Open-access Indicadores de qualidade e composição de leite informal comercializado na região Sudeste do Estado de São Paulo

Indicators of quality and composition of informal milk marketed in the in the Southeast region of São Paulo, Brazil

Resumo:

O leite informal é reconhecido como o produto comercializado sem inspeção. Avaliou-se a qualidade microbiológica, constituintes nutricionais e presença de substâncias inibidoras do crescimento bacteriano em 100 amostras informais de leite de vacas, comercializadas na região sudoeste do estado de São Paulo, Brasil. Verificou-se que 77% da Contagem de Células Somáticas (CCS) e 86% da Contagem Bacteriana Total (CBT) das amostras estavam em desacordo com os valores máximos exigidos pela Instrução Normativa 62 do MAPA. Identificaram-se teores em desacordo para sólidos totais (36%), proteína (23%), gordura (38%), extrato seco desengordurado (43%) e nitrogênio uréico (73%). Em 59% das amostras detectou-se a presença de resíduos de inibidores do crescimento bacteriano. Isolaram-se 240 linhagens de micro-organismos com predomínio de enterobactérias, estreptococos, estafilococos e fungos. O leite informal é comercializado na região sem as mínimas condições de higiene e oferece riscos a saúde pública, além de representar sério problema sócio-econômico para região.

Termos de indexação: Vaca; mastite; Instrução Normativa 62; inibidores; CBT; celularidade; leite informal

Abstract:

The informal milk is recognized as the product marketed without inspection. We evaluated the microbiological quality, nutritional ingredients and substances inhibiting bacterial growth in 100 informal samples from cows milk, marketed in the southwest region of the state of São Paulo, Brazil. It was found that 77% of Somatic Cell Count (SCC) and 86% of Total Bacterial Count (TBC) of the samples were at odds with the maximum values required by Instruction Rules 62 of the Ministry of Agriculture and Livestock Supply. It was identified to solids contents in disagreement (36%), protein (23%), fat (38%), nonfat dry extract (43%) and 73% urea nitrogen. In 59% of the samples was detected residues of the bacterial growth inhibitors. Were isolated 240 strains of micro-organisms with a prevalence of enterobacteria, streptococci, staphylococci and fungi. The informal milk is marketed in the region without the minimum hygienic conditions and present risks to public health, and represents serious socio-economic problem for the region.

Index terms: Cow; mastitis; Instruction Rules 62; inhibitory; TBC; cellularity; informal milk

Introdução

A exploração leiteira é praticada em todo o Brasil, em cerca de 1 milhão de propriedades rurais. Somente na produção primária, a atividade gera acima de três milhões de empregos e agrega mais de seis bilhões ao valor da produção agropecuária nacional (IBGE 2014). Com efeito, tem-se observado no país grande preocupação em avaliar os principais indicadores de qualidade do leite (CCS, CBT, presença de resíduos) e dos constituintes do produto (gordura, proteína, lactose, extrato seco desengordurado, sólidos totais), balizados pela Instrução Normativa no. 62 do MAPA (IN-62) com o intuito de salvaguardar a qualidade final do leite e derivados oferecidos ao consumidor, assim como aumentar a competitividade do país no cenário de produção láctea (Brasil 2012).

Estima-se que cerca de 20 a 30% da produção de leite bovino no Brasil seja comercializada sem inspeção sanitária, ou tratamento térmico adequado (Almeida et al. 1999, Freitas Filho et al. 2009, Vianna 2009). Este produto é denominado "leite informal" e é comercializado em utensílios plásticos ou de vidro elaborados para outros produtos, como refrigerantes (Vianna 2009, Vidal-Martins et al. 2013). Apesar da irregularidade na comercialização do leite informal, são escassas as informações sobre a presença de micro-organismos, toxinas, resíduos de antimicrobianos, contagens bacterianas totais e de células somáticas, bem como dos constituintes nutricionais e físico-químicos (Langoni et al. 2011, Vidal-Martins et al. 2013). A ausência de informações de qualidade deste produto expõe a população ao consumo de leite com baixa qualidade, aos riscos de reações orgânicas indesejáveis, além de veicularem toxinas e micro-organismos com potencial zoonótico (Almeida et al. 1999, Vasconcelos & Itto 2011).

