Open-access Comparação entre citrato trissódico e heparina como solução para selo de cateter em pacientes em hemodiálise

Resumos

INTRODUÇÃO: A elevada incidência de pacientes iniciando ou sendo mantidos em tratamento dialítico através de cateteres venosos tem aumentado o número de infecções da corrente sanguínea relacionadas aos cateteres e suas consequências, obrigando a busca de substâncias que tenham propriedades anticoagulantes e que também impeçam a contaminação dos mesmos. OBJETIVOS: Comparar a utilização de heparina e citrato trissódico como selo de cateteres de longa permanência quanto à ocorrência de pirogenia, bacteremia, internações hospitalares relacionadas à infecção, trombose e óbito. MÉTODOS: Estudo retrospectivo por meio de dados do registro de infecção do Programa de Controle e Prevenção de Infecções e Eventos Adversos, onde foram incluídos todos os pacientes que entre abril de 2006 e março de 2008 utilizaram cateteres de longa permanência. Nos primeiros 365 dias, o selo do cateter foi feito com heparina (Grupo Heparina) e nos 365 dias seguintes foi feito com citrato trissódico a 46,7% (Grupo Citrato). Sessenta e cinco pacientes fizeram parte do estudo utilizando noventa e dois cateteres. Os grupos foram comparados para ocorrência de pirogenia, bacteremia, hospitalização, trombose de cateter e óbito. RESULTADOS: A ocorrência de bacteremia relacionada ao cateter e o tempo de hospitalização foram significantemente menores no Grupo Citrato. Houve uma tendência a menor ocorrência de hospitalização relacionada à infecção de acesso no Grupo Citrato (p = 0.055), e não houve diferença quanto à trombose de cateteres levando a disfunção. O tempo livre de bacteremia e de hospitalização foram maiores no Grupo Citrato. A ocorrência de bacteremia esteve associada a ser diabético e a pertencer ao Grupo Heparina. Na análise multivariada, apenas pertencer ao Grupo Heparina esteve associada à sua ocorrência. CONCLUSÃO: O uso de citrato a 46,7% reduziu de maneira efetiva episódios de bacteremia e internações hospitalares em pacientes submetidos à hemodiálise através de cateteres de longa permanência.

diálise renal; cateteres de demora; anticoagulantes; citratos; infecção


INTRODUCTION: The high incidence of patients beginning dialysis treatment with venous catheters, as well as the growing number of patients with permanent catheter access, has increased catheter- related blood infections and their consequences. Thus the search for substances with anticoagulant properties that also prevent catheter contamination is necessary. OBJECTIVE: This study aimed at comparing heparin and trisodium citrate used as long-term catheter locking solutions regarding the occurrence of pyrogenic reaction, bacteremia, infection- related hospitalizations, thrombosis, and death. METHODS: Retrospective study on the infection data from the Infection and Adverse Event Prevention Control Program registry, which included all hemodialysis patients using long-term catheters from April, 2006 to March, 2008. During the first 365 days, catheters were locked with heparin (Heparin group) and, during the following 365 days, with 46.7% trisodium citrate (Citrate group). Sixty-five patients were included in the study using 92 catheters. The groups were compared regarding the occurrence of pyrogenic reaction, bacteremia, hospitalization, catheter thrombosis, and death. RESULTS: The catheter-related bacteremia episodes were significantly lower and hospitalization time was significantly shorter in the Citrate group when compared with those in the Heparin group. A tendency towards a lower occurrence of access site infection-related hospitalization was observed in the Citrate group (p = 0.055), and no difference was observed in catheter thrombosis leading to dysfunction between groups. Bacteremia-free and hospitalization-free times were longer in the Citrate group. The occurrence of bacteremia was associated with the presence of diabetes and heparin use. In multivariate analysis, being in the Heparin group was the only factor associated with bacteremia. CONCLUSION: The use of 46.7% citrate solution effectively reduced bacteremia episodes and hospitalization in chronic kidney disease patients on hemodialysis with long-term catheters.

