Resumos
OBJETIVO: Avaliar a resposta ovariana após uso de ciclofosfamida (CFM) em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) e correlacionar os achados de tempo de doença e idade no período de utilização de CFM e dose cumulativa com alterações no ciclo menstrual e/ou evolução para insuficiência ovariana (IO).
MÉTODOS: Foi um estudo transversal, retrospectivo, com 50 pacientes com diagnóstico de LES e que fizeram tratamento com CFM com seguimento clínico de, pelo menos, 1 ano. Foram incluídas pacientes com idade entre 12 e 40 anos e que apresentavam ciclos menstruais regulares prévios ao tratamento. Foram excluídas pacientes que descontinuaram o seguimento, ou este foi menor do que um ano, além daquelas que apresentaram irregularidade/ausência menstrual antes do uso do fármaco. Todas as mulheres estudadas foram submetidas à entrevista e à aplicação de questionário. Neste foram abordadas questões relevantes de padrão de ciclo menstrual antes e posterior à terapia, assim como períodos gestacionais e método contraceptivo. Foi questionado se as pacientes foram orientadas sobre os efeitos colaterais e as consequências da CFM. Para análise estatística, foram utilizados os testes t de Student, Mann-Whitney, do χ2 e o não paramétrico de Kolmogorov-Smirnov.
RESULTADOS: A média de idade das pacientes incluídas no do estudo foi de 30,8 anos, e a média de idade no momento do uso de CFM, de 25,3 anos. Após a CFM, 24% das pacientes não menstruaram mais, 28% voltaram a ter ciclos regulares e 48% delas permaneceram com ciclos irregulares. Verificou-se que as pacientes que evoluíram com falência ovariana tinham maior tempo de doença (12,3 anos) do que aquelas que não evoluíram (8,9 anos). Treze pacientes tiveram gestação após a CFM, em todas ocorreu de forma espontânea; no entanto, 66% evoluíram com abortamento. A média de idade das pacientes que fizeram uso de CFM e evoluíram com falência ovariana foi de 28,1 anos. A amenorreia ocorreu em 50% das pacientes que tinham idade entre 31 e 40 anos, 22,2%, entre 21 e 30 anos, e 7,7%, entre 12 e 20 anos. Nosso estudo não mostrou correlação estatística entre dose cumulativa e falência ovariana, apesar de que doses cumulativas maiores que 11 g tendem a promover algum tipo de irregularidade menstrual.
CONCLUSÃO: O tempo de doença do LES, a idade no momento do tratamento e as maiores doses cumulativas são importantes fatores preditores da IO pós-terapia com CFM. Gestação em pacientes lúpicas após o uso do quimioterápico tem maiores chances de evoluir com abortamento. Viu-se que pequena parte das doentes estava ciente de todas as repercussões que a droga poderia gerar. Por isso, novos estudos devem ser realizados para o conhecimento e a conscientização, por parte do meio médico, sobre a importância da anticoncepção e da preservação do tecido ovariano.
Lúpus eritematoso sistêmico; Ciclofosfamida; Insuficiência ovariana primária
PURPOSE: To evaluate the ovarian response after cyclophosphamide use (CPM) in patients with systemic lupus erythematosus (SLE) and to correlate the age and cumulative dose findings with changes in menstrual cycle and/or progression to ovarian failure (OF).
METHODS: This was a cross-sectional, retrospective study of 50 patients with a diagnosis of SLE who used CFM with a clinical follow-up of at least 1 year. Included were patients aged 12-40 years, who had undergone chemotherapy for SLE control and who had regular menstrual cycles before the beginning of CPM treatment. Patients who discontinued follow-up, who were followed up for less than one year or who had irregular/absent menses before the beginning of CPM treatment were excluded. All women studied were submitted to an interview and a questionnaire containing questions about the pattern of the menstrual cycle before and after therapy, and about the gestational periods and contraception. We asked if the patients had been instructed about the side effects and consequences of CFM. Statistical analysis was performed using the Student t-test and the Mann Whitney, χ2 and nonparametric Kolmogorov-Smirnov tests.
