Open-access A Narrativa do Aluno de Medicina na Formação em Atenção Primária à Saúde: Potencializando Espaços de Aprendizagem Mediados pelas Tecnologias Digitais

The Medical Student’s Narrative in Primary Health Care Training: Enhancing Learning Spaces Mediated by Digital Technologies

RESUMO

A formação em Atenção Primária à Saúde demanda práticas pedagógicas contextualizadas que promovam participação ativa do aluno e reflexão na aprendizagem. Nessa perspectiva, a narrativa digital surge como estratégia inovadora que integra a arte de contar histórias com as diferentes linguagens das tecnologias digitais de informação e comunicação, possibilitando aos alunos expressar suas vivências de aprendizagem, compartilhá-las e refletir sobre elas. A integração das tecnologias digitais no ensino da saúde oferece opções de trabalho que se distanciam de uma prática tradicional, pois recursos como um ambiente virtual de aprendizagem, um blog ou uma rede social sugerem novas formas de interação e produção de conhecimento. O objetivo deste artigo é analisar a percepção de alunos e sua professora sobre a contribuição de blogs como espaços de construção de narrativas digitais no processo de ensino-aprendizagem, na formação em Atenção Primária à Saúde. O estudo envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas com nove alunos e uma professora, de uma disciplina que trabalha o ensino da Atenção Primária à Saúde no curso de Medicina de uma universidade pública brasileira. Durante um semestre, os alunos produziram narrativas digitais como atividades de reflexão sobre o contato com o usuário do serviço de saúde, na comunidade, e as perspectivas relacionadas a esse processo de formação em Atenção Primária à Saúde. Os dados da pesquisa foram organizados e analisados seguindo os pressupostos da análise de conteúdo. As principais percepções revelam as potencialidades do uso do blog na produção de narrativas reflexivas, como interface que promove o diálogo, a subjetividade e a criatividade do aluno, além de incentivar a produção compartilhada de conhecimentos. Os resultados desse estudo corroboram as expectativas sobre a contribuição da narrativa digital para uma prática pedagógica que valorize a participação ativa tanto dos educadores quanto dos educandos, permitindo um movimento dialógico no processo de ensino-aprendizagem e novas formas de pensar a educação e o papel dos sujeitos envolvidos.

Atenção Primária à Saúde; Educação superior; Tecnologia educacional; Narrativas pessoais

ABSTRACT

Primary Health Care training demands contextualized pedagogical practices that promote active student participation and reflection on learning. From this perspective, digital narratives emerge as an innovative strategy that integrates the art of storytelling using different information and communication digital technology languages, enabling students to express, share, and reflect on their learning experiences. The integration of digital technologies in health education offers work options that are distant from a traditional practice, because resources such as a virtual learning environment, a blog or a social network suggest new ways of interaction and knowledge production. The aim of this study is to analyze the perception of students and their teacher about the contribution of blogs as spaces for the construction of digital narratives in the teaching-learning process, in Primary Health Care training. The study involved semi-structured interviews with nine students and one teacher, from a Medical course discipline at a Brazilian public university. This discipline discusses the teaching of Primary Health Care in the first semesters of the medical course. During one semester, the students produced digital narratives, noting down their thoughts on their contact with the patients/users of the health service, in the community, at different times, and the perspectives related to this Primary Health Care training process. The research data were organized and analyzed following the assumptions of content analysis. The main perceptions of the students and teacher showed they see blogs as spaces for constructing reflective narratives and for encouraging the collective production of knowledge, and also as an interface to promote student dialogue, subjectivity, and creativity. The results of this study corroborate the expectations about the contribution of digital narrative to a pedagogical practice that values the active participation of both educators and students, allowing a dialogical movement in the teaching-learning process and new ways of thinking about education and the role of the subjects involved.

Primary Health Care; Higher education; Educational technology; Personal narratives

INTRODUÇÃO

A formação do profissional de saúde em Atenção Primária à Saúde (APS) é uma questão que permeia as discussões sobre o tema desde a instituição desse modelo de atenção. A problemática parte do entendimento de que prevalece o ensino orientado pelo modelo hegemônico de atenção que fortaleceu uma formação voltada à lógica da especialização, tendo o hospital como cenário prioritário de aprendizagem1. Esse modelo encontra-se fortemente marcado por uma concepção tradicional, orientado por uma prática pedagógica centrada no professor e na aquisição de conhecimentos desvinculados da realidade2. Como consequência, esse tipo de formação não prepara os profissionais para trabalhar as dimensões subjetivas, sociais e culturais envolvidas no processo de adoecimento e tratamento dos indivíduos3. Na perspectiva do aluno, percebe-se uma dificuldade em relacionar o grande volume de informações teóricas com a realidade dos usuários dos serviços de saúde4.

