Open-access Efeitos da anemia materna na cardiotocografia computadorizada e perfil biofísico fetal

Effects of maternal anemia on computerized cardiotocography and fetal biophysical profile

Resumos

OBJETIVOS: avaliar a influência dos níveis de hemoglobina (Hb) materna nos padrões da frequência cardíaca fetal (FCF) e no perfil biofísico fetal (PBF) em gestações a termo. MÉTODOS: gestantes portadoras de anemia (Hb<11,0 g/dL) foram avaliadas prospectivamente, entre a 36ª e a 40ª semana de gestação, no período compreendido entre janeiro de 2008 e março de 2009. O Grupo Controle foi constituído por gestantes de termo, saudáveis, com valores normais de hemoglobina (Hb>11,0 g/dL). Foram excluídos casos com anomalias ou restrição do crescimento fetal. A avaliação da FCF foi realizada pela cardiotocografia computadorizada (Sistema8002-Sonicaid) e análise do traçado com 30 minutos de exame. O PBF foi realizado em todas as pacientes. Foram utilizados os testes t de Student, teste do χ2 e teste exato de Fisher. O nível de significância utilizado foi de 0,05. RESULTADOS: A média da Hb materna no grupo com anemia (n=18) foi de 9,4 g/dL (DP=1,4 g/dL) e no Grupo Controle 12,4 g/dL (DP=1,3 g/dL). Quanto aos parâmetros da cardiotocografia, não foi constatada diferença significativa nas médias entre os grupos com anemia e controle, respectivamente: FCF basal (131,3 bpm versus 133,7 bpm, p=0,5), acelerações da FCF > 10 bpm (7,9 versus. 8,2, p=0,866), acelerações da FCF > 15 bpm (5,2 versus 5,4, p=0,9), episódios de alta variação da FCF (17,1 versus 15,5 min, p=0,5), episódios de baixa variação da FCF (4,4 versus 3,6 min, p=0,6), e variação de curto prazo (10,5 versus 10,9 ms, p=0,5). Em ambos os grupos, todas as pacientes apresentaram PBF normal. CONCLUSÕES: este estudo sugere que a anemia materna leve ou moderada, sem outras comorbidades maternas ou fetais, não se associa a anormalidades nos parâmetros do perfil biofísico fetal e da FCF analisada pela cardiotocografia computadorizada.

Anemia; Cardiotocografia; Frequência cardíaca fetal; Complicações hematológicas na gravidez; Ultrasonografia pré-natal


PURPOSES: to evaluate the influence of maternal hemoglobin (Hb) levels in the patterns of fetal heart rate (FHR) and in the fetal biophysical profile (FBP) in term gestations. METHODS: pregnant women with anemia (Hb<11.0 g/dL) were prospectively evaluated between the 36th and the 40th week of gestation, from January 2008 to March 2009. The Control Group was composed of term and healthy pregnant women, with normal values of hemoglobin (Hb>11,0 g/dL). Cases of anomalies or fetal growing restrictions were excluded. The FHR evaluation was performed by computerized cardiotocography (8002 System-Sonicaid), and by record analysis during 30 minutes of exam. The FBP was done in all the patients. Student's, χ2 and Fisher's exact tests were used, with 0.05 significance level. RESULTS: The average of maternal Hb in the group with anemia (n=18) was 9.4 g/dL (DP=1.4 g/dL), and in the control group, 12.4g/dL (DP=1.3 g/dL). There has been no significant mean differences between groups concerning the cardiotocography parameters, respectively: basal FHR(131.3 versus 133.7 bpm, p=0.5), FHR accelerations > 10b pm (7.9 versus 8.2, p=0.866), FHR accelerations > 15 bpm (5.2 versus. 5.4, p=0.9), episodes of high variation of the FHR (17.1 versus 15.5 min, p=0,5), episodes of variation of the FHR (4.4 versus 3.6 min, p=06), and short term variation (10.5 versus 10.9 ms, p=0.5). In both groups, all patients presented normal FBP. CONCLUSIONS: this study suggests that light or moderate maternal anemia, without other maternal or fetal comorbidity, is not associated with abnormalities in the parameters of fetal biophysical profile and of the FHR analyzed by computerized cardiotocography.

