Resumos
INTRODUÇÃO: O histórico familiar positivo para a doença renal crônica (HF+) é um fator de risco para o surgimento e desenvolvimento dessa doença. Desta forma, é importante avaliar traços que possam estar correlacionados à predisposição familiar para a doença renal crônica. OBJETIVO: Avaliar a modulação autonômica, pela variabilidade da frequência cardíaca, de indivíduos com HF+. MÉTODOS: Foram avaliados nove indivíduos saudáveis com HF+ e 22 indivíduos saudáveis com histórico familiar negativo para doença renal crônica (Grupo HF-), pareados por idade (27 ± 6 vs. 26 ± 4 anos; p = 0,39, respectivamente). A frequência cardíaca foi medida continuamente pelo cardiofrequencímetro Polar S810i® durante 10 minutos de repouso na posição supina. A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) foi avaliada pelos índices do domínio do tempo, média dos intervalos RR (MNN), desvio padrão dos intervalos RR (SDNN), raiz média quadrática das diferenças de intervalos RR sucessivos (RMSSD) e percentual de intervalos RR com diferença de duração maior que 50 ms (pNN50), e pelos domínios de baixa frequência (BF), alta frequência (AF) e razão baixa/alta (BF/AF). Os exames laboratoriais foram realizados após jejum de 12 horas. Os resultados são expressos como média ± desvio padrão, adotando como significativo p < 0,05. RESULTADOS: Os grupos HF+ e HFforam semelhantes em relação à estimativa da taxa de filtração glomerular (p = 0,49) e frequência cardíaca (p = 0,68). Os grupos HF+ e HF- não apresentaram diferenças significativas em relação aos índices da variabilidade da frequência cardíaca MNN; SDNN, RMSSD, pNN50, Potência total; BF; AF u.n e razão BF/AF. CONCLUSÃO: A modulação autonômica cardíaca está preservada em indivíduos saudáveis com HF+.
falência renal crônica; frequência cardíaca; hereditariedade
INTRODUCTION: The positive family history of chronic kidney disease (FH+) is a risk factor for the appearance and development of this disease. Thus, it is important to assess traits that may be related to familial predisposition to chronic kidney disease. OBJECTIVE: To evaluate the autonomic modulation by heart rate variability in individuals with FH+. METHODS: We studied 9 health subjects with FH+ and 22 health subjects with negative family history for chronic kidney disease (FH-) matched for age (27 ± 6 vs. 26 ± 4 anos; p = 0.39, respectively). Heart rate was measured continuously by the Polar S810i® for 10 minutes of rest in the supine position. The heart rate variability was evaluated by the time domain, mean of NN intervals (MNN), standard deviation of the NN intervals (SDNN), root mean squared differences of successive NN intervals (RMSSD) and percentage of NN intervals with a difference of duration greater than 50 ms (pNN50) and the fields of low frequency (LF), high frequency (HF) and ratio low/ high (LF/HF). Laboratory biochemical tests were performed after fasting for 12 hours. Results are expressed as mean ± standard deviation, adopting as significant p < 0.05. RESULTS: The groups FH+ and FH-were similar in serum creatinine (p = 0.98), estimated glomerular filtration rate (p = 0.49) and heart rate (p = 0.68). The groups FH+ and FH- showed no significant differences in relation to indices of heart rate variability MNN; SDNN; RMSSD; pNN50; Total power; LF; HF and LF/HF ration, respectively. CONCLUSION: These findings suggest that the cardiac autonomic modulation is preserved in health subjects with HF+.
heart rate; heredity; kidney failure, chronic
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Modulação autonômica cardíaca em indivíduos saudáveis com histórico familiar de doença renal crônica
Cardiac autonomic modulation in healthy subjects with a family history of chronic kidney disease
Lívia Victorino de SouzaI; Pedro Augusto de Carvalho MiraI; Isabelle Magalhães Guedes FreitasI; Natália Portela PereiraI; Jorge Roberto Perrout de LimaI; Marcus Gomes BastosII; Mateus Camaroti LaterzaI
IUnidade de Investigação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício do Hospital Universitário e da Faculdade de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
IIDepartamento de Clinica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF)
Correspondência para Correspondência para: Mateus Camaroti Laterza Faculdade de Educação Física e Desportos Universidade Federal de Juiz de Fora. Campus Universitário, Martelos Juiz de Fora, MG, Brasil. CEP: 36030-900 E-mail: mateuslaterza@hotmail.com
RESUMO
INTRODUÇÃO: O histórico familiar positivo para a doença renal crônica (HF+) é um fator de risco para o surgimento e desenvolvimento dessa doença. Desta forma, é importante avaliar traços que possam estar correlacionados à predisposição familiar para a doença renal crônica.