Embora existam diversas experiências que mostram caminhos para a reformulação nos cursos da área da saúde, poucas iniciativas foram efetivamente implementadas, e as mudanças incorporadas, muitas vezes, ficaram restritas a alterações da grade disciplinar ou à incorporação de modelos pedagógicos em alguns segmentos do curso1. Como resultado disso, são poucos os avanços nas formas de pensar e executar o ensino da saúde que privilegie uma formação em APS de forma integral.

Nos últimos anos, a APS alcançou um significativo desenvolvimento e uma rápida ampliação no país, configurando-se como uma importante inovação para o sistema público de saúde5. Esse nível de atenção à saúde caracteriza-se por abordar os problemas mais comuns da comunidade, lidando com os contextos físico e social, que influenciam o processo saúde-doença, tendo o indivíduo, a família, a comunidade e o ambiente6 como foco da atuação dos profissionais. Logo, o processo de formação nesse cenário precisa preparar os profissionais para influenciar a resposta das pessoas a seus problemas de saúde, oferecendo serviços de promoção, prevenção, cura e reabilitação para maximizar a saúde7. A atuação na APS requer uma formação integral e humana8, na qual os estudantes sejam capazes de conhecer como as situações de um contexto amplo (social, familiar, demográfico) podem influenciar no processo saúde-doença-cuidado9.

Uma questão central quando se discute o ensino nesse contexto é a seguinte:

  • Por que é importante a formação em APS?

É possível responder a essa pergunta ressaltando, primeiramente, a amplitude do trabalho da Atenção Primária. Segundo Bravo, Cyrino e Azevedo10, é por meio do aprendizado na APS que o aluno pode perceber a importância da promoção à saúde, da expressão de problemas individuais na dimensão do coletivo, do seguimento longitudinal dos pacientes portadores de doenças crônicas, do atendimento em grupo, do trabalho em equipe e da determinação social do adoecer, pouco explorados em outros cenários de aprendizagem, como no ambiente hospitalar, que tem a doença como centro dessa formação.

A segunda resposta relaciona-se à importância de inserir os alunos nos cenários reais de prática, no convívio com os indivíduos na comunidade. Estar no cenário real ajuda a entender que os problemas e as necessidades de saúde superam uma dimensão biológica, pois permite aos estudantes conhecer as situações e relacioná-las aos contextos social, demográfico e epidemiológico, e às crenças e aos valores de cada comunidade e de cada família, resultando em uma maior corresponsabilidade pelo cuidado9.

Em consonância com uma atenção em saúde que valorize os cenários de APS, o ensino da saúde precisa acompanhar o mesmo objetivo. Os futuros profissionais devem ser formados também para esse modelo de atenção. Para isso, diversas iniciativas têm sido empreendidas ao longo dos últimos anos com o objetivo de reorientar a formação para que dialogue com o sistema de saúde vigente no país, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação na área da saúde; o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas (Promed), em 2002; o projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde do Brasil (VER-SUS – Brasil), em 2004; o Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), em 2005; o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), em 200811; e, mais recentemente, o Programa Mais Médicos12.

No entanto, apesar da existência de programas que defendem o ensino em APS nas diferentes profissões da saúde, essas transformações precisam se efetivar no âmbito das práticas de ensino, seja na definição de estratégias pedagógicas, no papel dos sujeitos envolvidos no processo educativo ou na criação de espaços que promovam uma participação ativa e dialógica dos alunos, permitindo que esse aprendizado sobre a APS faça sentido na formação deles.

O estudo sobre a APS integra os currículos dos cursos da área de saúde, como o curso de graduação em Medicina, de uma universidade pública brasileira, que oferece, por meio de uma disciplina do terceiro período, o primeiro contato do aluno com o usuário do serviço público de saúde no seu contexto social e cultural. Nesse processo de formação, devem-se criar condições para que o aluno reflita sobre a sua experiência na APS e construa conhecimento a partir do diálogo entre teoria e prática. Logo, a aprendizagem nesse contexto precisa superar as concepções tradicionais, ser entendida como um processo construtivo, desenvolver um ensino inovador, privilegiando, entre outras características, metodologias que possibilitam interações produtivas e uma apropriação crítico-reflexiva13.

Nesse sentido, tem-se discutido a integração das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) no ensino da saúde a partir de diferentes perspectivas, com o objetivo de trabalhar novas estratégias pedagógicas que contribuam para repensar o papel dos sujeitos educandos, promovendo sua participação ativa e autônoma. As TDIC podem gerar oportunidades para mudanças nos processos educativos e, consequentemente, na formação em saúde, em todos os níveis14, uma vez que sua integração nesses espaços potencializa uma formação mais flexível por meio da criação de novos cenários ou metodologias de ensino-aprendizagem. Entre essas possibilidades, destaca-se a narrativa digital como um caminho para discutir um processo educativo que valorize as experiências dos sujeitos educandos.

