, trabalharam-se exercícios para o gerenciamento do estresse com utilização de ferramentas como o psicodrama, no qual os próprios alunos representaram cenas do cotidiano no contexto clínico ou de hospitais, dinâmicas em grupo e em duplas para o exercício da escuta, fala e postura empáticas e a produção de ilustrações e preenchimento de questionários de autoavaliação de comportamento. Na parte prática, 60 minutos eram dedicados a atividades de relacionamento interpessoal e 30 minutos à prática de ioga e meditação.
Ambos os grupos preencheram um questionário sociodemográfico que continha uma questão sobre percepção de acolhimento e foram submetidos à coleta de sangue em uma Unidade de Pesquisa Clínica da universidade no momento inicial da pesquisa, ou seja, antes do curso Redemed©, e também após o término do curso, que teve duração de oito semanas (sendo assim, a segunda coleta de sangue ocorreu na nona semana).
As amostras de sangue coletadas foram congeladas a -80oC ao final de cada dia de coleta e posteriormente descongeladas para a realização das dosagens dos marcadores.
Foi realizada a dosagem dos níveis séricos dos seguintes marcadores inflamatórios: proteína C reativa quantitativa (PCR), interleucina 6 (IL6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e do marcador anti-inflamatório interleucina 10 (IL 10), seguindo instruções fornecidas pelo kit do fornecedor (Human Magnetic Luminex Screening Assay, R&D System, Bio-Techne), pelo método Multiplex.
As análises estatísticas foram realizadas com a utilização do programa Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS) versão 21.0. As comparações foram consideradas estatisticamente significativas se p < 0,05. A comparação entre os grupos em relação aos potenciais confundidores foi feita pelos testes Qui-Quadrado, Exato de Fisher e Mann-Whitney, seguidos da comparação entre grupos em relação às evoluções por Mann-Whitney.
O projeto foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, com parecer favorável de número 1.068.260, emitido em 19 de maio de 2015, e recebeu financiamento da Fapesp (processo 2015/10854-2).
RESULTADOS
Após a palestra, 73 alunos inscreveram-se no programa Redemed© e passaram a pertencer ao grupo intervenção e outros 59 estudantes compuseram o grupo controle. No grupo intervenção, houve uma desistência de 25% dos sujeitos, reduzindo o n para 55. No grupo controle, houve uma perda de cinco estudantes que não retornaram para a coleta de sangue no segundo momento. Desta forma, a amostra contemplou 109 casos para análise dos dados, sendo 55 do grupo intervenção e 54 do grupo controle.
Durante o descongelamento das amostras de sangue para a realização das dosagens, observou-se uma perda de qualidade em parte das amostras, permanecendo para a análise final do estudo 44 amostras de sangue do grupo intervenção e 42 amostras do grupo controle, ou seja, 86 amostras no total (Gráfico 1).
Fluxograma dos sujeitos no grupo intervenção e controle antes (0) e depois (1) do curso, Redemed©, 2016
As medianas das idades do grupo intervenção e controle foram, respectivamente, 22 (18-32) e 22 (18-28), sem diferença estatística (p = 0,910).
No entanto, o grupo intervenção apresentou 66% de indivíduos do gênero feminino e o grupo controle 41%, diferença estatisticamente significativa (p = 0,018). Além disso, 43% dos graduandos no grupo intervenção e apenas 21% do controle relataram que já haviam meditado em algum momento da vida. Este dado também apresentou diferença significativa (p = 0,031) entre os grupos. Portanto, os alunos que tiveram interesse em participar do programa Redemed© compuseram uma amostra significativa de sujeitos do sexo feminino e que já haviam tido alguma vivência com meditação.
Em relação à autopercepção sobre se sentirem ou não acolhidos por algum grupo, os resultados demonstram que há uma diferença significativa (p: 0,018) entre os grupos no final do programa. O grupo intervenção sentiu-se mais acolhido (34% inicial e 64% final) do que o grupo controle (41% inicial e 38% final). No início, os três grupos de acolhimentos mais citados entre os alunos tanto do grupo ativo como do controle foram: amigos/família, centro acadêmico e a equipe do esporte que praticavam. No entanto, após as oito semanas, enquanto o grupo controle permaneceu com as mesmas indicações, no grupo intervenção foram citados: amigos/família, Redemed© e centro acadêmico.
A análise estatística demonstrou não haver diferenças quando as medianas foram comparadas entre os grupos antes e depois das oito semanas do Redemed© em relação aos resultados dos níveis dos marcadores inflamatórios PCR, TNF-alfa, IL06. Por outro lado, conforme mostra a Tabela 1, houve uma variação positiva significativa na concentração de IL10 do grupo intervenção (p: 0,009).