OBJETIVO: Avaliar a modulação autonômica, pela variabilidade da frequência cardíaca, de indivíduos com HF+.
MÉTODOS: Foram avaliados nove indivíduos saudáveis com HF+ e 22 indivíduos saudáveis com histórico familiar negativo para doença renal crônica (Grupo HF-), pareados por idade (27 ± 6 vs. 26 ± 4 anos; p = 0,39, respectivamente). A frequência cardíaca foi medida continuamente pelo cardiofrequencímetro Polar S810i® durante 10 minutos de repouso na posição supina. A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) foi avaliada pelos índices do domínio do tempo, média dos intervalos RR (MNN), desvio padrão dos intervalos RR (SDNN), raiz média quadrática das diferenças de intervalos RR sucessivos (RMSSD) e percentual de intervalos RR com diferença de duração maior que 50 ms (pNN50), e pelos domínios de baixa frequência (BF), alta frequência (AF) e razão baixa/alta (BF/AF). Os exames laboratoriais foram realizados após jejum de 12 horas. Os resultados são expressos como média ± desvio padrão, adotando como significativo p < 0,05.
RESULTADOS: Os grupos HF+ e HFforam semelhantes em relação à estimativa da taxa de filtração glomerular (p = 0,49) e frequência cardíaca (p = 0,68). Os grupos HF+ e HF- não apresentaram diferenças significativas em relação aos índices da variabilidade da frequência cardíaca MNN; SDNN, RMSSD, pNN50, Potência total; BF; AF u.n e razão BF/AF.
CONCLUSÃO: A modulação autonômica cardíaca está preservada em indivíduos saudáveis com HF+.
Palavras-chave: falência renal crônica, frequência cardíaca, hereditariedade.
ABSTRACT
INTRODUCTION: The positive family history of chronic kidney disease (FH+) is a risk factor for the appearance and development of this disease. Thus, it is important to assess traits that may be related to familial predisposition to chronic kidney disease.
OBJECTIVE: To evaluate the autonomic modulation by heart rate variability in individuals with FH+.
METHODS: We studied 9 health subjects with FH+ and 22 health subjects with negative family history for chronic kidney disease (FH-) matched for age (27 ± 6 vs. 26 ± 4 anos; p = 0.39, respectively). Heart rate was measured continuously by the Polar S810i® for 10 minutes of rest in the supine position. The heart rate variability was evaluated by the time domain, mean of NN intervals (MNN), standard deviation of the NN intervals (SDNN), root mean squared differences of successive NN intervals (RMSSD) and percentage of NN intervals with a difference of duration greater than 50 ms (pNN50) and the fields of low frequency (LF), high frequency (HF) and ratio low/ high (LF/HF). Laboratory biochemical tests were performed after fasting for 12 hours. Results are expressed as mean ± standard deviation, adopting as significant p < 0.05.
RESULTS: The groups FH+ and FH-were similar in serum creatinine (p = 0.98), estimated glomerular filtration rate (p = 0.49) and heart rate (p = 0.68). The groups FH+ and FH- showed no significant differences in relation to indices of heart rate variability MNN; SDNN; RMSSD; pNN50; Total power; LF; HF and LF/HF ration, respectively.
CONCLUSION: These findings suggest that the cardiac autonomic modulation is preserved in health subjects with HF+.
Keywords: heart rate, heredity, kidney failure, chronic.
Introdução
O histórico familiar positivo para a doença renal crônica (DRC) influencia diretamente no surgimento e desenvolvimento da DRC em indivíduos saudáveis.1-3 Indivíduos saudáveis, porém filhos de pacientes com DRC, apresentam, mesmo dentro de limites de normalidade, valores significativamente maiores de razão albumina/creatinina, pressão arterial sistólica e glicemia, quando comparados aos indivíduos saudáveis filhos de indivíduos saudáveis.4 Além disso, filhos de pacientes com doença renal endêmica apresentam independentemente do fator de risco associado, elevação dos níveis pressóricos ao longo de um ano de acompanhamento, fato que não foi observado nos filhos de pais saudáveis.5 Já na presença da DRC, pacientes que têm histórico familiar positivo para a DRC em terapia renal substitutiva possuem maior probabilidade de atingir a falência funcional renal do que pacientes com histórico familiar negativo para a DRC.1,2 Dessa forma, fica claro que a hereditariedade possui grande influência no desenvolvimento e na piora do prognóstico dessa doença.