O consumo de leite "in natura", sem qualquer tratamento térmico, é comum no interior do estado de São Paulo e em outras regiões do país, devido à crença popular que este tipo de leite seja "mais rico" em nutrientes e vitaminas e, principalmente, pelo baixo custo, pois é consumido principalmente pela população de menor poder aquisitivo (Freitas Filho et al. 2009). Não há garantia de que os padrões físico-químicos e microbiológicos do leite estabelecidos pela IN 62 (Brasil 2012) sejam mantidos pelos produtores e comerciantes informais, visto que a fiscalização sobre este tipo de produto é incipiente. Especula-se ainda que o consumo do leite informal ou clandestino tem crescido também na parcela da população de maior poder aquisitivo, cuja justificativa estaria relacionada ao consumo de produto natural, íntegro, com seus constituintes em proporções brutas preservadas e sem a presença de produtos químicos ou conservantes (Montanhini & Hein 2013). Entretanto, a marginalização desta produção, do comércio e a ausência de inspeção e tratamento térmico do leite informal, favorecem condições para fraudes e adulterações do produto, posto que este leite não é submetido a qualquer exigência de análise da qualidade organoléptica, composicional e microbiológica (Vidal-Martins et al. 2013).

O presente estudo investigou os principais indicadores de qualidade, constituintes nutricionais, presença de micro-organismos e detecção de substâncias inibidoras do crescimento bacteriano em amostras de leite de vacas, comercializados informalmente na região Sudeste do estado de São Paulo.

Material e Métodos

As amostras de leite informal foram obtidas na bacia leiteira do sudoeste do estado de São Paulo, contemplando os municípios de: Angatuba, Arandu, Avaré, Bernardino de Campos, Buri, Capão Bonito, Cerqueira Cesar, Coronel Macedo, Fartura, Itaberá, Itatinga, Itaí, Itapeva, Itaporanga, Itapetininga, Itararé, Pardinho, Pirajú, Riversul, Sarutaiá, Taguaí, Taquarituba, Tejupá e Timburi.

Foram adquiridas 100 amostras de leite informal entre junho de 2013 a julho de 2014. Do total de amostras, 72 foram adquiridas em bares, mercearias, padarias e supermercados na região do estudo. As outras 28 foram obtidas em propriedades que realizavam a venda de leite diretamente no local, sem fiscalização. Nas 28 propriedades que comercializavam leite informalmente, foram obtidos também os dados gerais de produção, como tipo de assistência técnica, volume de leite produzido ao dia e número de vacas em lactação. No momento da aquisição do leite também foi avaliada a temperatura de conservação (ambiente ou refrigerada).

As amostras foram previamente homogeneizadas, coletadas somente uma vez, em frascos esterilizados tipo Falcon (15ml), visando o diagnóstico microbiológico e a detecção de inibidores da multiplicação de micro-organismos; e em recipientes plásticos adequados (50ml) para a contagem de células somáticas (CCS), contagem bacteriana total (CBT), composição química do leite (gordura, proteína, extrato seco desengordurado, sólidos totais e lactose), avaliação do nitrogênio uréico de acordo com as normas da Rede Brasileira de Qualidade do Leite. As amostras foram acondicionadas em caixas isotérmicas contendo gelo reciclável (4°C), e encaminhadas aos laboratórios para o respectivo processamento.