A narrativa digital (digital storytelling) integra o potencial da narrativa de facilitar a construção de sentido e o compartilhamento de experiências individuais, descrita por Bruner15,16, com as diferentes linguagens oferecidas pelas TDIC, como dispositivos de captura de imagens e de áudio, bem como o uso de software apropriado para criação e edição das narrativas17, aplicativos da Web 2.0, como o Flash, o Movie Maker, blogs, entre outros18.

A narrativa é geradora de mudanças na maneira como as pessoas compreendem os outros e a si próprias, pois, à medida que o sujeito consegue se identificar com a sua produção, com sua história apresentada sob diferentes formatos, ele se torna capaz de teorizar a sua própria experiência19,20. No ensino da saúde, isso é relevante para refletir a compreensão que o aluno tem sobre sua formação, nas relações profissionais de saúde-paciente e aluno-docente, e os significados que são construídos e reconstruídos a partir dela.

Uma das potencialidades identificadas no uso da narrativa digital é promover a reflexão. À medida que o aluno representa a sua experiência e relata os eventos que foram mais significativos, ele tem a oportunidade de refletir sobre suas vivências de aprendizagem. Nesse caso, a reflexão é percebida como um importante elemento no processo educativo e está relacionada à capacidade de associar um conhecimento novo com aquilo que já se sabia, em um movimento de transformação e de construção de novos conhecimentos21.

Os estudos sobre narrativas digitais no ensino da saúde, embora recentes, têm revelado diferentes perspectivas de trabalho, principalmente na reorientação de práticas pedagógicas. Do ponto de vista da produção da narrativa pelos alunos, as pesquisas compartilham a observação de que a narrativa digital possibilita a promoção da criatividade, criticidade e reflexão22-25. Esses resultados e o que a literatura tem apresentado sobre a sua contribuição na educação18,26corroboram o interesse por esse tipo de abordagem para promover mudanças educativas que nasçam da prática em si e dialoguem com as necessidades de formação dos alunos.

Considerando a narrativa digital como uma relevante interface para a reflexão na aprendizagem e a necessidade de promover estratégias inovadoras no ensino da saúde, o objetivo deste trabalho é analisar a percepção de alunos e sua professora sobre a contribuição de blogs como espaços de construção de narrativas digitais no processo de ensino-aprendizagem, na formação em APS.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este artigo origina-se da tese de doutorado intitulada Formas de expressão, reflexões e aprendizagens nas narrativas digitais no processo de formação em Atenção Primária à Saúde: um estudo de caso com alunos de medicina27. O objetivo da pesquisa foi investigar a contribuição da narrativa digital para a reflexão dos sujeitos educandos, no contexto de formação em APS.

Trata-se de um estudo de caso, uma vez que o foco é um contexto particular, uma disciplina do terceiro período do curso de graduação em Medicina, acompanhando um processo de mudança de uma prática – a produção de narrativas digitais pelos alunos, no âmbito da integração das TDIC, em práticas pedagógicas no ensino da saúde. Um estudo de caso é um importante delineamento de pesquisa, quando se investiga um fenômeno contemporâneo no seu contexto da vida real28, e representa uma relevante estratégia quando se pesquisam os espaços ou as situações educacionais.

Os participantes da pesquisa foram 18 alunos e uma professora da disciplina, do curso de Medicina de uma universidade pública brasileira, que realizaram suas atividades práticas na Clínica da Família em uma comunidade, que na época do estudo estava pacificada, no município do Rio de Janeiro, durante o segundo semestre de 2014. A disciplina tem como objetivo apresentar e trabalhar com os alunos o estudo da APS, representando o primeiro contato destes com os usuários do serviço de saúde.

O estudo envolveu a definição de um trabalho conjunto com a professora, e os alunos construíram, ao longo do semestre, narrativas digitais como atividades de reflexão sobre o contato com o usuário do serviço de saúde na comunidade e as perspectivas relacionadas a esse processo de formação em APS. Para a produção das narrativas digitais, criaram blogs no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) “Vivências: experiências do processo de adoecimento e tratamento”29.

O AVA “Vivências: experiências do processo de adoecimento e tratamento” é um espaço virtual em que é possível a construção de disciplinas/cursos ou atividades educativas online, tendo como foco as narrativas sobre o processo de adoecimento e tratamento na formação do profissional de saúde. O ambiente virtual foi desenvolvido no Laboratório de Tecnologias Cognitivas, do Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fruto da parceria entre professores de um curso de Medicina e pesquisadores em tecnologias educacionais, e está disponível na web desde o segundo semestre de 200929.