Anemia; Cardiotocography; Heart rate; Pregnancy complications; Ultrasonography


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da anemia materna na cardiotocografia computadorizada e perfil biofísico fetal

Effects of maternal anemia on computerized cardiotocography and fetal biophysical profile

Roseli Mieko Yamamoto NomuraI; Marina Caldana GordonII; Giancarlo FatobeneII; Ana Maria Kondo IgaiIII; Marcelo ZugaibIV

IProfessora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIAcadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIIMédica Assistente da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IVProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Roseli Mieko Yamamoto Nomura Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 10º andar, sala 10.037 CEP 05403-000 - São Paulo (SP) Brasil Tel.: (11) 3069-6209 / Fax: (11) 3069-8183 E-mail: roseli.nomura@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar a influência dos níveis de hemoglobina (Hb) materna nos padrões da frequência cardíaca fetal (FCF) e no perfil biofísico fetal (PBF) em gestações a termo.

MÉTODOS: gestantes portadoras de anemia (Hb<11,0 g/dL) foram avaliadas prospectivamente, entre a 36ª e a 40ª semana de gestação, no período compreendido entre janeiro de 2008 e março de 2009. O Grupo Controle foi constituído por gestantes de termo, saudáveis, com valores normais de hemoglobina (Hb>11,0 g/dL). Foram excluídos casos com anomalias ou restrição do crescimento fetal. A avaliação da FCF foi realizada pela cardiotocografia computadorizada (Sistema8002-Sonicaid) e análise do traçado com 30 minutos de exame. O PBF foi realizado em todas as pacientes. Foram utilizados os testes t de Student, teste do χ2 e teste exato de Fisher. O nível de significância utilizado foi de 0,05.

RESULTADOS: A média da Hb materna no grupo com anemia (n=18) foi de 9,4 g/dL (DP=1,4 g/dL) e no Grupo Controle 12,4 g/dL (DP=1,3 g/dL). Quanto aos parâmetros da cardiotocografia, não foi constatada diferença significativa nas médias entre os grupos com anemia e controle, respectivamente: FCF basal (131,3 bpm versus 133,7 bpm, p=0,5), acelerações da FCF > 10 bpm (7,9 versus. 8,2, p=0,866), acelerações da FCF > 15 bpm (5,2 versus 5,4, p=0,9), episódios de alta variação da FCF (17,1 versus 15,5 min, p=0,5), episódios de baixa variação da FCF (4,4 versus 3,6 min, p=0,6), e variação de curto prazo (10,5 versus 10,9 ms, p=0,5). Em ambos os grupos, todas as pacientes apresentaram PBF normal.

CONCLUSÕES: este estudo sugere que a anemia materna leve ou moderada, sem outras comorbidades maternas ou fetais, não se associa a anormalidades nos parâmetros do perfil biofísico fetal e da FCF analisada pela cardiotocografia computadorizada.

Palavras-chave: Anemia; Cardiotocografia; Frequência cardíaca fetal; Complicações hematológicas na gravidez; Ultrasonografia pré-natal

ABSTRACT

PURPOSES: to evaluate the influence of maternal hemoglobin (Hb) levels in the patterns of fetal heart rate (FHR) and in the fetal biophysical profile (FBP) in term gestations.

METHODS: pregnant women with anemia (Hb<11.0 g/dL) were prospectively evaluated between the 36th and the 40th week of gestation, from January 2008 to March 2009. The Control Group was composed of term and healthy pregnant women, with normal values of hemoglobin (Hb>11,0 g/dL). Cases of anomalies or fetal growing restrictions were excluded. The FHR evaluation was performed by computerized cardiotocography (8002 System-Sonicaid), and by record analysis during 30 minutes of exam. The FBP was done in all the patients. Student's, χ2 and Fisher's exact tests were used, with 0.05 significance level.

RESULTS: The average of maternal Hb in the group with anemia (n=18) was 9.4 g/dL (DP=1.4 g/dL), and in the control group, 12.4g/dL (DP=1.3 g/dL). There has been no significant mean differences between groups concerning the cardiotocography parameters, respectively: basal FHR(131.3 versus 133.7 bpm, p=0.5), FHR accelerations > 10b pm (7.9 versus 8.2, p=0.866), FHR accelerations > 15 bpm (5.2 versus. 5.4, p=0.9), episodes of high variation of the FHR (17.1 versus 15.5 min, p=0,5), episodes of variation of the FHR (4.4 versus 3.6 min, p=06), and short term variation (10.5 versus 10.9 ms, p=0.5). In both groups, all patients presented normal FBP.

