Open-access Mortalidade perinatal em cabritos no semi-árido da Paraíba

Perinatal mortality in kids in the semiarid region of Paraíba, Brazil

Resumos

As causas de mortalidade perinatal em cabritos foram estudadas de maio de 2002 a agosto de 2004. Em 118 cabritos necropsiados as causas de morte foram: infecção neonatal (50%), distocia (12,71%), complexo hipotermia/inanição (11,86%), malformações (7,62%), síndrome do cabrito mole (6,77%) e abortos (1,69%). Com relação ao momento da morte 1,69% dos cabritos morreram antes do parto, 16,94% durante o parto e 81,34 % após o nascimento. A alta ocorrência de infecções neonatais, distocias e hipotermia/inanição é provavelmente devido a fatores relacionados com erros no manejo sanitário, reprodutivo e nutricional. Artogripose dos membros anteriores foi a principal malformação observada. Este defeito é endêmico em rebanhos de caprinos no semi-árido do Brasil. A maioria das mortes ocorreu após o nascimento (25,42%) e do quarto ao vigésimo dia de vida (38,98%) sugerindo que o cuidado com os cabritos durante os primeiros 28 dias de vida é importante para melhorar as taxas de sobrevivência dos mesmos.

Mortalidade perinatal; semi-árido; cabritos; Paraíba


The causes of perinatal kid mortality were studied from May 2002 to August 2004 in the semiarid region of Paraíba. In 118 necropsied kids the frequency of different causes of death were neonatal infections (50%), distocia (12.71%), hypothermia/starvation (11.86%), malformations (7.62%), floppy kid (6.77%) and abortions (1.69%). Regarding the time of death, 1.69% of the kids died before parturition, 16.94% during the parturition and 81.34 % after birth. The high occurrence of neonatal infections, dystocias, and hypothermia/starvation is probably to due to factors related with error in the sanitary, reproductive and nutritional management. Arthrogryposis of the forelimbs was the main malformation observed. This defect is endemic in goat flocks in the semi-arid of Brazil. Most deaths occurred after birth (25.42%) and from the 4th to the 28th day of life (38.98%) suggesting that care with the kids during their first 28 days of life is important for the improvement of the survival rate.

Perinatal mortality; kids; semiarid region; Brazil


Mortalidade perinatal em cabritos no semi-árido da Paraíba

Perinatal mortality in kids in the semiarid region of Paraíba, Brazil

Josemar Marinho de MedeirosI; Ivon Macêdo TabosaII; Sara Vilar Dantas SimõesII; Janduí Escarião da Nóbrega JúniorI; Jackson Suélio de VasconcelosIII; Franklin Riet-CorreaII,*

IPrograma de Pós-Graduação em Medicina Veterinária em Pequenos Ruminantes, UFCG-CSTR, Campus de Patos, 58700-000 Patos, Paraíba

IIUFCG-CSTR, Campus de Patos, 58700-000 Patos, Paraíba

IIIAluno de graduação do curso de Medicina Veterinária, UFCG-CSTR, bolsista de PIBIC

RESUMO

As causas de mortalidade perinatal em cabritos foram estudadas de maio de 2002 a agosto de 2004. Em 118 cabritos necropsiados as causas de morte foram: infecção neonatal (50%), distocia (12,71%), complexo hipotermia/inanição (11,86%), malformações (7,62%), síndrome do cabrito mole (6,77%) e abortos (1,69%). Com relação ao momento da morte 1,69% dos cabritos morreram antes do parto, 16,94% durante o parto e 81,34 % após o nascimento. A alta ocorrência de infecções neonatais, distocias e hipotermia/inanição é provavelmente devido a fatores relacionados com erros no manejo sanitário, reprodutivo e nutricional. Artogripose dos membros anteriores foi a principal malformação observada. Este defeito é endêmico em rebanhos de caprinos no semi-árido do Brasil. A maioria das mortes ocorreu após o nascimento (25,42%) e do quarto ao vigésimo dia de vida (38,98%) sugerindo que o cuidado com os cabritos durante os primeiros 28 dias de vida é importante para melhorar as taxas de sobrevivência dos mesmos.