Ao final do semestre, foram realizadas entrevistas com os alunos e a professora, a fim de identificar as percepções sobre a proposta pedagógica empreendida na disciplina. Cabe destacar que, dentre o grupo de 18 alunos que foram incluídos no estudo de caso e participaram do processo de produção das narrativas digitais, apenas nove responderam à entrevista. Os dados da pesquisa foram organizados e analisados seguindo os pressupostos da análise de conteúdo30. Em termos práticos, a análise realizada caracterizou-se por ser do tipo temática e desdobrou-se nas seguintes etapas descritas por Bardin30:

  • Na primeira etapa, realizou-se uma pré-análise, que representou a escolha dos documentos para análise, a retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa, a elaboração de indicadores para a interpretação final, seguida de uma leitura flutuante do material de pesquisa.

  • Em seguida, o material de pesquisa foi explorado e classificado, visando à definição das categorias teóricas ou empíricas. A categorização é uma técnica que consiste na classificação dos dados em temas específicos que agrupam os sentidos manifestos nos resultados.

  • A terceira etapa envolveu, portanto, o tratamento dos resultados e a sua interpretação. Cabe acrescentar que “a análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”31 (p. 209).

No estudo, os alunos são caracterizados como Med1, Med2, Med3... Med18, para preservar o anonimato dos participantes. Cabe ressaltar que a pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), sob o número 652.119, de 9 de abril de 2014.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise do conteúdo das entrevistas resultou em duas categorias: “Os blogs no processo de formação em APS – espaços para reflexão sobre a experiência” e “As TDIC no processo de ensino-aprendizagem: potencialidades e desafios”.

Os blogs no processo de formação em APS – espaços para reflexão sobre a experiência

O processo de integração das narrativas digitais, a partir de blogs, na disciplina sobre APS aconteceu por um semestre com um grupo de alunos e sua professora, durante as atividades práticas que aconteciam em uma Clínica da Família e na comunidade. No início do período letivo, os alunos foram apresentados à proposta de criação dos blogs e sobre o que representava uma narrativa digital – contar uma história a partir de diferentes linguagens midiáticas (fotos, vídeos, músicas, gráficos, texto etc.). A sugestão foi que apresentassem suas experiências semanalmente, após as atividades realizadas no campo de práticas. Dessa forma, todos os alunos criaram seus blogs no AVA e os alimentavam periodicamente (uma vez por semana). Uma das funcionalidades do blog era permitir a postagem de comentários, os quais poderiam ser feitos pelos colegas e pela professora. Contudo, essa interação só aconteceu de forma mais efetiva entre a professora e os alunos.

A ausência de comentários entre os alunos foi um limite relatado por eles, pois, como era uma proposta inovadora, perceberam a falta de liberdade entre os colegas, tempo e disponibilidade para iniciar uma discussão sobre determinado assunto. Os comentários surgiram fora do ambiente, entre os alunos, nos encontros informais, em sala de aula ou mesmo em aplicativos de comunicação.

[...] eu acho que a gente teve essa coisa de participar, de olhar um do outro, mas como foi a primeira assim, a gente ainda ficou um pouco “acanhadinho” assim de comentar no do outro e tal [...] (Med6).

O primeiro post do “Med18” foi muito engraçado, só que eu não comentei no blog dele, eu tirei print do que achei engraçado pelo celular mesmo e mandei no WhatsApp (Med1).

A professora destaca como um dos diferenciais da proposta a construção de narrativas singulares, representativas dessa experiência individual: “Não ficou um discurso burocrático. Eu não vi uma narrativa igual a outra. Eu não vi isso, como eu via antes no formato do portfólio impresso, ou mesmo por email. [...] Ficou uma coisa mais viva”.

Em outro artigo do mesmo autor 32, é apresentada uma análise das narrativas digitais produzidas em um dos blogs que revela a produção de narrativas multimídias e o uso de outras linguagens além do texto, como imagens/fotos e vídeos.

Nas entrevistas analisadas, um dos temas recorrentes nas falas dos alunos e da professora referia-se ao blog como espaço para construção de narrativas reflexivas, em que era possível relatar de forma subjetiva o que a prática tinha mostrado, de modo a ajudar a significar cada vivência. Trata-se de uma percepção que está relacionada ao que significa o ato de narrar um fato ou uma experiência – produção de sentido sobre o que está sendo narrado; atribuição de significado para si e para o outro15,16. Em outras palavras, o que foi ensinado em sala de aula – a teoria – ganha um significado na prática.

[...] enquanto eu faço a conversa mais subjetiva eu vou pensando no que aprendi, isso me dá um momento a mais de reflexão. O blog ajuda a refletir [...]. No blog você vai falar o que sente e você vai acabar refletindo: “Nunca tinha pensado nisso. Nunca tinha pensado naquilo”. Mesmo que você não escreva, você acaba por pensar (Med1).

Quando você está escrevendo alguma coisa, antes você tem que pensar [...], então você tendo que pensar, você vai refletir sobre aquilo, inclusive podendo rever alguns conceitos [...] (Med4).