CONCLUSIONS: this study suggests that light or moderate maternal anemia, without other maternal or fetal comorbidity, is not associated with abnormalities in the parameters of fetal biophysical profile and of the FHR analyzed by computerized cardiotocography.

Keywords: Anemia; Cardiotocography; Heart rate, fetal; Pregnancy complications, hematologic; Ultrasonography, prenatal

Introdução

A anemia materna é importante intercorrência clínica da gestação, tanto por sua gravidade quanto pela alta prevalência, principalmente nos países em desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a anemia é caracterizada quando a concentração de hemoglobina (Hb) é inferior a 11,0 g/dL1. Estudos verificam maior mortalidade fetal e neonatal precoce na anemia materna com Hb inferior a 9,0 g/dL2,3. No Brasil, estima-se que 42% das gestantes sejam anêmicas, e isso demonstra a relevância do tema4. Em países industrializados, estima-se que 18 a 22%5 das gestantes apresentem anemia ferropriva, enquanto que no sul da Ásia essa estimativa é de mais de 50%6.

Durante a gravidez, alterações fisiológicas resultam no aumento do volume plasmático em cerca de 50% e aumento da massa eritrocitária em 25%. Isso promove a hemodiluição e diminuição dos valores da concentração de Hb materna, chamada de anemia fisiológica. Por conta disso, os valores de Hb da gestante considerados normais são diferentes da não-gestante, que devem se situar entre 12,5 e 14,0 g/dL.

Nos casos de anemia materna, observa-se associação com baixo peso do recém-nascido3,7,8 e prematuridade9. Entretanto, não são constatadas alterações bioquímicas significativas (proteínas totais, hormônio do crescimento, cortisol, insulina e hormônios tireoidianos) em neonatos de gestantes com anemia10. Pela diminuição da concentração de hemoglobina materna, espera-se que a quantidade de oxigênio transportada pelo sangue possa estar abaixo das necessidades basais, havendo prejuízo em sua oferta ao produto conceptual11.

Quadros graves de anemia materna, com Hb inferior a 6,0 g/dL, associam-se à centralização da circulação fetal e à redução no volume de líquido amniótico, podendo interferir no resultado do perfil biofísico fetal (PBF)12. Nos casos de anemia materna leve, não se esperam achados anormais na avaliação da vitalidade fetal. Poucos estudos abordam especificamente as alterações do PBF frente à anemia materna, correlacionando-se aos níveis de hemoglobina. Relatos de casos descrevem perfil biofísico fetal anormal13 e padrão terminal na cardiotocografia14 em casos de anemia materna grave. Os recém-nascidos de mulheres anêmicas apresentam risco relativo de 1,8 para baixo índice de Apgar no primeiro minuto, e de 3,7 para óbito fetal15, indicando maior risco para o sofrimento fetal - que pode ser detectado pela avaliação da vitalidade fetal antenatal.

A análise do PBF e da cardiotocografia e a relação desses exames com o valor da hemoglobina podem auxiliar na compreensão da importância desses parâmetros para indicar inadequações no processo de oferta do oxigênio para a circulação fetal. O objetivo do presente estudo foi avaliar a influência dos níveis de hemoglobina materna nos testes de avaliação da vitalidade fetal em gestações de termo, procurando identificar parâmetros da cardiotocografia computadorizada ou do PBF que possam indicar o comprometimento da oxigenação fetal de acordo com o grau de comprometimento materno.

Métodos

Este trabalho foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e os sujeitos incluídos nesta pesquisa abrangeram gestantes com diagnóstico de anemia, acompanhadas no Setor de Hemopatias e Gravidez do Ambulatório de Pré-natal especializado, no período compreendido entre janeiro de 2008 e março de 2009. O grupo controle, composto por gestantes sem comorbidades, foi selecionado entre as gestantes acompanhadas no ambulatório da Liga de Pré-natal dessa mesma instituição. Foram avaliadas 40 gestantes, e todas as participantes consentiram em participar da pesquisa. O estudo é do tipo prospectivo, caso-controle e transversal. O projeto de pesquisa e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pela Comissão de Ética em Pesquisa da instituição, sob o número 1240/07.

Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: diagnóstico de anemia materna, caracterizada por valor de hemoglobina inferior a 11 g/dL; idade gestacional entre 36 e 40 semanas; gestação única; crescimento fetal adequado para a idade gestacional; ausência de sinais de insuficiência placentária (doplervelocimetria de artéria umbilical normal); ausência de sinais e sintomas que indiquem crise de hemólise ou falcização no momento da realização dos exames, e normalidade fetal à ultrassonografia morfológica. As pacientes foram selecionadas conforme compareciam às consultas rotineiras no pré-natal especializado, durante internação na enfermaria obstétrica, ou quando se detectou valor de Hb inferior a 11 g/dL no pré-natal. Foram convidadas a participar do estudo as gestantes que preenchiam todos os critérios de inclusão propostos. Após serem esclarecidas sobre os objetivos da investigação e sobre os exames a serem submetidas, foi solicitada a concordância formal através do termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram avaliadas 18 gestantes com diagnóstico de anemia e 22 gestantes no grupo controle. No grupo com anemia, as gestantes apresentavam os seguintes diagnósticos: anemia ferropriva (n=8), anemia falciforme (n=5), anemia aplásica (n=1), xerocitose (n=1), linfoma (n=1), leucemia mieloide crônica (n=1) e lupus eritematoso sistêmico (n=1).

As características do grupo de anêmicas e do grupo controle estão apresentadas na Tabela 1. A média da Hb materna foi significativamente menor no grupo com anemia (média=9,4 g/dL, DP=1,4 g/dL, mínimo=6,8 g/dL, máximo=10,9 g/dL) quando comparado ao grupo controle (média=12,4, DP=1,3 g/dL, mínimo=11,1 g/dL, máximo=15,7 g/dL, p<0,001, teste t de Student). Não foi constatada diferença significativa entre as médias da idade materna dos dois grupos estudados. As características maternas de cor e paridade também se mostraram semelhantes nos grupos. Quanto aos dados referentes ao parto e aos resultados perinatais, à distribuição de acordo com o tipo de parto (normal ou cesárea) e à distribuição conforme o sexo do RN, não houve diferença entre os grupos. A idade gestacional ao parto foi semelhante nos dois grupos (p=0,1), com média de 39,2 semanas (DP=1,2 semanas) no grupo com anemia e média de 39,7 semanas (DP=0,8 semanas) no grupo controle.

Para a avaliação da vitalidade fetal, foram realizados os exames de cardiotocografia e perfil biofísico fetal. A coleta de sangue para aferição do nível de hemoglobina foi realizada no momento da realização do exame, utilizando-se hemoglobinômetro da marca HemoCue® (Quest Diagnostics, Angelholm, Suécia). Caso a paciente tivesse resultado de exame de sangue para mensuração dos níveis de Hb e hematócrito nos últimos sete dias, tal resultado era utilizado para análise. Os exames foram efetuados no mesmo período em que foram agendadas para a consulta de pré-natal. Todos os exames foram realizados exclusivamente pelos pesquisadores envolvidos no projeto.

Pela ultrassonografia, foram avaliados os parâmetros do PBF - tônus, movimentos corpóreos fetais (MCF), movimentos respiratórios fetais (MRF), cardiotocografia e volume de líquido amniótico. Foi utilizado equipamento de ultrassonografia da marca Toshiba®, modelo SSA-220ª, e aparelho de cardiotocografia computadorizada (Sistema Sonicaid 8002, Sonicaid®, Oxford, Reino Unido).

O Sistema 8002 é um programa de análise computadorizada da FCF que utiliza algoritmo desenvolvido e validado16. As médias dos intervalos de pulso dos batimentos cardíacos fetais são calculadas em períodos de 1/16 minutos (3,75 segundos). São analisados os seguintes índices: FCF basal (bpm); acelerações transitórias da FCF com amplitude de 10 e de 15 bpm; desacelerações da FCF (queda de, no mínimo, 10 bpm em relação à linha de base e duração mínima de 1 minuto, 20 bpm e mínimo de 30 segundos, ou 25 bpm e mínimo de 15 segundos); variação de curto prazo (média da variação dos intervalos de pulso em períodos de 3,75 segundos); episódios de alta variação (definidos como 5 a 6 minutos consecutivos em que a amplitude dos intervalos de pulso é superior a 32 milissegundos) e episódios de baixa variação (definidos como 5 a 6 minutos consecutivos em que a amplitude dos intervalos de pulso é inferior a 30 segundos).

