Resumos
O objetivo deste trabalho foi caracterizar química e fisicamente batatas minimamente processadas durante o armazenamento refrigerado. Batatas (Solanum tuberosum, L.) ágata e monalisa foram minimamente processadas como minibatatas. Após o processamento, as batatas foram acondicionadas sob vácuo parcial e, posteriormente, armazenadas em câmaras frias a 5 e 15ºC, por nove dias. A cada três dias, foram avaliadas as seguintes variáveis: firmeza, atividade da polifenoloxidase e peroxidase, açúcares solúveis totais, amido e vitamina C total. Nas batatas armazenadas a 15ºC, constatou-se que, após nove dias de armazenamento, sua firmeza era 3,3 vezes menor em batatas monalisa e 4,3 vezes menor para a cultivar ágata, quando comparadas com o produto recém-processado. A atividade da polifenoloxidase mostrou-se praticamente estável em batatas monalisa armazenadas a 5ºC. Batatas monalisa minimamente processadas apresentaram maior atividade da peroxidase a 5ºC, sendo 86% maior do que a atividade desta enzima em batatas ágata ao final do período experimental. O teor inicial de açúcares solúveis totais nas batatas minimamente processadas era 28% maior na cultivar monalisa, quando comparada com tubérculos de ágata. As duas cultivares apresentaram tendência de elevação do teor de amido nos primeiros três dias, para as duas temperaturas estudadas. Em ambas as cultivares, armazenamento a 5ºC possibilitou maior manutenção dos teores de vitamina C.
enzimas; processamento mínimo; peroxidase; polifenoloxidase; amido; açúcar
The present work was carried out aiming to evaluate chemical and physical characteristics of fresh-cut potatoes stored under 5 and 15°C. Potatoes, (Solanum tuberosum L.) ágata and Monalisa were minimally processed as baby potatoes. After processing, the material was packed under partial vacuum and stored at 5 and 15°C for nine days. Every three days tubers were evaluated for firmness, enzymatic activity (polyphenoloxidase and peroxidase), total soluble sugars, starch, and total vitamin C. After nine days of storage, monalisa and ágata potatoes stored under 15°C had a firmness that was 3.3 and 4.3 times lower than the same product right after processing. Polyphenoloxidase activity was approximately stable during the storage period for monalisa potatoes stored under 5°C. Fresh-cut monalisa potatoes had the highest peroxidase activity at 5°C, being 86% higher than ágata potatoes at nine days of storage. For total soluble sugars, monalisa potatoes had 28% more sugars than ágata right after processing. Both cultivars showed a tendency to increase starch content on the first three days of storage, for both temperatures studied. For both cultivars, it was verified that storage at 5°C allowed higher retention of total vitamin C content.
enzymes; minimal processing; peroxidase; polyphenoloxidase; starch; sugars
Caracterização química e física de batatas ágata e monalisa minimamente processadas
Chemical and physical characterization of fresh-cut potatoes
Lívia L. O. PineliI, *; Celso L. MorettiII; Gustavo C. AlmeidaIII; Josiana Z. SantosIII; Ana C. A. OnukiIV; Aline B. G. NascimentoIV
IPrograma de mestrado do Departamento de Nutrição. Universidade de Brasília (UnB) CEP 70910-900 Brasília (DF)
IILaboratório de Pós-colheita. Embrapa Hortaliças CEP 70359-970 Brasília (DF)
IIIDepartamento de Ciência dos Alimentos. Universidade Federal de Lavras (Ufla) CEP 37200-000 Lavras (MG)
IVFaculdade da Terra de Brasília CEP 72610-300 Brasília (DF) E-mail: liviapineli@yahoo.com.br
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi caracterizar química e fisicamente batatas minimamente processadas durante o armazenamento refrigerado. Batatas (Solanum tuberosum, L.) ágata e monalisa foram minimamente processadas como minibatatas. Após o processamento, as batatas foram acondicionadas sob vácuo parcial e, posteriormente, armazenadas em câmaras frias a 5 e 15ºC, por nove dias. A cada três dias, foram avaliadas as seguintes variáveis: firmeza, atividade da polifenoloxidase e peroxidase, açúcares solúveis totais, amido e vitamina C total. Nas batatas armazenadas a 15ºC, constatou-se que, após nove dias de armazenamento, sua firmeza era 3,3 vezes menor em batatas monalisa e 4,3 vezes menor para a cultivar ágata, quando comparadas com o produto recém-processado. A atividade da polifenoloxidase mostrou-se praticamente estável em batatas monalisa armazenadas a 5ºC. Batatas monalisa minimamente processadas apresentaram maior atividade da peroxidase a 5ºC, sendo 86% maior do que a atividade desta enzima em batatas ágata ao final do período experimental. O teor inicial de açúcares solúveis totais nas batatas minimamente processadas era 28% maior na cultivar monalisa, quando comparada com tubérculos de ágata. As duas cultivares apresentaram tendência de elevação do teor de amido nos primeiros três dias, para as duas temperaturas estudadas. Em ambas as cultivares, armazenamento a 5ºC possibilitou maior manutenção dos teores de vitamina C.