RESULTS: The mean age of the patients included in the study was 30.8 years and the mean age at the time of use of CPM was 25.3 years. After CFM, 24% of patients stopped menstruating, 28% returned to regular cycles and 48% continued to have irregular cycles. It was found that the patients who developed OF had longer disease duration (12.3 years) than those who did not develop it (8.9 years). Thirteen patients became spontaneously pregnant after CFM; however, 66% progressed to abortion. The mean age of the patients who used CFM and developed OF was 28.1 years. Amenorrhea occurred in 50% of those aged 31-40 years, in 22.2% of those aged 21-30 years and in 7.7% of those aged 12-20 years. Our study showed no statistical correlation between cumulative dose and OF, although cumulative doses greater than 11grams tended to promote some type of menstrual irregularity.
CONCLUSION: SLE disease duration, age at the time of treatment and the highest cumulative doses are important predictors of OF after therapy with CFM. Pregnancy in lupus patients is more likely to evolve with abortion after the use of chemotherapy. It was seen that a small proportion of patients were aware of all the implications of the drug. Therefore, additional studies should be conducted for further knowledge and awareness of the importance of contraception and the preservation of ovarian tissue on the part of the medical community.
Systemic lupus, erythematosus; Cyclophosphamide; Primary ovarian insufficiency
Introdução
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica de etiologia autoimune, com um largo espectro de manifestações e caracterizada por períodos de exacerbação e remissão. Sua evolução e seu prognóstico são variáveis1 , 2. A prevalência do LES na população é de 20-70 por 100.000 habitantes e predomina no sexo feminino na proporção de 10:1. Os sinais e sintomas clínicos manifestam-se, principalmente, em mulheres jovens na faixa de 15 a 35 anos, ou seja, em idade reprodutiva3.
Mulheres com diagnóstico de LES têm maior incidência de alterações na função ovariana, quando com paradas com a população geral. Distúrbios como irregularidade do ciclo menstrual, amenorreia e insuficiência ovariana (IO) são comuns nessas pacientes4. A atividade de doença e o uso de drogas imunossupressoras são os fatores de risco mais relevantes para que ocorra a disfunção ovariana5 , 6. A contagem de folículos antrais (CFA) e a dosagem de hormônio anti-Mulleriano (método de avaliação da função ovariana) mostraram-se diminuídas em pacientes com LES, mesmo naquelas com ciclos menstruais regulares7.
Os imunossupressores, amplamente utilizados no tratamento e controle do LES, exercem sua ação baseados na inibição da proliferação celular e na indução à apoptose de células do sistema imunológico. Essa ação pode se estender além do sistema imunológico e acometer também órgãos do sistema reprodutor8 , 9.
Dentre os imunossupressores mais utilizados, a ciclofosfamida (CFM) tem ganhado notável interesse na literatura. Derivado nitrogenado da mostarda, ela é comumente utilizada para tratamento de LES com comprometimento grave, particularmente no manejo da nefrite lúpica1 , 10. A administração por pulsos endovenosos intermitentes tornou-se tratamento padrão, uma vez que mostrou menor toxicidade com eficácia semelhante à administração contínua por via oral11. Segundo protocolo do National Institute of Health (NIH), a terapêutica é constituída de 6 pulsos mensais de 0,5-1 g/m², seguidos de 6 trimestrais, interrompidos apenas no caso de complicações ou falha na resposta clínica1 , 2.
O efeito citotóxico da droga no âmbito ovariano é potencializado pela diminuição dos níveis séricos de estradiol, o que resulta no aumento dos níveis do hormônio folículo estimulante (FSH) e do hormônio luteinizante (LH). Dessa forma, acelera-se a formação de folículos ovarianos jovens, estes, no entanto, mais sensíveis à ação tóxica da CFM12 , 13. Histologicamente, observa-se destruição dos folículos ováricos e fibrose das áreas intersticiais14. Devido à imaturidade do eixo e à ausência de resposta ao hipoestrogenismo, a quimioterapia utilizada em meninas pré-púberes não parece ter efeitos significativos nos padrões menstruais15.