O processo de resgatar as experiências e compartilhá-las no blog se configurou como um momento de consolidar o aprendizado sobre as especificidades da APS e compreender o dinamismo de um campo de práticas que envolvem estar em uma comunidade, e não apenas em um consultório. O fato de investir em uma formação que valorize os diferentes espaços ou momentos de aprendizado oportunizados pela APS converge para esse entendimento de que não estamos falando de um cuidado simples ou de baixa complexidade. Pelo contrário, a APS cuida das condições de saúde mais frequentes em uma comunidade, com variados níveis de complexidade33. Portanto, inserir a narrativa digital como estratégia de aprendizado nesse processo de formação em APS oferece possibilidades para que o aluno possa olhar com mais cuidado e de forma ampliada para esse contexto, tão complexo e plural.

O caráter reflexivo da proposta de produção das narrativas digitais foi reforçado como importante caminho na construção de conhecimento sobre a prática do médico para atuar em APS e sobre o olhar que tiveram para a comunidade. Esse momento de contar a experiência ajudou na elaboração de conceitos e no aprendizado sobre as especificidades da atuação do profissional nesse contexto. A professora da disciplina entende que se deve valorizar uma prática reflexiva no ensino da saúde, especificamente na medicina, para que os alunos pensem sobre esse processo de formação e compreendam qual a relevância da APS.

Eu acho quê... Nossa! Ajudou muito porque, assim, eu lembrava de tudo, sabe?, eu parava, pensava: “Nossa aconteceu tal coisa”, “Ah, conheci um história de determinada pessoa”, e aí eu pensava, sabe?, o que tava por trás daquilo. Sei lá, às vezes eu vi muito caso aqui que depois eu fiquei pensando, nossa está além da clínica. Então, na hora de escrever eu refletia sobre os casos que eu vi aqui, não era simplesmente: acompanhei uma consulta, a pressão deu X, e o caso clínico é esse, como a gente faz em ambulatório (Med15).

E acho que é isso que a gente tem que resgatar na medicina em si. Quem eu sou nisso? O que estou fazendo nisso? Por que eu estou fazendo isso? Como estou fazendo? Como eu estou sentindo isso? [...] (Professora).

Essa percepção engloba o conceito de APS, o que significam os cuidados de saúde primários na prática, durante o encontro com a população, com cada família e suas especificidades. Um entendimento sobre APS como espaço de promoção da saúde, de cuidado integral e humanístico7,8, de atuação multiprofissional e interdisciplinar, fortemente dependente das tecnologias relacionais, do vínculo com o usuário do serviço e da corresponsabilização pelo cuidado34.

As percepções da professora sobre a experiência de produção da narrativa digital no blog e a contribuição dessa proposta para o processo de ensino-aprendizagem envolveram outras questões. A professora mencionou, por exemplo, a visão que teve sobre a narrativa do aluno em relação à forma como foi construída e apresentada quanto aos aspectos de profundidade da reflexão e do uso de outras linguagens midiáticas. Além disso, revelou a característica da narrativa digital de ultrapassar os limites de um relatório de práticas e considerou a motivação com a qual os alunos participaram ativamente da sua construção nos blogs: “Foi muito bom de ver que era muito verdadeiro, que eles estavam sendo muito verdadeiros ali, não tinha muito como escamotear, porque saía, saía livremente” (Professora). Conforme analisado em outro estudo35, em relação à profundidade da reflexão, a maioria das narrativas digitais dos alunos apresentou uma abordagem profunda (deep approach) que consiste em apresentar a experiência atrelada a momentos de reflexão sobre ela, compreendendo os conteúdos de forma significativa e discutindo os aspectos vivenciados na prática21.

A proposta de narrar a experiência dialogou com a necessidade de promover uma formação humanística e um aprendizado centrado na pessoa, no conhecimento sobre a experiência com o adoecimento e a história de vida. A professora destacou que o desejo de mudanças no ensino da saúde requer pedagogias que dialoguem com o que é defendido nesse campo de trabalho. Nesse sentido, referiu que usar essa proposta de compartilhamento da narrativa, de promover espaços de reflexão, pode ajudar a ampliar o olhar do aluno para suas experiências de aprendizagem. Não é apenas inserir o aluno em contextos de APS, mas também fomentar espaços de discussão sobre o que está sendo vivenciado, pois somente assim ele poderá compreender as suas especificidades e como atuar nesses espaços10.

Normalmente é um curso muito mais técnico, muito mais focado na doença, focado no diagnóstico e menos focado na pessoa e menos focado na história de vida dela, na experiência do adoecer que ela está tendo. Então eu acho que esse tipo de instrumento pedagógico ajuda nisso porque esse aluno ou esse futuro médico vai estar escrevendo a sua narrativa e aí vai estar se conectando com a sua experiência diante daquele processo de ensino-aprendizagem e ele pode estar tendo outros olhares que ele não estava tendo antes porque não tinha espaço de narrativa e aqui ele está tendo (Professora).

