Resumo:
Introdução: A pandemia de Covid-19 impactou negativamente a saúde mental de médicos e estudantes de Medicina. Muito tem sido discutido sobre as lições aprendidas, no que se refere a aspectos clínicos, de diagnóstico, tratamento e prevenção. Entretanto, os médicos são treinados para o cuidado dos pacientes, o que envolve técnica e humanidade.
Objetivo: Este estudo apresenta e discute as lições e reflexões aprendidas por internos de Medicina e médicos recém-formados durante a pandemia de Covid-19.
Método: Trata-se de um estudo quali-quantitativo realizado durante a segunda quinzena de setembro de 2020 (seis meses após o início da pandemia) por meio de formulário em plataforma digital. Todos os alunos do internato e todos os médicos formados desde 2018 nas três faculdades de Medicina de Sergipe foram convidados a participar da pesquisa.
Resultado: Obtiveram-se 148 questionários respondidos, dos quais quatro não continham respostas nos campos abertos. Quanto ao estágio de formação universitária, 36,5% eram recém-formados (n = 54), dos quais 90,7% trabalharam na linha de frente do atendimento aos pacientes com Covid-19. Ao serem questionados sobre os principais aprendizados que a pandemia havia trazido, 41 respostas estiveram voltadas para a paciência, a imprevisibilidade do futuro e a resiliência no enfrentamento das adversidades. Aproximadamente 42% (n = 62) dos participantes conheciam ao menos uma pessoa que faleceu por Covid-19, e isso se associou à necessidade de aproveitar o tempo, a vida e as pessoas (p = 0,009). Um total de 34 respostas (23%) demonstrou uma atitude positiva de reaprendizado e esperança quando os participantes foram perguntados sobre como imaginavam o trabalho e o ensino médico após pandemia. A necessidade de um retorno cauteloso foi citada em 34 (23%) respostas.
Conclusão: Os estudantes de Medicina e os médicos recém-formados relataram aprendizados relacionados à paciência e resiliência. A perda de familiares e amigos por Covid-19 esteve relacionada à necessidade de aproveitar o momento presente.
Palavras-chave: Estudantes de Medicina; Médicos; Saúde Mental; Sars-CoV-2, Covid-19
Abstract:
Introduction: The COVID-19 pandemic has affected the mental health of doctors and medical students. There has been plenty of discussion about the lessons learned, in relation to clinical aspects, diagnosis, treatment and prevention. However, doctors are trained in patient care, which involves technique and humanity.
Objective: Presentation and discussion of lessons learned from the COVID-19 pandemic for medical interns and newly graduated doctors.
Method: This is a quali-quantitative study performed in the second half of September 2020 (six months after the start of the pandemic) using a digital platform. All medical internship students and all physicians graduated since 2018 from the three medical schools in Sergipe-NE-Brazil were invited to participate.
Result: 148 forms were obtained, and four of them did not contain answers in the open fields. As regards the university training internship, 36.5% were newly graduated physicians (n=54), of which 90.7% worked on the front line of care for patients with COVID-19. When asked about the main lessons that the pandemic brought, 41 responses referred to patience, unpredictability of the future and resilience in facing the adversities of the pandemic. About 42% (n=62) of the participants knew at least one person who died of COVID-19, and this was associated with the need to enjoy time, life and people (p=0.09). A total of 34 participants (23%) responded with a positive attitude of relearning and hope when asked about how they imagined work and medical education after the pandemic. The need for a cautious return was cited in 34 (23%) responses.
Conclusion: Newly qualified doctors and medical students reported learnings related to patience and resilience. The loss of family and friends by COVID-19 was associated with the need to seize the moment.
Key words: Medical Students; Doctors; Mental Health; SARS-Cov 2; COVID-19
INTRODUÇÃO
Pandemias afetam negativamente a saúde mental da população1. A pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19) foi associada ao aumento de sintomas de sofrimento mental, principalmente em países de baixa e média rendas, como o Brasil2. Especificamente na população de estudantes de Medicina e médicos recém-formados, foi evidenciado um impacto negativo, com presença de sintomas de ansiedade, maior uso de medicamentos psicotrópicos e substâncias psicoativas, tais como álcool e drogas3.
Esse impacto resultou de diversos fatores. Os cursos de Medicina foram interrompidos de maneira abrupta, e substituíram-se as práticas presenciais por atividades on-line4. Hospitais de campanha, criados para tratar pacientes com Covid-19 devido à superlotação das urgências e unidades de terapia intensiva, foram locais de trabalho de médicos recém-formados, que reduziram a escassez de mão de obra em meio à necessidade de preencher escalas de plantão5),(6. Aliado à exaustão física decorrente dos plantões, havia o medo de se infectar e transmitir a doença, a morte de amigos e familiares, a perda de pacientes em proporção sem precedente e a privação de liberdade refletida no isolamento social7.
