Open-access Avaliação da capacidade funcional e pulmonar em pacientes pediátricos transplantados renais

Resumos

INTRODUÇÃO: Pacientes pediátricos submetidos a transplante renal podem apresentar alterações na função pulmonar, bem como na capacidade funcional para o exercício. OBJETIVO: Avaliar a capacidade funcional e capacidade pulmonar de crianças e adolescentes submetidas a transplante renal. MÉTODO: Foram avaliadas crianças e adolescentes com idade entre 6 e 18 anos em acompanhamento no ambulatório de Nefrologia do Hospital da Criança Santo Antônio, Santa Casa de Porto Alegre-RS, Brasil, no período de junho de 2010 a março de 2011. A capacidade pulmonar foi avaliada por meio da espirometria e das pressões respiratórias máximas e a capacidade funcional pelo Teste da Caminhada dos 6 minutos (TC6). RESULTADOS: A amostra foi composta por 25 pacientes, sendo 14 (56%) do sexo masculino, com média de idade de 13,5 ± 3,3 anos. Destes, 19 (76%) realizaram hemodiálise anterior ao transplante. A média da Capacidade Vital Forçada (CVF) foi 97,91 ± 24,32% e o Volume Expiratório Forçado no primeiro segundo (VEF1) foi 100,53 ± 17,66% do valor predito. No TC6, os pacientes caminharam 229,14 metros menos do que o predito (p < 0,001). A Pressão Inspiratória Máxima (PiMáx) foi significativamente menor que o predito, com uma diferença de -24,63 cmH2O (p = 0,03), assim como a Pressão Expiratória Máxima (Pe-Máx), com uma diferença de 49,27 cmH2O (p < 0,001). Ao correlacionarmos capacidade funcional, espirometria e pressões respiratórias máximas, encontramos associação entre CVF e TC6 (r = 0,52, p = 0,01) e CVF e PiMáx (r = 0,54 e p = 0,01). CONCLUSÃO: Os pacientes transplantados apresentaram diminuição da capacidade funcional, bem como das pressões respiratórias máximas. Quanto melhor a capacidade funcional e a PiMáx, melhor a CVF.

adolescente; espirometria; exercício; transplante de rim


INTRODUCTION: Pediatric patients undergoing kidney transplantation can present changes in pulmonary function and functional capacity for exercise. OBJECTIVE: To evaluate the functional capacity and pulmonary function in children and adolescents undergoing kidney transplantation. METHOD: Children and adolescents aged six to 18 years of age were evaluated in Outpatient Clinic of Nephrology, Hospital da Criança Santo Antônio, Santa Casa de Porto Alegre, RS, Brazil in period the june of 2010 the march of 2011. Pulmonary capacity was assessed by spirometry and maximal respiratory pressures and functional capacity through 6-minute walk test (6MWT). RESULTS: The sample comprised 25 patients, 14 (56%) males with a mean age of 13.5 ± 3.3 years. From, 19 (76%) underwent dialysis before transplantation. Mean forced vital capacity (FVC) was 97.91 + 24.32% and forced expiratory volume in one second (FEV1) 100.53 + 17.66% from predicted value. In the 6MWT, the patients walked 229.14 meters less than predicted (p < 0.001). The maximum inspiratory pressure (MIP) was significantly lower than predicted, and the difference in cmH2O -24.63 (p = 0.03), as the maximum expiratory pressure (MEP), with a difference of 49.27 cmH2O (p < 0.001). By correlating, functional capacity, spirometry and maximal respiratory pressures, find an association between FVC and 6MWT (r = 0.52, p = 0.01) and FVC and MIP (r = 0.54, p = 0.01). CONCLUSION: Reduced functional capacity and maximum respiratory pressures were diagnosed in a small cohort of pediatric patients after kidney transplantation. Better the functional capacity and PiMáx better the FVC.

adult children; exercise; kidney transplantation; spirometry


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Avaliação da capacidade funcional e pulmonar em pacientes pediátricos transplantados renais

Assessment of functional capacity and pulmonary in pediatrics patients renal transplantation