Na DRC já estabelecida, a alta mortalidade de origem cardiovascular parece estar relacionada com a disfunção autonômica.6-8 Penne et al. evidenciaram em indivíduos com DRC que a hiperatividade simpática,7,9 característica desta doença,10 foi associada à ocorrência de eventos cardíacos. Nesse estudo, a elevada atividade nervosa simpática, medida de forma direta pela técnica de microneurografia, foi diretamente associada ao desenvolvimento do infarto agudo do miocárdio.7 Utilizando o método indireto para avaliação da modulação autonômica, Fukuta et al. demonstraram que, em pacientes submetidos à diálise, a variabilidade da frequência cardíaca estava inversamente relacionada com a probabilidade de sobrevivência em quatro anos de acompanhamento.6 E mais, esses autores demonstraram que a banda espectral de alta frequência, variável que indica a modulação vagal, estava significativamente menor nos pacientes que tiveram morte de origem cardiovascular quando comparados aos pacientes que sobreviveram ao longo desse período.6 Porém, até o momento, não é conhecida a modulação autonômica cardíaca do indivíduo saudável filho de paciente com DRC.
Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar a modulação autonômica cardíaca, por meio da variabilidade da frequência cardíaca, de indivíduos saudáveis filhos de pacientes com DRC.
Métodos
Amostra
Foram consecutivamente recrutados para o estudo nove indivíduos saudáveis, de ambos os sexos, idade entre 20 e 40 anos, filhos de pais com DRC (Grupo HF+). E 22 indivíduos saudáveis, pareados por idade e gênero, sem histórico familiar positivo para a DRC (HF-).
Todos os voluntários, Grupo HF+ e Grupo HF-, deveriam ter clinicamente pressão arterial sistólica e diastólica inferior a 140 e 90 mmHg,11 respectivamente, índice de massa corporal entre 20 e 29,9 kg/m2, creatinina sérica abaixo de 1,4mg/dL, ausência de proteinúria e hematúria e taxa de filtração glomerular estimada superior a 60 ml/min/1,73m2. Além disso, foram excluídos os voluntários que praticassem atividade física regularmente nos últimos seis meses e/ou estivessem em vigência de qualquer tipo de medicamento.
Para caracterização dos grupos, seguimos os seguintes critérios:
Grupo HF+
O voluntário deveria ser filho de pai e/ou mãe diagnosticado(s) com DRC,12 independentemente do estágio e do tratamento em vigência. Foi excluído o voluntário filho de pai e/ou mãe com DRC de etiologia nefroesclerose hipertensiva, nefropatia diabética ou doença renal policística do adulto. Para verificação dessa doença, foi analisado o prontuário desses pacientes junto ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Tratamento em Nefrologia (NIEPEN).
Grupo HF-
O voluntário deveria ser filho de pai e mãe sem relato de DRC e uso de qualquer tipo de medicamento.
Todos os voluntários receberam esclarecimentos sobre a pesquisa e somente após lerem, concordarem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram incluídos como voluntários. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF, parecer nº 0119/2010), e desenvolvida no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF).
Medidas e Procedimentos
Pressão arterial, Frequência cardíaca em repouso e Frequência respiratória
Para caracterização da amostra, a pressão arterial e frequência cardíaca foram aferidas após 10 minutos em repouso na posição supina. A pressão arterial foi aferida de forma não invasiva, no membro superior direito, pelo método auscultatório, utilizando esfigmomanômetro de coluna de mercúrio da marca Takaoka®. As fases I e V de KorotKoff foram adotadas para identificação das pressões sistólica e diastólica, respectivamente.11 A frequência cardíaca monitorada de forma não invasiva, utilizando-se o cardiofrequencímetro Polar S810i® (Kempele, Finlândia). Além disso, a frequência respiratória espontânea foi monitorada pelo aparelho Dixtal 2023® (Amazônia, Brasil).
