Resumos
INTRODUÇÃO: A classificação de RIFLE define três classes de gravidade da lesão renal aguda (LRA): Risco, Injúria e Falência; foi associada à mortalidade conforme a gradação da gravidade da LRA, porém, é pouco avaliada em estudos prospectivos. OBJETIVO: Analisar prospectivamente a associação da classificação de RIFLE com a mortalidade em pacientes criticamente enfermos. MÉTODO: Estudo de coorte prospectiva de 200 pacientes admitidos na unidade de Terapia Intensiva (UTI), no período de julho/2010 a julho/2011. Os pacientes incluídos eram maiores de 18 anos, permaneceram por mais de 24 horas na UTI e assinaram o termo de consentimento livre esclarecido. RESULTADOS: A frequência da LRA na UTI foi de 47% (n = 95), sendo o RIFLEmáximo: Risco 4,5% (n = 9), Injúria 11% (n = 23) e Falência 31,5% (n = 63). A mortalidade geral na UTI foi de 25,5% (n = 51). O RIFLE categorizado em RIFLEmáximo classe Injúria + Falência, apresentou maior mortalidade quando comparado ao subgrupo categorizado sem LRA + com LRA classe Risco (53,3% vs. 4,4). A maior classe de RIFLE alcançado apresentou maior risco relativo em associação à mortalidade: χ2 de Person = 62,2, RR = 7,46 IC: 3,2-17,2; p < 0,001. O RIFLE categorizado em RIFLEmáximo classe Injúria + Falência, o TISS-28 e o escore SOFAmáximo não renal associaram-se independentemente à mortalidade na UTI. CONCLUSÃO: A gravidade da LRA, de acordo com critério de RIFLE foi um marcador de risco para mortalidade nessa população. O grupo com LRA classe Injúria + Falência, foi associado a maior mortalidade quando comparado ao subgrupo sem LRA + com LRA que permaneceu na classe Risco.
apache; lesão renal aguda; mortalidade; prognóstico; unidades de terapia intensiva
INTRODUCTION: The recent RIFLE classification defines three degrees for severity of acute kidney injury (AKI): RISK, INJURY and FAILURE and was associated with mortality according to the grading of the severity of AKI, but little valued at prospective studies. OBJECTIVE: To evaluate the association of RIFLE score with mortality in critically ill patients and compare the clinical characteristics between them. METHOD: An observational prospective cohort study of 200 patients admitted to the ICU, from July/2010 to July/2011. Patients included were older than 18 years, had for more than 24 hours in the ICU and signed the Term of informed consent. RESULTS: The frequence of AKI in the ICU was 47% (n = 95), the maximum RIFLE: Risk 4.5% (n = 09), Injury 11%(n = 23) and Failure 31.5% (n = 63). The ICU mortality was 25.5% (n = 51). The RIFLE categorized into class RIFLEmaximum class Injury + Failure had a higher mortality compared to the subgroup categorized No LRA + AKI Risk class (53.3% vs. 4.4%) and the greater the relative risk of the patient so classified: RR = 3.3 (95%: 2.5 to 4.4) p < 0.001. RIFLE categorized as RIFLEmaximum class Injury + Failure and SOFAmaximum score, independently associated with ICU mortality after adjustment for multiple variables. CONCLUSION: The severity of AKI according to RIFLE criteria was a risk marker for mortality in this population. The LRA group class Injury + Failure was associated with increased mortality when compared to the subgroup Without AKI + AKI that remained in Risk class even after adjustments for multiple variables.
acute kidney injury; apache; intensive care units; mortality; prognosis
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Classificação de RIFLE: análise prospectiva da associação com mortalidade em pacientes críticos
Katia de Macedo WahrhaftigI; Luis Cláudio Lemos CorreiaII; Carlos Alfredo Marcílio de SouzaIII
IReal Beneficência Espanhola
IIUniversidade Federal da Bahia. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
IIIFederal de Goiás
Correspondência para Correspondência para: Katia de Macedo Wahrhaftig Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Departamento de Pós Graduação em Medicina e Saúde Humana Rua Artesão João da Prata, nº 154, apto. 403, Itaigara Salvador, Bahia. CEP: 41815-210 Tel: (71) 3276-8265.