renal dialysis; catheters; catheter-related infections; anticoagulant agents; citrates


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Comparação entre citrato trissódico e heparina como solução para selo de cateter em pacientes em hemodiálise

José Luís BevilacquaI; Jaelson Guilhem GomesII; Vanderson Farley Brito SantosII; Maria Eugênia Fernandes CanzianiIII

IGraduação em Medicina

IIInstituto de Hemodiálise Sorocaba - IHS

IIIDisciplina de Nefrologia, Universidade Federal São Paulo - UNIFESP/EPM

Correspondência Correspondência para: José Luís Bevilacqua Rua Eulália Silva, 454 Jardim Faculdade Sorocaba - SP - Brasil CEP: 18030-230 E-mail: bevi@dglnet.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A elevada incidência de pacientes iniciando ou sendo mantidos em tratamento dialítico através de cateteres venosos tem aumentado o número de infecções da corrente sanguínea relacionadas aos cateteres e suas consequências, obrigando a busca de substâncias que tenham propriedades anticoagulantes e que também impeçam a contaminação dos mesmos.

OBJETIVOS: Comparar a utilização de heparina e citrato trissódico como selo de cateteres de longa permanência quanto à ocorrência de pirogenia, bacteremia, internações hospitalares relacionadas à infecção, trombose e óbito.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo por meio de dados do registro de infecção do Programa de Controle e Prevenção de Infecções e Eventos Adversos, onde foram incluídos todos os pacientes que entre abril de 2006 e março de 2008 utilizaram cateteres de longa permanência. Nos primeiros 365 dias, o selo do cateter foi feito com heparina (Grupo Heparina) e nos 365 dias seguintes foi feito com citrato trissódico a 46,7% (Grupo Citrato). Sessenta e cinco pacientes fizeram parte do estudo utilizando noventa e dois cateteres. Os grupos foram comparados para ocorrência de pirogenia, bacteremia, hospitalização, trombose de cateter e óbito.

RESULTADOS: A ocorrência de bacteremia relacionada ao cateter e o tempo de hospitalização foram significantemente menores no Grupo Citrato. Houve uma tendência a menor ocorrência de hospitalização relacionada à infecção de acesso no Grupo Citrato (p = 0.055), e não houve diferença quanto à trombose de cateteres levando a disfunção. O tempo livre de bacteremia e de hospitalização foram maiores no Grupo Citrato. A ocorrência de bacteremia esteve associada a ser diabético e a pertencer ao Grupo Heparina. Na análise multivariada, apenas pertencer ao Grupo Heparina esteve associada à sua ocorrência.

CONCLUSÃO: O uso de citrato a 46,7% reduziu de maneira efetiva episódios de bacteremia e internações hospitalares em pacientes submetidos à hemodiálise através de cateteres de longa permanência.

Palavras-chave: diálise renal, cateteres de demora, anticoagulantes, citratos, infecção.

INTRODUÇÃO

O aumento da incidência da Doença Renal Crônica estágio V, especialmente relacionada às doenças crônico- degenerativas, tem assumido números alarmantes nos últimos anos em todo mundo1 e não tem sido diferente no Brasil.2 Esses pacientes em sua maioria iniciam a terapia dialítica em hemodiálise através de um cateter venoso central.3

Apesar de iniciativas implementadas nos últimos anos para reduzir a utilização de cateteres e próteses como o programa Fistula First,4 nos Estados Unidos da América cerca de 70% dos pacientes iniciam em hemodiálise utilizando um cateter venoso central5. Além disso, em algumas regiões do país, os cateteres representam até 40% dos acessos vasculares na população submetida à hemodiálise. Vale ressaltar que muitos estudos publicados mostram que o risco relativo de morte é de até 1,5 vezes maior e o risco relativo de infecção é 7,6 vezes maior em pacientes com cateteres venosos centrais quando comparados àqueles com fístula arteriovenosa. 5,6

Os eventos infecciosos constituem a segunda causa de mortalidade em pacientes submetidos a tratamento dialítico. 7 As infecções de cateteres utilizados como acesso vascular são graves, e podem tornar-se sistêmicas com focos metastáticos. 8 Várias alternativas têm sido utilizadas para minimizar tais riscos, como a utilização de substâncias químicas que reduziriam a incidência de infecções relacionadas aos cateteres quando utilizadas como selo no período interdialítico.