Muito tem sido discutido sobre as lições aprendidas, no que se refere a aspectos clínicos, de diagnóstico, tratamento e prevenção8. Entretanto, diante de um contexto de vulnerabilidade e sofrimento, faz-se necessário reafirmar que os médicos são treinados para o cuidado dos pacientes, o que envolve competência técnica, ética e humanização. Sabendo do impacto na saúde mental desses agentes responsáveis pelo cuidado, devemos discutir as lições e reflexões aprendidas nos aspectos humanos e sociais.
MÉTODO
Trata-se de um estudo quali-quantitativo realizado durante a segunda quinzena de setembro de 2020 (seis meses após o início da pandemia) por meio de um formulário na plataforma digital GoogleForms. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal de Sergipe (UFS) representado pelo número 4.046.521, e obteve-se o termo de consentimento digital de todos os participantes. Todos os internos (quinto e sexto anos) e médicos formados desde 2018 nas três faculdades de Medicina do estado de Sergipe, localizado no Nordeste do Brasil, foram convidados a participar por e-mail obtido na base de dados das universidades. As particularidades de cada faculdade são:
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Faculdade 1: Pública, federal, currículo tradicional, com base nos ciclos da vida e níveis crescentes de complexidade.
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Faculdade 2: Pública, federal, currículo com base em metodologias ativas de aprendizagem.
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Faculdade 3: Privada, currículo com base em metodologias ativas de aprendizagem.
Os três cursos possuem dois anos de Internato.
Os critérios de inclusão foram: 1. estar cursando internato médico ou 2. ser médico formado em 2018, 2019 ou 2020, cursando ou não residência médica e, em ambos os casos, ser maior de 18 anos. Excluíram-se formulários incompletos, em branco ou repetidos. Os questionários foram anônimos, garantindo a privacidade e confidencialidade dos dados. Consistiam em perguntas de resposta fechada (múltipla escolha, resposta única, resposta dicotômica) e perguntas de resposta aberta.
Coletaram-se dados sociodemográficos para caracterização da população, incluindo idade, sexo, estado civil e coabitantes. Fizeram-se perguntas sobre condições médicas gerais, como infecção por Covid-19, ressaltando que, no momento da coleta de dados, não havia vacina disponível para a doença, bem como questões acerca de diagnóstico e morte de familiares e amigos por Covid-19. Para análise qualitativa, levantaram-se as seguintes questões de resposta aberta:
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Quais os principais aprendizados que a pandemia lhe trouxe?
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Como você imagina que será seu trabalho/curso de Medicina após a pandemia?
A população elegível para o estudo foi de mil indivíduos, e todos foram convidados a participar por e-mail. Incluíram-se todos os que responderam à pesquisa e atenderam aos critérios de seleção. Os dados foram extraídos em uma tabela do Excel, e calcularam-se médias simples e frequências para análise descritiva. Para análise comparativa, utilizaram-se o programa estatístico Epi Info versão 7 e os testes qui-quadrado bicaudal para análise das variáveis categóricas e proporcionais. Consideraram-se estatisticamente significativas diferenças superiores a 5% (p < 0,05). Os aspectos qualitativos foram descritos nas respostas dos participantes, representadas por meio de citação direta e indireta.
RESULTADOS
Obtiveram-se 148 questionários respondidos, dos quais quatro não continham respostas nos campos abertos. Do total de questionários, 41 (27,7%) correspondiam a participantes advindos da faculdade 1, 63 (42,6%) da faculdade 2 e 44 (29,7%) da faculdade 3. Mulheres representaram 63,5% (n = 94) do total, a média de idade foi de 26,2 anos, 52% dos participantes declararam ser solteiros (n = 77) e 13,5% (n = 20) moravam sozinhos. Quanto ao estágio de formação universitária, 36,5% eram recém-formados (n = 54), dos quais 90,7% trabalharam na linha de frente do atendimento aos pacientes com Covid-19.