Avaliação da modulação autonômica cardíaca
A modulação autonômica cardíaca foi avaliada pelo método indireto de variabilidade da frequência cardíaca, com o uso do cardiofrequencímetro Polar S810i® (Kempele, Finlândia). Os batimentos cardíacos foram registrados em repouso, na posição supina e respiração espontânea, por um período de dez minutos.
Os valores pontuais dos intervalos entre cada batimento cardíaco (iRR) foram direcionados ao microcomputador, pela transmissão de dados do receptor de pulso para o software Polar Precision Performance. Posteriormente, os dados foram transferidos para o aplicativo Matlab, versão 6.0, para seleção automática dos cinco minutos de menor variância que foram utilizados para o cálculo da VFC, por meio de rotina previamente implementada.13 As séries temporais com duração de cinco minutos selecionadas foram transferidas para o software Kubios HRV Analysis, versão 2.0. Neste aplicativo, foi realizada a correção de artefatos utilizando o filtro de nível médio do software e foram calculados os índices de VFC no domínio do tempo (MNN = média dos intervalos RR, SDNN = desvio padrão dos intervalos RR, RMSSD = raiz média quadrática das diferenças de intervalos RR sucessivos e pNN50 = percentual de intervalos RR com diferença de duração maior que 50 ms. Para a estimativa da função densidade espectral de potência, pelo método não paramétrico da transformada rápida de Fourier, foi removido o componente de tendência da série temporal, pelo método de suavização a priori e a decimação em frequência de 4 Hz pela interpolação por spline cúbica.13 Para a análise espectral da VFC, foram consideradas as bandas de baixa (BF) e alta frequência (AF) do espectro de potência, expressas em potência absoluta e em unidades normalizadas, além da razão BF/AF.13
Avaliação antropométrica
Foram mensuradas a estatura, por meio do estadiômetro Asimed®, e a massa corporal, por meio da balança Asimed®. O índice de massa corporal foi calculado pelo peso dividido pela altura ao quadrado.
Avaliação do nível de atividade física
O nível de atividade física dos voluntários foi avaliado por meio do questionário de Baecke. Este foi dividido em três partes: atividade física ocupacional (AFO), exercício físico nas horas de lazer (EFL) e atividades físicas de lazer e locomoção (ALL), sendo essas mensuradas pelos escores específicos. O nível de atividade física nos últimos seis meses será investigado quanto ao tipo, intensidade, duração e frequência.14
A partir desse questionário, foi considerada prática de atividade física regular os casos em que o indivíduo realizasse atividades físicas programadas com frequência maior que duas vezes na semana por período maior ou igual a seis meses nos últimos 12 meses.
Avaliação laboratorial
Foram coletados 10 mL de sangue, após jejum de 12 horas, para análise da glicemia, colesterol, frações de colesterol e creatinina.15 A estimativa da taxa de filtração glomerular foi realizada considerando os níveis séricos de creatinina pela fórmula CKD-EPI.16 Adicionalmente, foi realizado exame de urina simples (EAS) para verificação de ausência de proteína e hemoglobina na urina.17
Protocolo experimental
Todo o protocolo experimental descrito a seguir foi realizado, no período da tarde, na Unidade de Avaliação Física -HU/CAS. Os voluntários foram orientados a ingerir refeição leve no café da manhã, até uma hora antes do início da coleta de dados, a não ingerir bebidas que contenham cafeína ou bebidas alcoólicas e a não praticarem atividade física vigorosa nas 24 horas que antecederam os experimentos. Além disso, foi questionado se o voluntário teve sono reparador na noite anterior e, na resposta negativa o experimento foi agendado para outro dia.
No laboratório, os voluntários foram esclarecidos sobre os procedimentos da pesquisa, leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Posteriormente, a anamnese e o questionário sobre o nível de atividade física habitual foram respondidos e, logo após, realizada a avaliação antropométrica. Em seguida, o voluntário permaneceu em posição supina e, após intervalo de 10 minutos de repouso, foi registrada continuamente a FC por 10 minutos em repouso. Ao final deste período, foi realizada a aferição da pressão arterial. Com os procedimentos finalizados, o voluntário recebeu encaminhamento para realização dos exames de sangue e urina.
