Open-access Abertura comercial, produtividade e emprego no Brasil

Trade opening, productivity and employment in Brazil

RESUMO

O presente artigo propõe uma reavaliação do efeito da abertura comercial na década de 1990 sobre a produtividade do trabalho e emprego no Brasil. A discussão é ancorada em um exercício de decomposição da produtividade no período anterior e posterior à abertura comercial, o qual permite avaliar a participação da realocação intersetorial do emprego e dos ganhos de eficiência intrasetoriais na produtividade agregada. A principal contribuição do estudo está na inclusão do setor de desocupados no exercício, o que permite mensurar o efeito do aumento do número de desempregados e de inativos sobre a produtividade média da força de trabalho. Os resultados sugerem que embora a abertura comercial tenha contribuído para elevar a produtividade intrasetorial média, ela está associada tanto a um aumento da desocupação e do desemprego, como a uma realocação do trabalho em setores de menor produtividade. O estudo mostra que estes efeitos negativos sobre o mercado de trabalho tendem a ser dominantes, resultando na redução do crescimento da produtividade média dos trabalhadores quando comparada ao período pré-abertura.

Palavras-chave: Abertura comercial; mudança estrutural; produtividade; desemprego

ABSTRACT

The present article proposes the reevaluation of productivity growth before and after the Brazilian commercial reopening in the 1990s. To understand how the different sectors behave through this change, an exercise of productivity decomposition is made. The main contribution of this study is in the incorporation of the unemployed sector into the analysis, which helps to recognize how the opening harmed workers that were dislocated either to low productivity sectors or to inactivity. The study shows that these negative effects on the job market were huge, resulting in the fall of the average productivity growth of workers when compared to the pre-opening period.

Keywords: Trade opening, structural change; productivity; unemployment

1. INTRODUÇÃO

Há relativo consenso na historiografia econômica brasileira de que a abertura comercial da década de 1990 levou a um aumento da eficiência das empresas nacionais e a uma redução das distorções setoriais (e.g., Rossi; Ferreira, 1999; Ferreira; Guillén, 2004). Nos últimos anos, estes achados retornaram ao centro do debate econômico depois que o aprofundamento da abertura externa foi definido como um dos objetivos estratégicos dos governos Temer e Bolsonaro para elevar a produtividade global dos fatores produtivos (SEAE, 2018).

A despeito das evidências a respeito do efeito positivo da abertura sobre a produtividade dos fatores, a maior parte dos estudos também encontra evidências de efeitos negativos sobre a composição da estrutura produtiva e nível de desemprego no país. Carvalheiro (2003) e Wanderley (2013), por exemplo, destacam que o processo de realocação do emprego rumo a setores de menor produtividade contribuiu para a redução do potencial de crescimento da produtividade do trabalho após a abertura comercial. De acordo com Carvalheiro (2003, p. 92), essa perda de produtividade estrutural é, em parte, explicada por “uma forte reestruturação produtiva que, aproveitando-se da abertura comercial, possibilitou a importação de máquinas, equipamentos e produtos elaborados e, aliada a uma mudança nos processos de gestão, levou a uma dispensa de mão de obra, em parte transferida para o setor terciário”.

Rossi e Ferreira (1999) mostram que boa parte do ganho de produtividade pós-abertura foi obtido através de redução do emprego. De forma semelhante, Moreira e Najberg (2000) apresentam evidências de que o crescimento do emprego foi impactado negativamente pela abertura comercial. Dix-Carneiro e Kovak (2017) apontam também que a abertura teve impacto negativo e persistente no emprego e na produção das regiões mais afetadas pela abertura comercial.

Uma importante limitação dos estudos que analisam os efeitos da abertura comercial brasileira está no enfoque sobre os fatores empregados. Ao se omitir a dinâmica dos desempregados e desocupados, desconsidera-se também seu potencial efeito sobre a subutilização da População em Idade Ativa (PIA) na produção, o que pode ser interpretado como um efeito negativo sobre a produtividade média da força de trabalho como um todo.

Como ilustrado na Figura 1, o aumento na ordem 8,6% da produtividade do trabalho entre 1992 e 1998 foi acompanhado pelo crescimento de 34,9% e 46,8% da desocupação e desemprego, respectivamente. Essa associação fica clara ao contrastar a evolução da relação PIB/PIA com a da produtividade. O comportamento simétrico até 1991 contrasta com as trajetórias independentes após 1992. De fato, entre 1992 e 1998, a relação PIB/PIA cai -3,7%, o que pode ser explicado pelo crescimento da desocupação em taxas superiores ao crescimento da produtividade. Apenas nos anos 2000 estas curvas voltam a caminhar juntas, uma evidência de que uma parte significativa da PIA se deslocou para a inatividade durante a década de 1990, logo após a abertura comercial, prejudicando a produtividade média da força de trabalho da economia.

Figura 1:
Produtividade, PIB/PIA, Desocupação e Desemprego (1970-2010)

Nota: PIA=População de 15-64 anos. Desocupação=PIA-Emprego.