Contagem eletrônica de células somáticas (CCS). Todas as amostras de leite informal foram repassadas das garrafas de refrigerante recicladas, para os tubos apropriados de plástico, homogeneizadas com conservante celular de leite Bronopol (2-bromo-2-nitropropano-1,3-diol) e dispostas em caixas apropriadas, congeladas a -20°C (Brasil, 2012), visando à contagem eletrônica de células somáticas por citometria de fluxo, de acordo com as recomendações técnicas do equipamento. As análises de CCS foram realizadas na Clínica do Leite, ESALQ-USP/Piracicaba, SP. Foi considerado normal o leite com ≤ 200.000 CS/mL (Langoni et al. 2011). Os resultados do presente estudo foram comparados com a IN 62 do Brasil (Brasil 2012), vigente para o período de julho de 2013 a julho de 2014, que preconizava valor máximo de 600.000 céls/mL.

Contagem bacteriana total (CBT). Para avaliação da CBT, o material colhido foi adicionado em frasco apropriado contendo o Azidiol (azida sódica e cloranfenicol) e imediatamente congelado até o processamento na Clínica do Leite, ESALQ-USP/Piracicaba, SP, pelo método de citometria de fluxo. Os resultados do presente estudo foram comparados com a IN 62 do Brasil (Brasil 2012), vigente para o período de julho de 2013 a julho de 2014, considerando valor máximo de 600.000 UFC/mL.

Avaliação de resíduos de substâncias inibidoras da multiplicação de micro-organismos. Esta técnica foi realizada em todas as amostras de leite informal, utilizando "kit" comercial, conforme as recomendações do fabricante (Delvotest SP-NT) indicado para o diagnóstico dos principais grupamentos de antimicrobianos disponíveis em medicina veterinária a saber: penicilinas, cefalosporinas, tetraciclinas, macrolídeos, aminoglicosídeos, sulfas, florfenicol (Ribeiro 2008) bem como, a identificação dos antissépticos e desinfetantes os quais atrasam ou inibem a multiplicação de bactérias (Langoni et al. 2011). As amostras foram colhidas e acondicionadas em frascos esterilizados e congeladas (-20°C) até o processamento. A detecção de resíduos por este método utiliza ampolas de meio de cultura contendo Bacillus stearothermophilus var. calidolactis. O micro-organismo está disposto em ágar com indicador de pH, em áreas individuais, onde serão inoculadas as amostras de leite (0,1mL), e mantidos em temperatura de 64°C ±0,5 durante 3 horas, em banho-maria. Na ausência de substâncias inibidoras ocorre a multiplicação bacteriana, produção de ácido e alteração da cor original do indicador (de púrpura para amarelo). Após esse período, a presença de resíduos de substâncias inibidoras impedirá ou reduzirá a multiplicação do micro-organismo e o meio com indicador de pH permanecerá com coloração inalterada (azul), caracterizado como positivo. Na ausência de inibidores detectáveis pelo teste, o micro-organismo se multiplicará acidificando o meio, alterando sua cor para amarelo, resultado considerado negativo.

Análise da composição do leite. A análise dos constituintes do leite (gordura, proteína total, lactose, extrato seco, extrato seco desengordurado e nitrogênio uréico) foi realizada na Clínica do Leite, ESALQ-USP/Piracicaba, SP, pelo método de infravermelho.

Isolamento e identificação dos micro-organismos. Todas as amostras de leite foram semeadas (0,1mL) nos meios de ágar suplementado com sangue bovino (5%) desfibrinado e ágar MacConkey, em condições de aerobiose a 37°C, mantidas por 72 horas. Os micro-organismos foram classificados fenotipicamente segundo as características morfo-tintoriais, bioquímicas e de cultivo (Nero et al. 2005, Martinez & Trabulssi 2008, Quinn et al. 2011).

Análise estatística e universo amostral. O cálculo do tamanho amostral foi realizado de acordo com Daniel (2009), determinado pela fórmula:

N = tamanho da população (finita); P = prevalência estimada na população; d = margem de erro aceitável.

Com base neste cálculo foi necessária a coleta de 82 amostras de leite na região de estudo. Os resultados obtidos foram analisados no programa estatístico InfoStat, considerando intervalo de confiança de 95% e nível de significância para valores de P< 0,05.

