Resumo:
Introdução:
A Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE) é um método muito utilizado no ensino da promoção de saúde, pois instiga o exercício de habilidades como a liderança, o trabalho em equipe e a tomada de decisões. Com a pandemia da Covid-19, houve a necessidade de adaptar o ensino médico para o âmbito remoto. Assim, o objetivo deste artigo é descrever a experiência de adaptação de um componente curricular de Saúde Coletiva ao ambiente on-line, mantendo a ABE como método de ensino-aprendizagem da promoção de saúde, mesmo em tempos de pandemia.
Relato de experiência:
A aplicação do método foi feita por meio de videoconferências e de uma plataforma com recursos para a aplicação dos testes conforme o formato da ABE. Com os encontros, os estudantes desenvolveram competências essenciais à promoção da saúde, como salutogênese, metáforas da enfermidade na experiência do adoecimento, prevenção de agravos e educação em saúde.
Discussão:
A ABE consegue desenvolver no estudante habilidades como o trabalho em equipe, a liderança e o diálogo. Essas competências são preconizadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais durante a formação médica, além de serem essenciais na prática da promoção da saúde. Além disso, nota-se que o componente curricular promoveu uma construção salutogênica das capacidades dos alunos, desenvolvendo habilidades a partir das potencialidades dos estudantes, tal como em um grupo operativo. Ademais, a aplicação da ABE permitiu a continuidade do ensino de qualidade da promoção de saúde, mesmo em ambiente remoto, tendo em vista que essa metodologia estimula a aprendizagem ativa e oferece a possibilidade de aplicar os conhecimentos obtidos em situações práticas. As principais limitações da experiência foram as dificuldades de acesso às plataformas de ensino remoto, as restrições à comunicação não verbal e o controle sobre o acesso a materiais de consulta durante a execução de cada etapa.
Conclusão:
A adaptação da ABE ao ambiente remoto estimulou a prática de habilidades comunicativas e de argumentação que são essenciais à facilitação de grupos operativos na comunidade e permitiu que os estudantes aplicassem os conceitos aprendidos em situações práticas, apesar do ambiente remoto de ensino.
Palavras-chave:
Promoção da Saúde; Aprendizagem Baseada em Equipes; Educação Médica; Educação a Distância; Covid-19
Abstract:
Introduction:
Team-Based Learning (TBL) is a method widely used in the teaching of health promotion as it instigates the exercise of skills such as leadership, teamwork and decision-making. With the emergence of the COVID-19 pandemic, there was a general need to adapt medical education to the remote environment. Thus, the objective of this article is to describe the experience of adapting a curricular component of Public Health to the online scenario, maintaining TBL as a teaching-learning methodology of health promotion, even during the pandemic.
Experience Report:
The method was applied through videoconferences and a platform with resources for the application of tests according to the TBL format. With the meetings, students developed essential skills about health promotion, such as salutogenesis, the illness metaphor during the process of getting sick, prevention and health education.
Discussion:
TBL develops students’ skills such as teamwork, leadership and dialogue. These competencies are prescribed in the National Curricular Guidelines for undergraduate medical training, and are essential in the practice of health promotion. Furthermore, the discipline promoted a salutogenic construction of the students’ capacities, developing skills based on their potential, just as in an operational group. Also, the application of TBL allowed the continued smooth teaching of health promotion despite the remote learning scenario, because this methodology encourages active learning and offers the possibility of applying the knowledge obtained in practical situations. The main limitations of the experience were difficulties encountered in accessing distance learning platforms, the limitations to non-verbal communication and the control over consultation materials during the execution of each stage.
Conclusion:
The adaptation of the TBL method to the remote scenario stimulated the practice of communicative and argumentative skills that are essential to the work with operative groups in the community and allowed students to apply the learned concepts in practical situations, despite the remote learning environment.