A destruição dos folículos tem como repercussão o comprometimento da fertilidade e a sintomatologia pelo hipoestrogenismo (sintomas vasomotores, atrofia urogenital, osteoporose, etc)16 , 17. Ambas as alterações têm importante impacto na vida das mulheres, uma vez que a maternidade é um período de grande anseio para a maioria delas. Os principais preditores da IO são a dose cumulativa e a idade no período de uso do fármaco13. Quanto maior a idade da paciente no momento do tratamento, maior a chance de IO, ainda mais quando associada a altas doses do quimioterápico16 , 18.
Estratégias de prevenção da toxicidade ovariana têm sido estudadas e reproduzidas. A coterapia com agonistas do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) parece diminuir a cessação prematura da menstruação em mulheres após o uso de CFM. Os anticoncepcionais combinados não parecem proteger a reserva ovariana, porém promovem eficiente contracepção. Deve-se ter cuidado com o uso de estrogênio em pacientes lúpicas devido ao risco de trombose e possível agravamento da doença13 , 15 , 18.
Técnicas de reprodução assistida por meio do congelamento de embriões tornaram-se medidas promissoras para a manutenção da possibilidade gestacional. A criopreservação do tecido ovariano aguarda novas perspectivas quanto à maturação in vitro de folículos primordiais e sua fertilização. Além disso, essa terapia pode fornecer uma fonte adequada de estrogênio, quando autotransplantado, evitando, assim, os efeitos diversos do hipoestrogenismo13 , 18.
O objetivo do estudo foi avaliar as manifestações causadas pelo uso de CFM e correlacioná-las com idade e dose e avaliar as orientações fornecidas às pacientes quanto à possibilidade de alterações reprodutivas, de efeitos colaterais da droga e de anticoncepção prescrita.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo e analítico com amostra de 50 pacientes com diagnóstico de LES identificadas de acordo com o American College of Rheumatology 1 , 2. As pacientes incluídas no estudo são aquelas que realizam seguimento clínico nos ambulatórios de reumatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC).
Foram incluídas pacientes mulheres, com idade entre 12 e 40 anos, com função ovariana normal (definida por ciclos menstruais mensais previamente ao tratamento), submetidas ao uso de CFM para controle do LES e com seguimento por, pelo menos, 1 ano.
Foram excluídas as pacientes que descontinuaram seguimento, ou este foi menor do que um ano, além daquelas que apresentaram irregularidade/ausência menstrual antes do uso do fármaco ou com o diagnóstico comprovado de outras doenças que reduzem a fertilidade ou ocasionam sintomas climatéricos.
Para a seleção da amostra, foi realizada uma revisão dos prontuários médicos dos dois centros de reumatologia. A partir desses, foram obtidas informações referentes aos critérios clínicos de diagnóstico do LES (lúpus cutâneo agudo/crônico, úlceras orais, alopecia não cicatricial, sinovite, serosite, doença renal, neurológica ou hematológica), ao perfil imunológico (FAN, Anti-DNA, Anti-Sm, Anticorpo antifosfolípides, C3, C4, CH50 e Coombs direto), às idades no período do diagnóstico do LES e no momento do uso do quimioterápico, à dose cumulativa, ao esquema terapêutico e ao tempo de utilização de CFM.
Após a coleta dessas informações, todas as pacientes - que cumpriam os critérios de inclusão desta pesquisa - foram submetidas à entrevista com aplicação de questionário realizada pelos pesquisadores. Esse questionário serviu de instrumento de avaliação da falência ovariana, das repercussões clínicas após a terapia e das orientações fornecidas à paciente com relação a efeitos colaterais e anticoncepção. Definimos como falência aquelas pacientes que não tiveram ciclos menstruais por um período maior ou igual a um ano.