Resultados e Discussão

Características de produção dos criatórios

Das propriedades que comercializavam leite informal na região do estudo 82,2% não possuíam nenhum tipo de assistência médico veterinária. Nos criatórios com assistência foi observada diferença estatisticamente significante (P<0,05) para a mediana de produção de leite de 6,1 Litros de leite\animal\dia contra 4,2 Litros de leite\animal\dia nos criatórios sem assistência. Esses dados demonstram a importância da assistência veterinária no aumento da produção de leite, mediante a implantação de medidas, visando à nutrição, sanidade, reprodução, manejo geral e de ordenha dos animais (Fonseca & Santos 2007). A produção média de 6,1 Litros de leite/vaca/dia encontrada neste estudo (Quadro 1), não se assemelha aos resultados obtidos por Faccioli (2010) em estudo realizado na bacia leiteira da região de Botucatu com tanques de expansão, onde encontrou média de produção 8,42 Litros de leite\vaca\dia. Estes resultados confirmam a baixa produção de leite da região estudada, cerca de 4 a 6 vezes menor que a de outros países como EUA, Holanda e Nova Zelândia, indicando a necessidade de controle da mastite e adoção de outras medidas para o aumento da produção média de leite de vacas na região estudada (Langoni et al. 2011). Foi observado que 45% do leite informal amostrado, encontrava-se armazenado em temperatura ambiente no momento da comercialização. Esses resultados são semelhantes aos apresentados por Liro et al. (2011) que afirmaram que 38% (59/155) de seus entrevistados no município de Petrolina - PE adquiriram leite por meios informais e que estas amostras quando adquiridas em feiras livres estavam armazenadas em caixas de isopor e/ou a temperatura ambiente.

Quadro 1:
Medidas descritivas das variáveis quantitativas, da produção diária das propriedades (Litros), número de animais em lactação e produção média (Litros\vaca\dia), em amostras de leite comercializadas informalmente na região sudeste do estado de São Paulo, 2014

Contagem de células somáticas (CCS) e contagem bacterina total (CBT)

Foi verificado que 77% das amostras de leite informal na região estudada estavam em desacordo com os valores máximos de CCS exigidos pela IN 62 (Quadro 2), limitados em 600.000 céls/mL na época do estudo. Os valores da CCS oscilaram entre 145.000 e 9.315.000 céls/mL. A alta celularidade do leite de vacas também foi reportada por Nero et al. (2005) em diferentes estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.

Quadro 2:
Valor mínimo, percentil 25, mediana, percentil 75 da contagem de células somáticas e contagem bacteriana total em amostras de leite de vacas informalmente comercializados na Região Sudeste de estado de São Paulo, 2014

Dentre os parâmetros utilizados na avaliação da qualidade do leite de vacas, destaca-se a contagem de células somáticas. A alta celularidade no leite é ocasionada, principalmente, por deficiências no manejo higiênico da ordenha que resultam na ocorrência de mastite e, secundariamente, relacionada a outros fatores como: à fase da lactação, idade e raça do animal (Fonseca & Santos 2007, Langoni et al. 2011).

A CCS do tanque é um indicativo da ocorrência de mastite subclínica no rebanho (Arcuri et al. 2006, Liro et al. 2011). Além disso, está ligada também às condições higiênicas de produção de leite e à qualidade/rendimento industrial da fabricação dos derivados lácteos (Vidal-Martins et al. 2013). Desta forma, a CCS está intimamente associada com a qualidade do leite, determinando prejuízos aos produtores e à indústria processadora, além de impor restrições à comercialização do produto e derivados no mercado internacional (Arcuri et al. 2006, Vidal-Martins et al. 2013). Segundo estudos de Langoni et al. (2011) a CCS é aceita internacionalmente como medida padrão para determinar a qualidade do leite. No presente estudo, o elevado número de amostras fora dos limites máximos de CCS permitidos pelo MAPA (Brasil 2012), é atribuído ao aproveitamento do leite de vacas portadoras de mastite, o qual não foi submetido a nenhum sistema de inspeção oficial, reforçando os resultados obtidos por Vidal-Martins et al. (2013).