Key words:
Health Promotion; Team-based learning; Education, Medical; Education, Distance; Covid-19
INTRODUÇÃO
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de graduação em Medicina no Brasil reiteram a esfera humanística, a ética, a formação crítica e reflexiva, consideradas mister para a capacitação dos futuros médicos. A atenção à saúde, a gestão em saúde e a educação em saúde são as áreas de maior enfoque na formação médica, e a associação entre conhecimentos e habilidades durante a graduação deve seguir as DCN11. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014..
Em relação à educação em saúde, vê-se preocupação em instigar os estudantes a construir o seu aprendizado individual e coletivamente, de acordo com a identificação de suas necessidades de aprendizado. Também é perceptível a magnitude de aprender a trabalhar em grupo para a geração de novos conhecimentos e de pensamento crítico por meio da interação entre indivíduos diferentes, inseridos em contextos diversos e com suas particularidades11. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014.),(22. Masocatto NO, Couto WJ, Matta TS, Porfirio GJM. Percepção de alunos de curso de graduação em medicina sobre o team-based learning (TBL). Rev Bras Educ Med. 2019;43(3):111-4.. Assim, entende-se a Aprendizagem Baseada em Equipes - ABE (Team-Based Learning - TBL) como um método que aborda os princípios preconizados pelas DCN para o curso de graduação em Medicina.
A ABE é um método utilizado para estimular o ensino em pequenos grupos. Essa estratégia transforma o professor em um facilitador do aprendizado, além de permitir a visualização da aplicação do conhecimento pelos discentes. A ABE possibilita que os estudantes sejam ativos no processo de aprendizado, em razão das etapas que a compõem33. Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300.)-(55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30..
A primeira etapa consiste em estudo prévio individual, com materiais disponibilizados pelo professor. Na segunda, realizam-se testes individuais e em grupo para a fixação do conhecimento. Por fim, na terceira, permite-se o entendimento da aplicação prática dos conceitos obtidos por meio da utilização de casos clínicos ou de outros recursos33. Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300.)-(55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30..
A ABE estimula o desenvolvimento de competências como a liderança, o trabalho em equipe e tomada de decisões, uma vez que os estudantes devem, baseados no estudo prévio, dialogar e chegar a um consenso a respeito das questões nos pequenos grupos33. Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300.),(44. Cunha CROBJ, Ramsdorf FBM, Bragato SGR. Utilização da aprendizagem baseada em equipes como método de avaliação no curso de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2019;43(2):208-15.. Essas capacidades são indispensáveis ao futuro profissional médico que trabalhará em uma equipe multidisciplinar, além de serem competências previstas nas DCN11. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014.),(44. Cunha CROBJ, Ramsdorf FBM, Bragato SGR. Utilização da aprendizagem baseada em equipes como método de avaliação no curso de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2019;43(2):208-15..
As principais vantagens da ABE em relação aos métodos de ensino tradicionais relacionam-se à motivação dos estudantes perante as atividades22. Masocatto NO, Couto WJ, Matta TS, Porfirio GJM. Percepção de alunos de curso de graduação em medicina sobre o team-based learning (TBL). Rev Bras Educ Med. 2019;43(3):111-4.),(55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.. Além disso, o método permite aplicar de maneira prática o conhecimento adquirido, tornando a aprendizagem dinâmica e coerente22. Masocatto NO, Couto WJ, Matta TS, Porfirio GJM. Percepção de alunos de curso de graduação em medicina sobre o team-based learning (TBL). Rev Bras Educ Med. 2019;43(3):111-4.),(55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.. Sendo assim, a ABE permite que os alunos sejam responsabilizados pela preparação pré-classe e pela participação nas atividades, porém de maneira leve, divertida, com liberdade para expressar sua compreensão dos temas e compartilhar feedbacks construtivos com os colegas55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.. Inclusive, a ABE mostra-se também como uma boa ferramenta avaliativa no curso de Medicina, justamente por reduzir a tensão geralmente envolvida nos processos avaliativos tradicionais44. Cunha CROBJ, Ramsdorf FBM, Bragato SGR. Utilização da aprendizagem baseada em equipes como método de avaliação no curso de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2019;43(2):208-15..