O presente artigo se propõe a analisar a relação entre a abertura comercial brasileira no início da década de 1990 e a produtividade do trabalho. Particular enfoque é dado à realocação do trabalho em função do processo de racionalização econômica e fechamento de indústrias, desencadeado após a abertura comercial, e seu efeito sobre a produtividade agregada da economia e sobre a relação PIB/PIA.

Para analisar os efeitos setoriais e agregados, antes e depois da abertura comercial, é utilizado o método shift-share de decomposição do crescimento da produtividade do trabalho. Esse método, desenvolvido por Fabricant (1942), tem sido adotado em um conjunto de estudos recentes de grande impacto sobre políticas públicas (Timer et al., 2015; McMillan et al., 2014). O método permite captar tanto o efeito intrasetorial de crescimento da produtividade (via acumulação de capital, mudança tecnológica e fechamento por concorrência das indústrias ineficientes), quanto o efeito estrutural (intersetorial) de realocação do fator trabalho entre os setores.

Dentre as contribuições do artigo, destaca-se a inclusão do setor de desocupados na avaliação, o que traz uma nova perspectiva do efeito da inatividade da população em idade ativa no que pode ser entendido como a taxa de crescimento da produtividade global. Além disso, o estudo se caracteriza por cobrir um período significativamente mais longo que os estudos anteriores no tema (Jacinto e Ribeiro, 2015; Carvalheiro, 2003). Os quarenta anos de dados analisados no entorno do processo de abertura possibilita uma contextualização mais ampla dos efeitos desse processo e seus antecedentes.

O trabalho está organizado em 6 seções. A próxima seção faz uma breve revisão da literatura sobre abertura comercial e dos seus efeitos sobre o crescimento econômico e produtividade do trabalho. A metodologia e a base de dados são discutidos na seção 3. A seção 4 apresenta os resultados encontrados da decomposição do crescimento da produtividade. A seção 5 discute os achados à luz da literatura empírica, reforçando os elementos trazidos pelo novo desenvolvimentismo para explicar o que aconteceu na economia brasileira entre as décadas de 1970 e 2010. Finalmente, a seção 6 faz as considerações finais do artigo.

2. ABERTURA E CRESCIMENTO

A abertura comercial foi um dos pilares das reformas econômicas implementadas na América Latina durante a década de 1990. As medidas adotadas nessa década foram centradas na proposição de que maior abertura comercial e financeira resultaria em maior crescimento econômico, de acordo com as diretrizes do denominado “Consenso de Washington” (Williamson, 2008; Stiglitz, 2008).

De acordo com Lora (2001), a tarifa média dos países da América Latina caiu de 41.6% nos anos pré-reforma, para 13.7% em 1995. No caso do Brasil, o país apresentava uma tarifa média de 80% em 1986 e chegou em 1999 com uma média de 15%. O setor nacional mais afetado foi a manufatura, com uma perda de 48 p.p. de proteção tarifária. Já o setor primário perdeu cerca de 30 p.p de sua proteção via tarifas (Lora, 2001).

Em geral, a literatura empírica tende a concordar sobre os efeitos positivos da abertura sobre a produtividade, que cresce por meio da modernização das técnicas produtivas, de processos gerenciais e do acesso a insumos importados com maior nível tecnológico (Rossi; Ferreira, 1999; Pavcnik, 2002; Paus et al., 2003).

Segundo Pavcnik (2002), a heterogeneidade das fábricas de uma mesma indústria pode servir como canal de aumento da produtividade dado um processo de abertura comercial. Isso ocorreria pela realocação de recursos entre as fábricas, além do fechamento das fábricas menos produtivas. O autor explica que os preços domésticos cairiam pela exposição ao comércio internacional forçando, por sua vez, a saída dos produtores ineficientes, que não possuem a capacidade tecnológica e gerencial de vender seu produto no novo nível de preços. Estudando o caso chileno, o autor estimou o efeito de políticas de proteção ao comércio na produtividade de 3 diferentes setores - de produtos que competem com importados (import-competing); de produtos voltados para exportações; e dos produtos não comerciáveis. Os resultados encontrados apontam que após a abertura comercial o setor import-competing aumentou consideravelmente a diferença de produtividade em relação ao setor de não comercializáveis, de 3% para 10%, concluindo que é possível atribuir à abertura comercial o crescimento da produtividade nas fábricas chilenas orientadas para o comércio externo no período estudado.

Lisboa, Menezes e Schor (2010), por sua vez, ao estimarem os efeitos da liberalização comercial sobre a produtividade brasileira, verificaram que tarifas sobre insumos têm efeito negativo sobre o crescimento da produtividade. O estudo também destaca que tarifas sobre produtos finais não têm efeito sobre a produtividade de setores intensivos em trabalho, mas apresentam efeito positivo sobre a produtividade de setores intensivos em capital/tecnologia. Sendo assim, os resultados encontrados pelos autores indicam que a abertura comercial influencia positivamente a produtividade somente quando focada em insumos, ao passo que apresenta efeitos negativos se focada em produtos finais de setores intensivos em capital/tecnologia.