Ao serem questionados sobre os principais aprendizados que a pandemia havia trazido, 41 respostas estiveram voltadas para a paciência, a imprevisibilidade do futuro e a resiliência no enfrentamento das adversidades. Diante da ausência do controle sobre a vida, houve muitas falas sobre o valor da família e dos amigos, e como devemos aproveitar e agradecer o tempo e os momentos vividos com eles. Um dos relatos trouxe a vivência de uma gestação durante o período da pandemia, com medos e incertezas:
Eu me vi grávida no início da pandemia. Não sabia o que seria da minha vida e da vida de minha filha daquele momento em diante. Foi muito difícil me acostumar com a privação social, pois estava saindo de um repouso absoluto no exato momento que a pandemia iniciou e teria minha rotina de volta. Perdi o contato durante meses com familiares, não pude receber visitas na maternidade, não pude realizar nenhuma comemoração com familiares e amigos após a chegada de minha filha.
Aproximadamente 42% (n = 62) dos participantes conheciam ao menos uma pessoa que faleceu por Covid-19, e isso se associou ao relato de “aproveitar o momento e as pessoas” como maior aprendizado dessa pandemia (p = 0,009; teste qui-quadrado). O maior envolvimento com a espiritualidade, a meditação e os momentos de reflexão pessoal também foram citados como aprendizados da pandemia.
A importância do abraço foi especificamente citada em quatro respostas. Uma delas ressaltou o uso da linguagem não verbal:
Aprendi que a linguagem não verbal é tão importante, ou até mais importante, que o uso das palavras. Aprendi que sorrir com os olhos contribui para os relacionamentos tanto quanto sorrir com os lábios. Aprendi que é muito difícil não poder se sentar perto do paciente, pegar em sua mão, olhar em seus olhos e fazê-lo sentir seguro. E aprendi que nada substitui um abraço sincero.
Frases sobre autoconhecimento, autocuidado, compaixão e empatia refletiram a importância de olhar para si e para o outro, na tentativa de “ser mais humano, tentar ajudar as pessoas que estão em situação muito pior”. “Você tem que ser seu melhor amigo, porque sempre existirão momentos de escuridão e você precisará se ter como uma boa companhia.” Práticas de saúde, incluindo atividade física, foram lembradas: “É importante fazer atividade física e manter alimentação saudável, além de cuidar da saúde mental”.
Críticas políticas e demandas de responsabilidade social também foram levantadas, incluindo o que se refere ao sistema de regulação de vagas em hospitais. Saúde coletiva como foco na medicina brasileira e valorização do Sistema Único de Saúde (SUS) e da universidade pública foram ressaltadas em sete respostas, como no “reforço da importância da defesa de um sistema público de saúde de qualidade e das universidades públicas”. Aprendizados técnicos, como uso de equipamentos de proteção individual, atualização médica e atividades de extensão, foram também citados.
Ao serem perguntados como imaginavam o trabalho e o ensino médico após a pandemia, as respostas variaram de “estar mais focada nos processos de segurança do paciente”, com “novos protocolos de higiene e distanciamento social”, a “maior dedicação às doenças infectocontagiosas e à saúde mental”. Um total de 34 respostas (23%) demonstraram uma atitude positiva de reaprendizado e esperança, como destacado em: “Imagino um futuro pós pandemia, com menos medo, menos mortes e mais solidariedade” e “Espero que os profissionais de saúde mantenham uma visão mais humana e sensível frente ao cuidado do outro, que a gente preserve a fé, a resiliência e a gratidão por estarmos bem e termos contribuído com o cuidado nesse período atípico”. Trinta e três comentários (22,3%) foram negativos, a exemplo de que o retorno provavelmente seria desorganizado e caótico, com pior aproveitamento comparado a antes da pandemia, e 20 relataram não acreditar em mudanças significativas, exceto no uso de medidas protetivas de paramentação e higienização.
A necessidade de um retorno cauteloso foi citada em 34 (23%) respostas. Há um receio no impacto da suspensão das atividades presenciais na graduação, que fica evidente na seguinte resposta:
Espero que o curso opte por manter a qualidade de ensino e assistência, tanto quanto o dever social de formar no tempo certo. Espero que o curso encontre formas de compensar o tempo perdido e que elabore um plano que minimize o prejuízo que teremos por concluir a graduação sem rodar em centros de emergência.
As atividades de ensino a distância foram ressaltadas em algumas respostas, bem como a redução no número de alunos nas atividades práticas, com uma perspectiva positiva sobre o assunto. A demanda de produtividade médica foi comentada em:
Espero que haja maior compreensão com a questão produtividade. Tivemos um alerta de como as circunstâncias da vida interferem na nossa produção. A medicina tem uma cobrança excessiva, médicos e estudantes são cobrados a estarem sempre em sua produção máxima.
Quanto à perspectiva de retorno à normalidade, destaca-se que “A Covid-19 deixará cicatrizes na nossa rotina. Talvez demore anos para conseguirmos atender os pacientes sem máscaras, gorros e aventais descartáveis. Talvez nunca mais consigamos. Vai ser difícil olhar para um resfriado comum e não desconfiar que seja um vírus mortal”.