A heparina tem sido a substância utilizada como selo, especialmente por sua propriedade anticoagulante. Entretanto, com a maior frequência da utilização de cateteres e ocorrências de infecções, outras substâncias como citrato de sódio, álcool e EDTA têm sido buscadas para serem utilizadas como selo, isoladas ou em associação com antibióticos. 9,10,11

O objetivo deste estudo foi comparar a utilização de heparina e de citrato trissódico como selo de cateteres de longa permanência quanto à ocorrência de pirogenia, bacteremia, internações hospitalares relacionadas a infecção, trombose e óbito.

MÉTODOS

Este estudo é uma análise retrospectiva dos dados relacionados à infecção e cateteres registrados nos relatórios mensais do Programa de Controle e Prevenção de Infecções e Eventos Adversos (PCPIEA) na unidade satélite de hemodiálise - Instituto de Hemodiálise Sorocaba - no período de abril de 2006 a março de 2008.

Os dados foram agrupados em 2 períodos, de 01 de abril de 2006 a 31 de março de 2007, constituindo o Grupo Heparina onde se utilizava solução de heparina (1.500 U/mL. ) como selo do cateter ao final da sessão de hemodiálise e o segundo período de 01 de abril de 2007 a 31 de março de 2008 onde tivemos o Grupo Citrato no qual o selo do cateter foi realizado com solução de citrato trissódico a 46,7%. Os cateteres foram manipulados em todas as sessões de hemodiálise de maneira asséptica, segundo o protocolo do serviço, sendo realizado ao final das sessões "flush" com solução fisiológica a 0,9% e em seguida injetada solução de citrato ou de heparina, exatamente no volume de preenchimento da luz preconizado pelo fabricante.

A população incluída no estudo foi composta por 65 pacientes em hemodiálise, maiores de 18 anos e com cateter de dupla luz de longa permanência como acesso vascular para hemodiálise. Destes, 31 (48%) fizeram parte do Grupo Heparina e 34, (52%) do Grupo Citrato. Por se tratar de estudo contínuo, 17 pacientes pertenceram a ambos os grupos.

Noventa e dois cateteres foram utilizados durante o estudo, sendo 49 no Grupo Heparina e 43 cateteres no Grupo Citrato. Os cateteres foram todos Permcath® Quinton de tamanho variável (36 a 40 cm) de acordo com a sua posição de inserção e biotipo do paciente, à exceção de 3 cateteres inseridos em veia femoral, os quais foram todos split catheter Medcomp® de 52 cm. Todos os cateteres foram implantados em sala de hemodinâmica sob fluoroscopia.

Os eventos avaliados foram: ocorrência de pirogenia, bacteremia, trombose ou obstrução parcial levando a baixo fluxo, hospitalização e óbito.

Reação pirogênica foi definida como episódio com presença súbita e inexplicada de pelo menos dois dos seguintes sintomas / sinais: febre, calafrios, tremores, sudorese, hipotensão ou taquicardia em paciente com cateter de dupla luz de longa permanência, onde nenhuma outra causa estivesse presente para justificá-los e com hemocultura negativa. 12 Episódios que ocorreram do início até seis horas após o término da sessão de hemodiálise foram considerados.