De forma mais desagregada, Paus, Reinhardt e Robinson (2003) estimaram o efeito da abertura comercial sobre a produtividade de 27 indústrias em 7 países (Argentina, Brasil, Uruguai, Chile, México, Peru e Colômbia) da América Latina entre os anos de 1970 e 1998. Foram utilizados três indicadores: de comércio, importação, exportação; e um índice de reforma comercial. Os resultados encontrados estão de acordo com a hipótese de que a abertura comercial promove acesso a insumos mais baratos por meio tanto da competição no setor de importação quanto do acesso a novos e mais tecnológicos bens de capital, além dos efeitos sobre a exportação.

Rossi e Ferreira (1999) buscaram entender se o aumento da produtividade do trabalho e produtividade total dos fatores (PTF) na década de 1990 foi resultado de mudanças estruturais ou apenas movimentos cíclicos da economia. Entre as variáveis explicativas nas estimações econométricas os autores incluíram diversas medidas de proteção comercial (tarifas nominais, taxa de proteção efetiva, razão exportações por PIB e importações por PIB). Para a produtividade do trabalho, os autores encontraram que “uma queda de 10% nas tarifas implica um aumento da taxa de crescimento da produtividade de 0,8% a.a.” (Rossi e Ferreira, 1999). Já a variável taxa de proteção efetiva foi encontrada uma elasticidade de - 0,6%. Enquanto isso os autores encontraram um coeficiente positivo no valor aproximado de 29% para as importações, sugerindo que o aumento de 1% na proporção importações pelo PIB acarreta um aumento de 29% na produtividade. De acordo com os autores essa relação positiva é explicada pelo acesso a insumos mais baratos e de maior teor tecnológico. A exposição a esses insumos internacionais, aliados a concorrência forçada, obrigariam os produtores nacionais a buscarem maior eficiência e, assim, apresentarem maior produtividade.

Contudo, nem toda evidência na literatura mostra uma relação positiva inequívoca entre abertura e crescimento. Em um estudo muito influente, Rodríguez e Rodrik (2000) elaboraram uma extensa revisão dos principais trabalhos relacionado ao tema (e.g., Dollar, 1992; Sachs e Warner, 1995; Ben-David, 1993; Edwards, 1998). Após encontrarem problemas metodológicos nas abordagens, a replicação dos estudos com as devidas correções mostrou que a relação entre abertura e crescimento era fraca e/ou inexistente em todos os casos.

A evidência em Rodríguez e Rodrik (2000) é corroborada por medidas alternativas da relação entre abertura e produtividade. Mesmo os estudos com resultados positivos para a relação apontam problemas ao se avaliar a abertura sob outras perspectivas. Por exemplo, embora a literatura empírica dos anos 1990 indique que aumentos nas exportações estão associados com o crescimento da produtividade (Bonelli, 1992; Haddad et al., 1996; Weinhold e Rauch, 1997), Rodríguez e Rodrik (2000) indicam que a causalidade pode não estar no sentido da abertura para o aumento das exportações e da produtividade, mas em sentido inverso. Essa foi a conclusão de Clerides et al. (1998) e Pavcnik (2002), que encontraram evidências de que empresas de baixo custo se autosselecionam para o setor de exportação, o que significa dizer que empresas mais produtivas geram maior nível de exportações, e não o contrário.1 Paus et al. (2003) sugerem que não há vestígios de uma causalidade simples entre essas variáveis, o que significa dizer que essa relação é mediada por outros fatores.

Uma segunda dimensão na qual os estudos tendem a concordar diz respeito ao efeito negativo da abertura na realocação do trabalho. De acordo com Paus et al. (2003), além da ineficiência de manter a produção abaixo da sua capacidade total, o aumento do desemprego se mostrou uma forte variável de influência para o aumento da produtividade no período. Entre os países de análise, o Brasil é o segundo com maior queda no emprego (-6,69%), atrás apenas do Uruguai (-7,18%).

Há ainda evidências de que os trabalhadores demitidos das empresas menos eficientes acabam encontrando realocação em setores com produtividade ainda mais baixa, o que gera um novo elemento de pressão sobre a produtividade global da economia. Segundo Paus et al. (2003), a liberalização do comércio levou a uma reestruturação do setor manufatureiro, com o aumento da importância de setores baseados em recursos naturais na região, o que reduz o potencial de crescimento de longo prazo da produtividade.

Ao avaliarem os efeitos da exposição desregulada na década de 1990 de países da América Latina ao comércio internacional, McMillan et al. (2014) chegam à mesma conclusão. Para os autores:

“The larger the share of natural resources in exports, the smaller the scope of productivity-enhancing structural change. The key here is that minerals and natural resources do not generate much employment, unlike manufacturing industries and related services. Even though these ‘enclave’ sectors typically operate at very high productivity, they cannot absorb the surplus labor from agriculture.” (McMillan et al., 2014, p. 2)

Percebe-se, portanto, que apesar da historiografia econômica apontar para uma relação positiva entre a abertura comercial e produtividade no país, seus potenciais efeitos sobre a especialização em setores de baixa produtividade precisam ser mais bem estudados. Em especial, é importante notar que alguns países, por apresentarem vantagem comparativa revelada em produtos primários, podem sofrer com baixo potencial de crescimento da produtividade quando expostos, de forma não estratégica, ao comércio internacional (McMillan et al., 2014).