DISCUSSÃO
Após o início da pandemia, os estudantes de Medicina viram subitamente suas atividades práticas serem canceladas, enquanto as aulas teóricas presenciais eram substituídas por atividades remotas. Em 2010, com a implantação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) no Brasil, o número de estudantes que cursam o ensino superior em universidades fora do seu estado natal, e consequentemente longe das suas famílias, aumentou9. Em 2020, quando se decretou a pandemia, 42% dos aprovados em Medicina na UFS residiam em outro estado10. Enfrentar uma pandemia longe dos seus pode ser desafiador e causa de sofrimento mental. Além disso, por meio de portaria do Ministério da Saúde, foi proposta a participação dos internos de Medicina em ação estratégica para enfrentamento da Covid-19, com carga horária utilizada para substituição das horas de estágio curricular obrigatório nas áreas de clínica médica, pediatria e saúde coletiva11),(12. No Reino Unido, a participação dos estudantes de Medicina se deu na triagem de pacientes com Covid-19, no contato telefônico com as famílias impedidas de visitar os pacientes, nas coletas de sangue para exames laboratoriais, na entrega de medicamentos e até mesmo nas ações sociais, como entrega de mantimentos para os que estavam em isolamento13.
Ademais, as formaturas foram antecipadas, e com isso veio a ansiedade dos médicos recém-formados em relação à sua competência para o trabalho13. Com pouco preparo e experiência, foram expostos a um mercado de alta exigência, como hospitais de campanha e pronto-socorro. O programa “O Brasil Conta Comigo - Profissionais de Saúde” recrutou médicos e outros profissionais para atuar no atendimento de pacientes com Covid-1914. Hospitais públicos e privados, com o constante adoecimento e a sobrecarga dos médicos, tinham dificuldade em completar escalas de plantão. Esse foi o cenário dos médicos formados na pandemia. O início de atuação como médico é uma transição difícil sob circunstâncias normais, mas foi ainda mais difícil em uma pandemia global.
Nesse contexto, resiliência e paciência foram amplamente citadas como habilidades aprendidas durante a pandemia. Ressalta-se que resiliência não é um traço de personalidade, mas algo que pode ser aprendido, envolvendo comportamentos, pensamentos e ações. É a capacidade de se adaptar ou superar as dificuldades diante de eventos estressantes, trágicos ou traumáticos. Já foi demonstrada correlação inversa entre os níveis de resiliência e de ansiedade experimentados pelos profissionais de saúde durante a pandemia de Covid-1915. Por isso chama a atenção o relato da estudante de Medicina que engravidou durante a pandemia, em meio a todas as incertezas do momento e à solidão vivenciada durante o isolamento social e o distanciamento dos entes queridos.
A morte se tornou realidade imposta na pandemia para quase 50% dos participantes, os quais conheciam ao menos uma pessoa que morreu de Covid-19. No Brasil, até o final de fevereiro de 2022, quase 650 mil óbitos foram confirmados16. Isso levou a uma necessidade de aproveitar o tempo, a vida e as pessoas. A filosofia carpe diem traz justamente a ideia de aproveitar o momento presente, sentimento referido como recorrente no contexto de incertezas que a pandemia da Covid-19 trouxe. A espiritualidade também se apresentou como aprendizado e recurso de enfrentamento. O papel positivo da religiosidade no enfrentamento da incerteza se aplica à situação de pandemia vivida e se exemplifica pelo aumento nas pesquisas do Google por orações em 95 países desde o início da pandemia, referentes a todas as grandes religiões17.
À medida que o número de infectados e de mortes aumentava e o impacto era sentido social e economicamente, surgia a necessidade de abraçar e confortar um ao outro18. O abraço é uma das formas mais naturais de demonstrar afeto e foi mais uma das privações impostas pela pandemia. Não sabemos quais formas de cumprimentos físicos sem contato permanecerão após a remissão da Covid-19. Como mecanismo de compensação, os participantes destacaram a comunicação não verbal, expressa por contato visual, postura, tom de voz, acenos de cabeça, gestos e postura19. Uma vez que nariz e boca estão constantemente cobertos por máscaras, o sorriso passou a ser expresso pelo olhar, como um dos participantes ressaltou.