Foi observado que 86% das amostras de leite informal estão em desacordo com a IN 62 (Quadro 2), que prevê a produção de leite com CBT máximo em 600.000 UFC/mL. Estudos similares Nero (2007) e Villa (2007) em diferentes regiões do Brasil, também encontraram valores de CBT acima do permitido pela IN 62, em amostras de leite comercializadas informalmente no país. Na região sudoeste do estado de São Paulo foi descrito que em tanques coletivos a CBT é o principal aspecto em desacordo com a IN 62 (Faccioli 2010). Altas contagens bacterianas foram um dos parâmetros com maiores irregularidades encontrados no presente estudo. A elevada CBT é reflexo de deficiências nas condições de higiene das instalações, dos animais e, principalmente, dos equipamentos e utensílios utilizados na ordenha. Ainda, está relacionada à ineficiente refrigeração do leite até o momento da coleta pelas indústrias de beneficiamento (Santos 2006). A adoção do pré dipping é considerada efetiva para a obtenção do leite com baixa carga microbiana inicial, pois esta prática contribui significativamente para a redução dos micro-organismos contaminantes que elevam a CBT no tanque, entretanto, este procedimento não é realizado na maioria dos criatórios que comercializam informalmente o leite na região (Faccioli 2010; Vidal-Martins et al. 2013).

Os resultados de CBT e CCS no presente estudo são alarmantes, do ponto de vista de saúde pública, posto que o leite informal não é submetido a nenhum tipo de tratamento térmico que garanta a segurança microbiológica do produto final. Ressalta-se que inquéritos realizados com consumidores do leite informal, revelaram que na maioria das vezes, os consumidores não têm conhecimento dos riscos inerentes à ingestão deste produto sem tratamento térmico, comercializado sem fiscalização sanitária (Bersot et al. 2005, Vidal-Martins et al. 2013). Santos (2006) e Langoni et al. (2011) enfatizaram que a venda direta de leite cru para o consumidor ou qualquer derivado lácteo produzido com leite cru, é proibido no Brasil desde a década de 1970. De maneira similar, nos EUA, é considerada violação da lei federal comercializar leite cru na maioria dos estados, enquanto no Canadá é ilegal a venda de leite cru em todo país (Bersot et al. 2005, Villa 2007, Vidal-Martins et al. 2013). Desta forma, faz-se necessário orientar os consumidores sobre os riscos associados à ingestão do produto e derivados lácteos sem tratamento térmico prévio (Liro et al. 2011, Vidal-Martins et al. 2013). A demanda pelo consumo de leite cru no Brasil é um mercado em expansão (Villa 2007). As dificuldades em coibir a venda do leite informal repousam na venda do produto em carros, charretes, a cavalo, ou a pé em bares, mercearias ou de casa em casa nos municípios (Bersot et al. 2005, Villa 2007, Liro et al, 2011). Ademais, os consumidores em potencial do leite cru são sensíveis ao apelo do consumo de alimentos "mais naturais", "mais nutritivos", sem nenhum tipo de processamento industrial, com compra direta da fazenda e de melhor sabor (Vidal-Martins et al. 2013).

Principais constituintes do leite de vacas

O aumento dos teores de gordura do leite pode ser apenas relativo em virtude da redução dos demais componentes em processos inflamatórios da glândula mamária (Bueno et al. 2005). Porém, Santos (2006) descreveram que quando há diminuição da produção de leite proporcionalmente maior do que a diminuição da síntese de gordura, os teores de gordura aumentam devido à concentração. Contrariamente, Arcuri et al. (2006) e Liro et al. (2011) observaram redução dos teores de lipídeos no leite de animais com mastite do estado de Goiás. Santos (2006) sugeriu que a redução da concentração total de gordura no leite se deve à diminuição da capacidade de síntese de lipídeos pela glândula mamária com mastite.