O PBF foi realizado pela avaliação ultrassonográfica das atividades biofísicas que incluem: FCF, MRF, MCF, tônus fetal e VLA. A FCF foi avaliada pela cardiotocografia, de forma que o parâmetro foi considerado normal quando o feto apresentou pelo menos duas acelerações transitórias de 15 bpm de amplitude em até 30 minutos de traçado. Os MRF foram caracterizados como normais na presença de, no mínimo, um episódio com duração mínima de 30 segundos. Os MCF se caracterizaram como normais quando visualizados, no mínimo, um movimento amplo ou três movimentos lentos; o tônus fetal foi considerado normal na presença de MCF ou quando se verificaram movimentos de abertura e fechamento das mãos. O volume do líquido amniótico foi avaliado pelo índice de líquido amniótico (ILA). Seus valores foram classificados como normais quando superiores a 5,0 cm. Cada componente do PBF recebeu a pontuação 2 (normal) ou 0 (anormal), e a somatória classificou o exame em normal (8 ou 10), suspeito (6) ou alterado (4, 2 e 0).

Todas as gestantes anêmicas do presente estudo, quando pertinente, realizaram tratamento com reposição terapêutica de ferro, e somente as que permaneceram com níveis hematimétricos atendendo aos critérios de inclusão, no termo, foram arroladas para o estudo. Nenhuma paciente necessitou internação para tratamento da anemia por transfusão sanguínea. Apesar de o grupo estudo apresentar alguns casos com níveis baixos de Hb, nenhum caso necessitou interromper a gestação com diagnóstico de sofrimento fetal.

Para comparação da distribuição das variáveis contínuas (idade, Hb materna, idade gestacional ao exame, FCF, número de acelerações transitórias, duração dos episódios de alta e de baixa variação, variação de curto prazo, índice do líquido amniótico, idade gestacional ao parto e peso do recém-nascido) foi utilizado o teste t de Student, com resultados expressos em média e desvio padrão. Quanto às variáveis categóricas, utilizou-se teste de proporção (teste do χ2 ou teste exato de Fisher) com valores expressos em porcentagem. O nível de significância utilizado para os testes foi 5%.

Resultados

Os resultados dos exames de avaliação da vitalidade fetal nos grupos estudados estão apresentados na Tabela 2. Todos os resultados de PBF se apresentaram normais, com valores de 8 ou 10, bem como o ILA, que apresentou índice superior a 5,0 cm em todos os casos. A média do ILA no grupo com anemia foi de 11,4 cm (DP=2,9cm), não diferindo significativamente do grupo controle (média=12,2 cm, DP=2,8 cm, p=0,3).

Os parâmetros analisados na cardiotocografia computadorizada foram também semelhantes nos dois grupos. A frequência cardíaca fetal (FCF) basal foi semelhante nos grupos estudados (p=0,5), com média de 131,3 bpm (DP=11,1 bpm) no grupo com anemia e média de 133,7 bpm (DP=14,7 bpm) no grupo controle. Não se constatou diferença significativa (p=0,5) na variação de curto prazo da FCF entre os grupos analisados, com variação média de 10,5 ms (DP=2,9 ms) no grupo com anemia e média de 10,9 ms (DP=4,4 ms) no grupo controle. Houve apenas um resultado de cardiotocografia anormal, sendo de gestante anêmica (portadora de xerocitose); porém, não levou a diferenças significativas entre os grupos, em relação aos parâmetros analisados.

Discussão

Na anemia materna, verifica-se associação com resultados perinatais desfavoráveis2,3,7,9,15. A anemia, ao reduzir o conteúdo de hemoglobina circulante, poderia prejudicar a oferta de oxigênio à circulação fetal, provocando resposta hemodinâmica fetal e, segundo alguns autores, redistribuição do fluxo sanguíneo e centralização. É pouco estudada a adaptação circulatória fetal nos casos de anemia materna. Em quadros graves de anemia materna com Hb inferior a 6,0 g/dL, verifica-se associação com a centralização da circulação fetal e redução no volume de líquido amniótico12. Os dados do presente estudo não demonstraram diferença significativa quanto aos parâmetros avaliados no perfil biofísico fetal, em parte por se ter analisado apenas diferenças em relação ao valor de hemoglobina materna que define o critério de anemia (Hb<11g/dL).