As estratégias de enfrentamento utilizadas por estudantes de Medicina descritas na literatura envolvem exercícios físicos, contato com a família nuclear e amigos próximos, ouvir música e tocar instrumentos musicais13. Sabidamente a prática de exercícios físicos pode contribuir para a redução dos impactos negativos na saúde física e mental, havendo inclusive um crescimento no número de publicações científicas sobre Covid-19 e exercício físico. Alternativas de exercício ao ar livre e em casa, mantendo o distanciamento social, reduzem a chance de contaminação pelo severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (Sars-CoV-2) e melhoram o estado de saúde, o que explica a importância dada pelos participantes do presente estudo como um dos aprendizados da pandemia20. A empatia, também tão citada, parece ser fator de proteção para a exaustão emocional dos profissionais de saúde. A pandemia, nesse sentido, sinaliza para a associação entre ciência e humanismo21. Olhar para o outro e reconhecer suas fragilidades e necessidades, mesmo em um momento de sofrimento pessoal e global, significa se conectar com o que nos une como seres humanos.
Durante a pandemia, líderes políticos no Brasil negaram as graves consequências da infecção, com discursos e medidas que favoreceram a dispersão do vírus, o que resultou, quando se analisa o número de mortes por Covid-19 em relação ao número de médicos, enfermeiros e leitos de hospitais disponíveis no país, em baixa eficiência22),(23. O SUS é responsável pela assistência de 78% da população do país, sem custo direto para o usuário. Mesmo com grandes dificuldades, houve aumento de leitos de terapia intensiva e criação de hospitais de campanha para atender a população na tentativa de reduzir casos graves e mortes24. Nesse cenário, críticas políticas surgiram nas respostas dadas pelos participantes, e a defesa do SUS foi evidenciada, visto que, além de atender a maioria da população brasileira, é também grande produtor de pesquisa científica e desenvolvimento de tecnologia, incluindo a vacina para Covid-1925.
Com a progressiva vacinação da população, espera-se que o impacto da pandemia seja reduzido ao longo do tempo. Entretanto, o retorno das atividades teóricas e práticas nas universidades não deverá ser do mesmo modo que no período pré-pandemia26. Algumas novas práticas (como ensino híbrido) poderão ser incorporadas, como a exigência do uso de equipamento de proteção individual, a limpeza dos espaços, a orientação de autodiagnóstico, a limitação de viagens e grupos menos numerosos nas atividades práticas. Um plano de contingência deve ser traçado e comunicado aos alunos para o caso de haver mudança nas orientações do Ministério da Saúde27),(28. Assim, os participantes que previram um retorno desorganizado das atividades podem ser surpreendidos positivamente. Alunos e profissionais devem ser acolhidos nesse período de transição e, desse modo, fazer jus às expectativas de reaprendizado e esperança relatadas nas respostas.
Como reaprendizado também se deve ressaltar a reflexão crítica quanto à exigência crescente de produtividade médica. Estudos realizados nas urgências hospitalares estimam aumento de 5,5% na mortalidade quando o médico é induzido a reduzir 10% do tempo de atendimento, sugerindo maior rapidez em detrimento de qualidade29. Durante a pandemia, com o aumento no número de atendimentos e a necessidade de intervenções clínicas rápidas, quadros de burnout foram diagnosticados em número expressivo de profissionais médicos, com prevalência em estudos variando de 40% a 60%, especialmente nos que atuaram na linha de frente30)-(32. No futuro próximo, isso poderá resultar em uma reavaliação de carga de trabalho por parte dos profissionais médicos que optarão por maior qualidade de vida e satisfação laboral.
As consequências da Covid-19 para os estudantes de Medicina e médicos recém-formados são diversas, seja no aprendizado médico, na perda de atividades práticas ou na saúde física e mental3),(33. No entanto, a retomada das atividades indica que as adversidades anteriores, da fase aguda da pandemia da Covid-19, foram vencidas.
O presente estudo teve como limitação a baixa taxa de resposta (14,8%), o que é esperado em inquéritos na web em comparação com outros modos de coleta de dados. Além disso, a coleta das respostas foi em única ocasião, o que pode não refletir mudanças de opinião dos participantes ao longo da situação de pandemia. Entretanto, com a garantia do anonimato, eles puderam descrever livremente o que sentiam e pensavam, o que permitiu respostas profundas e reflexivas. Os resultados são proporcionalmente representativos de todos os estudantes de Medicina e da quase totalidade dos médicos recém-formados do estado de Sergipe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudantes de Medicina e os médicos recém-formados relataram aprendizados relacionados a paciência, empatia, resiliência, espiritualidade, práticas de atividade física e uso da linguagem não verbal. A perda de familiares e amigos por Covid-19 esteve relacionada à necessidade de aproveitar o momento presente.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
09 Mar 2022 -
Aceito
17 Jun 2022