Palavras-chave: enzimas, processamento mínimo, peroxidase, polifenoloxidase, amido, açúcar.
SUMMARY
The present work was carried out aiming to evaluate chemical and physical characteristics of fresh-cut potatoes stored under 5 and 15°C. Potatoes, (Solanum tuberosum L.) ágata and Monalisa were minimally processed as baby potatoes. After processing, the material was packed under partial vacuum and stored at 5 and 15°C for nine days. Every three days tubers were evaluated for firmness, enzymatic activity (polyphenoloxidase and peroxidase), total soluble sugars, starch, and total vitamin C. After nine days of storage, monalisa and ágata potatoes stored under 15°C had a firmness that was 3.3 and 4.3 times lower than the same product right after processing. Polyphenoloxidase activity was approximately stable during the storage period for monalisa potatoes stored under 5°C. Fresh-cut monalisa potatoes had the highest peroxidase activity at 5°C, being 86% higher than ágata potatoes at nine days of storage. For total soluble sugars, monalisa potatoes had 28% more sugars than ágata right after processing. Both cultivars showed a tendency to increase starch content on the first three days of storage, for both temperatures studied. For both cultivars, it was verified that storage at 5°C allowed higher retention of total vitamin C content.
Keywords: enzymes, minimal processing, peroxidase, polyphenoloxidase, starch, sugars.
1 - INTRODUÇÃO
A batata (Solanum tuberosum L.), quarto alimento mais consumido no mundo, é considerada um dos dez principais produtos agrícolas brasileiros e a hortaliça mais importante para a economia nacional, representando faturamento superior a R$ 1,4 bilhão [27]. Apesar da incontestável importância da cadeia da batata para o agronegócio brasileiro, a industrialização desta hortaliça é ainda incipiente em nível nacional, dando margem a um grande volume de importações do produto processado. O processamento mínimo tem sido uma das alternativas para agregar valor à batata brasileira e reduzir a importação do produto congelado.
Produtos minimamente processados podem ser definidos como frutas ou hortaliças, ou combinação destas, que tenham sido fisicamente alterados, mas que permaneçam no estado fresco [26]. No Brasil, a comercialização de batatas minimamente processadas ainda é incipiente. Atualmente, o produto pode ser encontrado na forma palito, embalado sob vácuo parcial, nas gôndolas de alguns supermercados. O maior problema encontrado neste tipo de produto é o "encharcamento" das embalagens e perda intensa da firmeza, provavelmente devido ao uso de cultivares com teores muito baixos de matéria seca predominantes na produção nacional e às temperaturas das gôndolas refrigeradas insuficientemente (em torno de 15ºC) para a manutenção das características dos produtos [37].
Apesar desses problemas, a tendência é a expansão do segmento, considerando-se o consumo per capita de batata no País de 14,3 kg/hab-1/ano-1 [19], aliada à sua importância na dieta brasileira e à comodidade e o frescor oferecidos pelos produtos minimamente processados. Outro fator favorável a essa expansão é o menor custo de implantação de unidades de processamento mínimo de batatas para fritura ou para cocção, quando comparado com o das unidades agroindustriais para produção de batatas pré-fritas congeladas [6]. Todavia, um possível entrave para a expansão do processamento mínimo de batatas refere-se a sua produção em escala, visto que o País consome mais de 80 mil ton de batatas pré-fritas congeladas, o que exigiria investimentos significativos em plantas de processamento mínimo de batatas [35].