Com a pandemia da Covid-19 e a consequente urgência do distanciamento social, muitas áreas da sociedade precisaram buscar alternativas às atividades presenciais, incluindo a esfera educacional66. Natividade MS, Bernardes K, Pereira M, Miranda SS, Bertoldo J, Teixeira MG, et al. Social distancing and living conditions in the pandemic Covid-19 in Salvador-Bahia, Brazil. Cienc Saude Colet. 2020;25(9):3385-92.. Nesse contexto, o ensino remoto se tornou uma possibilidade para continuidade do aprendizado77. Wayne DB, Green M, Neilson EG. Medical education in the time of Covid-19. Sci Adv. 2020;6(31):1-2.. Destarte, o objetivo deste artigo é descrever a experiência de adaptação de um componente curricular de Saúde Coletiva, bem como da estratégia de ABE, no curso de Medicina em uma universidade federal brasileira.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Este relato descreve a experiência com a adaptação ao modelo remoto de ensino de uma parte do componente curricular Saúde Coletiva III, realizado no terceiro período do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com dois docentes e 57 estudantes, no contexto da pandemia da Covid-19. Além disso, o artigo apresenta discussões teóricas e propostas que permeiam as experiências dos docentes e discentes com a vivência remota desse método.
Na medida em que a construção deste relato obedece aos critérios descritos no item VIII do artigo primeiro da Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, não é necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos88. Brasil. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Diário Oficial da União ; 24 maio 2016. Seção 1..
O componente curricular Saúde Coletiva III tem como objetivo principal trabalhar os conceitos de educação em saúde, promoção da saúde e prevenção de agravos, possibilitando o desenvolvimento futuro dessas práticas pelos discentes e contribuindo para a execução de grupos de educação popular em saúde com a comunidade. Para isso, trabalharam-se também os conceitos e as aplicações teórico-práticas da determinação social do processo saúde-adoecimento, salutogênese e metáforas da enfermidade. Todos esses conteúdos foram ministrados por meio do modelo de ABE. A escolha dessa metodologia em educação justifica-se pela melhor ilustração de situações nas quais os conceitos serão utilizados posteriormente pelos estudantes.
Usualmente, a carga horária total do componente é de 150 horas práticas, das quais cerca de 80 horas são desenvolvidas no formato ABE. As demais horas do componente dividem-se em atividades de educação em saúde com a comunidade e utilização de outros métodos ativos para discussão das políticas públicas - que não serão abordados neste texto -, como a gamificação.
Para isso, utilizaram-se as plataformas Conferência Web®, para a realização de videoconferências (tanto em sala quanto entre os pequenos grupos), e o site TBL Active®, que oferece recursos para a aplicação dos testes segundo o formato da ABE, bem como o acompanhamento do desempenho dos alunos em tempo real pelo professor. O acesso à primeira foi garantido pelo apoio da universidade, que obteve sua licença de uso e forneceu a capacitação necessária aos docentes. Já a segunda é gratuita, livre ao público e pode ser utilizada em qualquer dispositivo com acesso à internet. Nenhum estudante precisou de auxílio por parte da universidade para obter acesso à internet e aos dispositivos necessários.
Nas sessões de ABE, a discussão de cada temática era dividida em três etapas. A primeira consistia na preparação individual pré-classe dos alunos, por meio do estudo de textos e vídeos disponibilizados pelos professores. Era reservado um horário assíncrono com cerca de quatro horas/aula, e esses materiais eram disponibilizados na aba de arquivos na equipe do Microsoft Teams®. Como aporte teórico, utilizaram-se capítulos de livros, artigos referência e vídeos extraídos de uma plataforma on-line que serviam como recursos para embasar as discussões teórico-práticas e as vivências com a comunidade no componente curricular.