Medianas (Méd.), valor mínimo (Mín.), valor máximo (Máx.) e nível de significância (p < 0,05) no grupo controle e intervenção (Redemed©) quando comparado o PCR (proteína C reativa), TNF (fator de necrose tumoral alfa), IL06 (interleucina 06) e IL10 (interleucina 10), antes (0) e depois (1), e a variação destes marcadores inflamatórios entre estes dois momentos (VAR_X), 2016
DISCUSSÃO
Neste estudo, não foi observada alteração estatisticamente significativa nas citocinas pró-inflamatórias PCR, TNF-α e IL06. No entanto a IL-10, que é uma citocina anti-inflamatória, apresentou uma variação positiva e estatisticamente significativa (p: 0,009) no grupo intervenção em comparação com o grupo controle, quando avaliados os resultados antes e depois do curso Redemed©.
A interleucina 10 (IL 10) é apontada nas investigações sobre os benefícios das práticas integrativas como uma molécula com importante atividade imunomoduladora devido à sua ação anti-inflamatória. Cahn et al.15 avaliaram diferentes marcadores do estresse pró- e anti-inflamatórios e, corroborando nossos achados, também observaram aumento significativo na IL10 após três meses de prática de ioga e meditação em indivíduos saudáveis e o associaram com maior resiliência ao estresse.
De fato, esta citocina apresenta-se elevada em diversas condições de susceptibilidade ao estresse oxidativo, como nas doenças autoimunes e doenças inflamatórias intestinais, e exerce ação importante para a redução dos danos inflamatórios16,17,18.
Destacamos a importância deste resultado, uma vez que podemos considerar o quanto um efeito imunomodulador propiciado com uma prática complementar direcionada a estudantes de Medicina, como é a proposta do Redemed©, é interessante e pode contribuir com a saúde dos estudantes, uma vez que esta população é vulnerável ao estresse e este está relacionado ao desenvolvimento de inflamação crônica e de várias doenças19.
Outro achado importante deste estudo foi a maior sensação de acolhimento e pertencimento a um grupo apresentada pelos alunos que participaram da intervenção em relação aos alunos do grupo controle, com diferença estatística significativa (p: 0,018), em um contexto educacional em que a falta de apoio é um dos fatores que impactam negativamente a saúde mental dos estudantes5.
Em relação aos resultados dos marcadores pró-inflamatórios, não podemos afirmar que este resultado mostra ineficiência do Redemed© em auxiliar os estudantes de Medicina no controle e gerenciamento do estresse, mas, sim, que os marcadores escolhidos (TNF-α, PCR, IL06) não sofreram alteração nas condições de avaliação propostas neste estudo: voluntários saudáveis e intervenção pelo período de oito semanas.
Estes resultados assemelham-se aos achados de Ranzolin et al.20, que avaliaram a presença de diferentes marcadores da inflamação e do estresse oxidativo em 69 pacientes portadores de fibromialgia, cuja experiência de dor está bastante relacionada ao estresse psicológico, e em 61 voluntários saudáveis (controle). Os marcadores pró-inflamatórios (IL-6 e TNF-α) não apresentaram diferença significativa entre os portadores de fibromialgia e o grupo controle; ou seja, observamos que, mesmo em populações clínicas mais susceptíveis à inflamação, não houve alteração destes marcadores inflamatórios.
Estudos anteriores sobre técnicas de relaxamento apresentaram resultados benéficos confirmados por questionários e outras medidas, mas também não puderam demonstrar diferenças significativas em determinados marcadores, corroborando nossos achados21,22,23.
Uma metanálise com 39 estudos sobre os benefícios das terapias corpo e mente como tai chi, qi gong e ioga para o sistema imune, com foco em marcadores inflamatórios e resposta antiviral, concluiu que estas terapias podem reduzir a inflamação, particularmente entre populações clínicas. Essas terapias integram práticas de atividade física moderada, respiração e meditação para promoverem relaxamento e redução do estresse. Em relação aos marcadores inflamatórios, os autores descrevem que 18 dos estudos avaliados, cujo período de intervenção variou de 7 a 16 semanas, mostraram efeito moderado na redução da proteína C reativa, pequena redução na interleucina-6, porém não estatisticamente significativa, e um efeito não considerável no fator de necrose tumoral α22.
Em relação ao cortisol, que é um marcador da atividade do eixo HPA, apesar de ter sido uma medida considerada inicialmente para este estudo, optou-se por não dosá-lo devido à impossibilidade logística imposta pela restrição de horário para a coleta versus as atividades acadêmicas dos estudantes. Por esta mesma razão, não foi possível a medição de outro marcador importante do sistema nervoso simpático, a enzima salivar alfa-amilase7.