Batatas minimamente processadas destinadas à fritura devem utilizar matéria-prima com teor de sólidos solúveis superior a 20% e teor de açúcares redutores menor do que 3% [6]. Esses atributos resultam em batatas fritas mais crocantes, secas e com menor ocorrência de escurecimento não-enzimático durante o aquecimento. Por outro lado, o processamento mínimo de batatas que se destinam à cocção não apresenta necessidades tecnológicas específicas, podendo-se utilizar qualquer cultivar para essa finalidade. Entretanto, os aspectos econômicos e de oferta ao longo do ano devem ser relevantes na escolha da matéria-prima.
No Brasil, atualmente, predomina a cultivar monalisa. A cultivar ágata é considerada promissora, em função da sua tuberização precoce, uniformidade e boa aparência dos seus tubérculos, atributo muito exigido pelos consumidores, e já se apresenta como a variedade de mais rápido crescimento em importância na bataticultura brasileira, ocupando, hoje, a segunda posição em área e produção [33]. Ambas são cultivares apropriadas para cocção, em virtude do seu baixo teor de matéria seca.
O processamento mínimo de batatas oferece, ainda, a possibilidade de se agregar valor às classificações de batatas que apresentam deságio por qualquer inadequação aos atributos de qualidade desejados pelo consumidor, mas que não comprometem a qualidade do tubérculo para fins culinários e industriais, como o caso das batatas com classificação "primeirinha" e "diversas".
Um dos grandes desafios ao processamento mínimo de batatas é a significativa susceptibilidade dos tubérculos ao escurecimento, oriundo de reações catalisadas por enzimas, sendo a mais importante a polifenoloxidase (PPO). As etapas de descascamento, corte ou fatiamento promovem o rompimento das estruturas celulares, permitindo o contato entre a enzima e os substratos fenólicos que podem resultar na formação de compostos escuros [3]. A enzima peroxidase (POD), também responsável pelo escurecimento em hortaliças minimamente processadas, está relacionada com processos de cicatrização [8, 30]. ROBINSON [46] revisou as funções fisiológicas da POD na pós-colheita de frutas e hortaliças e atribuiu a ela muitas das funções oxidativas de fenóis, inclusive a síntese de lignina e suberina para reconstituição de tecidos vegetais lesionados. A POD promove a oxidação de compostos fenólicos na presença de peróxido de hidrogênio [14], apresentando possível ação sinergística com a PPO [49].
Outras alterações decorrentes do processamento mínimo em batatas estão relacionadas com o aumento da atividade metabólica e com a descompartimentação de enzimas e substratos, podendo resultar em perda de firmeza, desenvolvimento de aromas e sabores desagradáveis (off-flavors) [21, 52, 47] e alterações dos teores de compostos nutricionais, como a vitamina C e os compostos fenólicos [51, 11, 20, 41]. Para controle das reações degradativas e manutenção da qualidade do produto, o uso de refrigeração e a aplicação de atmosferas modificadas com reduzida concentração de oxigênio têm apresentado resultados promissores. A escolha da cultivar tem demonstrado efeito no potencial de escurecimento de batatas minimamente processadas, devido à diferença na composição química entre os cultivares de batata. AHVENAINEN & HURME [1], ao estudarem várias cultivares de oito hortaliças (incluindo as batatas), concluíram que nem todas as cultivares de batatas podem ser utilizadas para o processamento.
Apesar da importância da batata para o a agronegócio brasileiro, existe uma lacuna na literatura consultada no que diz respeito à avaliação de materiais nacionais com potencialidade de uso na forma minimamente processada.
O objetivo deste trabalho foi caracterizar química e fisicamente batatas minimamente processadas, durante o armazenamento refrigerado.
2 - MATERIAL E MÉTODOS
2.1 - Material vegetal
Batatas (Solanum tuberosum L.) das cultivares monalisa e ágata, classificação "primeirinha"; adquiridas na Ceasa de Brasília e levadas ao Laboratório de Pós-colheita da Embrapa Hortaliças para: seleção, classificação e lavagem em água potável.
2.2 - Processamento mínimo
Em seguida, os tubérculos foram descascados por abrasão em máquina processadora (modelo PCED, Siemsem Ltda.), por 180 s em tambor revestido com lixa de 60 mesh, e 36 s no segundo tambor revestido com lixa de 100 mesh. Batatas descascadas foram enxaguadas em água potável, sanitizadas em água clorada (150 ppm de cloro ativo) por 5 min e centrifugadas por 10 min a 800 g.