Renata Salatti FerrariI; Camila Wohlgemuth SchaanII; Karina CeruttiIII; Juliana MendesIII; Clotilde Druck GarciaIV; Mariane Borba MonteiroV; Janice Luisa LukrafkaVI

IHospital Moinhos de Vento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Porto Alegre - RS. Brasil

IIHospital Moinhos de Vento. Instituto de Cardiologia, Porto Alegre - RS. Brasil

IIICentro Universitário Metodista IPA. Porto Alegre - RS. Brasil

IVUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio

VCentro Universitário Metodista IPA, Porto Alegre - RS. Brasil. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA, Porto Alegre - RS. Brasil

VIUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA, Porto Alegre - RS. Brasil

Correspondência para Correspondência para: Janice Luisa Lukrafka UFCSPA - Departamento de Fisioterapia Rua Rua Sarmento Leite, nº 245 Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90050-170

RESUMO

INTRODUÇÃO: Pacientes pediátricos submetidos a transplante renal podem apresentar alterações na função pulmonar, bem como na capacidade funcional para o exercício.

OBJETIVO: Avaliar a capacidade funcional e capacidade pulmonar de crianças e adolescentes submetidas a transplante renal.

MÉTODO: Foram avaliadas crianças e adolescentes com idade entre 6 e 18 anos em acompanhamento no ambulatório de Nefrologia do Hospital da Criança Santo Antônio, Santa Casa de Porto Alegre-RS, Brasil, no período de junho de 2010 a março de 2011. A capacidade pulmonar foi avaliada por meio da espirometria e das pressões respiratórias máximas e a capacidade funcional pelo Teste da Caminhada dos 6 minutos (TC6).

RESULTADOS: A amostra foi composta por 25 pacientes, sendo 14 (56%) do sexo masculino, com média de idade de 13,5 ± 3,3 anos. Destes, 19 (76%) realizaram hemodiálise anterior ao transplante. A média da Capacidade Vital Forçada (CVF) foi 97,91 ± 24,32% e o Volume Expiratório Forçado no primeiro segundo (VEF1) foi 100,53 ± 17,66% do valor predito. No TC6, os pacientes caminharam 229,14 metros menos do que o predito (p < 0,001). A Pressão Inspiratória Máxima (PiMáx) foi significativamente menor que o predito, com uma diferença de -24,63 cmH2O (p = 0,03), assim como a Pressão Expiratória Máxima (Pe-Máx), com uma diferença de 49,27 cmH2O (p < 0,001). Ao correlacionarmos capacidade funcional, espirometria e pressões respiratórias máximas, encontramos associação entre CVF e TC6 (r = 0,52, p = 0,01) e CVF e PiMáx (r = 0,54 e p = 0,01).

CONCLUSÃO: Os pacientes transplantados apresentaram diminuição da capacidade funcional, bem como das pressões respiratórias máximas. Quanto melhor a capacidade funcional e a PiMáx, melhor a CVF.

Palavras-chave: adolescente, espirometria, exercício, transplante de rim.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Pediatric patients undergoing kidney transplantation can present changes in pulmonary function and functional capacity for exercise.

OBJECTIVE: To evaluate the functional capacity and pulmonary function in children and adolescents undergoing kidney transplantation.

METHOD: Children and adolescents aged six to 18 years of age were evaluated in Outpatient Clinic of Nephrology, Hospital da Criança Santo Antônio, Santa Casa de Porto Alegre, RS, Brazil in period the june of 2010 the march of 2011. Pulmonary capacity was assessed by spirometry and maximal respiratory pressures and functional capacity through 6-minute walk test (6MWT).

RESULTS: The sample comprised 25 patients, 14 (56%) males with a mean age of 13.5 ± 3.3 years. From, 19 (76%) underwent dialysis before transplantation. Mean forced vital capacity (FVC) was 97.91 + 24.32% and forced expiratory volume in one second (FEV1) 100.53 + 17.66% from predicted value. In the 6MWT, the patients walked 229.14 meters less than predicted (p < 0.001). The maximum inspiratory pressure (MIP) was significantly lower than predicted, and the difference in cmH2O -24.63 (p = 0.03), as the maximum expiratory pressure (MEP), with a difference of 49.27 cmH2O (p < 0.001). By correlating, functional capacity, spirometry and maximal respiratory pressures, find an association between FVC and 6MWT (r = 0.52, p = 0.01) and FVC and MIP (r = 0.54, p = 0.01).