3. MÉTODO E DADOS

3.1 Base de dados

Os dados para o estudo foram compilados na 10-Sector Database, da Universidade de Groningen, que disponibiliza informações de valor adicionado e emprego nos 10 principais setores de análise da economia como definido pela versão 3.1 da Classificação Internacional Normalizada Industrial (CINI) entre 1950 até 2013 para cerca de 31 países em 3 continentes, incluindo o Brasil. Neste artigo foram utilizados os dados de valor adicionado a preços nacionais constantes de 2005.

Posto que o artigo se propõe a analisar os movimentos da produtividade e do emprego antes e depois da abertura comercial através do estudo do deslocamento da PIA entre setores, incluindo aqui a inatividade, a variável de interesse é a produtividade do trabalho, mensurada através do valor adicionado por trabalhador.

A avaliação compreende um período de 40 anos, entre 1970 e 2010, onde o ponto central da amostra, o ano de 1991, é adotado como divisor da análise por ser o ano de abertura comercial, de acordo com a categorização feita em Sachs e Warner (1995).2

Para dar conta das mudanças na taxa de desocupação observadas na economia brasileira, uma vez que isso afeta a produtividade média da força de trabalho, foi introduzido um “setor” de desocupados na base. É importante ressaltar que a desocupação aqui não leva em conta apenas aqueles que estão na força de trabalho, uma vez que há uma quebra estrutural nos dados de desemprego em função de uma mudança na metodologia utilizada pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD) a partir de 1992. Além disso, não existem dados em valor absoluto para o desemprego em todos os períodos de análise, apenas em porcentagem. Em função dessa dificuldade, optou-se por incluir um setor que dá conta não do desemprego, como definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas da desocupação da PIA, i.e., a população em idade ativa que procurou emprego nos 30 dias anteriores à pesquisa, somados àqueles que estão inativos por qualquer razão. Os dados da PIA para os anos do estudo foram compilados da World Development Indicators (WDI), referentes à população com idade entre 15 e 64 anos, o que inclui toda a população dessa idade residente no país, independentemente do estado legal e cidadania.

Ao introduzir os desocupados, portanto, o denominador da equação de decomposição de produtividade deixa de ser o total de empregados da economia e se torna a PIA. Assim, quando há mudança de status da população em idade ativa entre o desemprego ou inatividade para o emprego em qualquer setor produtivo, a economia eleva a produtividade média da sua PIA. Por outro lado, quando trabalhadores são dispensados de alguns setores e a economia não consegue absorver essa mão de obra em outras atividades, parte da população em idade ativa pode tanto se tornar desempregada, ou seja, à procura de emprego, ou ainda entrar para a inatividade. Nesse caso, a produtividade média da PIA cai, dado que não existe “setor” com menor produtividade que o de desocupação. O Quadro 1 ilustra os setores adotados no estudo.

Quadro 1:
Divisão Setorial (CINI 3.1)

3.2 O método shift-share de decomposição da produtividade

De uma forma geral, a literatura empírica em torno da abertura comercial brasileira aponta dois efeitos que atuam em direções opostas: o efeito positivo da racionalização da produção sobre a produtividade do trabalho, e o efeito negativo do deslocamento de uma parcela significativa da população em idade ativa para o desemprego ou setores de menor produtividade. Faz-se necessário, portanto, avaliar o peso relativo de cada um desses efeitos no crescimento da produtividade.

Conforme proposto por Fagerberg (2000), o shift-share promove a decomposição da produtividade em três termos, assim denominados: (i) efeito intrasetorial, que diz respeito ao aumento da produtividade dentro do setor, por racionalização da produção, melhorias técnicas e maior eficiência produtiva; (ii) efeito intersetorial, que diz respeito à mudança estrutural, e responde pelo crescimento da produtividade por realocação do emprego na direção de setores de maior produtividade na economia; e (iii) efeito interação, que indica o ganho de produtividade pela mudança estrutural rumo a setores onde a produtividade está crescendo, ou saída de setores onde a produtividade está caindo.

A produtividade do trabalho para toda a economia é expressa como a soma da produtividade de todos os setores ponderada pela participação do emprego de cada setor:

P T = Y T L T = i = 1 n Y i L i * L i L T = i = 1 n P i * θ i (1)

onde L i representa o emprego por setor i = {1, 2, ..., 11}, L T o emprego total (PIA), YiLi a produtividade por setor, e LiLT a participação do emprego do setor i no emprego total da economia.

Sendo assim, a taxa de crescimento da produtividade agregada pode ser decomposta em:

P T , t P T , t - k = i = 1 n θ i , t - k P i , t P T , t - k + i = 1 n P i , t - k θ i , t P T , t - k + i = 1 n P i , t θ i , t P T , t - k (2)

onde o operador ∆ diz respeito à variação entre o período t e t - k.