No questionário foram realizadas questões referentes à menarca, à regularidade do ciclo menstrual anterior e posterior ao uso de CFM, à prescrição de contraceptivo hormonal após e no período de utilização de CFM e às gestações prévias ou posteriores à utilização do quimioterápico. Quando os ciclos eram irregulares após a terapia, investigou-se em quanto tempo voltou a ciclicidade dessas mulheres. Quando engravidavam após a utilização de CFM, questionavam-se possíveis complicações, intercorrências pré-natais, neonatais e malformações fetais. Abordou-se, ainda, a presença de sintomas decorrentes do hipoestrogenismo ou alterações nos sistemas cardiovascular ou ósseo após a terapia. Ademais, perguntamos sobre as orientações fornecidas pelo médico assistente com relação aos efeitos colaterais e às consequências clínicas do medicamento, assim como o desejo ou não de engravidar após a terapia.
Todas as pacientes foram informadas sobre a importância e o objetivo desta pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para análise estatística de associações quantitativas, foram utilizados os testes t de Student e não paramétrico de Mann-Whitney. Para associações qualitativas, utilizou-se o teste do χ2. Alguns grupos foram comparados usando-se o modelo de análise da variância com um fator (ANOVA) ou o teste não paramétrico de Kolmogorov-Smirnov. Em todos os testes estatísticos, valores de p<0,05 indicaram significância estatística.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o parecer nº 563907, em janeiro de 2014.
Resultados
A média de idade das pacientes incluídas no do estudo foi de 30,8 anos, e a média de idade ao diagnóstico do LES, de 21 anos. Foram incluídas 30 pacientes do HC-UFPR e 20 do HUEC.
A indicação clínica mais comum do uso de CFM foi por doença renal - 98%. Apenas uma paciente (2%) do estudo fez uso do quimioterápico para controle de manifestação neurológica. A média de idade ao uso de CFM foi de 25,3 anos, sendo a mais jovem com 19 anos e a mais velha com 31 anos.
Após o uso de CFM, 24% das pacientes não menstruaram mais, 28% voltaram a ter ciclos regulares e 48% delas permaneceram com ciclos irregulares. A média de tempo para retorno da ciclicidade naquelas pacientes com ciclos irregulares foi de 4,8 meses.
Das 50 pacientes, 32 fizeram uso de métodos contraceptivos durante o tratamento. Dentre eles, o mais utilizado foi o desogestrel 75 mcg diário - 43,8%, seguido pelo uso de injetável trimestral em 34,4% das pacientes. Análogo do GnRH foi utilizado em apenas uma paciente (2%).
Treze pacientes tiveram gestação após a CFM. Das 37 pacientes que não gestaram, 54,1% gostariam de engravidar. Em todas as pacientes que gestaram após o tratamento quimioterápico a gestação se deu de forma espontânea. Das gestações, 66% evoluíram com abortamento, sendo que, destes, um caso ocorreu por síndrome anticorpo antifosfolípide (SAAF) e outro foi optado por abortamento terapêutico devido à evolução para insuficiência renal. Daquelas que chegaram ao fim da gestação, não houve evidências de malformações fetais.
Quanto às orientações dadas às pacientes, 72% delas foram orientadas sobre a possibilidade de infertilidade, 42%, sobre osteoporose, 38%, sobre sintomas de menopausa, e 28%, sobre aumento do risco de doenças cardiovasculares.
Verificou-se que as pacientes que evoluíram com falência ovariana tinham, em média, 12,3 anos de doença versus 8,9 anos naquelas que não entraram em amenorreia após o tratamento (p=0,04 - teste não paramétrico de Mann-Whitney, p<0,05).
A média de idade das pacientes que fizeram uso de CFM e evoluíram com falência ovariana foi de 28,1 anos, sendo a mais jovem com 21 anos e a mais velha com 34 anos (Tabela 1).
Das que entraram em amenorreia após a terapia, metade tinha idade entre 31 e 37 anos, 22,2%, entre 21 e 30 anos, e 7,7%, entre 12 e 20 anos (Tabela 2).
Não observamos correlação entre dose cumulativa e idade com resultado de falência ovariana. Em pacientes com maiores idades houve necessidade de maiores doses cumulativas do medicamento. A média de dose cumulativa nas mulheres entre 12 e 20 anos foi de 9,6 g, entre 21 e 30 anos, de 11,1 g, e entre 31 e 37 anos, de 13,1 g. No entanto, no estudo não houve significância estatística (p=0,53 - ANOVA, com um fator p<0,05).