Criar espaços para refletir sobre esse processo de formação permite entender a relevância da formação em APS:

Então muitos relatos são assim: “Eu não imaginava que um médico pudesse conversar com as pessoas assim dessa maneira que você faz, que pudesse rir com as pessoas, pudesse brincar com as pessoas. Eu imaginava que o médico tinha que ser aquele doutor distanciado, mais sério, mais... botando barreira na comunicação e você já chega brincando e as pessoas já falam com você com muita facilidade”. [...] Para trabalhar com comunidade, você precisa, você tem que ter outra forma de acessar a comunicação com as pessoas. E aí, a cada ação que eu vou falando, que eu vou fazendo, eu vou tentando fazer algum link com a teoria que está por detrás disso. Então, eu acho que eles gostam (Professora).

Eles perceberam, por exemplo, que as intervenções na APS requerem um cuidado ampliado e integral. Ao subir o morro, entrar nas casas das pessoas e ouvir suas histórias, entende-se que a doença é apenas um sinal diante de tantos outros problemas. Essa experiência permitiu também uma quebra de preconceitos e desmistificação da saúde da família e da comunidade. Uma compreensão que integra a discussão sobre APS e que precisa ser trabalhada durante todo o processo de formação – conhecer o contexto familiar e social e como este influencia no processo saúde-doença-cuidado9.

[...] a questão do preconceito em relação a essa área que existe muito, as pessoas falam: “Ah, medicina da família, tão sem graça, não sei o quê...”. Mas a gente vê que é muito gratificante para quem faz e várias coisas que assim que eu aprendi e acabei levando para a minha vida, algum dia que eu tava mal, que eu vim aqui nessa roda e eu vi as pessoas falando de problemas tão maiores que você e os seus são minúsculos, você esquece e você tenta resolver e ter mais força para você superar (Med17).

Essas questões relacionam-se à necessidade de trabalhar uma abordagem integral no ensino da saúde que não privilegie exclusivamente uma prática clínica focada na doença, pois, quando isso acontece, o resultado são processos nos quais o conhecimento sobre o indivíduo e seu contexto ganha pouca visibilidade. Não é difícil encontrar nos serviços de saúde vestígios dessa formação exclusivamente biomédica, como a existência de barreiras ao acesso dos usuários ao cuidado integral e situações nas quais os profissionais delimitam áreas de atuação, como se o nosso corpo funcionasse de forma separada36. Precisamos discutir a formação em APS na graduação em Medicina, de forma mais transversal, ao longo do curso e a partir de estratégias que coloquem o educando no centro desse processo.

As TDIC no processo de ensino-aprendizagem: potencialidades e desafios

Nesse processo de ensino-aprendizagem na área da saúde, muitas estratégias e abordagens têm sido utilizadas com a finalidade de tornar o aluno protagonista da sua formação. Um exemplo disso é a integração das TDIC a propostas pedagógicas inovadoras que objetivam promover uma educação centrada no aluno, na sua participação ativa. Neste estudo, o uso do blog como espaço para produção de narrativas digitais se configurou como uma opção nesse processo de mudanças no ensino da saúde.

Na percepção dos alunos e da professora, o blog foi caracterizado segundo a sua pluralidade, praticidade de utilização e ubiquidade, sendo definido como uma rede social própria da disciplina. Ademais, seu caráter dialógico valorizava a subjetividade do aluno e a troca de experiências. A interação com a professora, que respondia aos alunos comentando as narrativas à medida que eram feitas, e não apenas ao final do semestre, também foi considerado um aspecto positivo. Para os alunos, o conhecimento foi construído no processo, com uma participação direta da professora, não apenas em nível presencial.

A gente podia acessar o blog em qualquer lugar, a qualquer hora, podia fazer uma publicação, postar um vídeo, fazer um comentário, como fosse uma rede social mesmo só dos alunos [...] (Med2).

Eu converso em 1ª pessoa com o próprio leitor, eu acho que ficou bem mais dinâmico, eu pude contar de uma maneira mais subjetiva do que objetiva e dava mais liberdade de falar o que eu penso e o que sentia (Med1).

Acho que o feedback é muito importante para você consolidar o aprendizado, você ter alguém dizendo que é assim, para melhorar alguma coisa ou que tal coisa foi boa, isso sempre é bem positivo (Med4).

As possibilidades de produção de narrativas a partir de outras linguagens midiáticas e a liberdade de expressão também foram outros aspectos considerados relevantes no uso do blog.

A experiência do blog foi muito legal porque eu gosto de falar, gosto de escrever e ali é um espaço muito pessoal e aberto [...]. Você pode chegar em casa e colocar o que quiser, você pode botar alguma matéria que achar interessante ou alguma coisa assim, a questão das imagens mesmo, e acho isso bastante bacana (Med4).