RESUMO
INTRODUÇÃO: A classificação de RIFLE define três classes de gravidade da lesão renal aguda (LRA): Risco, Injúria e Falência; foi associada à mortalidade conforme a gradação da gravidade da LRA, porém, é pouco avaliada em estudos prospectivos.
OBJETIVO: Analisar prospectivamente a associação da classificação de RIFLE com a mortalidade em pacientes criticamente enfermos.
MÉTODO: Estudo de coorte prospectiva de 200 pacientes admitidos na unidade de Terapia Intensiva (UTI), no período de julho/2010 a julho/2011. Os pacientes incluídos eram maiores de 18 anos, permaneceram por mais de 24 horas na UTI e assinaram o termo de consentimento livre esclarecido.
RESULTADOS: A frequência da LRA na UTI foi de 47% (n = 95), sendo o RIFLEmáximo: Risco 4,5% (n = 9), Injúria 11% (n = 23) e Falência 31,5% (n = 63). A mortalidade geral na UTI foi de 25,5% (n = 51). O RIFLE categorizado em RIFLEmáximo classe Injúria + Falência, apresentou maior mortalidade quando comparado ao subgrupo categorizado sem LRA + com LRA classe Risco (53,3% vs. 4,4). A maior classe de RIFLE alcançado apresentou maior risco relativo em associação à mortalidade: χ2 de Person = 62,2, RR = 7,46 IC: 3,2-17,2; p < 0,001. O RIFLE categorizado em RIFLEmáximo classe Injúria + Falência, o TISS-28 e o escore SOFAmáximo não renal associaram-se independentemente à mortalidade na UTI.
CONCLUSÃO: A gravidade da LRA, de acordo com critério de RIFLE foi um marcador de risco para mortalidade nessa população. O grupo com LRA classe Injúria + Falência, foi associado a maior mortalidade quando comparado ao subgrupo sem LRA + com LRA que permaneceu na classe Risco.
Palavras-chave: apache, lesão renal aguda, mortalidade, prognóstico, unidades de terapia intensiva.
Introdução
A insuficiência renal aguda (IRA) é definida como a redução abrupta da função renal, comum em pacientes hospitalizados e associados ao pior prognóstico. Como reflexo do interesse e da preocupação da classe médica nessa área, inúmeros trabalhos científicos foram publicados abordando o assunto. A falta de um consenso na definição da IRA dificultou a produção científica e os avanços nas pesquisas sobre o tema.1
Em 2004, o Acute Dialysis Quality Initiative - um grupo de nefrologistas - publicou a classificação de RIFLE, numa tentativa de uniformizar a definição da insuficiência renal aguda. A denominação RIFLE se refere ao acrônimo Risk (risco de disfunção renal); Injury (injúria/lesão para o rim); Failure (falência da função renal); Loss (perda da função renal) e End stage renal disease (doença renal em estágio terminal).2 O RIFLE estabelece que as três primeiras classes mais sensíveis e referentes a graus de gravidade da disfunção renal são avaliadas por mudanças relativas no valor do nível sérico da creatinina ou na taxa de filtração glomerular (TFG) a partir de um valor basal e na redução da medida do fluxo urinário calculado por quilo de peso em um tempo específico. Já os dois últimos critérios são mais específicos, possuem caráter evolutivo e são definidos pela duração da perda da função renal. A gravidade da lesão renal aguda é determinada pelo mais grave entre os dois parâmetros, a mudança relativa do nível de creatinina sérica (SCr), ou taxa de filtração glomerular (TFG), e o fluxo urinário(DU) (Tabela 1).
Nesse trabalho será usado o termo lesão renal aguda (LRA), com o correspondente em inglês AKI(Acute Kidney Injury), referindo-se a uma síndrome clínica complexa que causa mudanças tanto estruturais como funcionais nos rins.3
A classificação de RIFLE surgiu com o objetivo de estabelecer a presença ou ausência da doença em um dado paciente ou situação e descrever a gravidade dessa síndrome, não para predi-zer mortalidade ou evolução adversa, embora seja lógico associar que a doença mais grave resulte em pior evolução.2,3
Em 2008, Ricci et al.4 publicaram uma revisão sistemática de 24 estudos que descrevem a epidemiologia da lesão renal aguda e procuram avaliar sua associação com a gravidade de doença aplicando a classificação de RIFLE. Eles constataram uma grande heterogeneidade nos métodos de estudos realizados. É válido ressaltar que diferentes interpretações nos critérios de RIFLE podem produzir diferentes resultados epidemiológicos.5 No entanto, apesar das diferenças de método entre os estudos, os resultados evidenciaram uma associação da classificação de RIFLE com a mortalidade, pois o risco de morte aumenta na medida em que aumenta a gravidade da doença.6,7 Apesar de idealizado para ser avaliado em estudos prospectivos, sua validação foi extensamente estudada em modelos retrospectivos.
