Resumos
INTRODUÇÃO: O hiperparatireoidismo secundário (HPT2) é uma complicação comum e precoce em pacientes com doença renal crônica (DRC). Estudos têm sugerido que os altos níveis de paratormônio (PTH) podem exercer efeitos deletérios no estado nutricional de pacientes com DRC. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar o estado nutricional de pacientes com DRC em diálise peritoneal contínua (DPC) com e sem HPT2. OBJETIVO: O objetivo deste estudo é comparar o estado nutricional de pacientes com DRC em diálise peritoneal contínua (DPC) com e sem HPTS. MÉTODOS: Foram avaliados 74 pacientes, entre adultos e idosos, divididos em dois grupos, de acordo com os níveis de PTH. No grupo 1 (n = 18) os níveis de PTH eram maiores do que 300 pg/mL e, no grupo 2, menores ou iguais a 300 pg/mL. O estado nutricional dos pacientes foi avaliado através da antropometria, exames bioquímicos e avaliação subjetiva global (ASG). O consumo alimentar foi avaliado através do registro alimentar de 3 dias. Foram coletados também dados clínicos, como cálcio e fósforo séricos, e a presença de inflamação foi avaliada através da dosagem de proteína C reativa ultrassensível (PCR US). RESULTADOS: A média de idade da população estudada foi de 54,97 ± 17,06 anos, com predominância de pacientes adultos (58,1%) e do sexo feminino (56,8%). O tempo de DPC expresso em mediana foi de 17 meses (7,75-33). Através da ASG, demonstrou-se prevalência de 36,5% de desnutridos na população. Na análise de diferença entre os grupos, em relação à antropometria, indicadores bioquímicos e ASG, bem como ingestão alimentar, não foram evidenciadas diferenças entre os grupos estudados. CONCLUSÃO: Não houve diferenças no estado nutricional e na ingestão alimentar entre os pacientes com e sem HPT2.
Estado nutricional; Ingestão de alimentos; Diálise peritoneal; Hiperparatireoidismo secundário
INTRODUCTION: Secondary hyperparathyroidism (SHPT) is a common and early complication in chronic kidney disease (CKD) patients. Studies have suggested that high levels of parathyroid hormone (PTH) may have deleterious effects on the nutritional status of patients with CKD. Thus, the aim of this study was to compare the nutritional status of CKD patients in continuous peritoneal dialysis (CPD) with and without SHPT. OBJECTIVE: The aim of this study was to compare the nutritional status of CKD patients in continuous peritoneal dialysis (CPD) with and without SHPT. METHODS: 74 patients were evaluated, including adults and seniors, divided into two groups according to PTH levels. In group 1 (n = 18) levels of PTH higher than 300 pg/mL and in group 2 less than or equal to 300 pg/mL. The nutritional status of patients was assessed by anthropometry, biochemical and subjective global assessment (SGA). Food intake was measured by food record for 3 days. We also collected clinical data, such as calcium and serum phosphorus, and the presence of inflammation was assessed by measuring C-reactive protein ultra-sensitive (CRP US). RESULTS: The average age of the population studied was 54.97 ± 17.06 years, with predominance of adult patients (58.1%) and females (56.8%). The time of CPD expressed in median was 17 months (7.75-33). Through ASG, it was shown a prevalence of 36.5% of the population undernourished. In the analysis of difference between the groups in relation to anthropometry, biochemical indicators and ASG as well as food intake, there were no differences between the groups. CONCLUSION: There were no differences in nutritional status and dietary intake between patients with and without SHPT.