Segundo a IN 62 (Brasil 2012) o leite com padrão de qualidade para o consumidor deve conter no mínimo 2,9% de proteína. Diferentes autores têm relatado aumento dos teores de proteína no leite de animais mastíticos (Santos 2003, Langoni et al. 2011). O aumento dos teores de proteína é creditado ao aumento das proteínas plasmáticas em decorrência da resposta inflamatória e também ao maior afluxo de substâncias do sangue para o leite (Santos 2006). Langoni et al. (2011) observaram teores maiores de proteína em amostras de leite colhidas de vacas com mastite, criadas em sistema convencional. Em contraste, Bueno et al. (2005) observaram redução dos teores de proteína do leite de vacas com mastite criadas em sistema convencional no estado de Goiás. A mediana para o teor de proteínas do leite no presente estudo foi 3,2% (Quadro 3), considerado dentro dos padrões mínimos exigidos pela IN 62 do MAPA (Brasil 2012). No entanto, foi observado que 23% das amostras apresentaram níveis de proteína menores que a exigência mínima estabelecida. Os resultados de gordura e proteína abaixo do mínimo estabelecido pela legislação podem ser reflexos da aguagem (diluição da gordura e proteína com água) ou da prática de desnate, uma vez que o creme (nata) tem valor de mercado maior que o do leite fluido, conforme recente estudo realizado por Montanhini & Hein (2013) com "leite informal" no estado do Paraná.

Quadro 3:
Principais constituintes do leite informal comercializado na região sudeste do estado de São Paulo, divididos em valor mínimo, percentil 25, mediana, percentil 75 e respectiva adequação a IN-62, 2014

Gonzalez et al. (2004) afirmaram que a lactose é o componente que menos varia no leite bovino. Arcuri et al. (2006) observaram pequena redução dos teores de lactose de leite colhido de tanques de expansão de propriedades convencionais. Na avaliação da qualidade do leite da bacia leiteira de Pelotas, RS, Gonzalez et al. (2004) observaram que os teores de lactose foram menores nos meses de março, abril e maio. Bueno et al. (2005) observaram que os valores de lactose foram inversamente proporcionais a CCS em vacas com mastite criadas em sistema convencional no estado de Goiás. No presente estudo a mediana da lactose foi 4,5%, embora, 40% das amostras avaliadas acusaram teor de lactose menor que 3,9%, em desacordo com a IN 62. A redução dos teores de lactose no leite pode estar relacionada com a alta prevalência de quartos mamários infectados por bactérias, ou mesmo por adulteração do leite pela adição de água (Santos 2003).

O nitrogênio uréico (NU) representa a porção de nitrogênio no leite na forma de uréia, o nível de NU no leite é diretamente proporcional aos teores de Nitrogênio do sangue (Lucci et al. 2006), sendo proporcionalmente relacionados (Beserra et al. 2009). A presença de baixos valores de NU indica dieta desbalanceada em energia e proteínas fornecida aos animais em lactação. Os teores do NU para as amostras de leite informal estão sumariados no Quadro 3. Foi constatado que 69% das amostras estudadas apresentaram valores abaixo de 10 mg/dl, resultado em desacordo, visto que os parâmetros normais situam-se entre 10 a 16mg/dl (Lucci et. al. 2006).

Pesquisa de resíduos de substâncias inibidoras da multiplicação de micro-organismos

Foi constatado que 59% do leite informal na região estudada encontrava-se em desacordo com a IN 62 do MAPA - Brasil 2012 (Quadro 4), que prevê a ausência de resíduos de substâncias inibidoras do crescimento bacteriano no leite de vacas no Brasil. A preocupação com a presença destes resíduos no leite de vacas criadas no Brasil tem sido foco de vários estudos nas últimas décadas (Nascimento et al. 2001, Serra 2004, Villa 2007). Barros et al. (2001) encontraram 38,5% das amostras de leite C pasteurizado de vacas, comercializadas na cidade de Salvador, com a presença de resíduos de antimicrobianos. Nascimento et al. (2001) encontraram 50% de amostras positivas para resíduos em leite de vacas comercializado em Piracicaba, SP. Biacchi et al. (2004) encontraram resíduos de antimicrobianos em 80% das amostras analisadas de leite do tipo B e 100% de leite C provenientes do Vale do Paraíba, SP. Tetzner et al. (2005), no Triângulo Mineiro, detectaram resíduos em 33,3% das amostras avaliadas. Nero et al. (2007) constataram resíduos em 11,4% das amostras de leite de vacas colhidas em quatro regiões leiteiras do Brasil.