Sobre os resultados encontrados para a proteína C reativa (PCR) em nosso estudo, vale considerar que é uma enzima de fase aguda cujos níveis são aumentados em resposta a infecções ativas e em processos inflamatórios agudos; além disso, são modestamente aumentados em condições de inflamação crônica, como na aterosclerose24.
Desta forma, é considerado aceitável que não tenhamos encontrado diferença significativa entre os grupos, já que a amostra foi composta por voluntários jovens e saudáveis. De qualquer forma, vale citar que os valores encontrados para o grupo de estudantes foram discretamente superiores aos encontrados em pessoas saudáveis por Bahia et al.25, cujos achados foram de 0,3 mg/dL (0,2 a 0,45 mg/dL), enquanto para obesos portadores de síndrome metabólica foram de 1,0 mg/dL (0,5 a 2,0 mg/dL).
Uma questão importante a ser levantada é o tempo da prática realizada pelos sujeitos das pesquisas. É provável que a alteração em marcadores bioquímicos do estresse seja mais perceptível em intervenções que durem períodos mais longos ou que os participantes pratiquem com maior frequência.
A proteína C reativa (PCR) avaliada em um grupo de pacientes portadores de doença inflamatória intestinal submetidos a um programa de relaxamento que envolveu técnica de respiração e meditação durante 26 semanas (Breath-Body-Mind Workshop, BBMW) não apresentou alteração significativa quando avaliada na sexta semana de intervenção, porém seus valores apresentaram redução significativa quando avaliados na 26ª semana26.
Em um estudo conduzido com adultos portadores de distúrbio moderado do sono, um programa de meditação baseado em mindfulness, que realizou seis sessões semanais de duas horas cada, apresentou resultados benéficos para a qualidade do sono autoavaliada e resultados superiores aos encontrados por outros programas de intervenção comportamental. Por outro lado, a avaliação do fator nuclear NF-κB após o intervalo de dez semanas não mostrou diferença estatística entre o grupo de intervenção e o grupo controle, contrariando as expectativas dos autores. Sabe-se que o NF-kB promove o aumento da concentração de marcadores inflamatórios no plasma e que a perturbação no sono aumenta sua ativação21.
Pode-se observar que mesmo em populações clínicas são necessários períodos mais longos de práticas para que os efeitos de redução de marcadores inflamatórios sejam perceptíveis26.
Como limitações deste estudo destacamos os itens discutidos anteriormente, como a escolha dos marcadores e sua logística de coleta, o período de intervenção curto de oito semanas e critério de inclusão não limitado a pessoas com algum grau de estresse. Além disto, notamos que a prática diária da meditação proposta em cada encontro não foi colocada em prática assiduamente pelos participantes devido à falta de tempo e ao excesso de atribuições diárias demandadas pela faculdade, conforme relatado pelos próprios alunos.
A meditação, assim como qualquer estratégia comportamental, requer motivação, persistência e disciplina. Sabe-se que o tempo de prática e a repetição têm forte papel mediador do efeito da meditação no estresse27. Os grupos de apoio podem colaborar para a motivação e acolhimento para o início da prática, assim como para a sua manutenção e regularidade28.
No Brasil, o número de publicações sobre meditação indica que a produção na área ainda é restrita e recente28. Um desafio para este campo de pesquisa é conseguir que pacientes e pessoas em geral se comprometam com a prática da meditação.
O programa Redemed© trabalhou muitos conceitos e vivências interpessoais. Pesquisas com metodologia qualitativa poderiam auxiliar a compreender e a captar modificações e influências importantes na esfera emocional geradas pelas práticas que possam reduzir o estresse e, consequentemente, interferir nos níveis dos marcadores inflamatórios.
CONCLUSÃO
O programa Redemed© parece beneficiar os estudantes de Medicina por meio da modulação inflamatória e como grupo de acolhimento no qual eles puderam compartilhar seu estresse e treinar estratégias de enfrentamento.
Este estudo, mesmo não tendo encontrado diferença significativamente estatística nos marcadores pesquisados, com exceção da IL10, traz à tona este tema importante do grande estresse vivenciado por estudantes de Medicina e a necessidade de as escolas médicas terem maior cuidado com seus alunos, acolhendo e trabalhando o estresse de forma a reduzir e gerenciar melhor este fator de adoecimento em suas vidas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2019
Histórico
-
Recebido
1 Nov 2018 -
Aceito
9 Nov 2018