Assim, considerando que a lesão renal aguda é uma entidade clínica complexa muito frequente, sobretudo em pacientes críticos, com importante impacto nos desfechos fatais desses pacientes e que há poucos estudos brasileiros prospectivos sobre o critério de classificação de RIFLE, decidiu-se realizar um estudo observacional do tipo coorte prospectiva, com o objetivo de analisar associação da classificação de RIFLE à mortalidade em pacientes criticamente enfermos. Um desenho prospectivo aplicado em UTI geral torna a avaliação mais próxima da realidade diária dos cuidados da Terapia Intensiva.
Método
População estudada
Os critérios de inclusão foram idade acima dos 18 anos e tempo de permanência maior que 24 horas em uma das Unidades de Terapia Intensiva, na cidade de Salvador, Bahia-Brasil, de julho de 2010 até julho de 2011. Foram incluídos aqueles que assinaram o termo de consentimento livre esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram história de doença renal crônica ou transplante renal e tempo de permanência até 24 horas na UTI. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética Médica em Pesquisa da Real Sociedade Espanhola de Beneficência.
Protocolo do estudo
O acompanhamento dos pacientes foi observacional e prospectivo durante a permanência do paciente na UTI até seu desfecho, alta ou óbito. O pesquisador não era membro da equipe de assistência aos pacientes do estudo e não participou das decisões terapêuticas relativas a esses indivíduos. Diariamente, foram coletados do prontuário médico por meio de protocolo, informações sobre identificação do paciente, condições associadas a sua internação, evolução clínica e dados laboratoriais pertinentes a sua análise.
O critério da medida do fluxo urinário foi adaptado. Embora todos os pacientes estivessem em uso de sonda vesical de permanência, permitindo a medida contínua e o registro a cada hora do fluxo urinário pela enfermagem, apenas o volume acumulado nas 24 horas foi avaliado e o peso dos pacientes foi estimado em 60 kg, considerando o peso médio de adultos eutróficos. Os pacientes foram agrupados nas seguintes categorias: fluxo urinário < 30 ml/h (Risco), < 18 ml/h (Injúria) e < 4 ml/h (Falência). Posteriormente, foram realizadas as análises dos critérios para diagnóstico e a classificação da lesão renal aguda. O desfecho de interesse foi mortalidade na UTI.
A classificação de RIFLE foi utilizada, obedecendo aos pré-requisitos orientados pelo Acute Dialysis Quality InitiativeGroup (ADQI)2 para definição e classificação da insuficiência renal aguda. Não se considerou os critérios evolutivos do RIFLE: perda da função renal (Loss) e estágio final da função renal (End stage renal). A ADQI recomendou o uso da equação da MDRD como opção para a falta da creatinina sérica. O valor da creatinina sérica basal, nesse estudo, foi estabelecido pelo menor valor da creatinina que antecedeu a admissão na UTI. Nos casos em que se desconhecia o valor da creatinina basal prévia, o valor da creatinina basal foi calculada pela fórmula do MDRD-simplificada, assumindo como valor da TFG "normal" aproximadamente 75 ml/min/1,73m2.
TFG = 186 x-│Scr│-1,154 x│Idade│-0,203 x │0,742 se sexo feminino│x│1,210 se raça negra│
Chamou-se de RIFLE-1 a primeira classificação dos pacientes com LRA considerando qualquer tempo de permanência na UTI e denominou-se RIFLEmáximo como o maior critério de classificação. A população estudada foi categorizada em dois grupos: grupo de pacientes sem lesão renal aguda + lesão renal aguda RIFLEmáximo classe Risco e outro grupo representado por pacientes com lesão renal aguda RIFLEmáximo classe Injúria + Falência.