Termos de indexação: Mortalidade perinatal, semi-árido, cabritos, Paraíba.

ABSTRACT

The causes of perinatal kid mortality were studied from May 2002 to August 2004 in the semiarid region of Paraíba. In 118 necropsied kids the frequency of different causes of death were neonatal infections (50%), distocia (12.71%), hypothermia/starvation (11.86%), malformations (7.62%), floppy kid (6.77%) and abortions (1.69%). Regarding the time of death, 1.69% of the kids died before parturition, 16.94% during the parturition and 81.34 % after birth. The high occurrence of neonatal infections, dystocias, and hypothermia/starvation is probably to due to factors related with error in the sanitary, reproductive and nutritional management. Arthrogryposis of the forelimbs was the main malformation observed. This defect is endemic in goat flocks in the semi-arid of Brazil. Most deaths occurred after birth (25.42%) and from the 4th to the 28th day of life (38.98%) suggesting that care with the kids during their first 28 days of life is important for the improvement of the survival rate.

Index terms: Perinatal mortality, kids, semiarid region, Brazil.

INTRODUÇÃO

O Brasil possui 12,6 milhões de cabeças de caprinos, colocando-se como o décimo primeiro produtor mundial (FAO 2000). O efetivo de caprinos da região Nordeste representa 93,15% do rebanho nacional (Araújo 2002) o que leva a caprinocultura a ser uma importante alternativa para o desenvolvimento social e econômico dessa região. No entanto, a caprinocultura de corte e de leite no Brasil não progride qualitativamente na proporção de sua importância sócio-econômica, apesar de possuir inúmeras características que deveriam colocá-la como prioritárias no contexto da agropecuária brasileira (Gouveia 2003).

A obtenção de resultados satisfatórios em um sistema de produção animal reveste-se de grande complexidade devido aos numerosos fatores envolvidos. O predomínio de sistemas extensivos de criação, precárias práticas de manejo e a estacionalidade na produção de forragens são alguns dos fatores limitantes ao desenvolvimento da caprinocultura na região Nordeste e, associados à alta mortalidade perinatal, reduzem a eficiência produtiva em todos os tipos de produção de caprinos.

A mortalidade perinatal é definida como a morte de fetos e neonatos que ocorre a partir de 60 dias de gestação até os 28 dias após o parto (Dennis 1972). As mortes após o parto podem ocorrer no pós-parto imediato, quando ocorrem no primeiro dia de vida, no pós-parto dilatado, quando ocorrem até o terceiro dia de vida e no pós-parto tardio, quando o registro do óbito é feito entre o quarto e vigésimo oitavo dia.

Dentre as causas de mortalidade perinatal, que atuam individualmente ou relacionadas entre si, incluem-se: abortos decorrentes de agentes infecciosos, estresse severo ou deficiência nutricional; distocias e suas conseqüências como anóxia cerebral e lesões das estruturas ósseas ou tecidos moles; malformações resultantes da exposição de fêmeas gestantes a vírus, plantas ou outros agentes teratogênicos; infecções neonatais, especialmente as enterites e pneumonias; predação; condições ambientais adversas, que ocasionam mortes por inanição/exposição; e diversos fatores maternos como raça, nutrição, comportamento materno e produção de leite. Prejuízos decorrentes da mortalidade perinatal incluem a perda dos recursos investidos nas mães para iniciar e manter a gestação e a redução do número de animais disponíveis para a venda e seleção (Ribeiro 1997, Maia & Costa 1998).

As prevalências de mortalidade perinatal de caprinos são bastante variáveis. Em sistemas extensivos de criação há relatos de perdas que variam de 10 a 60% e em sistemas intensivos as variações vão de 8 a 17% (Smith & Sherman 1994). Em caprinos, no Nordeste do Brasil, Pinheiro et al. (2000) citaram uma taxa de mortalidade de cabritos de 22,8%. Percentual mais alarmante foi referido por Radel (2002) que considerou uma mortalidade média de 45% no Brasil.