Nutritional status; Eating; Peritoneal dialysis; Hyperparathyroidism, secondary
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Estado nutricional e ingestão alimentar de pacientes em diálise peritoneal contínua com e sem hiperparatireoidismo secundário
Nutritional status and food intake of continuous peritoneal dialysis patients with and without secondary hyperparathyroidism
Sara Ribeiro Campos; Maria Helena Lima Gusmão; Alessandra Fortes Almeida; Luís José Cardoso Pereira; Lilian Ramos Sampaio; Jairza Maria Barreto Medeiros
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Maria Helena Lima Gusmão Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia Alameda Carrara, 23, apto. 1802 - Pituba CEP 41830-590. Salvador - BA - Brasil E-mail: mhlgusmao@gmail.com
RESUMO
INTRODUÇÃO: O hiperparatireoidismo secundário (HPT2) é uma complicação comum e precoce em pacientes com doença renal crônica (DRC). Estudos têm sugerido que os altos níveis de paratormônio (PTH) podem exercer efeitos deletérios no estado nutricional de pacientes com DRC. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar o estado nutricional de pacientes com DRC em diálise peritoneal contínua (DPC) com e sem HPT2.
OBJETIVO: O objetivo deste estudo é comparar o estado nutricional de pacientes com DRC em diálise peritoneal contínua (DPC) com e sem HPTS.
MÉTODOS: Foram avaliados 74 pacientes, entre adultos e idosos, divididos em dois grupos, de acordo com os níveis de PTH. No grupo 1 (n = 18) os níveis de PTH eram maiores do que 300 pg/mL e, no grupo 2, menores ou iguais a 300 pg/mL. O estado nutricional dos pacientes foi avaliado através da antropometria, exames bioquímicos e avaliação subjetiva global (ASG). O consumo alimentar foi avaliado através do registro alimentar de 3 dias. Foram coletados também dados clínicos, como cálcio e fósforo séricos, e a presença de inflamação foi avaliada através da dosagem de proteína C reativa ultrassensível (PCR US).
RESULTADOS: A média de idade da população estudada foi de 54,97 ± 17,06 anos, com predominância de pacientes adultos (58,1%) e do sexo feminino (56,8%). O tempo de DPC expresso em mediana foi de 17 meses (7,75-33). Através da ASG, demonstrou-se prevalência de 36,5% de desnutridos na população. Na análise de diferença entre os grupos, em relação à antropometria, indicadores bioquímicos e ASG, bem como ingestão alimentar, não foram evidenciadas diferenças entre os grupos estudados.
CONCLUSÃO: Não houve diferenças no estado nutricional e na ingestão alimentar entre os pacientes com e sem HPT2.
Palavras-chave: Estado nutricional. Ingestão de alimentos. Diálise peritoneal. Hiperparatireoidismo secundário.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Secondary hyperparathyroidism (SHPT) is a common and early complication in chronic kidney disease (CKD) patients. Studies have suggested that high levels of parathyroid hormone (PTH) may have deleterious effects on the nutritional status of patients with CKD. Thus, the aim of this study was to compare the nutritional status of CKD patients in continuous peritoneal dialysis (CPD) with and without SHPT.
OBJECTIVE: The aim of this study was to compare the nutritional status of CKD patients in continuous peritoneal dialysis (CPD) with and without SHPT.
METHODS: 74 patients were evaluated, including adults and seniors, divided into two groups according to PTH levels. In group 1 (n = 18) levels of PTH higher than 300 pg/mL and in group 2 less than or equal to 300 pg/mL. The nutritional status of patients was assessed by anthropometry, biochemical and subjective global assessment (SGA). Food intake was measured by food record for 3 days. We also collected clinical data, such as calcium and serum phosphorus, and the presence of inflammation was assessed by measuring C-reactive protein ultra-sensitive (CRP US).
RESULTS: The average age of the population studied was 54.97 ± 17.06 years, with predominance of adult patients (58.1%) and females (56.8%). The time of CPD expressed in median was 17 months (7.75-33). Through ASG, it was shown a prevalence of 36.5% of the population undernourished. In the analysis of difference between the groups in relation to anthropometry, biochemical indicators and ASG as well as food intake, there were no differences between the groups.
CONCLUSION: There were no differences in nutritional status and dietary intake between patients with and without SHPT.
Keywords: Nutritional status. Eating. Peritoneal dialysis. Hyperparathyroidism, secondary.