CONCLUSION: Reduced functional capacity and maximum respiratory pressures were diagnosed in a small cohort of pediatric patients after kidney transplantation. Better the functional capacity and PiMáx better the FVC.

Keywords: adult children, exercise, kidney transplantation, spirometry.

Introdução

Atualmente, no mundo, o número de pessoas recebendo terapia de substituição renal é estimado em mais de 1,4 milhão, com uma incidência crescente em cerca de 8% ao ano. A terapia bem sucedida é associada com melhora significativa da sobrevida e qualidade de vida, além da redução de custos, em comparação com a diálise.1 Os custos anuais estimados no Brasil com hemodiálise são em torno de R$ 14.000.000,00.2

O transplante renal é considerado a terapêutica mais eficaz para o tratamento da insuficiência renal crônica (IRC), podendo melhorar ou normalizar a função renal. Adicionalmente, é o tratamento de escolha para quase todas as etiologias, principalmente em pacientes com uremia terminal ou pré-terminal.3,4

Como o transplante renal é indicado nos casos de IRC, as alterações que estes pacientes apresentam antes da terapia substitutiva, como sobrecarga de fluidos, infecções respiratórias, acidose, fibrose pulmonar, calcificações e alterações na relação ventilação/perfusão, devem ser consideradas. Subsequentemente, tais alterações podem levar ao desenvolvimento de outras desordens pulmonares, como edema ou derrame pleural. Porém, dentre as alterações pulmonares mais encontradas estão a limitação ao fluxo aéreo nas vias aéreas distais, distúrbios obstrutivos e a reduzida capacidade de difusão pulmonar.5-8

Segundo Paul et al., em um estudo com pacientes pediátricos com IRC, foram encontrados valores médios de capacidade vital (CV) e volume expiratório forçado no 1º minuto (VEF1) menores do que na população saudável.9

Em estudo realizado por Kalender et al.,10 verificou-se que pacientes adultos também apresentam redução de valores da pressão inspiratória máxima (PiMáx) e da pressão expiratória máxima (PeMáx), sendo a miopatia urêmica a possível causa desta redução da força muscular diafragmática e esquelética.10 Além destas alterações, os pacientes com IRC apresentam redução na capacidade física, que sofre declínio com o início do tratamento de substituição renal, podendo afetar o desempenho nas atividades de vida diária, nas tarefas ocupacionais, levando a pior qualidade de vida relacionada à saúde.11,12

Entretanto, apesar das repercussões pulmonares advindas da IRC e do tratamento dialítico, os efeitos fisiológicos e as possíveis alterações pulmonares crônicas nos pacientes em tratamento com terapia de substituição renal ainda são pouco conhecidos.13 Adicionalmente, as repercussões da função respiratória após o transplante renal também não são esclarecidas, especialmente na população pediátrica. Assim, os objetivos do estudo foram verificar a capacidade funcional e função pulmonar de crianças e adolescentes submetidos a transplante renal e verificar possíveis associações entre função pulmonar e capacidade funcional.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal sobre a capacidade funcional e capacidade pulmonar de crianças e adolescentes transplantados renais realizado no ambulatório de Nefrologia do Hospital da Criança Santo Antônio - Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (ISCMPA), RS, no período de junho de 2010 a março de 2011.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da ISCMPA, bem como do Centro Universitário Metodista do IPA. Todos os responsáveis pelos participantes concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A amostra foi composta por pacientes com idade entre 6 e 18 anos, submetidos a transplante renal. Foram excluídos indivíduos com: hemoptise, descolamento de retina, crise hipertensiva, traqueostomia, hidrocefalia, mielomeningocele, hérnias abdominais, pneumotórax, fístulas pulmonares ou pleurocutâneas, cirurgia ou traumatismo recente em vias aéreas superiores, abdome ou tórax.