Apesar de alguns estudos sobre mortalidade neonatal terem sido realizados no Brasil, pouca atenção tem sido dada para a identificação das causas das mortes. A identificação das causas de mortalidade atenderá uma demanda existente há alguns anos, pois diversos pecuaristas da região Nordeste têm buscado esclarecimentos sobre as causas de mortes perinatais e as formas de reduzi-las. A identificação das causas de mortalidade e de um manejo deficiente em um rebanho é mais importante que o tratamento individual do animal com doença neonatal. Segundo Riet-Correa & Méndez (2001) para uma correta avaliação da mortalidade perinatal é necessário observar o maior número possível de animais mortos em diversos estabelecimentos da região. Desta forma, mediante a coleta e realização de necropsias em fetos e neonatos esta pesquisa teve como objetivo contribuir com a identificação das principais causas de mortalidade perinatal em caprinos no estado da Paraíba.

MATERIAL E MÉTODOS

Coletaram-se 118 cabritos de diversas raças e também sem padrão racial definido, mortos no período perinatal, em fazendas localizadas no Cariri (municípios de Monteiro, Soledade e São Sebastião do Umbuzeiro) e Sertão do estado da Paraíba (municípios de São Mamede, Patos, Santa Luzia, Pombal, Santa Terezinha, São José de Espinharas e São José do Bonfim) no período de maio de 2002 a agosto de 2004.

Animais provenientes de propriedades próximas ao Hospital Veterinário (HV) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba, eram trazidos, no menor tempo possível, para realização das necropsias, exames bacteriológicos e exames parasitológicos de fezes. Os animais provenientes de municípios mais distantes foram recolhidos após a morte e acondicionados em congelador, sendo depois transportados para realização das necropsias. Os animais ao chegarem ao HV eram encaminhados ao laboratório de anatomia patológica, identificados, pesados e durante a realização da necropsia era preenchida ficha com os achados macroscópicos. A técnica utilizada para necropsia foi a descrita por McFarlane (1965) com as modificações estabelecidas por Méndez et al. (1982). Ao realizar as necropsias a identificação do momento da morte era feita considerando como sinais de viabilidade: aeração pulmonar, presença de coágulos nos vasos umbilicais e edemas subcutâneos localizados, que indicavam que o cabrito estava vivo no momento do parto. Como sinais de sobrevivência consideraram-se as evidências do cabrito ter caminhado ou se alimentado, a ausência de mecônio no intestino e o aparecimento de incisivos.

Utilizando os conceitos mencionados no parágrafo anterior o momento da morte foi classificado em antes do parto, durante o parto ou após o parto. A morte antes do parto foi considerada quando os animais não apresentavam nenhum sinal de viabilidade, possuíam líquido sero-hemorrágico no tecido subcutâneo e nas cavidades abdominal e torácica e sinais de autólise no fígado e rins.

As mortes que ocorreram durante o parto foram identificadas por ausência de coágulos nos vasos umbilicais, aeração pulmonar total ou parcial, edemas em algumas partes do corpo, hemorragias nas meninges ou cavidade abdominal e pelo fato de os animais não apresentarem evidência de terem caminhado ou se alimentado. Animais com coágulos nas artérias umbilicais e aeração pulmonar indicavam sinais de sobrevivência, demonstrando que a morte havia ocorrido após o parto.

As mortes após o parto foram classificadas como tendo ocorrido no pós-parto imediato (primeiro dia de vida), pós-parto dilatado (entre o primeiro e terceiro dia) ou pós-parto tardio (entre o 4º e o 28º dia de vida). Mortes no pós-parto imediato foram identificadas pelos seguintes achados de necropsia: os animais geralmente não haviam caminhado nem se alimentado, apresentavam umbigo úmido e não tinham expelido o mecônio. Não eram visualizados os incisivos e não havia sinais de desidratação. As mortes ocorridas no pós-parto dilatado foram identificadas pelo aparecimento dos incisivos e indicação que os animais haviam caminhado. Nesta fase podiam ter se alimentado ou não e havia mecônio no intestino. Nas mortes do pós-parto tardio observavam-se os mesmos achados de necropsia do pós-parto dilatado, mas a presença de vários incisivos e a ausência de mecônio indicavam que o animal havia sobrevivido por mais de 3 dias.