INTRODUÇÃO
O hiperparatireoidismo secundário (HPT2) é uma complicação comum e precoce em pacientes portadores de doença renal crônica (DRC), a qual implica em alta morbimortalidade e dificuldade de controle médico.1 O HPT2 caracteriza-se pela hiperplasia das glândulas paratireoides e hipersecreção de paratormônio (PTH). Dentre os fatores associados à patogênese do HPT2, destacam-se a deficiência de vitamina D, hiperfosfatemia, hipocalcemia, alterações dos receptores de cálcio (CaR) e de vitamina D (VDR) das paratireoides, resistência à ação do PTH e níveis elevados do hormônio fibroblast growth factor 23 (FGF-23).2,3
As alterações fisiopatológicas causadas pela doença resultam em quadro clínico característico, que inclui principalmente dores ósseas e musculares, prurido, calcificação vascular, fraturas ósseas, redução do apetite, alterações do paladar e perda de peso.4,5
Além disso, alterações comumente observadas em pacientes dialíticos, como ingestão alimentar deficiente, perdas de nutrientes durante a diálise, estado inflamatório crônico, intolerância à glicose e distúrbios hormonais, podem ser fatores agravantes e contribuintes para o desenvolvimento da desnutrição energético-proteica (DEP) em indivíduos com HPT2.6
Peters et al.7, ao estudarem os efeitos do HPT2 na composição corporal de pacientes portadores de DRC em programa de hemodiálise, concluíram que os altos níveis de PTH contribuem para os efeitos deletérios na composição corporal de pacientes renais crônicos e piora do seu estado nutricional.
A DEP é uma complicação frequente em pacientes mantidos em diálise peritoneal contínua (DPC). A prevalência de desnutrição varia de 32,9 a 51,2% na forma leve a moderada e de 2,6 a 4,2% para desnutrição grave.8-10
Alterações metabólicas e nutricionais decorrentes da doença e da própria terapia dialítica, como perda de proteínas, aminoácidos e vitaminas hidrossolúveis, supressão do apetite em virtude da absorção contínua de glicose do dialisato, desconforto abdominal, peritonites, diálise pouco eficiente, sobrecarga hídrica, inflamação, acidose metabólica e o HPT2 estão entre as causas da DEP na DPC.11,12
Alguns estudos experimentais em animais têm demonstrado os efeitos deletérios do PTH no metabolismo proteico;13,14 porém, pouco tem sido estudado acerca dos efeitos do HPT2 no estado nutricional de pacientes em diálise.
Considerando assim, que a DEP em pacientes mantidos em DPC constitui um fator de risco para sobrevida e qualidade de vida desses indivíduos e possui associação com o maior risco de morte,9,14 bem como a escassez de estudos sobre o estado nutricional de pacientes renais crônicos em diálise peritoneal com HPT2, este estudo teve como objetivo comparar o estado nutricional de pacientes com DRC em diálise peritoneal contínua com e sem HPT2.
PACIENTES E MÉTODOS
Tratou-se um estudo transversal observacional, realizado nas unidades de tratamento dialítico do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) e da Clínica São Marcos (CSM), Salvador (BA), no período de março a agosto de 2007, envolvendo 74 pacientes.
Participaram do estudo pacientes adultos (> 20 e < 60 anos) e idosos (> 60 anos) de ambos os sexos, em diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) ou diálise peritoneal automatizada (DPA) há pelo menos 3 meses, em uso de dieta via oral e com clearance de creatinina menor do que 10 mL/min para pacientes não diabéticos e menor do que 15 mL/min para pacientes diabéticos.
Foram considerados critérios de exclusão, possuir doença maligna, síndrome da imunodeficiência adquirida e/ou doença inflamatória crônica, abandono da terapia dialítica nos últimos três meses, alcoolismo, insucesso no transplante renal nos últimos seis meses, uso de corticoide, uso de nutrição enteral e/ou nutrição parenteral exclusiva ou associada à dieta via oral.
Para caracterizar a população, foram utilizados dados demográficos, como idade e sexo, e dados clínicos, como a etiologia da doença renal, o tipo de DPC, o tempo de DPC em meses. Foram analisados também dados sobre a adequação da terapia dialítica, através do índice de remoção da ureia (KT/V total) e do clearance de creatinina total semanal; assim como alterações do metabolismo mineral e ósseo, através da dosagem de PTH, cálcio e fósforo séricos e do produto cálcio e fósforo. Os níveis séricos de proteína C reativa ultrassensível (PCR US) foram usados como marcadores de inflamação nos pacientes incluídos no estudo.