Bacteremia relacionada ao cateter foi definida como a presença de infecção da corrente sanguínea constatada por pelo menos uma hemocultura positiva coletada de veia periférica na presença de sinais e sintomas como febre, calafrios e/ou hipotensão, sem evidência que o sítio de origem da infecção fosse outro que não o cateter. 13 Durante o estudo, as hemoculturas foram todas realizadas pelo mesmo Laboratório de Patologia Clínica utilizando o Sistema Hemobac Trifásico® e a coleta delas ocorreu em todos os episódios de calafrios e tremores, havendo ou não febre, em pacientes com cateteres de longa permanência.

Trombose foi definida como a persistente incapacidade de realizar sessões de hemodiálise através de cateter de dupla luz de longa permanência com fluxo de sangue igual ou superior a 200 mL/min. Antes da retirada, como rotina, os cateteres que apresentavam baixo fluxo sem evidência de apresentarem dobras ou estarem mal posicionados receberam ativador de plasminogênio tecidual recombinante (rTPA - 2,5 mg em cada haste do cateter) durante 1 hora e considerou-se como sucesso na desobstrução, quando se conseguiu fluxo de sangue superior a 250 mL/min por pelo menos duas sessões consecutivas de hemodiálise.

Definimos hospitalização como toda admissão hospitalar por infecção relacionada ao cateter.

A avaliação quanto à presença de sangramento pelo orifício de saída do cateter ou qualquer outro local foi realizada durante todo o período do estudo. Além disso, os pacientes foram orientados a relatar qualquer sintoma relacionado à infusão da solução de citrato, incluindo mal estar precordial, gosto metálico na boca ou formigamento perioral. Quando qualquer desses sintomas foi relatado, a infusão era imediatamente suspensa. Pela alta concentração utilizada, a infusão foi sempre realizada com seringas separadas para o lado arterial e para o lado venoso, sendo ambas com capacidade para 3 mL e sempre preenchidas com o volume descrito pelo fabricante do cateter para os lados arterial e venoso. O procedimento de fechamento do cateter foi sempre realizado por 2 técnicos de enfermagem treinados.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

O teste de Wilk-Shapiro foi utilizado para analisar a distribuição das variáveis, sendo que aquelas com distribuição normal foram apresentadas como média ± desvio padrão, enquanto que as não normais foram apresentadas como mediana e extremos. As variáveis categóricas foram apresentadas em proporções e avaliadas pelo teste Qui-quadrado. A comparação entre dois grupos foi realizada utilizando-se o teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney, quando apropriado. Curvas de sobrevida e livre de evento foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier e comparadas pelo teste log rank nas análises univariadas. Uma análise regressão logística foi realizada para identificar as variáveis independentes que se associaram à ocorrência de bacteremia. Um valor de p < 0,05 foi considerado significante. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa SPSS for Windows (versão 13; SPSS Inc, Chicago, IL).

RESULTADOS

O grupo foi composto de 65 pacientes, predominantemente por mulheres de meia idade em hemodiálise há aproximadamente 4 anos. Um total de 92 cateteres foi utilizado, sendo o sítio de inserção de 74 em veia jugular interna, 13 em veia subclávia e 5 em veia femoral. Cinquenta e cinco cateteres eram cateteres definitivos, ou seja, pacientes sem outra possibilidade de acesso.

Os dados demográficos e clínicos dos grupos Heparina e Citrato estão mostrados na Tabela 1. Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos. Dos 92 cateteres, 49 no Grupo Heparina e 43 no Grupo Citrato, perfizeram um total de 5.102 cateteres/dia no Grupo Heparina e 5.693 cateteres/dia no Grupo Citrato (p = 0.29).

Os eventos observados em cada grupo durante o estudo estão descritos na Tabela 2. Das 17 reações pirogênicas observadas, 11 (65%) ocorreram no Grupo Heparina e 6 (35%) no Grupo Citrato. O índice de pirogenia foi de 2,16 e 1,05 episódios/1.000 cateteres/dia para o Grupo Heparina e Grupo Citrato, respectivamente (p = 0,23).