Para definição de Sepse e Choque séptico foram utilizados os Critérios de Definições da Conferência de Consenso de 1991 do American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference Committee. The ACCP/SCCM Consensus Conference: (CHEST 1992;101:1644-55) na qual se considera: Síndrome da resposta inflamatória sistêmica ("Systemic inflamatory response syndrome") - SIRS. Como uma resposta do organismo a situações diversas, por exemplo, trauma, grande queimado, infecções sistêmicas etc. Na presença de pelo menos dois critérios: a-Temperatura corporal > 38C ou < 36C; b-Frequência cardíaca > 90 bpm.; c-Frequência respiratória > 20irpm ou PCo2 < 32 mmhg; d-Leucócitos > 12.000 cels/mm3 ou < 4000 cel/mm3 ou presença de 10% de bastões. -SEPSE: Quando a SIRS é decorrente de um processo infeccioso comprovado. -Choque séptico: Quando presente hipotensão ou hipoperfusão induzida pela sepse refratária à reanimação volêmica adequada, requerendo a introdução de drogas vasoativas. Embora todos os dados fisiológicos e laboratoriais necessários para preencher os critérios de definição tenham sido coletados pelos pesquisadores como parte do banco de dados desse estudo, as definições de sepse ou choque séptico foram de responsabilidade da equipe médica que assistiu aos pacientes na UTI e registrados nos respectivos prontuários como item da lista de problemas.
Os escores prognósticos APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation)8 e SOFA(Sequencial Organ Failure Assement)9 foram calculados, na admissão, no dia do RIFLE-1 e no dia do RIFLEmáximo para evitar viés de tempo dependente. O escore TISS-28 (Therapeutic Interventions Scoring System)10 foi calculado apenas na admissão. Os escores foram calculados com e sem a pontuação pertinente a disfunção renal para análise de gravidade de doença. Para o cálculo dos escores, foram utilizados os valores mais alterados dos dados vitais e exames de laboratório. Nos pacientes sedados, a escala de coma de Glasgow (ECG) foi registrada como o estado de consciência mensurado imediatamente antes da sedação. Foram coletados todos os dados necessários para o cálculo dos escores prognósticos.
Análise estatística
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software SPSS versão 17.0 (SPSS INC. Chicago, IL USA). Estatísticas descritivas foram utilizadas na caracterização da população. Apresentaram-se as variáveis contínuas como média ± desvio-padrão ou valor mínimo - valor máximo ou como mediana (intervalo interquartil, 25%-75%) de acordo com a distribuição. A comparação de médias foi realizada por meio do Teste t, quando distribuição normal ou TesteU de Mann-Whitney, quando não. As variáveis categóricas foram analisadas mediante Teste do χ2 ou Teste exato de Fisher quando assim não fosse possível.
Realizaram-se análise univariada e regressão logística para avaliar o impacto das diferentes características basais que se apresentaram estatisticamente significantes na ocorrência da lesão renal aguda mais grave e mortalidade. A priori, as variáveis analisadas foram uso de diuréticos na admissão na UTI, os escores TISS-28 e o APACHE II não renal calculados na admissão na UTI e o escore SOFA não renal calculado no dia do RIFLEmáximo. Os escores calculados sem a pontuação pertinente a disfunção renal foram escolhidos para evitar a multicolinearidade.
A mortalidade e o tempo de sobrevida entre os dois grupos da amostra classificados pelo RIFLEmáximo foram analisados utilizando como variável tempo a permanência na UTI a partir do dia do diagnóstico de RIFLE, por meio do teste de χ2 e da curva de sobrevida de Kaplan-Meier. Para a análise comparativa entre os dois grupos, utilizou-se o teste de Long-Rank. Pacientes que receberam alta da UTI foram censurados.
Resultados
No período estudado foram avaliados 200 pacientes, 53,3% (n = 107) do sexo feminino, com idade média de 66 anos (± 16,7). As admissões clínicas foram mais frequentes que as admissões cirúrgicas (67,5% vs. 32,5%), sendo 27,3% por comprometimento do trato respiratório, seguida de 26,3% por lesões neurológicas e 21,7% por causas cardíacas. O tempo de permanência na UTI foi 12 (IQ: 4-17) dias (Tabela 2).
As causas mais frequentes associadas ao desenvolvimento de lesão renal aguda foram: choque séptico 74,2% (n = 42) e sepse 22,5% (n = 20), seguida de baixo débito cardíaco 17% e outras causas 12 (13,4%). A frequência de lesão renal aguda à admissão na UTI foi 36% (n = 72) e 47,5% (n = 95) no dia da alta ou óbito.