Então, em sessão síncrona, colocava-se em prática a etapa de garantia de preparo, com duração de quatro horas/aula, em que os conceitos previamente adquiridos eram reforçados por meio de um teste individual (no qual os alunos atribuem valores de 0 a 4 às alternativas de cada questão) e da posterior realização do teste em equipes. As equipes foram construídas pelos professores de forma a mesclar os grupos de afinidade da sala, sendo compostas por quatro ou cinco estudantes cada, e mantiveram-se as mesmas ao longo de todo o semestre. Os testes eram compostos por 15 a 20 questões, e, em média, os testes individuais tinham duração de 40 minutos, e os testes em equipes, de 60 minutos. Após o término da etapa em equipes, era aberto espaço para apelação, e as equipes que discordavam da alternativa correta justificavam com base nos textos lidos. Posteriormente, o professor decidia, em diálogo com a turma, se a apelação seria aceita ou não.
Ao fim da sessão de garantia de preparo, os docentes abriam espaço para feedback oral dos discentes, e a devolutiva por parte dos docentes era feita por meio do levantamento dos pontos positivos e os pontos a serem melhorados pelos estudantes. A duração desse momento variava de acordo com a demanda de cada sessão.
Por fim, era feita a etapa de aplicação de conceitos, com duração de oito horas/aula, totalizando a mesma carga horária ocupada por preparação pré-classe e garantia de preparo juntas, conforme o formato proposto para a ABE³. Para tanto, em razão da adaptação para o ambiente remoto, essa etapa ocupava dois encontros síncronos, com situações práticas diferentes em cada um deles. Essa etapa consistia na aplicação prática do tema abordado por meio da resolução de situações-problema específicas, significativas, iguais para toda a turma e resolvidas individualmente e posteriormente em equipes. É importante considerar que essa é uma modificação do modelo tradicional, que não inclui etapa individual, mas que, por conta do funcionamento da plataforma que só permitia a realização de testes em equipe após sua realização individual, precisou ser feita. Os questionários eram compostos por questões objetivas baseadas em situações-problema, como casos clínicos, filmes e relatos de caso, que permitiam aos estudantes praticar, ainda que remotamente, os conceitos adquiridos. Em seguida, todos os alunos se reuniam novamente em conferência, e era reservado um momento para a apelação das questões, o fechamento da discussão e o feedback, como na etapa da garantia de preparo. O tempo de apelações e feedbacks variava de acordo com a dinâmica de cada encontro. A ABE conta com a apresentação simultânea das respostas com discussão entre os estudantes, mas, em razão das questões de conexão com eventuais atrasos na transmissão das mensagens emitidas por cada equipe, no modelo remoto essa dinâmica foi contemplada na etapa de apelação na aplicação de conceitos.
Além disso, com a orientação, supervisão e em diálogo com os docentes, cada equipe exerceu a autonomia na definição dos critérios e de seus respectivos pesos para a avaliação por pares dos integrantes - (foram usados critérios como pontualidade, preparo prévio, participação na discussão etc.). Ao final de cada encontro, os estudantes compartilhavam seus feedbacks com suas equipes, e um documento com os critérios e a nota de cada um era escrito e enviado aos docentes.
DISCUSSÃO
A Carta de Ottawa de 1986 apresenta o conceito de promoção da saúde representando o empoderamento das pessoas como moduladoras ativas da qualidade de vida de suas comunidades. Assim, busca a alteração da perspectiva sobre a saúde como objetivo final de vida para a noção de saúde como um meio de viver, na tentativa de desenvolver o bem-estar dos indivíduos do grupo por meio do aprimoramento de suas potencialidades99. Brasil. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2002..