A avaliação da terapia dialítica e dos níveis séricos de PTH, cálcio, fósforo e produto cálcio e fósforo seguiram a técnica e recomendação da National Kidney Foundation's Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI).15,16
Para análise do PTH intacto, foi utilizado o método da quimioluminescência e para as dosagens de cálcio e fósforo, o método titulométrico e de Basques e Lustosa, respectivamente. Os níveis de cálcio foram corrigidos pelos níveis de albumina sérica.16 A dosagem de albumina foi realizada pelo método verde de bromocresmol. Os valores foram comparados com os referenciados pelo KDOQI.16
A avaliação da presença de inflamação seguiu os valores de PCR US, pelo método nefelometria, conforme referência da IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemia e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia.17
Os pacientes foram submetidos a uma avaliação nutricional, realizada por equipe treinada, que constou de avaliação antropométrica, parâmetros bioquímicos, avaliação subjetiva global (ASG) e consumo alimentar.
AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA
Para avaliação antropométrica da população foram utilizadas a circunferência do braço (CB), prega cutânea tricipital (PCT), circunferência muscular do braço (CMB), área muscular do braço corrigida (AMBc) e área de gordura do braço (AGB).
A CB foi aferida com uma fita de fibra de vidro com 5 cm de largura no ponto médio entre o acrômio e o olecrano, segundo as recomendações e referências da Organização Mundial de Saúde (OMS).18 Os valores obtidos da CB favoreceram os cálculos da AMBc e CMB segundo referências de Frisancho.19 Os padrões de normalidade utilizados para CMB seguiram as referências do Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III).20
A PCT foi aferida utilizando o adipômetro Lange calibrado antes e após a coleta diária de dados utilizando-se um bloco calibrador, segundo as recomendações e referências da OMS.18
Os valores obtidos das pregas cutâneas favoreceram o cálculo da AGB para adultos segundo referências de Frisancho19 e a estimativa de excesso de tecido adiposo em idosos, de acordo com os percentis do NHANES III.20 O valor obtido da PCT também favoreceu o cálculo da AMBc e da CMB.
PARÂMETROS BIOQUÍMICOS
Os valores das dosagens séricas de ureia, creatinina e albumina foram coletados dos prontuários médicos dos pacientes, após a sua consulta mensal. Os valores de ureia, creatinina e albumina seguiram as recomendações propostas pelo K/DOQI.21
AVALIAÇÃO SUBJETIVA GLOBAL
Foi realizada por meio de modelo proposto pelo Estudo CANUSA (CANADA-USA: peritoneal dialysis study group),8 descrito como uma escala de 4 itens e 7 pontos, que permite a classificação em desnutrição grave, leve ou moderada e estado nutricional adequado.8,21 O Guidelines da National Kidney Foundation21 recomenda o uso desse instrumento devido a sua melhor sensibilidade.