Ele pode estar se expressando do jeito que ele quiser, ele quer não escrever, ele quer botar o vídeo, ele quer botar imagens de mar, de sol, uma música que toca a alma dele, ele vai botar ali e isso já diz tudo (Professora).

Em relação aos limites percebidos pelos participantes, destaca-se a dificuldade de edição das postagens, relatada por alguns, bem como algum problema que pudesse acontecer no servidor do AVA.

Dificuldade eu acho que em relação a editar as postagens, eu achei um pouco complicado porque daí muda a data do que você colocou. Eu achei isso um problema (Med8).

Eu acho que dificuldade é só essa coisa de você ficar presa ao sistema, se der algum problema no sistema e você pode acabar perdendo as coisas que estão lá [...] (Med17).

Essas observações feitas pelos alunos foram discutidas ao longo do semestre, e não houve nenhum prejuízo à continuidade das atividades.

Na perspectiva da professora, a maior dificuldade foi manejar o tempo em relação à leitura das narrativas e à postagem de comentários. Em alguns momentos, quando não era possível responder de imediato, ela dava um feedback pessoalmente ao aluno e depois respondia diretamente no blog.

No começo, quando eu estava com mais disponibilidade, chegava e eu respondia de imediato, depois, eu comecei a rarear isso, e eu ficava muito culpada, muito culpada, mas eu não queria fazer uma leitura burocrática. [...] Então eu dei um tempo, ficou um gap maior, mas eu chegava para o aluno, na prática e falava, não li, sei que chegou, assim que der eu vou ler e isso tranquilizava o aluno porque o aluno tinha essa coisa, ele ficava torcendo para ver a resposta da gente, quer dizer, o que a gente está falando sobre a exposição dele ali, tem que ter o feedback (Professora).

Esse achado é considerado algo esperado, uma vez que se trata de uma proposta inovadora e a professora não trabalhava com esse tipo de recurso. Logo, requer um tempo para administrar o uso dessas ferramentas. As mudanças nas práticas educativas requerem tempo e apropriação dos sujeitos envolvidos. Embora seja um processo lento, à medida que ele ocorre, o contexto, as relações entre seus atores e as tarefas e os conteúdos de aprendizagem já estarão em transformação, abrindo caminhos para que essa mudança se efetive37.

Os resultados relacionados à produção de narrativas digitais em espaços como os blogs revelaram diferentes olhares para essa prática no processo de ensino-aprendizagem. Primeiramente, surge a definição do blog como uma estratégia educativa capaz de propiciar a construção de narrativas digitais reflexivas e de um ambiente dialógico e subjetivo. Ao ser caracterizado como uma rede social própria da disciplina, o blog dialoga com a realidade dos alunos, que integram a cultura digital, em constante transformação. Esse aspecto é considerado positivo, uma vez que reforça as habilidades de letramento digital dos alunos e permite que estas se desenvolvam nos espaços educacionais.

A produção das narrativas em blogs permitiu o encontro entre professor e alunos, além da continuidade nesse processo de formação no que diz respeito a uma construção coletiva de conhecimento. Os comentários da professora motivaram os alunos a buscar mais informações e tecer relações entre as experiências na prática da disciplina com a teoria estudada em sala de aula, consolidando assim esse processo de aprendizagem. Santos, Miarka e Siple38 referem que, na percepção dos professores, o blog é uma importante estratégia, pois permite uma relação mais dialógica com os alunos, de forma contínua. Estudos sobre o uso de blogs na educação têm mostrado a sua contribuição para a aprendizagem colaborativa39,40, para a reflexão no processo educativo41, além de melhorar as habilidades de letramento e o pensamento crítico dos estudantes. É, portanto, um ambiente adequado para dar voz a esse sujeito42.

Os resultados sobre a percepção dos alunos e da professora sobre a produção das narrativas digitais na disciplina confirmam os achados na literatura. Estudos sobre a narrativa digital no ensino da saúde permitem identificar que ela possibilita a promoção da criatividade, criticidade e reflexão do estudante, além de promover o compartilhamento de suas experiências22-25.

A discussão sobre a relação entre narrativa digital e reflexão também surgiu nesses resultados. Os alunos e a professora destacaram o caráter reflexivo que essas produções oferecem, confirmando, desse modo, o que a produção científica da área tem apresentado. Segundo Barret43, a narrativa digital na educação pode estimular a reflexão e promover a criatividade e o envolvimento dos alunos em atividades colaborativas. Além disso, trata-se de uma metodologia de aprendizagem de grandes potencialidades cognitivas, expressivas e comunicativas44.