Verificou-se que a irregularidade menstrual (amenorreia e ciclos irregulares) está relacionada a pacientes que fizeram uso de maior dose cumulativa; entretanto, não houve significância estatística (Tabela 3).
Discussão
Neste estudo, constatamos que 24% das pacientes que fizeram uso de CFM evoluíram para IO. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos de revisão em que foram descritas frequências de amenorreia entre 11,7 e 37,3%6 , 13 , 19. Em outro trabalho, semelhante a esta pesquisa, houve cessação prematura da menstruação em 30,4% das mulheres estudadas15.
O tempo de doença do LES tem mostrado correlação com o aumento na prevalência de IO quando ultrapassa 5 anos20. As pacientes lúpicas têm menores índices de reserva ovariana e menores médias de idade para menopausa7. Nosso trabalho mostrou um tempo maior de doença nas pacientes que evoluíram com amenorreia. A média de tempo de doença foi de 12,3 anos; entretanto, nem todos os estudos mostram correlação positiva entre tempo de doença e IO21.
Foi verificada alteração no ciclo de 72% das mulheres incluídas, com média de 4,8 meses para retorno da ciclicidade naquelas que apresentaram apenas irregularidade menstrual. A média de idade no momento do uso de CFM no estudo foi de 25,3 anos. Um trabalho similar realizado com 30 pacientes com média de idade de 17,4 anos, com diagnóstico de LES juvenil, em tratamento com CFM verificou alteração menstrual em 63% das meninas5. Talvez essa diferença entre a literatura e o nosso estudo possa ser explicada pela diferença de média de idades entre as pacientes das duas pesquisas. Esse resultado, no entanto, confirma a hipótese de que quanto maior a idade da paciente, maiores as chances de evolução para IO após o tratamento com o quimioterápico.
Outro preditivo para cessação prematura da menstruação é a dose cumulativa. Estudos indicam que quanto maior a dose utilizada, maior a chance de evoluir para IO13 , 18. Um estudo mostrou que houve indução da amenorreia em mulheres que utilizaram uma dose acumulativa de 8,7 g (desvio padrão de 0,6), com idade média de 31 anos13. Outra pesquisa relatou que a dose de 20,4 g de CFM é capaz de induzir amenorreia em pacientes entre 20 e 29 anos, a de 9,3 g, em pacientes entre 30 e 39 anos, e a de 5,2 g, em pacientes entre 40 e 49 anos17. Nosso trabalho não mostrou dados com significância estatística correlacionando dose cumulativa e idade com o desfecho amenorreia.
Pacientes com 30 anos ou mais apresentaram taxa de IO em 50% com doses de 8 g de CFM e em 90% com doses de 12 g21. No trabalho realizado foi visto que as doses cumulativas maiores que 11 g promoveram algum tipo de alteração menstrual. Foi observado também que quanto maior a idade da paciente, maior a dose necessária para controle de doença.
Em pacientes com nefrite lúpica e em idade reprodutiva, a falência ovariana pode afetar todas aquelas com idade maior que 30 anos, cerca de metade das com idade entre 20 e 30 anos e 13% das pacientes com menos de 20 anos16. Encontramos, no nosso estudo, falência em 50% das pacientes com idade entre 31 e 40 anos, 22,2% daquelas entre 21 e 30 anos e em 7,7% das entre 12 e 20 anos. Esse resultado dá suporte à hipótese de que quanto maior a idade ao iniciar o tratamento com CFM, maior a chance de falência gonadal15. A média de idade das pacientes que evoluíram com IO foi de 28,1 anos.