Considerando isso, o médico, como profissional da saúde, deve ser capaz de identificar as necessidades sociais de saúde tanto da comunidade quanto do Sistema Único de Saúde. Além disso, deve-se utilizar a promoção da saúde como estratégia de cuidado mediante o desenvolvimento de habilidades durante a graduação, como o pensamento crítico e reflexivo, a comunicação, o trabalho em equipe multidisciplinar, a liderança, o diálogo e a tomada de decisões11. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014..
Entretanto, o limite de tempo para atividades de ensino da promoção da saúde e a incorreta premissa de desconexão dos temas com a atuação profissional dificultam a plena integração do ensino-aprendizagem de temáticas de saúde pública e de promoção da saúde ao ensino médico1010. Mattig T, Chastonay P, Kabengele E, Bernheim L. Training medical students in health promotion: twenty years of experience at the Faculty of Medicine of the University of Geneva. Heal Promot Perspect. 2017;7(4):245-9.),(1111. Shaw CV, D’Souza AJ, Cunningham R, Sarfati D. Revolutionized public health teaching to equip medical students for 21st century practice. Am J Prev Med. 2020;59(2):296-304.. Conquanto esses desafios continuam, somam-se ainda a emergência da pandemia da Covid-19 e, com isso, a necessidade de adaptação ao ensino remoto1212. Almarzooq ZI, Lopes M, Kochar A. Virtual learning during the Covid-19 pandemic: a disruptive technology in graduate medical education. J Am Coll Cardiol. 2020;75:2635-8.. Desse modo, é imprescindível que ocorra a adoção de métodos de ensino de promoção da saúde aplicados a distância.
Nesse aspecto, o componente curricular abordou diversas temáticas relacionadas à promoção da saúde, de modo a preparar os alunos para essa prática. No entanto, é interessante perceber que o próprio formato do método de ensino da ABE prepara os alunos por meio do desenvolvimento de competências essenciais para a promoção da saúde55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.. Na ABE, os estudantes precisam argumentar, discutir e resolver problemas em grupo, de modo a chegar a um consenso a respeito das respostas das questões33. Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300.. Assim, os alunos têm a oportunidade de praticar sua capacidade argumentativa, bem como suas habilidades de trabalho e comunicação em grupo, de liderança e manejo de situações, de escuta e de resolução de problemas.
Essas virtudes são essenciais na prática da promoção de saúde. Afinal, cabe ao profissional da saúde atuar como facilitador da discussão nos grupos operativos, uma vez que deve estar preparado para reconhecer as principais demandas de saúde da comunidade e agir perante elas, bem como capacitar os indivíduos e mediar as ações em saúde com os demais setores da sociedade.
Um conceito importante para a promoção da saúde na comunidade é o da salutogênese, que focaliza as origens do bem-estar e não a enfermidade. Ou seja, busca identificar os ativos de saúde (capacidades, habilidades, recursos, fortalezas) de cada indivíduo ou comunidade para então utilizá-los no desenvolvimento de ações de promoção da saúde e no empoderamento das pessoas sobre o próprio bem-estar. Dessa forma, mais do que tratar eventuais enfermidades, seria possível dar aos indivíduos a capacidade de eles tomarem suas próprias decisões e tornarem-se responsáveis ativos e participantes em seu processo de saúde-adoecimento1313. Escuela Andaluza de Salud Pública. Formación em salutogénesis y activos para la salud. New York: Springer, 2010..
Sendo assim, é interessante notar que o componente curricular, além de abordar esse conceito na teoria, promoveu uma construção salutogênica das capacidades dos alunos. Afinal, o desenvolvimento de habilidades foi feito a partir das facilidades e fortalezas de cada um dos membros da equipe. Esse processo concentrou-se nas potencialidades dos alunos e na colaboração mútua entre os membros da equipe, para assim desenvolver a aprendizagem e a resolução de problemas. Dessa forma, os estudantes tornaram-se ativos e responsáveis em seu próprio processo de aprendizagem, compreendendo na prática como funciona a aplicação de uma abordagem salutogênica.