Nove pacientes (4,5%) foram classificados como RIFLEmáximo Risco, 23 (11%) Injúria e 63 (31,5%) Falência (Figura 1).
A mortalidade geral na UTI foi de 25,5% (n = 51), sendo 53,3% e 4,4% no subgrupo com LRA RIFLEmáximo Injúria + Falência e no subgrupo sem LRA + RIFLEmáximo Risco, respectivamente. Observou-se que o RIFLEmáximo Injúria + Falência foi associado à mortalidade com o Risco Relativo = 7,46 (IC: 3,2-17,2 p < 0,001), χ2 de Person = 62,2 df.1
O RIFLE categorizado em RIFLEmáximo classe Injúria + Falência, os escores TISS-28 e SOFAmáximo não renal mostraram-se independentemente associados à mortalidade, mesmo após ajuste para outras variáveis (Tabela 3).
A mortalidade aos 20 e 30 dias de internamento na UTI foi respectivamente de 55% e 80% para o grupo RIFLEmáximo Injúria + Falência enquanto o grupo Sem LRA + RIFLEmáximo Risco foi 20% após 20 dias de internamento na UTI, permanecendo estável por todo o período de estudo, na comparação entre as duas curvas de sobrevida o teste de long-rank, mostrou p < 0,001 (Figura 2).
O grupo de pacientes categorizado em Sem LRA + LRA RIFLEmáximo classe Risco e grupo representado por pacientes com lesão renal aguda RIFLEmáximo classe injúria + falência diferiram entre si quanto à idade (p < 0,002). O grupo com LRA classe Injúria + Falência estava mais em uso de diuréticos (p < 0,001), assim como de drogas vasoativas (p < 0,001), de ventilação mecânica (p < 0,001) e múltiplas medicações (p < 0,001) à admissão na UTI (Tabela 4) e apresentaram valores dos escores APACHE II e SOFA mais altos tanto à admissão na UTI, como no dia do diagnóstico da lesão renal aguda e no dia que atingiram o RIFLEmáximo, mesmo após retirada a pontuação correspondente a alteração da função renal. Do mesmo modo, que apresentaram valores mais altos do escore TISS-28 à admissão (Tabela 5).
Dos pacientes classificados inicialmente como Risco, 40% evoluíram para uma fase mais grave de doença, Injúria (6,7%) ou Falência (33,3%), enquanto que 26,3% tiveram uma recuperação total da função renal e 14,7% tiveram uma recuperação parcial. Dentre os pacientes que recuperaram a função renal total ou parcialmente, 18% morreram.
Nenhum paciente inicialmente classificado como Risco, e que permaneceu nessa fase de classificação, foi a óbito.
Discussão
Ao encontrar uma frequência de lesão renal aguda de 47%, confirmou-se a alta frequência de lesão renal aguda em ambientes de cuidados críticos. No entanto, foi inferior ao resultado encontrado por Hoste et al.1 (67%) e pelo estudo de Piccinni et al. (2010) 65,3%, porém, bem acima dos 35,8% de incidência de lesão renal aguda publicada por Ostemann7 e 36% descrita por Bagshaw (2007).11 As possíveis explicações para as divergências entre os valores encontrados são as diferenças metodológicas entre esses estudos. A frequência de lesão renal aguda observada por Santos12 e por De Abreu et al.,13 em nosso meio, está mais próxima da frequência relatada no presente estudo. Ambas mostraram que 40,3% de seus pacientes desenvolveram lesão renal aguda.
Comprovou-se, no presente estudo, que o grupo com lesão renal aguda categorizado pela classificação de RIFLEmáximo como LRA Injúria + Falência, foi independentemente associado à maior mortalidade e apresentou um maior risco relativo do paciente assim classificado (Risco Relativo = 7,46 IC: 3,2-17,2 p < 0,001). Em 2008, Ricci et al.4 verificaram que a classificação de RIFLE estava associada ao Risco Relativo (RR) de morte de forma progressiva com o aumento do escore de classificação. A classe Risco "R" estava associada a RR 2,40 (95% IC 1,94-2,97) de morte em relação aos pacientes sem lesão renal aguda, enquanto as classes Injúria "I" e Falência "F" estavam associadas com 4,15 (95% IC 3,14-5,48) e 6,37 (95% IC 5,14-7,9) de mortalidade, respectivamente. Estudos anteriores também mostraram resultados semelhantes.1,7,11,14,15 Apenas dois estudos, os desenvolvidos por Bell et al.16 e por Macarriello et al.17 não confirmaram esses resultados. Ambos procuraram avaliar essa associação em uma população de pacientes em terapia renal substitutiva (TRS). Isso pode ter sido produzido pelo fato de que o critério de RIFLE ter sido utilizado no início da TRS.