INQUÉRITO ALIMENTAR
A avaliação da ingestão alimentar habitual foi realizada utilizando-se o registro alimentar de três dias (dois dias durante a semana e 1 dia do final de semana). Para o cálculo da ingestão de nutrientes, foi utilizado o Programa Diet Pro versão 4.0.22 Nesse programa utilizou-se como referência a Tabela Americana de Composição dos Alimentos. Alimentos regionais ausentes na tabela foram acrescidos ao programa, utilizando-se a Tabela de Composição Química dos Alimentos do Estudo Nacional da Despesa Familiar23 ou a Tabela de Composição Química dos Alimentos de Philippi.24 A glicose absorvida do dialisato também foi acrescida ao consumo alimentar. Essa glicose foi estimada pela equação proposta por Grodstein et al.25 As médias de consumo de calorias, proteínas, carboidratos, lipídeos, cálcio e fósforo foram calculadas através do Programa Diet Pro versão 4.0 e comparadas às recomendações específicas para pacientes renais segundo Martins.26 Já, os valores de absorção de glicose foram comparados às estimativas de Dinamod e Henrich.27 Como parâmetro de referência para o consumo alimentar de carboidrato, foi utilizada a recomendação específica para pacientes renais em DPC.12
Para identificar a presença de HTP2, foi realizada a dosagem de PTH intacto (PTHi), utilizando-se o método da quimioluminescência. Foram considerados com HTP2 aqueles pacientes com nível sérico de PTHi superior a 300 pg/mL, pois o KDOQI16 recomenda que os indivíduos com DRC estágio 5 mantenham os níveis de PTH sérico entre 150 - 300 pg/mL.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados foram apresentados como média ± desvio-padrão ou mediana para variáveis contínuas e percentagem para variáveis categóricas. Para análise estatística, os dados obtidos foram classificados, por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov, como de distribuição normal (dados paramétricos) e não normal (dados não paramétricos). Na comparação entre dois grupos foi utilizado o teste t de Student para os dados paramétricos e de Mann-Whitney para os não paramétricos. As proporções foram comparadas pelo teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher. O Programa Statistical Package for Social Science (SPSS®, versão 13.0) foi utilizado para todas as análises estatísticas, utilizando-se uma significância de 5% (p < 0,05).
O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia.
RESULTADOS
A média de idade da população estudada foi de 54,97 ± 17,06 anos, com predominância de pacientes adultos (58,1%) e do sexo feminino (56,8%). Quanto à etiologia da DRC, observou-se que 36,5% dos pacientes tiveram como causa da DRC a nefropatia hipertensiva, 24,3% a nefropatia diabética, 23% as doenças primárias (glomerulopatias) e 8,2% referiram outras causas. Em relação à modalidade de DPC, 83,8% realizavam CAPD, enquanto que 16,2% faziam DPA. O tempo de DPC expresso em mediana foi de 17 meses (7,75 - 33).
Dentre os pacientes avaliados, apenas 22,7% possuíam informação sobre adequação dialítica no prontuário. A análise de comparação entre o grupo que apresentava registro de adequação e o que não apresentava demonstrou diferença significativa somente em relação ao tempo de diálise (p = 0,010), sendo de 30 meses (20,5 - 49,5) para o grupo com adequação e de 12 meses (6 - 27,5) para o grupo sem registro de adequação. O KT/V médio da população foi de 2,40 ± 0,56 e o clearance de creatinina semanal médio foi de 61,60 ± 20,09 L/1,73 m².
O nível sérico de PTHi na população expresso em mediana foi de 168,5 pg/mL (76,5 - 286,5) e esse esteve elevado em 24,3% dos pacientes. O cálcio e o fósforo séricos e o produto cálcio e fósforo, expressos em médias foram de 9,1 ± 1,09 mg/dL, 4,41 ± 1,2 mg/dL e 40,29 ± 12,94 mg²/dL², respectivamente, e 54,1% dos pacientes apresentaram níveis de PCR US elevados (> 3 mg/L),17 sendo seu valor expresso em mediana de 3,95 mg/dL (1,03 - 9,5).
Em relação ao estado nutricional, a avaliação antropométrica dos indivíduos adultos permitiu verificar que 9,3% desses apresentavam déficit de tecido adiposo (AGB < P5) e 34,9% apresentavam depleção de tecido muscular (AMBc < P5). Dentre os indivíduos idosos, observou-se que o déficit de tecido adiposo (PCT < P10) esteve presente em 22,6% dos mesmos e a depleção de tecido muscular (CMB < P10) em 38,7%.
Os parâmetros bioquímicos demonstraram que o nível sérico de albumina foi em média 3,01 ± 0,54 mg/dL, de forma que a hipoalbuminemia esteve presente em 78,4% da população. Os valores médios de ureia e creatinina foram de 110,51 ± 29,65 mg/dL e 9,37 ± 3,7 mg/dL, respectivamente.
A avaliação nutricional da população, realizada através da ASG, demonstrou a frequência de 36,5% de DEP, sendo predominantemente na forma leve a moderada (35,1%).