Em outra análise, a construção de um ambiente adequado é essencial para o aprendizado eficiente e é um dos indicadores para avaliar a qualidade do ensino. Nesse sentido, a ABE proporciona um espaço de interação dialógica entre os participantes em um ambiente seguro de troca de informações, o qual objetiva atingir maiores níveis de desenvolvimento cognitivo dos membros do grupo1414. Rajati F, Sharifirad G, Babakhani M, Mohebi S. The effect of team-based learning on public health students’ educational outcomes. J Educ Heal Promot. 2018;7:140-147.. Dessa forma, a manutenção do formato da ABE em um ambiente remoto permitiu a continuidade do ensino de qualidade da promoção da saúde, ao passo que garantiu a interação dos estudantes e a aplicação prática dos conceitos em um ambiente protegido e orientado.
Não obstante isso, o ensino-aprendizagem na medicina foi muito afetado pelas necessidades sanitárias, pois limitaram-se o contato interpessoal e os encontros presenciais1212. Almarzooq ZI, Lopes M, Kochar A. Virtual learning during the Covid-19 pandemic: a disruptive technology in graduate medical education. J Am Coll Cardiol. 2020;75:2635-8.. Isso fez com que as escolas de Medicina buscassem alternativas, notando-se uma tendência para o uso de pequenos grupos de discussão de casos a distância1515. Anderi E, Sherman L, Saymuah S, Ayers E, Kromrei HT. Learning communities engage medical students: a Covid-19 virtual conversation series. Cureus. 2020;12(8):6-12.. Nesse contexto, o fato de os professores do componente curricular utilizarem pequenas equipes remotas atendeu tanto à manutenção do ensino de qualidade quanto às expectativas do ensino médico atribuídas à ABE, entre as quais se destaca o desenvolvimento de habilidades como trabalho em equipe, colaboração, comunicação e resolução de problemas1616. Burgess A, Haq I, Bleasel J, Roberts C, Garsia R, Randal N, et al. Team-based learning (TBL): a community of practice. BMC Med Educ. 2019 Oct 15;19(1).),(1717. Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Team-based learning: design, facilitation and participation. Vol. 20, BMC Med Educ . BioMed Central Ltd; 2020..
A ABE gera responsabilização do estudante por meio da necessidade do estudo que precede as sessões, bem como por meio de uma autoavaliação acompanhada de uma avaliação pelos pares da equipe ao final de cada sessão. Esses mecanismos contribuem para o desenvolvimento do discente como futuro médico de uma equipe multiprofissional55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.),(1717. Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Team-based learning: design, facilitation and participation. Vol. 20, BMC Med Educ . BioMed Central Ltd; 2020.. O estudo pré-classe é entendido como etapa fundamental para o bom funcionamento do aprendizado em equipe e exige comprometimento individual, visto que a colaboração de cada membro da equipe determina o sucesso do método33. Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300..
Assim, com a adaptação para o âmbito remoto, houve a potencialização da responsabilização dos alunos. Fatores como a liberdade de ligar ou não a câmera, ligar o microfone ou se utilizar do chat para colaborar com a equipe trouxeram aos estudantes a necessidade de uma participação ativa com seus recursos disponíveis. Além disso, o monitoramento remoto relacionado à consulta dos materiais durante a resposta aos questionários é impossibilitado, o que permite ao discente desenvolver a responsabilização por realizar a atividade como no formato presencial: sem consultas.