Os dados clínicos, demográficos e antropométricos foram coletados por meio de uma ficha de investigação padronizada pelos autores, contendo variáveis clínicas, como tempo de transplante e causa da IRC, variáveis antropométricas, como peso, altura e índice de massa corporal (IMC), e exames laboratoriais, como creatinina e ureia. Além disso, foram avaliadas: função pulmonar, pressões respiratórias máximas e capacidade funcional, conforme descrição.

Função pulmonar

Para a avaliação da função pulmonar, foi utilizado o espirômetro da marca Spirodoc® produzido pela Medial International Research, com mensuração das seguintes variáveis: VEF1 (Volume Expiratório Forçado no primeiro segundo), capacidade vital forçada (CVF), fluxo expiratório forçado (FEF25-75%) e pico de fluxo expiratório (PFE). O número de tentativas deveria levar em conta três curvas aceitáveis e duas reprodutíveis. Entretanto, se os critérios de reprodutibilidade não fossem preenchidos, novas manobras deveriam ser obtidas, podendo ser repetidas inúmeras vezes. Os valores foram registrados sob forma absoluta e percentual do predito, conforme valores de referência previamente estabelecidos na literatura para idade e gênero.14

Pressões respiratórias máximas

Para verificação das pressões respiratórias máximas foi realizada a manovacuometria com o uso do manovacuômetro digital modelo MVD 300 produzido pela Microhard System, Globalmed - Brasil, com medição de valores absolutos em cmH2O. Conforme as diretrizes, para realização do exame foram repetidas até cinco manobras, com pelo menos três medidas aceitáveis. Para análise de valores de normalidade das pressões respiratórias máximas, foi utilizada a equação de Wilson.15

Capacidade funcional

Avaliada por meio do Teste de Caminhada dos seis minutos (TC6). Foi realizado de acordo com as normas da American Thoracic Society e adaptado por Geiger et al.16 A distância prevista para cada paciente foi calculada pelas fórmulas específicas para sexo, idade e altura.16

Análise Estatística

Os dados foram armazenados em um banco de dados no programa Excel 2007. As variáveis contínuas foram descritas pela média e desvio padrão (distribuição simétrica) ou mediana e intervalo interquartis (distribuição assimétrica). As variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas e relativas. As associações foram realizadas por meio do teste de correlação de Pearson (distribuição simétrica) ou Spearman (distribuição assimétrica).

Para a comparação das variáveis espirométricas, pressões respiratórias máximas e do TC6, foi utilizado teste t.

A análise estatística foi realizada com o auxílio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 18.0. O nível adotado de significância foi de 5% (p < 0,05).

Resultados

A amostra foi composta por 25 pacientes, sendo 14 (56%) do sexo masculino, com média de idade de 13,5 ± 3,3 anos. As características estão descritas na Tabela 1.

Com relação à doença de base, 12 pacientes (48%) tiveram IRC por doenças renais (glomerulopatia, diplasia, síndrome nefrótica, nefropatia de refluxo) cinco (20%) por doenças sistêmicas (lupus, cistinose nefropática, síndrome hemolítica urêmica), quatro (16%) por infecções urinárias ou renais, e quatro (16%) por doença renal não identificada. Dos indivíduos avaliados, 19 (76%) tinham realizado diálise previamente ao transplante.

A espirometria foi realizada em 21 pacientes. Quatro pacientes não realizaram o exame devido a problemas técnicos no equipamento. A média dos valores preditos para CVF foi de 97,91 ± 24,32%, para o VEF1 foi 100,53 ± 17,66%, para o PFE foi 73,95 ± 21,56% e para o FEF25-75%: 101,57 ± 21,56%.

Quando comparamos a distância percorrida no TC6 e os valores preditos para idade e altura, os indivíduos caminharam 229,14 metros em média abaixo do predito (p < 0,001), atingindo apenas 65% dos valores preditos. A PiMáx foi significativamente menor que o valor esperado com uma diferença de -24,63 cmH2O (p = 0,03), assim como a PeMáx, com uma diferença de 49,27 cmH2O (p < 0,001). Os dados encontram- se na Figura 1. As correlações entre capacidade funcional e função pulmonar estão apresentadas na Tabela 2.