Quadro 4:
Frequências absolutas (N) e relativas (%), e intervalos de confiança 95% (IC95%) para a presença de resíduos de antimicrobianos ou substâncias inibidoras da multiplicação de micro-organismos em amostras de leite informal, comercializados na região sudeste do estado de São Paulo 2014

No entanto, são escassos os estudos direcionados à detecção de resíduos de antimicrobianos em leite informal comercializado no Brasil. A presença de resíduos de antimicrobianos no leite pode causar efeitos indesejáveis aos humanos (Ribeiro 2008). Ademais, a presença de resíduos no leite de vacas causa problemas à indústria láctea, visto que pode prejudicar a produção de derivados, principalmente os obtidos pela fermentação do leite (Lucci et al. 2006; Montanhini & Hein 2013, Vidal-Martins et al. 2013).

A presença de resíduos de antimicrobianos no leite informal constitui-se em desafio para os profissionais de saúde, pelo potencial nocivo dos resíduos aos humanos (Almeida et al. 2003). No presente estudo, 59% do leite informal acusou a presença de resíduos de antimicrobianos ou inibidores de multiplicação de micro-organismos. Esse resultado concorda com vários autores que também encontraram elevada prevalência de resíduos de amostras de antimicrobianos no leite cru comercializado em diversas regiões do Brasil (Almeida et al. 1999, Badini et al. 1997, Barros et al. 2001, Bersot et al. 2005, Arcuri et al. 2006, Soares et al. 2010, Montanhini & Hein 2013).

Vários fatores podem influenciar a qualidade do leite para o consumo humano no que tange à sua inocuidade, como a contaminação por agentes microbianos, presença de resíduos de antimicrobianos e os resultantes de ações fraudulentas, com o intuito de lesar o consumidor, aumentando o lucro de venda do produto (Villa 2007, Soares et al. 2010, Montanhini & Hein 2013). Assim, as atitudes frente à coibição do leite informal devem ser embasadas na legislação vigente, embora sua implementação deverá ser de maneira gradual, visto que o leite comercializado informalmente no país ainda represente 20 a 30% da produção nacional ou aproximadamente 900 milhões de litros por ano (Villa 2007, Langoni et al. 2011, Vidal Martins et al. 2013, IBGE 2014).

Cultivo microbiológico

Foram isolados e identificados 240 linhagens de micro-organismos com predomínio dos gêneros Staphylococcus, Streptococcus e enterobactérias, seguidos em menor frequência por actinomicetos, certos grupos de bactérias gram-negativas e fungos. Obteve-se isolamento microbiológico em 98 amostras (98%) do leite informal estudado (Quadro 5).

Quadro 5:
Gêneros de micro-organismos isolados em amostras de leite comercializadas informalmente na região sudeste do estado de São Paulo, 2014

Os micro-organismos isolados foram: Staphylococcus aureus(3,33%), Streptococcus bovis (5,00%), Streptococcus agalactiae (7,50%), Streptococcus dysgalactiae(7,08%), Escherichia coli (18,75%), Enterobacter cloacae (10,42%), Klebsiella oxytoca (5,41%), Klebsiella pneumoniae (4,16%), Enterobacter aerogenes (0,41%), Serratia marcescens (0,83%), Enterobacter aglomerans (2,91%), Proteus mirabilis (2,50%), Nocardia asteroides (1,66%), Pasteurella multocida (0,83%), Pseudomonas aeruginosa (1,66%).