Análise estatística
Para testar a normalidade dos dados, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados serão apresentados com média ± desvio padrão da média. Os índices da VFC serão apresentados em mediana e desvio interquartis. As possíveis diferenças entre gêneros foram testadas utilizando-se o teste qui-quadrado. As possíveis diferenças estatísticas nas características basais entre os grupos estudados foram avaliadas pela pelo Teste t de Student para variáveis com distribuição normal e pelo Teste Mann-Whitney U para variáveis com distribuição não normal. Foi aceito como diferença significativa o p < 0,05.
Pelo cálculo amostral de variável com distribuição normal, adotando erro alfa de 95% e erro beta de 80%, foi constatado que deveriam ser recrutados no mínimo nove indivíduos em cada grupo.
Resultados
Os pais com diagnóstico de DRC apresentaram como etiologia da doença Glomerulonefrite (n = 3), Nefropatia de refluxo (n = 2) e indeterminada (n = 4), sendo que três encontram-se em terapia renal substitutiva e seis em tratamento conservador entre os estágios 2 a 4.
Os grupos HF+ e HF- foram semelhantes em relação ao gênero, idade, peso, estatura, índice de massa corpórea e nível de atividade física habitual (Tabela 1). Além disso, não foram observadas diferenças significativas entre ambos os grupos para glicemia de jejum, colesterol total, lipoproteína de alta densidade, lipoproteína de baixa densidade, triglicérides, pressão arterial sistólica, diastólica e frequência cardíaca (Tabela 2). Os níveis séricos de creatinina e a estimativa de filtração glomerular foram semelhantes entre os indivíduos com histórico positivo e negativo para DRC (Tabela 2).
A modulação autonômica cardíaca, tanto para os índices no domínio do tempo como para os índices no domínio da frequência, foram semelhantes entre os grupos HF+ e HF- (Tabela 3). A média da frequência respiratória espontânea foi semelhante entre os grupos HF+ e HF- (20 ± 3 vs. 17 ± 4; p = 0,07, respectivamente).
Discussão
O principal achado do presente estudo é que indivíduos com histórico familiar positivo para DRC apresentaram modulação autonômica cardíaca semelhante aos indivíduos sem histórico familiar para essa doença.
Apesar da existência de poucos trabalhos relacionados à influência do histórico familiar positivo para DRC sobre parâmetros histológicos, bioquímicos e cardiovasculares, tem sido mostrado que o fator hereditariedade para DRC pode promover alterações desses parâmetros, ainda que, muitas vezes, mantendo seus valores dentro dos limites de normalidade. 4,5 Dimitrov et al. observaram que indivíduos sem DRC, porém com histórico familiar positivo para essa doença, quando comparados àqueles sem o histórico familiar, já apresentaram reduzida massa renal, o que poderia favorecer o comprometimento futuro da função renal.5 Além disso, nesse mesmo estudo, a diminuição da massa renal foi diretamente associada ao aumento da pressão arterial sistólica em um ano de acompanhamento, independentemente dos fatores de risco associados5. Portanto, alterações histológicas precoces estão diretamente relacionadas ao comprometimento hemodinâmico progressivo observado em indivíduos filhos de pacientes com DRC.5
Da mesma forma que no trabalho de Dimitrov et al., no presente estudo não foram observadas diferenças significativas nos valores de pressão arterial entre os grupos histórico familiar positivo e negativo para DRC. Esse achado pode ser explicado devido às características similares entre os indivíduos pertencentes aos dois grupos investigados, uma vez que todos eram jovens, saudáveis e, principalmente, apresentavam valores similares de creatinina e estimativa da filtração glomerular.
Adicionalmente, a realização de uma única medida clínica da pressão arterial talvez não seja suficiente para identificar o comprometimento hemodinâmico nessa população. Isso porque, tem sido mostrado que o comprometimento dos níveis pressóricos foi acompanhado por alterações renais progressivas e identificadas apenas em estudos longitudinais.5 Thompson et al. constataram que indivíduos saudáveis com histórico de DRC apresentaram razão albumina/creatinina, pressão arterial sistólica, glicemia e colesterol total significativamente maiores quando comparados aos indivíduos sem histórico familiar para DRC.4 Entretanto, no trabalho de Thompson et al. os indivíduos investigados eram tabagistas, fato que pode confundir a interpretação dos resultados, visto que o tabagismo influencia diretamente algumas dessas variáveis. Em nosso estudo, foram investigados indivíduos saudáveis, sem uso de qualquer medicação e não tabagistas, portanto, não foram encontradas diferenças nos níveis de colesterol total, HDL-c, LDL-c, glicemia de jejum e valores de pressão arterial. Assim, a semelhança na modulação autonômica cardíaca entre os grupos HF+ e HF- pode ser justificada pela similaridade nos parâmetros físicos, metabólicos e hemodinâmicos.