O feedback é uma ferramenta importante pela qual a formação do médico pode ser aprimorada, ao buscar o reconhecimento das limitações individuais e fomentar o desenvolvimento destas55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.),(1717. Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Team-based learning: design, facilitation and participation. Vol. 20, BMC Med Educ . BioMed Central Ltd; 2020.),(1818. Domingues RCL, Amaral E, Zeferino AMB. Auto-avaliação e avaliação por pares: estratégias para o desenvolvimento profissional do médico. Rev Bras Educ Med . 2007;31(2):173-5.. A autoavaliação e a avaliação pelos pares podem ser utilizadas durante a formação médica com o objetivo de instigar a responsabilização dos estudantes pelo seu processo de aprendizagem, assim como pela melhoria de sua equipe, visto que os integrantes possuem mais conhecimento acerca dos pontos fortes e das potencialidades que constituem o grupo33. Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300.),(55. Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.),(1919. Schmidt HG, Rotgans JI, Rajalingam P, Low-Beer N. A psychological foundation for team-based learning: knowledge reconsolidation. Vol. 94, Acad Med. Lippincott Williams and Wilkins; 2019. p. 1878-83..
Com isso, ao fim de cada sessão, tais ferramentas trouxeram a cada integrante do grupo uma oportunidade de autoconhecimento tangível às potencialidades de cada um. Remotamente, os estudantes puderam criar um ambiente protegido e seguro para o compartilhamento das percepções sobre si mesmos e os colegas. Indubitavelmente, o âmbito on-line foi um facilitador para que alunos mais reservados dividissem suas percepções.
É interessante destacar que, como ferramenta pedagógica, a ABE permite que grandes salas trabalhem em pequenos grupos, mesmo com um número pequeno de professores1717. Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Team-based learning: design, facilitation and participation. Vol. 20, BMC Med Educ . BioMed Central Ltd; 2020.. Isso enriquece o processo de aprendizagem, uma vez que permite uma abordagem mais individualizada e ativa em relação ao conhecimento1717. Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Team-based learning: design, facilitation and participation. Vol. 20, BMC Med Educ . BioMed Central Ltd; 2020.. Além disso, é interessante notar que a ABE instiga mecanismos psicológicos relacionados à retenção do conhecimento, favorecendo a melhor consolidação deste1919. Schmidt HG, Rotgans JI, Rajalingam P, Low-Beer N. A psychological foundation for team-based learning: knowledge reconsolidation. Vol. 94, Acad Med. Lippincott Williams and Wilkins; 2019. p. 1878-83.. Dentre esses mecanismos, podemos citar o aprendizado por meio de testes e questões, que já se provou um método muito eficaz na construção de conhecimento, além da oportunidade de aplicação dos conceitos aprendidos em contextos práticos, contextualizando e dando sentido ao processo de ensino-aprendizagem1919. Schmidt HG, Rotgans JI, Rajalingam P, Low-Beer N. A psychological foundation for team-based learning: knowledge reconsolidation. Vol. 94, Acad Med. Lippincott Williams and Wilkins; 2019. p. 1878-83.. Ademais, a oportunidade de discutir em pequenos grupos também é valiosa no processo de consolidação do conhecimento, uma vez que permite a identificação de dúvidas, o compartilhamento de saberes, o feedback apreciativo entre colegas e maior liberdade para discussão dos temas e aplicação do estudo prévio1919. Schmidt HG, Rotgans JI, Rajalingam P, Low-Beer N. A psychological foundation for team-based learning: knowledge reconsolidation. Vol. 94, Acad Med. Lippincott Williams and Wilkins; 2019. p. 1878-83..
As principais limitações da experiência estão relacionadas às dificuldades de adequação e acesso às plataformas de ensino remoto. No caso do módulo relatado, esses impasses foram enfrentados tanto com o apoio da universidade, que ofereceu acesso à plataforma de videoconferência utilizada, quanto pelo preparo prévio do método pelos docentes.
Além disso, os docentes puderam exercer a confiança construída na relação com os discentes, entendendo que, mesmo não conseguindo controlar a consulta aos materiais, essa consulta poderia ser também revertida no aprendizado de cada discente, já que essa, por exemplo, era uma oportunidade de aprender a consultar fontes confiáveis de informação.