Ocorreram 18 episódios de bacteremia relacionadas ao cateter, sendo que desses 17 no Grupo Heparina e apenas um episódio no Grupo Citrato. O índice de bacteremia no Grupo Heparina foi de 3,33 episódios/1.000 cateteres/dia e no Grupo Citrato de 0,18 episódios/1.000 cateteres/dia (p < 0,001). No Grupo Heparina, em 76,5% das hemoculturas foram identificados microorganismos Gram negativos (com predomínio de Pseudomonas, seguido de Acinetobacter e Serratia sp. ). S. aureus foi identificado no único episódio do Grupo Citrato.

A ocorrência de bacteremia esteve associada à presença de diabetes e a pertencer ao Grupo Heparina (Tabela 3). Na análise de regressão multivariada, pertencer ao Grupo Heparina foi o único fator independente associado à ocorrência de bacteremia (coeficiente β = -3,06, IC 95% 0,005 - 0,402; p = 0,005).

O número de cateteres com trombose que necessitaram ser removidos em decorrência de problemas de baixo fluxo (inferior a 250 mL/min. ) foi semelhante entre os grupos, assim como o uso de trombolítico (rTPA - ativador de plasminogênio tecidual recombinante). Houve uma tendência a maior taxa de hospitalização relacionada à infecção no Grupo Heparina (p = 0,055). No total as hospitalizações perfizeram 204 leitos/dia, sendo maior no Grupo Heparina (151 leitos/dia vs. 53 leitos.dia, p < 0,001; Grupo Heparina e Citrato, respectivamente). A ocorrência de óbito não diferiu significativamente entre os dois grupos.

As curvas de tempo livre de eventos de pirogenia, bacteremia e hospitalização dos grupos Grupo Heparina e Grupo Citrato estão apresentadas na Figura 1. O tempo livre de bacteremia foi significantemente maior no grupo Grupo Citrato (p < 0,001), bem como o tempo livre de hospitalização (p = 0,02).


Durante o período de estudo, foram realizados 4.316 procedimentos de preenchimento da luz do lado arterial e venoso de cateteres pós-hemodiálise (selo do cateter), sendo 2.090 no Grupo Heparina e 2.226 no Grupo Citrato. Nenhum sangramento anormal foi detectado. No Grupo Citrato um paciente apresentou arritmia com hipotensão e outro parestesia de lábios e gosto metálico na boca, que cessaram em até 1 minuto após a interrupção da infusão.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados neste estudo mostram que a utilização de citrato, como selo de cateter venoso quando comparado a heparina, esteve associada a menor ocorrência de bacteremia relacionada ao cateter. Além disso, pacientes em uso de citrato passaram menos dias hospitalizados que aqueles em uso de heparina como selo.

Na literatura, a incidência de bacteremia relacionada a cateter de hemodiálise varia de 1,6 a 5,5 episódios/1.000 cateteres/dia, sendo essa variação parcialmente explicada pelas técnicas utilizadas na manipulação dos cateteres, pela utilização de diferentes substâncias como selo, assim como diferentes concentrações das mesmas. A utilização de citrato tem sido associada à redução da incidência de bacteremia devido a seu efeito bactericida quando usado em concentrações superiores a 23%. 14,15,16,17

Alguns estudos, entretanto, não demonstraram diferenças quando se utilizou citrato ou heparina. 18,19,20 Em um desses estudos, que foi aleatório e controlado, não demonstrou superioridade do citrato sobre a heparina, entretanto, os próprios autores justificam esse resultado pela baixa ocorrência de eventos nos dois grupos (menor que 0,7 episódiosde bacteremia/1.000 cateteres/dia). 21 No presente estudo, a incidência de bacteremia foi significativamente reduzida no Grupo Citrato, o que não ocorreu nos episódios de pirogenia, provavelmente em função da ação bactericida do citrato trissódico estar restrita à luz do cateter.