Concomitantemente, nas amostras de "leite informal" houve o isolamento de alta percentagem de linhagens de fungos, leveduras e algas aclorofílicas as quais podem ser distribuídas: Aspergillus sp (6,60%), Candida sp (8,33%), Geotrichum sp (5,83%), Trichophyton sp (7,08%) e Prototheca zopfii (0,41%).

As enterobactérias foram o grupo de micro-organismos isolados com maior frequência no leite amostrado. A alta prevalência de enterobactérias no leite informal e em tanques de expansão são indicativos de falta de higiene no momento da ordenha, particularmente na limpeza e desinfecção dos tetos dos animais, deficiência na higienização das ordenhadeiras, da mão dos ordenhadores, tanques e utensílios de armazenado e transporte do leite (Vasconcelos & Ito 2011, Montanhini & Hein 2013). Sinaliza, também, deficiências na profilaxia de agentes ambientais de mastite, que incluem a adoção de pré-dipping, evitar acúmulo de matéria orgânica no ambiente entre as ordenhas e o não oferecimento de alimentação após o término da retirada do leite (Santos 2006, Ribeiro 2008, Langoni et al. 2011). Estes micro-organimos também apresentam potencial patogênico à saúde pública e, comumente, estão relacionados com a deterioração do leite e derivados lácteos, conforme estudos realizados por Langoni et al. (2011), Vasconcelos & Ito (2011), Vidal-Martins et al. (2013) e Montanhini & Hein (2013).

A elevada ocorrência de enterobactérias no leite informal é altamente preocupante no contexto de saúde pública. Este grupo de micro-organismos está intimamente associado a processos de infecção e toxi-infecções alimentares em humanos veiculadas pelo leite e derivados lácteos, principalmente nos produtos não submetidos ao tratamento térmico (Langoni et al. 1998, Acha & Szyfres 2001, Langoni et al. 2011 e Montanhini & Hein 2013). Estes resultados enfatizam a necessidade de orientação dos produtores da região com tanques de expansão para as boas práticas de ordenha higiênica (Langoni et al. 2011, Montanhini & Hein 2013). Indicam, também, a necessidade de orientação da população quanto aos riscos do consumo do leite informal, assim como a importância de investimentos e políticas públicas, visando possibilitar ao pequeno produtor de leite informal condições de sair da marginalidade do comércio de leite, com vistas a garantir a inspeção e o tratamento térmico deste leite oferecido ao consumidor no Brasil (Liro et al. 2011, Vasconcelos & Ito 2011, Montanhini & Hein 2013).

A baixa qualidade do leite comercializado informalmente no Brasil também tem sido identificada em estudos pontuais que avaliaram o perfil microbiológico do leite cru entregue às plataformas dos laticínios em diferentes regiões do país (Serra 2004, Nero 2007, Villa 2007, Vidal-Martins et al. 2013, Montanhini & Hein 2013).

Conclusões

Na região Sudeste do Estado de São Paulo os módulos de produtores de leite informal foram constituídos por pequenos e médios produtores com baixo nível de tecnificação, carentes de assistência veterinária especializada;

O leite informal é comercializado na região com condições inadequadas de higiene e oferece riscos à saúde pública, além de representar sério problema sócio-econômico para região;

O nitrogênio uréico foi o constituinte que mais oscilou, indicando dieta desequilibrada dos animais, refletindo diretamente no baixo nível de tecnificação e assistência profissional na região estudada;

A CCS e CBT encontraram-se em grande número de amostras em desacordo com a IN 62, como provável reflexo de leite proveniente de vacas com mastite, em condições inadequadas de ordenha, com deficiência na conservação e armazenamento do leite;

A presença de substâncias inibidoras do crescimento bacteriano nas amostras de leite avaliadas alerta para os riscos em saúde pública do consumo de leite e derivados destas propriedades, o descumprimento desta exigência da IN 62 e a necessidade do uso racional de antimicrobianos nos animais;

A elevada ocorrência de micro-organismos no leite informal amostrado, particularmente enterobactérias e fungos, indica contaminação fecal e precárias condições de armazenamento do leite comercializado informalmente na região

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Aceito
    12 Abr 2015
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