4. RESULTADOS

4.1 Análise descritiva

A Tabela 1 apresenta as taxas médias de crescimento anual na década para os setores avaliados. Os dados indicam que os setores de Fornecimento de Eletricidade, Água e Gás (FEAG) e Mineração (MIN) foram os que apresentaram maior crescimento da produtividade a partir de 1991, apesar de já se destacarem pela alta produtividade nas décadas anteriores. Por outro lado, apesar de aumentar sua produtividade média em quase 300% entre a década de 1970 e a de 2000, o valor adicionado anual por trabalhador na agricultura foi de apenas 6,22 mil reais ao ano na década de 2000, valor que não alcança 10% do valor agregado anual por trabalhador do setor de mineração no início da série, na década de 1970.

Tabela 1:
Valor adicionado anual por trabalhador (mil R$ de 2005)

A heterogeneidade na produtividade intersetorial fica clara pela análise dos dados apresentados na Tabela 1. Como se pode observar, MIN e FEAG eram os setores de maior produtividade na economia brasileira e foram também aqueles que apresentaram maior crescimento nas décadas avaliadas. Com efeito, verifica-se um aumento do hiato no período. Na década de 1970 a diferença percentual entre o setor de maior (MIN) e menor (AGR) produtividade era de 2.910%, diferença essa que alcança 3.587% na década de 1990, após a abertura comercial, e cai para 2.939% nos anos 2000. A última linha apresenta os resultados globais da economia brasileira, ponderados pela participação setorial no emprego total.

A Figura 2 ilustra as mudanças na participação de cada setor na PIA, incluindo o setor de desocupados. Os resultados mostram que tanto MIN como FEAG empregaram uma proporção muito pequena da PIA, não atingindo mais que 1% do total em todo o período de análise. Apesar da produtividade desses setores aumentar expressivamente a partir de 1991, o emprego em ambos os setores não apresentou crescimento. Já o setor agropecuário, apesar da menor produtividade, é aquele que mais empregou até meados dos anos 2000, quando foi ultrapassado pelo setor de serviços governamentais. A Figura 2 destaca, porém, a tendência de queda da participação do setor agropecuário no emprego.

Figura 2:
Evolução da participação setorial na PIA (1970-2010)

É importante notar que a participação de desocupados na PIA apresenta um forte aumento após a abertura comercial. É notório também que, apesar das crises da década de 1980, essa década teve a menor média de desocupados como proporção da PIA. É provável que esse alto percentual de desocupados seja formado em parte pelo excedente de trabalhadores das antigas firmas que foram fechadas por força da concorrência externa.

É possível observar ainda que a participação do emprego dos setores de comércio (COM) e da manufatura (MAN) passam a apresentar tendências opostas a partir de 1991. Se entre 1970 e 1990 esses setores apresentavam uma taxa média de participação no emprego total em torno de 8%-10%, a partir da abertura comercial o comércio passa a absorver mais mão de obra, enquanto se verifica uma queda do emprego da manufatura, revelando uma realocação de trabalho. Esse é um efeito esperado, na medida em que o setor de manufaturados é composto virtualmente apenas por comercializáveis (tradables). Em contraste com outros setores, isso o torna particularmente suscetível à concorrência externa. Assim como o setor de comércio, também apresentam tendência de aumento da participação na PIA os setores de serviços governamentais (GOV) e serviços pessoais (SCSP). Enquanto o primeiro mantém uma produtividade semelhante à da manufatura, o segundo apresenta um nível de produtividade extremamente baixo, semelhante ao do setor agropecuário.

Uma vez que a manufatura é mais produtiva que os setores de comércio e serviços pessoais em todas as décadas analisadas, a realocação do emprego rumo a esses setores resulta em uma redução da produtividade agregada da economia brasileira.

A Figura 3, por sua vez, contrasta o gap tecnológico setorial entre o Brasil e os Estados Unidos antes e depois da abertura comercial. É interessante notar que a manufatura é um dos setores com maior variação no gap tecnológico no período. Ao contrário do que os defensores da abertura comercial argumentam, verifica-se um aumento considerável (de cerca de 30 pontos percentuais) do gap tecnológico da manufatura brasileira em relação à dos EUA a partir de 1991.

Figura 3:
Gap tecnológico médio (Brasil/EUA)

Nota: Valores em reais transpostos para dólares usando a PPP de 2005.


Além da manufatura, o comércio também sofre com uma ampliação significativa do gap, sendo este o setor que apresenta maior queda de produtividade relativa. Nas décadas de 1970 e 1980 o comércio se apresentava como setor de maior produtividade média relativa, com 70% da produtividade dos Estados Unidos. A relação cai para 27%, se tornando um dos setores com maior diferencial de produtividade. Por outro lado, os setores agropecuário, de construção civil e de serviços governamentais sofreram pouca variação no gap tecnológico durante o período analisado.

A diminuição do gap ocorre apenas nos setores de mineração e de utilidades públicas (FEAG). Mas apesar desses setores se tornarem mais produtivos em relação à fronteira, essa variação positiva ainda é muito pequena quando comparada com a variação do gap nos setores que perdem produtividade relativa após a abertura.