CONCLUSÃO
Percebeu-se que, além de discutir conceitos relevantes, a ABE estimulou a prática de habilidades comunicativas e de argumentação que são essenciais ao profissional médico, tendo em vista a promoção da saúde. Ademais, a metodologia permitiu que os estudantes aplicassem os conceitos aprendidos em situações práticas, apesar do ambiente remoto de ensino.
Sendo assim, acredita-se que a ABE é uma maneira importante de promover a educação em saúde de maneira remota. Essa experiência mostrou-se útil na construção de saberes relacionados à promoção da saúde e à educação em saúde, bem como no entendimento, por parte dos estudantes, da importância destas na prática médica.
REFERÊNCIAS
-
1Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014.
-
2Masocatto NO, Couto WJ, Matta TS, Porfirio GJM. Percepção de alunos de curso de graduação em medicina sobre o team-based learning (TBL). Rev Bras Educ Med. 2019;43(3):111-4.
-
3Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E. Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):293-300.
-
4Cunha CROBJ, Ramsdorf FBM, Bragato SGR. Utilização da aprendizagem baseada em equipes como método de avaliação no curso de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2019;43(2):208-15.
-
5Ruder P, Maier MH, Simkins SP. Getting started with team-based learning (TBL): an introduction. J Econ Educ. 2021;52(3):220-30.
-
6Natividade MS, Bernardes K, Pereira M, Miranda SS, Bertoldo J, Teixeira MG, et al. Social distancing and living conditions in the pandemic Covid-19 in Salvador-Bahia, Brazil. Cienc Saude Colet. 2020;25(9):3385-92.
-
7Wayne DB, Green M, Neilson EG. Medical education in the time of Covid-19. Sci Adv. 2020;6(31):1-2.
-
8Brasil. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Diário Oficial da União ; 24 maio 2016. Seção 1.
-
9Brasil. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.
-
10Mattig T, Chastonay P, Kabengele E, Bernheim L. Training medical students in health promotion: twenty years of experience at the Faculty of Medicine of the University of Geneva. Heal Promot Perspect. 2017;7(4):245-9.
-
11Shaw CV, D’Souza AJ, Cunningham R, Sarfati D. Revolutionized public health teaching to equip medical students for 21st century practice. Am J Prev Med. 2020;59(2):296-304.
-
12Almarzooq ZI, Lopes M, Kochar A. Virtual learning during the Covid-19 pandemic: a disruptive technology in graduate medical education. J Am Coll Cardiol. 2020;75:2635-8.
-
13Escuela Andaluza de Salud Pública. Formación em salutogénesis y activos para la salud. New York: Springer, 2010.
-
14Rajati F, Sharifirad G, Babakhani M, Mohebi S. The effect of team-based learning on public health students’ educational outcomes. J Educ Heal Promot. 2018;7:140-147.
-
15Anderi E, Sherman L, Saymuah S, Ayers E, Kromrei HT. Learning communities engage medical students: a Covid-19 virtual conversation series. Cureus. 2020;12(8):6-12.
-
16Burgess A, Haq I, Bleasel J, Roberts C, Garsia R, Randal N, et al. Team-based learning (TBL): a community of practice. BMC Med Educ. 2019 Oct 15;19(1).
-
17Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Team-based learning: design, facilitation and participation. Vol. 20, BMC Med Educ . BioMed Central Ltd; 2020.
-
18Domingues RCL, Amaral E, Zeferino AMB. Auto-avaliação e avaliação por pares: estratégias para o desenvolvimento profissional do médico. Rev Bras Educ Med . 2007;31(2):173-5.
-
19Schmidt HG, Rotgans JI, Rajalingam P, Low-Beer N. A psychological foundation for team-based learning: knowledge reconsolidation. Vol. 94, Acad Med. Lippincott Williams and Wilkins; 2019. p. 1878-83.
-
2
Avaliado pelo processo de double blind review.
-
FINANCIAMENTO
Declaramos não haver financiamento.
Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
13 Jul 2021 -
Aceito
06 Dez 2022