Além do momento da morte procurou-se identificar as causas de mortalidade. Cabritos que caminharam, mas não se alimentaram, com baixo peso, desidratados, com pouca reserva de gordura, fígado escuro e com consistência aumentada, bexiga repleta, adrenais aumentadas de volume e hemorrágicas, foram considerados como tendo óbito decorrente do complexo hipotermia/inanição. Animais com edemas subcutâneos claros ou hemorrágicos, localizados na cabeça, pescoço, períneo e membros, podendo apresentar autólise do córtex renal, hemorragias nas meninges e/ou cavidade abdominal foram considerados como tendo o óbito decorrente de distocia. Processos como enterites, artrites, onfaloflebites, meningites, pneumonias, abscessos e outras infecções identificavam animais mortos por infecções neonatais. Escherichia coli e Eimeria spp foram identificadas mediante de exames bacteriológicos e parasitológicos de fezes, respectivamente. Animais com sinais clínicos de anorexia, extrema debilidade, incoordenação, paresia seguida de paralisia flácida que afeta os quatro membros, com histórico de superalimentação e que na necropsia apresentaram abomaso repleto com leite coagulado e de mucosa com áreas de hemorragias petequiais difusas, tiveram como diagnóstico a síndrome do cabrito mole (floppy kid). Defeitos congênitos considerados letais classificavam as mortes por malformações.

Em cada propriedade onde foram coletados cabritos mortos foi, também, realizada a observação do manejo utilizado, forma de criação e cuidados dispensados aos recém nascidos e as fêmeas gestantes.

RESULTADOS

Os resultados obtidos estão demonstrados nos Quadros 1 a 3.




No Quadro 1 estão registradas as principais causas de mortes perinatais e a média de peso dos cabritos. Observa-se que a infecção neonatal foi responsável por 59 (50%) das mortes. Dentre as infecções diagnosticadas foram identificados 21 casos de diarréia e/ou enterite; 7 destes 21 casos foram causados por Eimeria spp. Os demais casos de diarréia e/ou enterite não tiveram os agentes identificados, sendo desta forma considerado apenas o diagnóstico nosológico. A infecção umbilical e a conseqüente poliartrite foram responsáveis por 13 das infecções neonatais. Doze casos de afecções respiratórias (pleurites e broncopneumonias), 4 casos de septicemia por Escherichia coli, 4 casos de enfermidades hepáticas (hepatite multifocal e hepatomegalia) e casos isolados de meningite, septicemia, pericardite, cistite e hidrotórax também foram registrados.

A distocia foi responsável por 15 (12,71%) das mortes. A terceira causa de mortalidade, 14 mortes (11,86%) foi o complexo hipotermia/inanição. A média de peso dos cabritos mortos por este complexo foi de (1,524 kg) sendo inferior à média de peso dos cabritos mortos pelas demais causas (2,110 kg).

As malformações foram responsáveis por 9 mortes (7,62%) do total de cabritos estudados. Os tipos de malformações estão demonstrados no Quadro 2.

A síndrome do cabrito mole foi responsável por 8 (6,77%) das mortes.

Oito cabritos (6,77%) dos 118 cabritos necropsiados ficaram sem diagnóstico por não apresentarem lesões macroscópicas e microscópicas compatíveis com nenhuma enfermidade.

O número de mortes decorrentes de abortos foi de apenas 2 animais o que corresponde a um percentual de 1,69% das mortes.

No Quadro 3 utilizando-se sinais de viabilidade e sobrevivência fetal, foi feita uma classificação das mortes de acordo com o momento de ocorrência.