2.3 - Embalagem e armazenamento
O material foi posteriormente acondicionado por nylon multicamadas sob vácuo parcial (Seladora Selovac 200B, São Paulo (SP)), em porções de 200 g, e finalmente, armazenado sob refrigeração a 5 e 15ºC por nove dias.
2.4 - Análises químicas e físicas
A cada três dias os tubérculos minimamente processados foram avaliados quanto às seguintes variáveis.
2.4.1 - Firmeza
Determinada pelo método da aplanação, descrito por CALBO e NERY [7].
2.4.2 - Açúcares solúveis totais
Determinados pelo método fenol-sulfúrico descrito por DUBOIS et al. [13].
2.4.3 - Atividade enzimática da polifenoloxidase e peroxidase
A atividade das enzimas foi determinada segundo o método descrito por FLURKEY & JEN [17], sendo o extrato lido a 395 nm para POP e a 470 nm para POD.
2.4.4 - Teor de amido
Determinação feita a partir de adaptação realizada no método de RANGANNA [45], com extração de açúcares por solução de etanol (80%) a quente, em três estágios; hidrólise ácida do resíduo, também em três estágios, com ácido perclórico (52%), com posterior determinação dos açúcares pelo método fenol-sulfúrico.
2.4.5 - Teor de vitamina C total
A vitamina C total foi quantificada de acordo com metodologia descrita por TERADA et al. [50], modificado por Nunes et al. [40].
2.5 - Análise estatística
O experimento foi conduzido em delineamento inteiramente casualizado, com 16 tratamentos arranjados em esquema fatorial 2 x 2 x 4 (2 cultivares, 2 temperaturas e 4 tempos de amostragem), com três repetições. Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias foram comparadas pelo teste de diferença mínima significativa (P<0,05).
3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 - Firmeza
A perda de firmeza das batatas minimamente processadas foi observada em ambas as cultivares e temperaturas avaliadas, sendo mais severa naquelas submetidas ao armazenamento a 15ºC (Figura 1).
Na temperatura de 15°C, verificou-se que, após nove dias de armazenamento, a firmeza era 3,3 vezes menor em batatas monalisa e 4,3 vezes menor para a cultivar ágata, quando comparadas com o produto recém-processado. Tal redução significativa possibilitou que batatas ágata, mais firmes inicialmente, atingissem firmeza muito próxima à da monalisa no último dia de avaliação.
Batatas ágata, armazenadas a 5ºC, apresentaram a maior firmeza, possuindo valores 50,6% superiores aos das batatas monalisa no terceiro dia de avaliação, à mesma temperatura. Tal tendência manteve-se constante durante o período experimental, sendo que ao final do intervalo de armazenamento, a firmeza das batatas ágata atingiu valores 53,2% superiores aos das batatas monalisa sob as mesmas condições de temperatura de armazenamento, ou seja, 5°C (Figura 1).
Diversos trabalhos têm demonstrado a possibilidade de o processamento mínimo de hortaliças causar várias alterações físicas, tais como a redução da firmeza do produto processado [47, 53]. Tal redução, que ocorre durante o armazenamento de frutas e hortaliças minimamente processadas, pode ter como uma das causas os processos metabólicos associados ao amadurecimento e à senescência, ou ainda, à perda de água. O amadurecimento e a senescência estão correlacionados com mudanças na atividade enzimática da parede celular [24, 16], alterações no pH e nos teores de agentes quelantes [32], resultando em mudanças na textura e amaciamento de polpa, desestruturação celular e aumento da presença de exsudados celulares. NOURIAN et al. [39], ao avaliarem a firmeza das batatas intactas, armazenadas sob diferentes temperaturas por 140 dias, observaram que temperaturas entre 4 e 8ºC retardaram a perda de firmeza, favorecendo a manutenção da qualidade dos tubérculos por 133 dias; ao passo que, batatas armazenadas a 16 e 20ºC apresentaram rápida depreciação na qualidade e textura, deteriorando-se em 21 e 35 dias, respectivamente.
Aliada à baixa temperatura, a manutenção da firmeza do produto pode ser conseguida com a aplicação, por imersão, de soluções de cálcio. LUNA-GUZMAN et al. [31] verificaram que melões minimamente processados mergulhados por um minuto em soluções de CaCl2 (2%) a 20, 40 e 60°C, mantiveram ou melhoraram a firmeza do tecido, durante o armazenamento a 5°C.