Quanto ao perfil de ingestão alimentar, observou-se que a população estudada apresentou ingestão calórica média de 1799,2 ± 618,76 kcal/dia. De acordo com a distribuição percentual dos macronutrientes, identificou-se que 64,32 ± 8,11% correspondiam aos carboidratos, destes 45,95 ± 9,43% foram provenientes da dieta e 18,35 ± 9,72% oriundos da glicose absorvida do dialisato. O consumo de proteínas foi de 13,58 ± 3,63% e o de lipídio representou 22,25 ± 6,83% do valor calórico total (VCT). O consumo médio diário de cálcio foi de 579,18 ± 328,54 mg e o de fósforo foi de 773,05 ± 369,2 mg.
Quando se dividiu a população em dois grupos, Grupo 1 - PTHi acima de 300 pg/mL (n = 18) e Grupo 2 - PTHi abaixo de 300 pg/mL (n = 56), observou-se que o cálcio e o fósforo séricos, o produto cálcio e fósforo e os níveis séricos de PCR US não apresentaram diferença entre os grupos, conforme demonstrado na Tabela 1.
Os índices de déficit de tecido adiposo e de massa muscular em adultos e idosos, conforme as Tabelas 2 e 3, respectivamente, também não apresentaram diferenças entre os grupos.
Na análise de diferença entre os grupos, em relação aos indicadores bioquímicos e ASG, bem como ingestão alimentar dos pacientes, conforme as Tabelas 4 e 5, respectivamente, também não foram evidenciadas diferenças entre os grupos estudados.
DISCUSSÃO
O HPT2 é uma grande complicação clínica em pacientes com DRC, primeiramente devido a sua prevalência, uma vez que quase todos os indivíduos renais crônicos apresentam algum grau desse distúrbio.28 No Brasil, a prevalência do HPT2 é crescente. Araújo et al.,29 ao estudarem padrões histológicos da osteodistrofia renal, mostraram que as lesões ósseas devido ao HPT2 aumentaram de 32,3% na década de 1980 para 44% nos anos 1990.
No presente estudo, 24,3% dos pacientes apresentaram níveis elevados de PTHi. Os dados disponíveis sobre a prevalência do HPT2 são bastante variáveis. Sherrard et al.30 e Delmez et al.31 demonstraram que aproximadamente um terço dos pacientes em CAPD desenvolvem essa complicação; porém, em estudo mais recente realizado no Canadá, verificou-se uma prevalência de 47% de HPT232. De acordo com Malberti et al.,33 a incidência do HPT2 aumenta com o tempo de diálise, portanto, a menor prevalência de HPT2 pode ter sido atribuída, em parte, ao menor tempo de diálise da nossa população do que foi reportado em outros trabalhos.
O PTH pode exercer um efeito direto no músculo esquelético, uma vez que a administração desse hormônio tem demonstrado afetar a produção, transferência e utilização de energia e o metabolismo de proteínas e aminoácidos no músculo esquelético de ratos.13,14 Portanto, os níveis persistentemente altos de PTH podem contribuir diretamente para a desnutrição, já que promovem alteração no metabolismo proteico e energético, conduzindo à perda de peso, fraqueza e atrofia muscular.13
O PTH é também conhecido por induzir a produção de interleucinas no fígado de ratos e aumentar os níveis circulantes dessas citocinas in vivo. Elevados níveis de interleucina-6 em indivíduos idosos têm sido recentemente associados com menor massa muscular e reduzida força muscular.34
Os estudos de Ritz et al.,35 Visser et al.34 e Rezende et al.36 demonstraram que altos níveis de PTH podem, direta ou indiretamente, exercer uma ação tóxica no metabolismo energético e proteico, induzindo o catabolismo e o balanço nitrogenado negativo, bem como alterações na composição corporal, aumentando, por conseguinte, as limitações funcionais e a mortalidade.
O presente estudo identificou que o déficit nutricional na população estudada ainda é frequente. Os parâmetros antropométricos evidenciaram prevalência considerável de déficit de massa muscular e tecido adiposo entre adultos e idosos, porém, não foram encontrados dados sobre o estado nutricional da população em DP através da antropometria para fins de comparação, já que os estudos utilizam a ASG como indicador nutricional.