Os cabritos necropsiados eram provenientes, na sua maioria, de propriedades de criação extensiva. Não havia estação de monta definida, os machos permaneciam com as fêmeas durante o ano todo e não havia dados reprodutivos. Também não havia separação por faixa etária ou estado fisiológico (gestação ou lactação). Em nenhuma fazenda não existia a prática de desinfecção do umbigo, e em algumas fazendas de produção de leite os cabritos eram alimentados com quantidades insuficientes de leite.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A maior ocorrência de infecções neonatais como causa de mortes perinatais em cabritos no semi-árido pode ter sido decorrente de fatores, na sua maioria, relacionados com falhas de manejo, principalmente dos recém-nascidos, independente do sistema de criação utilizado. Gouveia (1993) considerou o efetivo de caprinos no Brasil distribuído em dois grupos distintos: (1) um sistema tradicional de criação, de grande importância social, e (2) um sistema tecnificado que vem sendo trabalhado como agronegócio; no entanto, os dois sistemas apresentavam como característica comum o desconhecimento sobre manejo sanitário.

Entre as falhas de manejo observadas neste estudo podemos destacar: o fornecimento inadequado de colostro, superlotação, presença de animais de diferentes faixas etárias nos mesmos lotes e instalações inadequadas para parição. Esses fatores levam ao nascimento dos cabritos em ambientes sujos predispondo-os a riscos maiores de infecções, principalmente se considerarmos que, devido a sua natureza placentária, os neonatos nascem desprovidos de imunidade. A ingestão tardia ou insuficiente de colostro pode ter levado os animais à condição "falha na transferência passiva de imunidade". Feitosa (1998) constatou um maior número de mortes por broncopneumonia e enterite de origem infecciosa em bezerros com baixos teores de imunoglobulinas séricas. Níveis apropriados destas imuno-globulinas asseguram também melhor proteção contra doenças infecciosas em cabritos (Vihan 1988, O' Brien & Sherman 1993).

As diarréias e enterites foram freqüentes dentre as infecções, sendo a eimeriose diagnosticada em propriedades de exploração leiteira, nos cabritos confinados em cabriteiros e no pós-parto tardio. Resultados semelhantes foram identificados por Smith & Sherman (1994) que se referiram a eimeriose como causa mais comum de diarréia em cabritos entre 3 semanas e 5 meses de idade, particularmente quando os caprinos são confinados em grupos.

A falta de tratamento do umbigo ou a realização deste de forma inadequada, com a utilização de iodo apenas uma vez ou o uso de repelentes, condição verificada em quase todas as propriedades, e a má nutrição das crias, cujas mães são utilizadas para produção de leite, leva os cabritos a condições de estresse que também predispõem às infecções neonatais.

Não existem no Brasil estudos sobre causas de mortalidade perinatal em cabritos, porém, Nóbrega Jr et al. (2005) também identificaram as infecções neonatais como a principal causa de mortalidade perinatal em cordeiros no Estado da Paraíba. Tais resultados diferem dos obtidos em várias partes do mundo, inclusive nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, em que o complexo hipotermia/inanição é o maior responsável pela mortalidade perinatal em cordeiros (Dennis 1974, Méndez et al. 1982, Oliveira & Barros 1982, Bekele et al. 1992, Montenegro et al. 1998).

O número de cabritos mortos por distocias provavelmente deve estar associado à falta de um adequado manejo reprodutivo. A inexistência de estação de monta, com a presença do macho junto às fêmeas durante todo o ano, impede a concentração das parições em determinada época, dificultando a supervisão no momento do parto e permitindo a cobertura de fêmeas que ainda não atingiram a maturidade reprodutiva, o que compromete o desenvolvimento da pelve predispondo a partos distócicos.

Oliveira & Barros (1982) demonstraram que o alto peso ao nascimento assume maior importância entre as mortes por distocia. No entanto, na região semi-árida observou-se que a maioria dos casos de distocia não está associada com o alto peso ao nascimento (Quadro 1). Provavelmente, a alta prolificidade característica das cabras naturalizados no semi-árido, leva a gestações múltiplas e desfavorece a adequada estática fetal predispondo também as distocias, uma vez que 10 (66,66%) das mortes por distocia estiveram associadas a partos múltiplos. A ocorrência de malformações congênitas como a artro-gripose, também predispõe a alteração da estática fetal. Dentre as mortes ocasionadas por distocia 3 (20%) apresentaram malformações ósseas caracterizadas por flexão dos membros anteriores.