3.2 - Atividade da polifenoloxidase e peroxidase
A atividade da polifenoloxidase apresentou significativa elevação para batatas ágata, armazenadas a 5 e 15ºC (Figura 2a).
As batatas minimamente processadas, da cultivar monalisa, apresentaram, comparativamente à ágata, menor incremento da atividade da polifenoloxidase após o processamento mínimo para ambas as temperaturas de armazenamento estudadas. Isso pressupõe que, possivelmente, a cultivar monalisa responde de maneira mais branda, ao estresse mecânico sofrido durante o processamento. No terceiro dia de observação verificou-se que a atividade da polifenoloxidase em batatas armazenadas a 15ºC era 24 e 46% maior para monalisa e ágata, respectivamente, quando comparadas com a atividade dessa enzima no tecido recém processado (Figura 2a).
Quando se avaliou a atividade da enzima peroxidase em batatas armazenadas a 5°C, verificou-se que tubérculos da cultivar monalisa apresentaram maior atividade, representando valores de 48 e 86% superiores aos da atividade desta enzima nas batatas ágata, logo após o processamento mínimo e aos nove dias de armazenamento, respectivamente. Por outro lado, constatou-se que, batatas minimamente processadas e armazenadas a 15ºC, apresentaram aumento da atividade da peroxidase em cerca de quatro vezes para ambas as cultivares ao longo do período de armazenamento, quando comparado ao valor da atividade logo após o processamento e ao final do experimento (Figura 2b).
CANTOS et al. [8] avaliaram o efeito do processamento mínimo sobre a atividade das enzimas polifenoloxidase, peroxidase e fenilalanina amônia liase e nos compostos fenólicos, em cinco cultivares de batatas, e não encontraram correlação significativa entre o grau ou taxa de escurecimento e quaisquer das variáveis investigadas. Entretanto, o aumento da atividade da peroxidase, verificada pela síntese de isoperoxidases identificadas por eletroforese, confirmou a indução da atividade desta enzima como fenômeno comum no reino vegetal em resposta a situações de estresse, como injúrias mecânicas. Semelhante ausência de correlação foi encontrada entre grau de escurecimento e atividade enzimática de maçãs, durante o armazenamento a 0ºC [10].
CANTOS et al. [8] estudaram também, nos mesmos materiais anteriormente relatados, a ocorrência de escurecimento. Verificaram que batatas monalisa foram consideradas as mais susceptíveis ao escurecimento, com grau máximo alcançado dois dias após o corte. Os autores não recomendaram a utilização desta cultivar para o processamento mínimo, em vista de seu potencial de escurecimento.
3.3 - Açúcares solúveis totais e amido
O teor inicial de açúcares totais em batatas minimamente processadas da cultivar monalisa era, em média, 28% maior em comparação ao da cultivar ágata (Figura 3).
Batatas monalisa, armazenadas a 15ºC, apresentaram pouca variação no teor de açúcares nos seis primeiros dias de armazenamento, com posterior decréscimo ao final do período de avaliação. Para batatas ágata, inicialmente com teor médio de 7,2 g.kg-1 MF para ambas as temperaturas de armazenamento, foi verificado pico no teor de açúcares totais após três dias de armazenamento, com elevação dos teores desses carboidratos de 61,2% e 42% a 5 e 15ºC, respectivamente. Do sexto ao nono dia, observaram-se valores estatisticamente semelhantes aos iniciais, em ambas as temperaturas estudadas.
Ao final do período de armazenamento, verificou-se também que as duas cultivares possuíam maior teor de açúcares solúveis totais em tubérculos armazenados a 5°C do que nos armazenados a 15°C (Figura 3). Tal fato indica a possível conversão do amido em açúcares solúveis totais, seguindo rotas metabólicas diversas, conforme discussão a seguir.
O teor inicial de amido verificado nas batatas minimamente processadas de todos os tratamentos situava-se entre 121 e 126 g.kg-1 MF (Figura 4).
Os valores de amido, determinados no presente estudo, para os tubérculos das cultivares ágata e monalisa, logo após o processamento mínimo, se encontravam dentro da faixa reportada por BORGSTROM [5], que observou variação nos teores de amido na matéria fresca de batata de 90 a 180 g.kg-1 MF. Segundo o autor, a amplitude verificada é devido às diferenças genéticas entre cultivares, épocas de plantio, temperatura e tempo de armazenamento, dentre outros fatores [39, 23].