A análise acima parece indicar que a abertura comercial brasileira na década de 1990 contribuiu tanto para o aumento da desocupação quanto para uma expressiva ampliação do gap tecnológico na maior parte dos setores da economia. Ou seja, a abertura parece estar associada a uma ampliação da distância tecnológica da produção brasileira em relação à fronteira, e não o contrário, como defendido pela literatura liberal. Por fim, nota-se que os setores com menor capacidade de absorção de mão de obra foram os únicos que lograram reduzir o gap tecnológico.

Decomposição do crescimento da produtividade

As Figuras 4(A) e 4(B) contrastam os resultados da decomposição do crescimento da produtividade do trabalho nas duas décadas que antecedem a abertura comercial, 1970 e 1980, com aquele para as décadas de 1990 e 2000, permitindo uma análise da importância de cada elemento para o desempenho dessa variável numa perspectiva de longo prazo. Para efeito de comparação, a análise apresenta os resultados com e sem o setor de desocupação.

Figura 4:
Decomposição do crescimento da produtividade (1971-2010)

Apesar dos problemas enfrentados durante a década de 1980, a taxa de crescimento médio da produtividade antes da abertura (1,57%) é mais de duas vezes superior àquela observada após a abertura de 1991 (0,7%). Conforme ilustrado na Figura 4(A), o componente estrutural apresenta uma participação muito mais elevada no crescimento da produtividade agregada antes da abertura. Assim como encontrado por McMillan et al. (2014), há uma queda brusca do componente no período pós-abertura. Isto é, se antes o componente estrutural contribuía, em média, com 1,75 pontos percentuais do crescimento da produtividade ao ano, depois de 1991 o componente passa a contribuir para com apenas 0,24 pontos percentuais. O componente de interação, por sua vez, é negativo em ambos os períodos, embora superior no período anterior à abertura. Isso indica que, nos dois períodos, a maior parcela da mudança estrutural se deu rumo a setores onde a produtividade estava em queda.

Na Figura 4 (B), ao incluir o setor de desocupados, a taxa média de crescimento da produtividade antes da abertura se altera significativamente, passando de 1,57% para 2,54%. Além disso, o componente estrutural passa a participar de forma mais expressiva do crescimento da produtividade média da PIA. Isso indica que a redução do número de desocupados na economia tem um peso muito grande no crescimento da produtividade antes da abertura. O componente de eficiência continua inalterado, enquanto o componente de interação apresenta leve redução.

No período pós-abertura, por outro lado, ao considerar o setor de desocupados, a taxa de crescimento médio da produtividade cai ainda mais, passando de 0,70% para meros 0,47% ao ano. Essa redução é explicada pela queda expressiva do componente de mudança estrutural, que cai de 0,24 para apenas 0,01 pontos percentuais, ao passo que o componente de interação se reduz em -0,01 pontos percentuais. Essa comparação permite inferir que o aumento dos desocupados após a abertura afetou negativamente, e de forma significativa, o crescimento da produtividade média da PIA.

A Figura 5 apresenta os resultados da decomposição por década. Todos os componentes apresentaram picos nos anos 1970. Nessa década a produtividade agregada cresceu a uma taxa média de impressionantes 5,14% ao ano, com grande contribuição tanto do componente de eficiência (3,59 p.p.) como daquele de mudança estrutural (2,01 p.p.). A contribuição do efeito da entrada em setores com produtividade em queda foi negativa, mas pequena (-0,46 p.p.).

Figura 5:
Decomposição do crescimento da produtividade por década (1971-2010)

Na década de 1980, por outro lado, a produtividade apresentou queda expressiva (-1,99%). Apesar de positivo, o efeito da mudança estrutural (1,5 p.p.) apenas atenuou a forte queda apresentada pelo componente de eficiência produtiva (-2,88 p.p.). Da mesma forma, como indicado pelo termo de interação (-0,61 p.p.), parte da realocação do trabalho ocorreu em setores com queda da produtividade.

A partir da abertura comercial, a produtividade passa a crescer a uma taxa média muito inferior. Durante a década de 1990, sem considerar o setor de desocupados, a produtividade cresce a uma taxa média de 0,50% ao ano. Além do efeito de eficiência ter apresentado uma taxa muito pequena, de 0,57 p.p. ao ano, o componente de mudança estrutural apresentou variação negativa de -0,08 p.p. ao ano para o período.

Durante os anos 2000 nota-se uma pequena aceleração do crescimento da produtividade média, chegando a 0,90% ao ano, com contribuição positiva tanto do componente de eficiência de 0,50 p.p., como daquele de mudança estrutural (0,46 p.p.).3 Ainda que o componente de eficiência seja marginalmente superior na década de 1990, a migração do emprego para setores de maior produtividade assume novamente o protagonismo na década de 2000, elevando consideravelmente a taxa de crescimento da produtividade média.