Na maioria das propriedades visitadas não havia um manejo nutricional diferenciado para as cabras em final de gestação e lactação. Observa-se assim que os neonatos apresentam baixo peso ao nascer e as mortes pelo complexo hipotermia/inanição podem estar associadas às condições corpóreas da cabra no final da gestação. Observações semelhantes foram feitas por Guimarães Filho et al. (1982) no Estado de Pernambuco. A média de peso dos cabritos, mortos pelo complexo hipotermia/inanição (1,524 kg), foi inferior à média de peso dos cabritos mortos pelas demais causas (2,110 kg), demonstrando a importância do peso ao nascimento como um dos fatores envolvidos nas mortes por este complexo. O baixo peso ao nascer é consistentemente identificado na literatura como o fator que mais contribui com a mortalidade nas fases iniciais de vida (Morhand-Fehr et al. 1984). Oliveira & Barros (1982) e Méndez et al. (1982) no Rio Grande do Sul também consideraram que o baixo peso dos cordeiros ao nascimento favorece as mortes pelo complexo hipotermia/exposição. Os cordeiros menores, por sua maior superfície de pele com relação ao peso, têm mais perda de calor que os maiores (Riet-Correa et al.1979), provavelmente, situação semelhante ocorre em cabritos.

Fatores genéticos e partos múltiplos podem, também, influenciar no baixo peso ao nascer. No semi-árido Paraibano a alta prolificidade das cabras pode levar ao nascimento de cabritos pequenos, predispondo às mortes pelo complexo hipotermia/inanição. Segundo Sherman (1987) os partos múltiplos estão associados com a diminuição da viabilidade fetal por que duas razões primárias: a medida que o número de crias aumenta o peso ao nascer das crias diminui, e o aumento no número de crias ultrapassa a capacidade de raças não leiteiras de fornecer colostro e leite em quantidades adequadas para as crias. Desta forma pode ocorrer diminuição na produção de calor como resultado de desnutrição. Guimarães Filho et al. (1982) considerou, também, que a insuficiente produção leiteira das matrizes sem raça definida na região Nordeste favorece ao alto índice de mortalidade das crias.

É comum observar em cordeiros mortos pelo complexo hipotermia/inanição a metabolização das gorduras de reserva, que são quase totalmente compostos pelo tecido adiposo marrom e que tem importante função na termorregulação. Porém, no semi-árido paraibano, apesar da pouca reserva de gordura observada nos cabritos, que pode estar associada à má nutrição das mães no final da gestação, a gordura não sofreu processo de metabolização, provavelmente pela temperatura mais elevada das regiões tropicais.

A temperatura ambiente abaixo da qual um animal necessita aumentar a produção metabólica de calor para manter o equilíbrio térmico é chamada de temperatura crítica inferior. Estimativas da temperatura crítica inferior de cordeiros são de 37 e 32 ºC para os cordeiros leves (2kg) e pesados (5kg), respectivamente, imediatamente após o nascimento (Radostits et al. 2002). Apesar das mortes pelo complexo hipotermia/inanição neste trabalho estarem, provavelmente, associadas ao baixo peso ao nascimento, a temperatura não deve ser desconsiderada, pois na região do Cariri Paraibano, especialmente no período de abril a julho, a temperatura ambiental no período noturno fica abaixo da temperatura crítica inferior.

A artrogripose é uma malformação freqüente em praticamente todos os rebanhos de caprinos do semi-árido. Outras malformações freqüentes são as que afetam os ossos da face como o bragnatismo e a fenda.palatina (Riet-Correa et al. 2004). A artrogripose é um tipo de malformação decorrente da redução dos movimentos fetais que pode ser causada por plantas tóxicas. O movimento fetal restrito resulta na fixação artrogripótica dos membros (Gardner et al. 1998).