A hipoalbuminemia foi bastante prevalente entre os pacientes (78,4%), porém, o nível de albumina da população geral apresentou valor médio superior ao achados de Wang et al.10 A creatinina sérica apresentou valor médio abaixo do recomendado pelo KDOQI21 (> 10 mg/dL). Níveis séricos reduzidos de creatinina sugerem ingestão proteica insuficiente e/ou diminuição da massa muscular e está associada com aumento das taxas de mortalidade em pacientes renais crônicos.21
Por meio da ASG verificou-se uma frequência importante de desnutrição entre a população estudada, mas, ainda assim, o percentual encontrado foi menor do que o observado em alguns estudos, onde a desnutrição alcançou índices de 44,2 e 73,6%, utilizando-se esse mesmo instrumento de avaliação.10,37 A discordância entre o resultado encontrado e o relatado pela literatura pode ter sido influenciado pelas diferentes características clínicas da população.
Existem poucos dados disponíveis sobre o padrão de consumo alimentar de pacientes em DPC. Em nosso estudo, o ponto mais relevante em relação à ingestão alimentar foi a alta contribuição dos carboidratos para o VCT. Observamos que o consumo alimentar desse macronutriente foi superior a 35%12 e a quantidade de glicose absorvida encontrou-se dentro do percentual estimado, de 20 - 30% do VCT.27 Observou-se também consumo de cálcio e fósforo abaixo do recomendado para pacientes em diálise.16
Quando se dividiu a amostra em dois grupos, não foi observado diferenças no estado nutricional e na ingestão alimentar.
Rezende et al.36, ao estudarem o efeito do HPT2 no estado nutricional de pacientes com HPT2, observaram que quanto maior o nível de PTH menor a gordura corporal dos indivíduos em hemodiálise. Vale ressaltar que, até então, não existem estudos que avaliem os efeitos do HPT2 no estado nutricional da população em DPC.
A associação entre a inflamação crônica e os distúrbios do metabolismo mineral e ósseo tem sido documentada.38 Sabe-se, também, que pacientes desnutridos frequentemente possuem sinais de inflamação, caracterizada por aumento nos níveis plasmáticos de PCR e um desequilíbrio entre citocinas pró- e anti-inflamatórias,39 porém, não foram observadas diferenças entre os níveis de PCR US entre os grupos. Isso pode ter contribuído para as semelhanças nos itens da avaliação nutricional dos pacientes com e sem HPT2.
Algumas peculiaridades presentes nos pacientes em DP podem contribuir para a maior preservação do seu estado nutricional. A glicose do dialisato é absorvida em larga escala, já que uma diálise peritoneal convencional resulta em uma situação metabólica quase única, envolvendo absorção de glicose durante 24 h contínuas.40 Sendo assim, esses pacientes apresentam ao longo do tempo alterações na composição corporal, com aumento do peso corporal às custas de tecido adiposo e redução do nitrogênio corporal total, acarretando na perda de massa magra e proteínas.11,12
Os dados sobre a evolução das doenças ósseas em hemodiálise têm sido bem documentados, porém, a história natural do HPT2 na DPC ainda é incerta.41 Sendo assim, os resultados encontrados podem ser indicativos de que o HPT2 na DPC apresenta aspectos clínicos divergentes do que tem sido demonstrado em pacientes mantidos em hemodiálise.
CONCLUSÃO
No presente estudo, não houve diferenças no estado nutricional e na ingestão alimentar entre os pacientes em diálise peritoneal contínua com e sem HPT2. Outros estudos que abordem a relação entre estado nutricional e HPT2 considerando o pareamento da amostra por sexo, idade, tempo de diálise, bem como o controle das variáveis que interferem no estado nutricional, são ainda necessários.
Data de submissão: 18/04/2011
Data de aprovação: 25/04/2012
Suporte financeiro: Universidade Federal da Bahia.
O referido estudo foi realizado no Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos e na Clínica São Marcos - Salvador - BA - Brasil.
Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jul 2012 -
Data do Fascículo
Jun 2012
Histórico
-
Recebido
18 Abr 2011 -
Aceito
25 Abr 2012