A introdução do setor de desocupados na análise por década, por sua vez, produz alterações relevantes nos resultados da decomposição. Na década de 1970, essa mudança amplia consideravelmente o efeito do componente de mudança estrutural, que passa de 2,01 p.p. para 3,06 p.p. ao ano. O componente de interação, por outro lado, apresenta uma mudança apenas marginal (-0,46 p.p. para -0,57 p.p.). No geral, portanto, o que se observa nessa década é um crescimento ainda maior da produtividade média do trabalho ao se considerar o setor de desocupados, chegando-se a uma taxa de crescimento da produtividade da PIA de 6,08% ao ano.

Já na década de 1980, a inclusão do setor de desocupados na análise permite verificar um aumento considerável do peso do componente de mudança estrutural. A taxa de crescimento da produtividade média dos trabalhadores passa de -1,99% sem o setor para -1,1% com ele. Essa melhora se deve a um aumento expressivo do componente de mudança estrutural, que passa de 1,5 p.p. para 2,5 p.p., ao passo que o termo de interação cai para apenas -0.02 p.p.

Após a abertura comercial, durante a década de 1990, o efeito de realocação intersetorial do emprego passa a contribuir negativamente, e de forma expressiva, para a taxa de crescimento da produtividade média da PIA. Isso ocorre por efeito do significativo aumento dos desocupados durante essa década, que contribui para reduzir o crescimento da produtividade agregada através da mudança estrutural. Esse componente, que apresentou uma taxa de crescimento média de 2,50 p.p. ao ano durante os anos 1980, passa a contribuir com -1,20 p.p. ao ano na década de 1990.

Como resultado do efeito negativo da mudança estrutural rumo à desocupação verificado após a abertura, a produtividade do trabalho cai para uma média de -0,74% ao ano a partir da década de 1990.

Os resultados para a década de 2000 ao se incluir o setor de desocupados, por outro lado, mostram que o componente de mudança estrutural aumenta de 0,40 p.p. para 1,17 p.p. ao ano. Além disso há uma mudança relevante dos pesos dos componentes na comparação das duas decomposições. Ao considerar o setor de desocupados, o componente de mudança estrutural passa de uma contribuição de 0,46 p.p. para 1,23 p.p. ao ano. Esse efeito é explicado pelo aumento do emprego nesse período, permitindo a inclusão produtiva de uma parcela significativa dos desocupados, ou seja, proporcionando um considerável deslocamento intersetorial dos indivíduos do setor de desocupados, que tem produtividade zero, para setores produtivos da economia.

A comparação das decomposições com e sem os desocupados revela aspectos importantes do tipo de crescimento observado na década de 2000. Por um lado, o maior crescimento do PIB durante os anos 2000 foi associado à expansão tanto do emprego como da produtividade. Por outro lado, o crescimento da produtividade via mudança da estrutura produtiva foi, nesse período, muito mais relacionado à incorporação de desocupados do que ao aumento relativo do emprego dos setores de maior nível de produtividade.

Como já destacado anteriormente, a inclusão do setor de desocupados no lugar do setor de desempregados é explicada por razões metodológicas, em função da disponibilidade de dados, uma vez que em 1992 há uma ruptura metodológica na definição de desemprego, o que impede a comparação com as décadas anteriores. No entanto, é possível comparar os resultados da decomposição de crescimento da produtividade usando dados de desemprego para as décadas de 1990 e 2000, o que é ilustrado na Figura 6, que utiliza dados de desemprego.

Figura 6:
Decomposição do crescimento da produtividade por década (1992-2010)

Nota: Desempregados=[Empregados/(1-Taxa de Desemprego)]*Taxa de Desemprego.


A única diferença da Figura 6(A) para a Figura 5(A) é a exclusão dos dados referentes a 1991, uma vez que os dados de desemprego se iniciam em 1992. A exclusão do ano de 1991, por sua vez, leva a um aumento do componente de mudança estrutural (0,01 p.p. para 0,33 p.p.) e a leves reduções nos componentes de eficiência (0,57 p.p. para 0,49 p.p.) e de interação (-0,08 p.p. para -0,09 p.p.). O resultado final é um aumento da taxa de crescimento da produtividade no período, que passa de 0,50% para 0,73% ao ano.

Ao considerar o desemprego verifica-se não só uma redução considerável do crescimento da produtividade média da força de trabalho durante a década de 1990 (0,73% para 0,26%), como também um aumento da taxa de crescimento da produtividade durante a década de 2000 (0,90% para 1,15%).

A inclusão do desemprego, portanto, reforça os efeitos da realocação intersetorial de trabalhadores sobre a produtividade. Logo após a abertura, durante a década de 1990, o aumento do desemprego influenciou negativamente o crescimento da produtividade média da força de trabalho, representado no componente de mudança estrutural, que cai de 0,33 p.p. para -0,14 p.p. ao considerar o desemprego. O inverso se observa na década de 2000, quando a redução do desemprego propicia o aumento do componente de mudança estrutural de 0,46 p.p. para 0,70 p.p. ao ano.