Entretanto, demonstrou-se que os pacientes que desenvolveram lesão renal aguda apresentaram-se mais gravemente doentes, representados por valores mais altos dos escores prognósticos SOFA, APACHE II e foram mais agressivamente tratados à admissão na UTI, representados por valores mais altos do escore TISS-28, quando comparado aos pacientes sem lesão renal (dados não demonstrados). Esse fato também esteve associado à gravidade da lesão renal, ou seja, quanto maior a classe de RILE alcançada maior o valor dos escores prognósticos calculados, tanto à admissão quanto no dia do desenvolvimento da lesão renal e no dia que atingiram o RIFLEmáximo, mesmo após subtraída dos valores dos escores a pontuação equivalente à disfunção renal. Esses resultados estão em concordância com estudos anteriores1,18. Isso demonstra que o desenvolvimento da LRA, no ambiente de cuidados intensivos provavelmente faça parte de um comprometimento sistêmico mais grave de doenças (como SEPSE e o choque séptico) e que a gravidade da lesão renal está diretamente associada à mortalidade.
As alterações fisiopatológicas inerentes à disfunção renal aguda ou os efeitos adversos da terapia renal substitutiva podem ser considerados como fatores coadjuvantes, apesar da melhor eficiência da tecnologia nessa área, bem como da redução da morbidade.11,19,20 Nesse sentido, os procedimentos médicos utilizados têm mais prorrogado o tempo de hospitalização sem reduzir a mortalidade. Porém, se a lesão renal aguda é um fator preditivo independente de risco de morte ou um mero coadjuvante de um estado mais grave da doença, ainda é controverso.20-23
Clermont et al. (2002),22 em um estudo prospectivo e multicêntrico, ao comparar o impacto da insuficiência renal aguda e crônica na evolução de pacientes críticos, perceberam que os pacientes com lesão renal aguda que não necessitaram de diálise apresentaram uma mortalidade maior que os pacientes sem lesão renal aguda. Por sua vez, a mortalidade apresentada pelos pacientes com lesão renal aguda que necessitaram de diálise foi duas vezes maior que aquela apresentada por pacientes com insuficiência renal crônica, sugerindo que o aumento da mortalidade associada à lesão renal aguda não é simplesmente pela perda da função do órgão isoladamente e, sim, por toda circunstância clínica que envolve essa síndrome.
O critério de classificação de RIFLE permite avaliar a progressão da lesão renal.11 A lesão renal aguda mostrou sua condição clínica dinâmica em que categorias mais leves progridem para condições mais graves.1 Mostrou-se, neste estudo, que 40% dos pacientes classificados como RIFLE classe risco progrediram para classe mais grave, Injúria ou Falência e que tal progressão teve importantes implicações prognósticas. Entretanto, nenhum paciente inicialmente classificado com lesão renal aguda classe Risco e que permaneceu nesta fase de classificação, foi a óbito.
Hoste et al.1 foram os primeiros a avaliar a progressão da lesão renal aguda em uma grande amostra de pacientes críticos. Em seu estudo, Hoste classificou os pacientes com lesão renal aguda pela classificação de RIFLE com o escore máximo (RIFLEmáximo). O conceito de RIFLEmáximo para Hoste, assim como neste estudo, foi o maior escore de classificação apresentado durante a permanência na UTI. Hoste mostrou que 50% dos pacientes que desenvolveram lesão renal aguda classificados por RIFLE com classe Risco, evoluíram para classe Injúria ou Falência; também o estudo de Piccinni et al. (2011),18 realizado com objetivo de determinar a epidemiologia da lesão renal aguda em 10 UTIs na Itália, demonstrou que dos pacientes inicialmente classificados como Risco 38% progrediram para classe Injúria ou Falência e tiveram pior desfecho. Entretanto, daqueles que recuperaram a função renal total ou parcialmente, 18% dos pacientes do presente estudo e 14,7% do estudo de Piccinni et al. morreram mesmo assim.