Outro aspecto relevante neste estudo é a elevada incidência de bactérias Gram negativas presentes em mais de 75% das hemoculturas. Um aumento na incidência de bacteremias por agentes Gram negativos tem sido relatada nos últimos anos sendo que a maioria dos estudos relata uma incidência de até 45%. 22 O achado do presente estudo ressalta a necessidade de cada Unidade de Diálise conhecer os agentes etiológicos das infecções incidentes em sua população, pois essa informação deve nortear a terapêutica inicial, que é empiricamente praticada em cada instituição.

O número de dias de hospitalizações foi menor no Grupo Citrato, assim como foi mais longo o tempo livre de hospitalização. Embora haja relatos na literatura, indicando a infecção relacionada ao cateter como causa importante de hospitalizações, até onde sabemos, não foi possível encontrar relatos de redução de hospitalizações atribuídas ao uso de quaisquer das substâncias utilizadas como selo de cateter.

A disfunção do cateter, além das causas mecânicas como dobras, proximidade das pontas em relação à parede do vaso, se dá em sua maioria pela formação de uma capa de fibrina que acaba por envolver todo o cateter, ultrapassando inclusive sua extremidade impedindo com isso a aspiração do sangue, parcial ou totalmente. Não foram encontradas diferenças quanto à disfunção do cateter relacionada à trombose nos dois grupos estudados, em conformidade com a maioria dos trabalhos previamente publicados. 23

Vale ressaltar a baixa incidência de efeitos colaterais na utilização do citrato no presente estudo. Nos Estados Unidos da América, a utilização de citrato como selo é rara em função de alerta publicado pelo FDA após ocorrência fatal com seu uso. 24 Os efeitos adversos do uso de citrato em concentrações elevadas parecem estar relacionados à queda brusca na concentração dos íons cálcio levando a arritmia cardíaca grave. 25 A utilização de um protocolo rígido, com duas seringas preenchidas com o volume exato da luz arterial e venosa conforme a especificação do fabricante do cateter e infundidas lentamente após uma infusão rápida de 10 mL de solução fisiológica em cada lúmen, parece ser suficiente para evitar as complicações relacionadas a essa terapêutica. Além disso, os sintomas mais frequentes, parestesia e gosto metálico, foram raros neste estudo e desapareceram em até 1 minuto após interrupção da infusão. É importante ressaltar que o efeito a longo prazo da utilização do citrato ainda precisa ser avaliado.

Apesar de ser um estudo retrospectivo com análise sequencial, fazendo com que alguns pacientes e cateteres pertencessem aos dois grupos do estudo, este é o primeiro relato nacional da experiência com a utilização dessa substância, que mostra diferenças consistentes entre a utilização de citrato e heparina como selo de cateter de hemodiálise.

Em conclusão, o uso de citrato reduziu de maneira efetiva episódios de bacteremia e internações hospitalares em pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise. Portanto, a utilização do selo de citrato parece constituir uma valiosa ferramenta que permite uma maior sobrevida dos cateteres, cada dia mais necessários no manejo de pacientes em tratamento dialítico.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Dra. Maria da Graça Bueno Marabezi que deu a primeira formatação à PCPIEA; à administradora Rosania Aparecida Verônica e ao tecnólogo Carlos Eduardo Guimarães pelas grandes contribuições às nossas reuniões mensais da PCPIEA.

Data de submissão 24/11/2010

Data de aprovação: 07/01/2011

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

O referido estudo foi realizado no Instituto de Hemodiálise Sorocaba - IHS, São Paulo, Brasil.

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  • Correspondência para:
    José Luís Bevilacqua
    Rua Eulália Silva, 454 Jardim Faculdade
    Sorocaba - SP - Brasil CEP: 18030-230
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      24 Nov 2010
    • Aceito
      07 Jan 2011
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