Em estudo com batatas armazenadas sob diferentes temperaturas, NOURIAN et al. [39] verificaram que a degradação do amido ocorreu mais rapidamente à temperatura mais baixa (4ºC), caindo de 134 para 80 g.kg-1 MF em 35 dias, e para 63 g.kg-1 MF em 133 dias. Por outro lado, constataram que os açúcares solúveis totais aumentaram de 12,4 para 18 e 34,8 g.kg-1 MF para os mesmos períodos de armazenamento estudados, respectivamente. Os autores verificaram também que o teor máximo de açúcares totais obtidos a 20ºC em 35 dias foi de 13,5 g.kg-1 MF. Concluíram que a estocagem de batatas a baixas temperaturas levou ao maior acúmulo de açúcares a partir do amido, podendo promover alterações na cor pelo escurecimento não-enzimático, quando as mesmas forem submetidas a algum processamento térmico [9].
As condições de armazenamento à baixa temperatura propiciam o acúmulo de ATP no tecido da batata, acarretando a ativação de via metabólica alternativa, conhecida como respiração resistente ao cianeto, levando à diminuição dos níveis de ATP e, simultaneamente, ao aumento das concentrações de sacarose, provavelmente via ação da enzima fosforilase [28, 4]. A sacarose torna-se então o substrato da invertase ácida vacuolar, que originará o acúmulo de açúcares redutores [15]. A indução do acúmulo de açúcares pelo frio estaria, ainda, relacionada com a deterioração das membranas dos amiloplastos [42] favorecendo a ação da enzima amidofosforilase sobre o amido [18], que tem como função biológica o aumento da tolerância a baixas temperaturas, agindo como crioprotetores [22].
Por outro lado, a atividade da sacarose sintetase, importante enzima envolvida na síntese do amido, é maior em tubérculos jovens de batata [44] nos quais se incluem, fisiologicamente, os tubérculos da classificação "primeirinha", usados no presente estudo. Tal fato explicaria, em parte, o aumento verificado nos teores de amido das duas cultivares estudadas nos três primeiros dias de armazenamento.
Apesar da conversão de amido em açúcares ser, aparentemente, reversível [12, 28], o aumento nos teores de amido encontrados no presente trabalho (Figura 4), parece estar relacionado tanto à maior atividade dos tubérculos jovens, quanto à perda de água sofrida pelos tubérculos após o processamento mínimo. Isso pode ser constatado pela elevação da umidade superficial do produto após a centrifugação e nos três primeiros dias de armazenamento, sendo que as batatas armazenadas a 15ºC exsudaram mais água. A maior perda de água das batatas ágata minimamente processadas, observada visualmente, pode estar relacionada com o maior teor deste componente em sua composição centesimal (88%), comparado com a cultivar monalisa (85%). Do terceiro ao nono dia verificaram-se reduções entre 2,6 e 4% nos teores de amido, exceção feita à cultivar ágata armazenada a 5ºC, na qual constatou-se redução no sexto dia com posterior elevação dos teores de amido.
3.4 - Vitamina C total
As duas cultivares estudadas apresentaram tendência de redução dos teores de vitamina C total durante os seis primeiros dias de armazenamento, com posterior aumento nos teores dessa vitamina até o final do experimento (Figura 5).
Os valores de vitamina C total determinados no presente estudo, logo após o processamento mínimo, se encontravam dentro da faixa reportada por DAVEY et al. [11], que constataram que batatas apresentaram teores de vitamina C entre 100 e 300 mg.kg-1 MF. Segundo esses autores, tais valores variam em função das diferenças genéticas entre as cultivares, práticas agrícolas, colheita e condições de estocagem.
A cultivar ágata minimamente processada apresentou redução no teor de vitamina C de 52,5 e 39,6% quando armazenada a 15ºC e a 5ºC, respectivamente, até o sexto dia de armazenamento. A partir desse ponto, verificou-se que o teor da vitamina aumentou significativamente até o nono dia de armazenamento, atingindo 443,8 mg.kg-1 MF para batatas a 5ºC e 310,1 mg.kg-1 MF para tubérculos armazenados a 15ºC (Figura 5).
O decréscimo seguido de aumento na vitamina C foi verificado também para a cultivar monalisa, que, ao final do experimento, apresentava teores de 417,1 e 374,4 mg.kg-1 MF quando armazenada a 5 e 15ºC, respectivamente. Salienta-se que, para ambas as cultivares, o armazenamento a 5ºC propiciou maior retenção dos teores de vitamina C, demonstrando a eficiência da refrigeração para manutenção dos teores dessa vitamina.