Gestação é possível após o tratamento quimioterápico com CFM e o prognóstico geralmente é favorável20 , 22 , 23. Todas as pacientes do nosso estudo tiveram gestação de forma espontânea. Para aquelas que chegaram ao final da gestação, não houve evidência de malformação fetal. Entretanto, 66% das pacientes que engravidaram após a CFM evoluíram com abortamento. Ainda que a real incidência do aborto seja desconhecida, entre 15 e 20% das gestações clinicamente diagnosticadas terminarão em abortamento24 , 25. Além disso, está descrito na literatura que há maiores riscos fetais de parto prematuro, restrição de crescimento intrauterino, lúpus neonatal, bloqueio cardíaco completo (associado a Anti-Ro) e mortalidade neonatal. Para as mães, há maior risco de reativação do LES, pré-eclâmpsia, complicações hematológicas, trombóticas e infecciosas durante a gravidez, assim como maiores índices de cesarianas e de mortalidade materna26 - 28.
Uma meta-análise sobre morte materna em gestantes e parturientes com LES e usuárias de imunossupressores reuniu 13 estudos com um total de 17 óbitos, em até 6 semanas pós-parto, atribuídos ao LES. Em todos os casos, a doença autoimune estava em atividade. Infecção (42,2%), embolia pulmonar (11,8%), cardiomiopatia (5,9%) e falência de adrenal (5,9%) foram as patologias mais comumente associadas à atividade da doença27.
Devido à possibilidade de gestação mesmo em vigência do uso de CFM, a contracepção eficaz se faz obrigatória tanto pelos riscos maternos quanto pelos fetais, além da possibilidade de teratogenicidade - risco D, segundo o Food and Drug Administration (FDA)29 - 31. Recomenda-se que os planos de concepção sejam adiados por, pelo menos, três meses após a última dose, para evitar o risco de malformações pela teratogenicidade13. Sessenta e quatro por cento das pacientes no estudo faziam uso de algum método contraceptivo. Dentre eles, os mais utilizados são o desogestrel 75 mcg e o injetável trimestral. A literatura não descreve sobre o uso de progestágenos como método contraceptivo, afirma apenas que os combinados orais talvez não seriam a melhor forma de proteção, pelo risco aumentado de trombose devido aos efeitos do estrogênio15. Uma meta-análise recente mostrou que é seguro utilizar anticoncepção hormonal com estrógeno oral e terapia de reposição hormonal para pacientes lúpicas; no entanto, o autor recomenda cautela na interpretação dos resultados apresentados em mulheres com alta atividade da doença ou síndrome dos anticorpos antifosfolípides, já que essas pacientes foram excluídas da maioria dos estudos32.
Alguns métodos hormonais podem ser prescritos durante a terapia com CFM na tentativa de proteger a função ovariana. Uma meta-análise de nove estudos que utilizaram a coterapia de agonista de GnRH e CFM demonstrou que a utilização do agonista resultou em um aumento de 68% na continuação de menstruação em relação à quimioterapia sozinha15. O GnRH parece simular um estado pré-puberal, evitando, assim, danos para o amadurecimento dos folículos33.
Hoje, o Mofetil Micofenolato é cada vez mais reconhecido como alternativa adequada para a CFM na terapêutica de indução e manutenção do tratamento da nefrite do lúpus e é muitas vezes preferido, uma vez que não provoca falência ovariana primária, embora seja também teratogênico34 , 35. Opções de tratamento para o LES durante a gravidez são limitadas e há poucos medicamentos seguros para utilização, especialmente nos dois primeiros trimestres. Uma gestação planejada e uma abordagem multidisciplinar são essenciais para uma gestação com bom prognóstico13 , 22 , 24.
As terapias de reprodução assistida e criopreservação do tecido ovariano são novas perspectivas que podem garantir tanto a perspectiva de uma futura gestação quanto da manutenção da função ovariana, evitando, assim, todos os efeitos adversos do hipoestrogenismo prematuro13 , 18.
Apesar de esses tratamentos mostrarem efeitos positivos na função ovariana, diante do tempo necessário para supressão do eixo hipófise/gônadas ou indução farmacológica da ovulação para captação de folículos, torna-se crítica a espera para o início da terapia com o quimioterápico.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jun 2015
Histórico
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Recebido
18 Fev 2015 -
Aceito
06 Maio 2015