A análise de maior número de casos com níveis de Hb inferiores a 7 g/dL, que define quadros de anemia materna grave, talvez evidenciasse diferenças nos parâmetros cardiotocográficos analisados. A ausência de centralização da circulação fetal nos casos de anemia materna com Hb superior a 6 g/dL12 sugere que a oxigenação fetal está satisfatória nesses níveis, principalmente devido ao fato de a placenta ser um grande reservatório de sangue materno, mesmo nos casos de anemia. Ainda que o conteúdo de oxigênio esteja reduzido, provavelmente deve ocorrer passagem suficiente pela barreira placentária - o que mantém as atividades biofísicas normais.

A anemia materna também promove alterações na estrutura vilositária da placenta, como mecanismo compensatório frente à hipoxemia17. O ferro é componente importante para a proliferação e metabolismo celular na placenta, e seu desbalanço pode se conectar a vários eventos anormais no organismo18. Essas alterações adaptativas são próprias de situações crônicas, tal como ocorre com a anemia materna, que muitas vezes é de instalação lenta e progressiva. Isso pode favorecer a adaptação da estrutura placentária, compensando a oferta de oxigênio, mesmo nas situações de baixos níveis hematimétricos, mantendo assim os parâmetros biofísicos normais. Apesar disso, o déficit nutricional e o baixo peso do recém-nascido associam-se a quadros de anemia de maior gravidade de instalação precoce, desde o primeiro trimestre gestacional19.

A limitação do presente estudo se refere às características do grupo com anemia, pois a média da Hb no grupo anêmico (9,5 g/dL), com valor mínimo de 6,8 e máximo de 10,9 g/dL. Isso demonstra que a maior parte dessas pacientes era composta de casos de anemia leve ou moderada, o que prejudicou a avaliação da relação entre o grau de anemia e o comprometimento do perfil biofísico fetal. Estudos com casos de maior gravidade poderiam evidenciar diferenças nos parâmetros estudados. Entretanto, esses casos não são frequentes, e se associam a outras intercorrências que podem influenciar os parâmetros biofísicos fetais. Além disso, é comum a adoção de estratégias para prevenção e tratamento da anemia, que são de grande relevância em populações economicamente pouco favorecidas, e melhoram o resultado perinatal20-23.

Apesar das limitações já comentadas, os dados apresentados permitem verificar que a anemia materna leve e moderada não compromete o processo de transporte de oxigênio ao feto, pois não foram evidenciadas alterações nos parâmetros cardiotocográficos, analisados por sistema computadorizado, nem influência nos resultados do perfil biofísico fetal. É possível depreender, portanto, que o diagnóstico de anemia materna de menor gravidade, sem outras patologias maternas ou fetais associadas, não necessitam de vigilância fetal imediata por métodos biofísicos, pois não são esperadas anormalidades. Essa assertiva não é pertinente para os casos de maior gravidade, com níveis de Hb inferior a 7,0 g/dL, pois o presente estudo se encontra prejudicado para concluir a respeito dessas situações. Na anemia materna grave, os relatos de literatura14 sugerem comprometimento fetal e maior mortalidade perinatal22, de forma que a avaliação da vitalidade fetal se torna imprescindível nessas situações.

O presente estudo permitiu concluir que o diagnóstico de anemia materna leve ou moderada, sem outras comorbidades maternas ou fetais, não apresentou associação com anormalidades na frequência cardíaca fetal, nem com alterações nos parâmetros do perfil biofísico fetal.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela bolsa de iniciação científica concedida à aluna Marina Caldana Gordon para a elaboração do presente estudo.

Recebido 3/8/09

Aceito com modificações 23/11/09

Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.

Auxílio recebido: Bolsa de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para a aluna Marina Caldana Gordon.

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  • Correspondência:
    Roseli Mieko Yamamoto Nomura
    Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      03 Ago 2009
    • Aceito
      23 Nov 2009
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