No estado da Paraíba pesquisa desenvolvida com 4 cabras ingerindo jurema-preta (Mimosa tenuiflora Benth.) durante toda a gestação levou ao nascimento de 3 cabritos (75%) com malformações como fenda palatina, dermóide ocular e estenose do intestino (Luciano Pimentel & Franklin Riet Correa 2004, Centro de Saúde e Tecnologia Rural, UFCG, comunicação pessoal) sugerindo que esta planta pode estar envolvida nas malformações observadas neste trabalho. A jurema-preta é uma planta xerófila típica da região semi-árida brasileira, com ocorrências desde o Ceará até a Bahia (Silva & Medeiros 2003).

A síndrome do cabrito mole também esteve envolvida em mortes no Estado da Paraíba. A enfermidade ainda não teve sua etiologia bem definida, afeta cabritos de 3 a 10 dias de idade e se caracteriza clinicamente por depressão profunda, paralisia flácida, abdômen dilatado e acidose metabólica sem desidratação, observando-se nas necropsias abomaso dilatado, com grande quantidade de leite e áreas de hemorragias na mucosa (Riet-Correa et al. 2004).

Apesar do baixo percentual de abortos é comum o relato de ocorrência destes em diversas propriedades, podendo esta causa de mortalidade estar sendo subestimada. Alguns produtores associam os abortos à ingestão de plantas tóxicas. Pesquisas realizadas demonstram que Aspidosperma pyricollum comum na caatinga e conhecido popularmente por pereiro, está envolvido na ocorrência de abortos em caprinos (Medeiros et al. 2004).

Em propriedades no estado da Paraíba, nos municípios de São Mamede e Taperoá, nas quais ocorreram surtos de aborto, levantou-se a possibilidade destes terem origem infecciosa e foi feito levantamento sorológico para toxoplasmose, porém não foi identificadas associações entre os animais que abortaram e os que tiveram sorologia positiva (Riet Correa et al. 2003).

Nos resultados obtidos não houve registro de predação, apesar de relatos de caprinocultores sobre mortes de cabritos por aves, raposas e cães. No Nordeste do Brasil, Guimarães Filho (1982) considerou que a ação de animais predadores é um fator envolvido, também, nos elevados índices de mortalidade em cabritos. De acordo com Sherman (1987) a predação por raposas, porcos selvagens e cães é comum, especialmente em manejos extensivos, causando perdas neonatais significativas.

No Quadro 3 observa-se que 40 (33,88%) das mortes ocorreram durante o parto ou no pós-parto imediato, decorrentes, principalmente, do complexo hipotermia/inanição, pouco vigor dos neonatos em virtude do baixo peso ao nascer e traumas resultantes de distocias. O maior registro de mortes, 76 (64,40%), ocorreu no pós-parto dilatado e tardio, associado, principalmente, às infecções neonatais, especialmente as afecções digestivas, respiratórias e umbilicais mostrando a necessidade de considerar os 28 primeiros dias de vida como período crítico para a sobrevivência dos cabritos.

Devemos concentrar esforços para controlar as três principais causas identificadas de mortalidade perinatal: (1) as infecções neonatais, mediante um bom manejo sanitário do rebanho e fornecimento do colostro nas 6 primeiras horas de vida, (2) as distocias, adotando um manejo reprodutivo e dando mais atenção às cabras na época das parições, e (3) o complexo hipotermia/inanição suplementado as cabras prenhes, principalmente no terço final da gestação, quando houver pouca disponibilidade de forragem.

Agradecimentos.- Projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq Proc.470964/2003-0).

Recebido em 7 de março de 2005.

Aceito para publicação em 14 de abril de 2005.

Parte da tese de mestrado do primeiro autor no programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária de Pequenos Ruminantes, Centro de Saúde e Tecnologia Rural (CSTR), Universidade Federal e Campina Grande (UFCG), Campus de Patos.

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    Autor para correspondência. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      07 Mar 2005
    • Aceito
      14 Abr 2005
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