O aprendizado sobre a APS e sua relevância na formação em saúde permitiu uma compreensão sobre esse nível do sistema de saúde, que está orientado aos problemas da comunidade como um todo, algo percebido a partir do olhar que os alunos tiveram para o contexto de práticas no qual estavam inseridos e como estabeleceram relações entre os problemas percebidos nas pessoas e a influência do ambiente. Como consequência, os alunos puderam testemunhar que a saúde é resultado de fatores sociais, econômicos e culturais, e não pode ser apenas definida como ausência de doença45.

Dhital et al.46 discutem a importância da escrita reflexiva para a aprendizagem em APS a partir de uma pesquisa com estudantes de medicina. Os resultados mostraram que os alunos refletiram sobre a capacidade de aplicar conhecimentos teóricos nas atividades da vida real, além de conectarem o conhecimento passado com as experiências atuais. A prática reflexiva os ajudou no desenvolvimento de habilidades, na compreensão da realidade dos serviços de saúde, além de permitir que as experiências concretas se tornassem em aprendizado.

Segundo Carácio et al.9, potencializar esse aprendizado na APS permite distanciar-se de um ensino tradicional, no qual o estudante recebe orientações teóricas sobre doenças e tratamentos para depois aplicá-las, sem oportunidades de reflexão sobre o contexto em que o conhecimento é aplicado. Dessa forma, deve existir um alinhamento da formação em saúde com as necessidades do cenário de APS, em que prevaleçam os métodos ativos de ensino e aprendizagem9. Estes precisam criar condições para que os estudantes reflitam sobre a prática, possibilitando uma formação mais ampla e também que os trabalhadores vivenciem a reorganização dos serviços para uma prática mais resolutiva em saúde.

A integração das TDIC no ensino da saúde oferece opções de trabalho que tendem a se distanciar de uma prática tradicional, uma vez que recursos como um AVA, um blog ou uma rede social sugerem um novo tipo de interação e de produção de conhecimento. Com isso, as perspectivas de mudanças nas práticas educativas podem ser ampliadas, à medida que estas começam a ser repensadas. No caso das narrativas digitais produzidas neste estudo, houve, por parte dos sujeitos envolvidos, um entendimento das suas possibilidades no processo de formação em APS. Além disso, o blog representou esse espaço de produção das narrativas, em que foi possível desenvolver novas habilidades e, com isso, aprender a partir do ato de narrar mediado pelas tecnologias digitais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os participantes do estudo perceberam o blog como um espaço para construção de narrativas reflexivas, como interface que promoveu a aproximação dos sujeitos envolvidos no processo educativo e a produção compartilhada de conhecimentos nesse contexto de formação em APS. Apesar de ter sido uma proposta inovadora na disciplina, os participantes avaliaram a experiência de forma positiva e compreenderam as contribuições das TDIC na formação médica. Além disso, a possibilidade de compartilhar as experiências sobre o aprendizado em APS ajudou no processo reflexivo e no maior entendimento sobre as suas especificidades.

As discussões sobre a formação em APS são transversais ao ensino da saúde e implicam um esforço daqueles que trabalham e pesquisam nessa área, pois será necessário buscar estratégias ou meios que contribuam para repensar o modelo vigente. Embora existam mudanças de currículo em curso e outras já efetivadas que inserem os alunos nesse cenário na formação em saúde, percebe-se que ainda há uma lacuna na prática educativa, no que diz respeito a questões micro, como as relações que acontecem nos campos de prática, bem como o papel exercido pelo sujeito educando.

Orientados por essa discussão, como repensar a formação em saúde e alinhá-la às concepções de cuidado voltadas ao atendimento em APS? Esse é um desafio constante que requer um novo olhar para as práticas educativas nesse contexto de formação. Torna-se necessária a utilização de estratégias pedagógicas que superem a mera transmissão de conhecimentos e reconheçam as especificidades de cada cenário.

Assim, defende-se a necessidade de estratégias que ofereçam condições para os alunos refletirem sobre a importância desse conhecimento durante a sua formação. Entende-se que apenas expô-los a essa realidade não é suficiente para que essas transformações possam acontecer. O estudo de outras metodologias e de sua aplicação nessa formação representa um caminho a ser percorrido e provoca questionamentos acerca do que tem sido produzido ou utilizado em outros contextos educativos com potencial para ser trabalhado no ensino desses profissionais de saúde. A proposta de uso das narrativas digitais sobre a experiência do aluno no processo educativo, isto é, sobre as relações que se estabelecem nos cenários de formação e as reflexões nascidas do encontro entre sujeitos educandos e educadores, nos diversos cenários de aprendizagem, representa um avanço nesse sentido.

As percepções dos alunos e da professora da disciplina corroboram as expectativas sobre a contribuição da narrativa digital para uma prática pedagógica que valorize a participação ativa tanto dos educadores quanto dos educandos, permitindo um movimento dialógico no processo de ensino-aprendizagem e novas formas de pensar a educação e o papel dos sujeitos envolvidos.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2019
  • Aceito
    17 Set 2019
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