No presente estudo, a idade avançada não se associou à gravidade da LRA. No estudo de Hoste, a associação de idade avançada e maior valor no escore de gravidade de doença com a ocorrência de lesão renal aguda não se aplicou aos grupos de pacientes com lesão renal aguda classificados pelo RIFLE que progrediram para o grau mais grave de classificação, ou seja, pacientes que progrediram para a classificação de RIFLE Injúria ou Falência não foram mais velhos, nem ao menos os seus valores de escores de gravidade de doença, mesmo após subtraída a pontuação correspondente a disfunção renal, foram mais altos que aqueles que permaneceram na classe Risco, confirmando que a gravidade da lesão renal aguda associa-se à mortalidade. Não foi possível confirmar esses dados no presente estudo em virtude da pequena amostra de pacientes com lesão renal aguda classificados como RIFLE Risco.
É bem verdade que o presente estudo tem suas limitações. Os pacientes avaliados são provenientes de um único centro de pesquisa. Isso exige, de certa forma, cautela na extrapolação dos dados aqui apresentados para outros serviços. Outra limitação foi a dificuldade na abordagem aos futuros candidatos ao estudo ou a seus familiares, em virtude da grave condição clínica nessa população e, consequentemente, o recrutamento desses pacientes, o que impossibilitou uma amostra maior. O ADQI group recomendou o uso da equação da MDRD como opção para a falta da creatinina sérica. Sendo essa equação uma estimativa da creatinina, os resultados publicados sobre a sua acurácia são conflitantes. Embora o valor estimado da creatinina sérica tenha sido utilizado em apenas 20% da amostra desse estudo, o emprego dessa determinação pode ter contribuído para erros de classificação. Sabe-se que a creatinina sérica calculada não substitui a creatinina real, mas a validação da MDRD não foi o objetivo desse estudo.
Por outro lado, existem poucos trabalhos brasileiros que procuraram avaliar o escore de RIFLE em uma análise prospectiva e obedecendo às normas preditas pelo ADQI. Uma análise "em tempo real" permite a aproximação da realidade diária dos cuidados da terapia intensiva e dar mais confiabilidade dos dados coletados e às análises estatísticas realizadas.
Os resultados indicam que a frequência de lesão renal aguda em UTI continua alta. Os pacientes críticos que desenvolvem lesão renal aguda são pacientes mais gravemente doentes e mais agressivamente tratados; a classificação de RIFLE é um instrumento de fácil aplicabilidade e útil para definição e classificação da lesão renal aguda em pacientes críticos; que a gravidade da lesão renal está associada à gravidade de doença e à mortalidade nessa população, mas atuar nos casos de lesão renal aguda quando eles já atingiram seu RIFLEmáximo, pode significar tempo e esforços perdidos. Novos estudos devem ser direcionados à análise da população quando na classe de Risco, cuja própria denominação sugere, tem alta probabilidade de progredir às categorias mais severas e com desfechos muitas vezes irreversíveis e fatais.
Data de submissão: 07/06/2012.
Data de aprovação: 09/11/2012.
ERRATA
Volume 34 Edição 4 - Out/Dez 2012
Classificação de RIFLE: análise prospectiva da associação com mortalidade em pacientes críticos
RIFLE Classification: prospective analysis of the association with mortali ty in critical ill patients
Katia de Macedo Wahrhaftig, Luis Cláudio Lemos Correia, Carlos Alfredo Marcílio de Souza
Devido a um equívoco, a Tabela 5 não foi publicada, na página 376 da versão em português da revista, segue abaixo:
Referências bibliográficas
- 1. Hoste EA, Clermont G, Kersten A, Venkataraman R, Angus DC, De Bacquer D, et al. RIFLE criteria for acute kidney injury are association with hospital mortality in critically ill patients: a cohort analysis. Crit Care 2006;10:R73.
- 2. Bellomo R, Ronco C, Kellum JA, Metha RL, Palevsky P; Acute Dialysis Quality Initiative workgroup. Acute renal failure- definition, outcome measures, animal models, fluid therapy and information technology needs: the Second international Consensus Conference of the Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI) Group. Crit Care 2004;8:R204-12.
- 3. Hoste EA, Kellum JA. Acute kidney Injury: epidemiology and diagnostic criteria. Curr Opin Crit Care 2006;12:531-7.