Batatas minimamente processadas são capazes de reter seu teor inicial de vitamina C total ou parcialmente, uma vez que as perdas decorrentes de processos de oxidação são compensadas pelo aumento na biossíntese de ácido ascórbico [51, 34, 2, 48]. Esse aumento pode estar correlacionado com a maior atividade da enzima L-galactono-g-lactona dehidrogenase (GLDH) em tecidos de batata injuriados [41], que catalisa o passo final da biossíntese do ácido ascórbico [36, 41].
O aumento na biossíntese desse ácido orgânico poderia ser o resultado da maior necessidade de poder antioxidante, em nível celular, para fazer frente ao estresse provocado pelo processamento mínimo [25, 52]. Além disso, o aumento da atividade respiratória provocado pelo processamento mínimo leva à degradação do amido, com acúmulo de glicose, substrato requerido no processo de síntese de ascorbato [38]. Como visto anteriormente, o acúmulo de açúcares é maior à temperatura de 5ºC, o que explicaria em parte, a maior retenção de vitamina C total em batatas minimamente processadas armazenadas sob essa temperatura.
Na avaliação do teor de vitamina C em alimentos, deve-se ter ciência da existência de equilíbrio dinâmico entre as formas ácido ascórbico e deidroascórbico, sendo que esta é facilmente convertida na primeira no organismo humano. Na ocorrência de processos degradativos, o ácido deidroascórbico é oxidado irreversivelmente a ácido dicetogulônico, que não possui qualquer atividade de vitamina C [43], redundando, em termos práticos, na perda de valor nutricional.
A oxidação do ascorbato pela ascorbato oxidase aumenta em condições de estresse, exposição a patógenos, altas temperaturas, íons metálicos e agentes químicos [29]. Portanto, o teor de vitamina C em batatas minimamente processadas é resultante de processos biossintéticos e degradativos que ocorrem simultaneamente. No estudo apresentado, deve-se considerar a possibilidade da ocorrência de síntese de ascorbato em resposta ao estresse oxidativo, o que culminou com a elevação do teor de vitamina C ao final do período experimental.
TUDELA et al. [52] estudaram o efeito do processamento mínimo, com subseqüente armazenamento sob refrigeração a 4°C, de batatas da cultivar manon, sob diferentes atmosferas (ar, ar+20% de CO2, 100% N2, e embalagem a vácuo), na atividade da enzima L-galactono-g-lactona dehidrogenase e no teor de vitamina C. Esses pesquisadores verificaram que a embalagem a vácuo demonstrou ser a melhor opção, tendo evitado o escurecimento e retido 89% da vitamina C, seguido da embalagem sob as atmosferas de 100% N2 (78% de retenção de vitamina C) e 20% CO2+ar (63% de retenção de vitamina C).
4 - CONCLUSÕES
Batatas armazenadas a 5ºC apresentaram melhor conservação, no que diz respeito à manutenção das características físicas e químicas durante o armazenamento. Visualmente, observou-se em embalagens a 5ºC, a ocorrência de escurecimento de forma pontual, localizada em regiões de enrugamento da embalagem pela ação do vácuo. As batatas de ambas as cultivares apresentaram aspecto satisfatório para comercialização até o sexto dia de armazenamento, o que está em conformidade com o prazo de validade normalmente observado para produtos minimamente processados.
Não se verificou grande diferença entre as variáveis analisadas quando se comparou as cultivares ágata e monalisa. Todavia, a menor susceptibilidade ao escurecimento enzimático da cultivar ágata em armazenamento a 5ºC deve ser levada em consideração, uma vez que a cor é um ponto fundamental para a qualidade global do produto e aceitação pelo consumidor. Destaca-se a manutenção de níveis elevados de vitamina C no produto minimamente processado ao final do experimento, o que reforçaria os benefícios do consumo da batata como importante fonte deste nutriente.
5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
6 - AGRADECIMENTOS
Acordo Bird / Prodetab-Embrapa Projeto 019, ADF Agropecuária e Ceasa Brasília (DF).
Recebido para publicação em 10/2/2005. Aceito para publicação em 23/1/2006 (001480)
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Maio 2006 -
Data do Fascículo
Mar 2006
Histórico
-
Aceito
23 Jan 2006 -
Recebido
10 Fev 2005