Por outro lado, na hipertensão arterial a disfunção autonômica é verificada precocemente em indivíduos saudáveis com histórico familiar para essa doença. Pitzalis et al. encontraram diminuição do controle autonômico cardíaco nos filhos de hipertensos, observada por meio do reduzido índice SDNN, que reflete tanto a modulação simpática quanto a parassimpática da frequência cardíaca.18 Piccirillo et al. observaram que indivíduos filhos de um ou ambos os pais hipertensos apresentaram diminuição significativa da banda espectral de alta potência (AF), bem como elevação da banda espectral de baixa potência (BF) e da razão BF/AF, quando comparados a filhos de pais normotensos.19 Dessa forma, podemos inferir que aqueles indivíduos saudáveis, porém com história familiar de hipertensão arterial positiva já apresentam prejuízo no controle autonômico cardíaco, caracterizado por elevação da modulação simpática em detrimento da modulação vagal. Porém, em todos esses trabalhos os indivíduos filhos de pais hipertensos, mesmo sendo normotensos já apresentavam valores pressóricos maiores do que os indivíduos filhos de pais normotensos.18,19 Assim, a modulação autonômica preservada nos filhos de DRC pode estar relacionada também aos valores de pressão arterial semelhante entre os grupos estudados.
Nos pacientes com DRC, aqueles que possuem histórico familiar positivo para a DRC têm maior probabilidade de atingir a falência funcional renal do que pacientes com histórico familiar negativo.1,2 Essa informação mostra que o fator hereditariedade tem grande impacto para o pior prognóstico dessa doença. Portanto, o rastreamento de possíveis alterações relacionadas à DRC em indivíduos com histórico familiar positivo é extremamente importante.
Sabe-se que a DRC apresenta várias complicações, dentre elas, a alta prevalência de eventos cardiovasculares, que aumenta, consequentemente, a mortalidade.6-8 Há claras evidências de que o aumento da mortalidade cardiovascular está diretamente associado ao prejuízo do controle autonômico cardíaco observado nesses pacientes.6 Apesar de o nosso estudo ser o primeiro a demonstrar que a modulação autonômicaestá preservada em pessoas saudáveis filhos de pais com DRC, tem sido demonstrado que indivíduos sem DRC, porém com histórico familiar positivo para essa doença, ao longo de um ano de seguimento, apresentam redução da massa renal e elevação dos níveis pressóricos,5 fatores que poderiam ser acompanhados por disfunção autonômica cardíaca. Dessa forma, o acompanhamento de indivíduos saudáveis, filhos de pacientes com DRC, é de grande relevância para elaboração de estratégias de prevenção do desenvolvimento e controle da progressão da DRC e de suas complicações.
Há claras evidências de que a capacidade física ou a prática regular de exercícios físicos melhora expressivamente a modulação autonômica cardíaca.20 Apesar de não termos avaliado a capacidade física de modo direto pelo teste de esforço ergoespirométrico, todos os nossos voluntários, tanto com HF+ como HF-, estavam sedentários nos seis meses prévios às nossas avaliações. Além disso, quando avaliados de forma indireta, os grupos HF+ e HF- foram semelhantes em relação ao nível de atividade física, fato que minimiza o efeito avaliativo.
Conclusão
Indivíduos saudáveis com histórico familiar positivo para DRC não apresentam prejuízo na modulação autonômica cardíaca quando comparados a indivíduos saudáveis sem histórico familiar para DRC.
Agradecimentos
Esse trabalho foi subsidiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo processo número CDS-APQ-02447-10. Ao MD Moisés Carminatti pelas solicitações dos exames laboratoriais.
Data de submissão: 11/07/2012.
Data de aprovação: 08/11/2012.
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.
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Correspondência para:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2013
Histórico
-
Recebido
11 Jul 2012 -
Aceito
08 Nov 2012