Discussão

Sabe-se que a doença renal crônica estágio 4/5 pode apresentar uma diversidade de complicações musculoesqueléticas, além de trazer repercussões à capacidade pulmonar, fato este que pode manter-se presente mesmo após a terapia de substituição renal.

A maioria dos pacientes de nosso estudo (48%) desenvolveu IRC por doenças renais, seguido de doenças sistêmicas (20%). Em estudo realizado por Malekahmadi et al.,17 avaliando 55 adolescentes entre 11 e 18 anos, a causa de IRC mais frequente foi glomerulonefrite (27,5%), seguida de doença congênita (18,2%). E 69,1% tiveram história de diálise antes do transplante; já em nosso estudo, esta prevalência foi de 76%. Dados da Associação Latino-Americana de Nefrologia Pediátrica (ALANEPE) relatam o primeiro registro de transplante de rim na América Latina. Foram convidados 20 países a participar do estudo; os centros foram: Brasil (9), Argentina (4), Chile (4), Venezuela (3), México (2), e um em: Cuba, Colômbia, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, Equador, Honduras, Paraguai e Peru. O registro incluiu 1458 pacientes, com média de 291 por ano, sendo 55% do sexo masculino; dentre as etiologias encontradas, estavam: uropatia/nefropatia de refluxo (27%), glomerulopatias (24%), hipo/displasia (11%), vascular (6%), congênitas/hereditárias (5%), desconhecido (19%).18

Em decorrência da IRC, que é caracterizada pela destruição progressiva e irreversível de estruturas renais, o sistema respiratório sofre alterações no drive respiratório, mecânica pulmonar, função muscular e troca gasosa.19

Podemos observar em nosso estudo redução significativa das pressões respiratórias máximas nos pacientes após o transplante renal, abaixo do previsto para idade e altura; em estudo de Cury et al., verificou-se que o uso da corticoterapia imunossupressora após o transplante renal pode afetar a regeneração das fibras musculares, pois o metabolismo oxidativo e a síntese proteica estão prejudicados, contribuindo para que a força da musculatura respiratória destes pacientes esteja alterada.20

Achado semelhante foi observado em outros estudos, porém com amostra composta por pacientes adultos com IRC.21,22 Em estudo realizado por Jatobá et al., no qual foi realizada manovacuometria nos pacientes com insuficiência renal crônica (IRC) na faixa etária de 18 a 69 anos, foi observada a diminuição de 38,2% da PiMáx e 29% da PeMáx.21 Não encontramos estudos referentes à avaliação de força muscular respiratória na população pediátrica após transplante renal, o que demonstra a importância de estudos nesta população, podendo contribuir para a elucidação dos mecanismos que alteram a capacidade pulmonar e muscular destes indivíduos mesmo após a terapia de substituição renal.

A literatura é bem clara quanto à fraqueza da musculatura respiratória ser uma das complicações da IRC. Porém, a causa desta fraqueza é incerta. Existem relatos de que seja decorrente da hipotrofia das fibras musculares tipo II e alterações da ATPase miofibrilar, causando déficit na utilização de energia.19

Pacientes com IRC possuem problemas musculares devido ao desenvolvimento de vários fatores interrelacionados. Dentre eles, estão diminuição da ingestão proteico-calórica, atrofia muscular pelo desuso e desequilíbrio muscular de proteínas que afetam principalmente as fibras musculares tipo II, redução do leito vascular e capilar; presença de calcificação intravascular e diminuição do fluxo sanguíneo local.23 Estes fatores podem contribuir para a redução da capacidade funcional, que também é causada por múltiplos fatores, incluindo o sistema cardiorrespiratório e problemas musculares, em que a capacidade de captura, transporte e uso de oxigênio pode estar prejudicada. Estudos demonstram que o paciente submetido ao transplante renal possui desequilíbrio em seu estado nutricional, como desnutrição ou obesidade. Além disso, podem surgir alterações metabólicas e nutricionais devido ao estresse cirúrgico, terapia imunossupressora e adaptação do organismo ao novo órgão, sendo assim, podem agravar ou gerar novas alterações, principalmente desnutrição calórica-proteica e obesidade.24-27