- 4. Ricci Z, Cruz D, Ronco C. The RIFLE criteria and mortality in acute kidney injury: a systematic review. Kidney Int 2008;73:538-46.
- 5. Zappitelli M, Parikh CR, Akcan-Arikan A, Washburn KK, Moffett BS, Golsdtein SL. Ascertainment and epidemiology of acute kidney injury varies with definition interpretation. Clin J Am Soc Nephrol 2008;3:948-54.
- 6. Murugan R, Kellum JA. Acute kidney injury: what´s the prognosis? Nat Rev Nephrol 2011;7:209-17.
- 7. Ostermann M, Chang RW. Acute kidney injury in the intensive care unit according to RIFLE. Crit Care Med 2007;35:1837-43.
- 8. Knaus WA, Draper EA, Wagner DP, Zimmerman JE. APACHE II: a severity of disease classification system. Crit Care 1985;13:818-29.
- 9. Vincent JL, Moreno R, Takala J, Willatts S, De Mendonça A, Bruining H, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. On behalf of the Working Group on Sepsis-Reated Problems of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med 1996;22:707-10.
- 10. Miranda DR, Rijk AP, Schaufeli W. Simplified Therapeutic Intervention Scoring System: the TISS-28 items--results from a multicenter study. Crit Care Med 1996;24:64-73.
- 11. Bagshaw SM, George C, Dinu I, Bellomo R. A multi-centre evaluation of the RIFLE criteria for early acute kidney injury in critically ill patients. Nephrol Dial Transplant 2008;23:1203-10.
- 12. Santos ER. RIFLE: association with mortality and length of stay in critically ill acute kidney injury patients. Rev Bras Ter Intensiva 2009;21:359-68.
- 13. de Abreu KL, Silva Júnior GB, Barreto AG, Melo FM, Oliveira BB, Mota RM, et al. Acute kidney injury after trauma: prevalence, clinical characteristics and RIFLE classification. Indian J Crit Care Med 2010;14:121-8.
- 14. Lopes JA, Fernandes P, Jorge S, Gonçalves S, Alvarez A, Costa e Silva Z, et al. Acute kidney injury in intensive care units patients: a comparison between the RIFLE and the Acute Kidney Injury Network classifications. Crit Care 2008;12:R110.
- 15. Uchino S, Bellomo R, Goldsmith D, Bates S, Ronco C. An assessment of the RIFLE criteria for acute renal failure in hospitalized patients. Crit Care Med 2006;34:1913-7.
- 16. Bell M, Liljestam E, Granath F, Fryckstedt J, Ekbom A, Martling CR. Optimal follow-up time after continuous renal replacement therapy in actual renal failure patients stratified with the RIFLE criteria. Nephrol Dial Transplant 2005;20:354-60.
- 17. Maccariello E, Soares M, Valente C, Nogueira L, Valença RV, Machado JE, Rocha E. RIFLE classification in patients with acute kidney injury in need of renal replacement therapy. Intensive Care Med 2007;33:597-605.
- 18. Metha RL, Pascual MT, Soroko S, Savage BR, Himmelfarb J, Ikizler TA, et al. Spectrum of acute renal failure in the intensive care unit: the PICARD experience. Kidney Int 2004;66:1613-21.
- 19. Hoste EA, Schurgers M. Epidemiology of acute kidney injury: how big is the problem? Crit Care Med 2008;36:S146-51.
- 20. Ponce D, Zorzenon CPF, Dos Santos NY, Teixeira UA, Balbi AL. Acute kidney injury in intensive care unit patients: a prospective study on incidence, risk factors and mortality. Rev Bras Ter Intensiva 2011;23:321-6.
- 21. Bucuvic EM, Ponce D, Balbi AL. Risk factors for mortality in acute kidney injury. Rev Assoc Med Bras 2011;57:158-63.
- 22. Clermont G, Acker CG, Angus DC, Sirio CA, Pinsky MR, Johnson JP. Renal failure in the ICU: comparison of the impact of acute renal failure and end-stage renal disease on ICU outcomes. Kidney Int 2002;62:986-96.
- 23. Park WY, Hwang EA, Jang MH, Park SB, Kim HC. The risk factors and outcome of acute kidney injury in the intensive care units. Korean J Intern Med 2010;25:181-7.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
-
Recebido
07 Jun 2012 -
Aceito
09 Nov 2012