No presente estudo, observou-se que a capacidade funcional avaliada por meio do teste submáximo (TC6) obteve valores reduzidos comparados com seu predito, sendo que esta redução pode ter sofrido influência das pressões respiratórias máximas que também estavam abaixo da normalidade.28

Estudo de Oh-Park et al. avaliou a capacidade funcional e relatou que os pacientes transplantados caminhavam distâncias mais curtas do que era considerado normal. Este resultado é semelhante ao encontrado em nosso estudo, no qual pudemos constatar que houve uma redução de mais de 200 metros com relação ao predito.24

Concomitante com os achados de nosso estudo, Takken et al. verificaram que as crianças com doença renal terminal tiveram desempenho significativamente pior no TC6 em comparação com os valores de referência e que o seu desempenho foi significativamente associado com o hematócrito e altura. Em nosso estudo não realizamos esta associação, porém obtivemos uma correlação positiva com a CVF.29 O teste da caminhada dos seis minutos tem sido utilizado também em crianças saudáveis, a fim de criar valores de referência30 e também em pacientes pediátricos em estágio terminal de doença renal.31

Em contrapartida, não encontramos redução significativa nos valores de função pulmonar dos pacientes avaliados, embora as médias de CVF e PFE tenham sido menores. Este achado é semelhante ao de Kalender et al.,10 em que os parâmetros espirométricos e capacidades de difusão foram encontrados normais no grupo transplantado. Karacan et al.28 também relatam que o transplante melhora a Capacidade Residual Funcional induzida por complicações, como anemia, hiperparatireoidismo, hipoalbuminemia, eletrólitos e desequilíbrios, embora os pacientes ainda apresentassem força muscular diminuída.32

Algumas alterações encontradas em pacientes com IRC em diálise são também observadas em pacientes transplantados, mesmo após a restauração da função renal. Estas mudanças podem ser parcialmente atribuídas à terapia imunossupressora, que geralmente usa corticosteroides. Este medicamento está associado com diminuição da síntese e catabolismo proteico aumentado, o que pode dificultar o retorno pleno das funções do rim de pacientes transplantados. Não possuímos os dados quanto à dose média de corticoide em uso pelos pacientes do estudo, porém, sabe-se que estes pacientes fazem uso desta terapia e isto pode explicar os valores reduzidos de função pulmonar e capacidade funcional encontrados em nosso estudo, porém, ainda não se sabe qual o fator que mais afeta estes pacientes.32-34

Foi observada correlação positiva entre a CVF e PiMáx e CVF e a capacidade funcional dos pacientes avaliados. Isto sugere que quanto maior for o valor da CVF melhor será o desempenho desses indivíduos no TC6, indicando que a CVF pode ter influência direta sobre este teste. Em estudo realizado por Silva et al., verificou-se que indivíduos com IRC em hemodiálise que participaram de um treinamento muscular inspiratório apresentaram maior distância percorrida no TC6. Isto demonstra que esta população poderia se beneficiar de programas de treinamento muscular, o que poderia melhorar a qualidade de vida destes indivíduos após a terapia de substituição renal.35

Este estudo apresenta limitações, tais como o pequeno tamanho amostral, que pode ter influenciado nos resultados. Além disso, a escassez de estudos em pacientes após transplante, especialmente na população pediátrica, para comparação dos achados clínicos, pode ser considerada uma limitação.

Conclusão

Neste estudo, concluímos que a força muscular respiratória e a capacidade funcional das crianças e adolescentes submetidos ao transplante renal apresentam valores significativamente reduzidos comparados aos da população pediátrica em geral. Também foram encontradas associações positivas entre a capacidade funcional e PiMáx e a CVF.

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Data de submissão: 27/04/2012.

Data de aprovação: 20/11/2012.

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  • Correspondência para:
    Janice Luisa Lukrafka
    UFCSPA - Departamento de Fisioterapia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2012
    • Aceito
      20 Nov 2012
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