5. DISCUSSÃO

Os resultados reportados na seção anterior sugerem que a proposição de que a abertura comercial foi benéfica para a produtividade brasileira precisa ser relativizada. Em primeiro lugar, o estudo mostra que a abertura comercial foi acompanhada pelo aumento da população fora do mercado de trabalho, havendo um deslocamento massivo da PIA da ocupação para a desocupação. Ao analisar a variação da produtividade agregada sem o setor de desocupados, percebe-se que o crescimento médio da produtividade foi mais de duas vezes menor nas duas décadas que sucederam à abertura (0,71% entre 1991 e 2010) do que nas décadas que a antecederam (1,57% entre 1971 e 1990). Esse resultado se torna ainda pior com a inclusão do setor de desocupados no cálculo da produtividade média da PIA. Nesse caso a taxa média de crescimento da produtividade das duas décadas pré-abertura aumenta (2,53% entre 1971 e 1990) e passa a ser mais de cinco vezes maior do que a taxa observada nas duas décadas pós-abertura, que cai para 0,47% entre 1991 e 2010.

Além disso, a manufatura, setor de elevada produtividade, teve sua participação no emprego total reduzida, ao mesmo tempo que o comércio e os serviços pessoais, que apresentam menor produtividade, aumentaram a absorção de mão de obra. De fato, a decomposição da variação da produtividade revelou que o componente de mudança estrutural é cerca de 7 vezes maior no período que antecede a abertura, uma evidência de que a especialização produtiva em setores de menor produtividade pode ter sido consequência da abertura comercial.

A inclusão dos desocupados na análise torna o problema estrutural ainda mais evidente, ampliando a diferença prés e pós-abertura do componente em centenas de vezes. Isso é também um indicativo de que a redução do número de desocupados na economia tem um grande peso no crescimento da produtividade média da PIA. Esse resultado ressalta ainda a tendência de adoção de tecnologias que poupam mão de obra e aumentam a produtividade do trabalho, mas que, ao utilizar mais capital, contribuem para aumentar o desemprego.

Os achados deste estudo fortalecem o ceticismo da literatura não-neoclássica quanto aos benefícios da abertura econômica em países em desenvolvimento. Os déficits crônicos em conta-corrente, o aumento do desemprego e inatividade, a desindustrialização, todos estes produtos diretos desse processo de abertura, contribuíram de forma inequívoca para a quase estagnação da economia brasileira nos últimos 40 anos (Bresser-Pereira, 2022). Se estes resultados não comprovam a ineficácia do processo de abertura para acelerar o crescimento, colocam importantes questionamentos sobre o modelo de desenvolvimento via liberalização e desregulamentação, adotado pelo país após 1990 em substituição ao paradigma desenvolvimentista, pautado no incentivo à indústria nacional.

De fato, enquanto vigorou o modelo desenvolvimentista, a produtividade brasileira apresentou resultados formidáveis. A seção anterior mostra que a década de 1970 foi marcada por um forte crescimento tanto do componente intrasetorial como do intersetorial da produtividade. Esse resultado contrasta com aquele da década de 1980 - marcada pela crise da dívida dos países latino-americanos e pela elevada inflação de caráter inercial -, quando a taxa de crescimento da produtividade foi negativa, puxada pelo componente de eficiência produtiva. É interessante notar, contudo, que o efeito da mudança estrutural foi positivo, com a realocação do emprego em setores de maior produtividade, o que reduziu a magnitude da queda da produtividade total do período.

A virada neoliberal que começou a ser processada na década de 1980, e que culminou com a abertura comercial e financeira na década seguinte, piorou significativamente os resultados da economia brasileira. Notou-se tanto um aumento da desocupação como uma piora na especialização produtiva, o que não foi compensado pelo pequeno aumento na eficiência, que jamais retornou aos níveis da década de 1970. O desempenho no período pós-abertura só não foi pior porque houve um princípio de reversão de perdas alocativas na década de 2000, o que fica evidente pela contribuição do componente de mudança estrutural, que sobe para 1,23% ao ano contra -0,14% na década de 1990, quando incluído o setor de desocupados. Esse resultado é explicado pelo aumento do emprego formal no período, o que permitiu a reabsorção dos desocupados da década anterior.

Esse quadro sugere, portanto, que a aposta no modelo de desenvolvimento com poupança externa foi o principal responsável pelos resultados da economia brasileira nas últimas décadas. De acordo com Resende et al. (2012), a abertura ampliou a vulnerabilidade e dependência das economias da região aos fluxos financeiros globais, tornando seu ciclo econômico em um reflexo do quantitative easying das economias centrais. Essa conclusão é ainda mais forte quando comparado ao caso das economias asiáticas, que mantiveram o modelo desenvolvimentista durante a década de 1990.

A abordagem do novo desenvolvimentismo adiciona um elemento adicional na explicação da quase estagnação da economia brasileira desde a abertura: a sobrevalorização crônica da taxa de câmbio. A partir de 1994, durante o Plano Real, o câmbio foi mantido fixo em nível sobrevalorizado. Após a passagem ao câmbio flutuante, em 1999, depois de um breve período de desvalorização, seguiu-se uma tendência de sobrevalorização. De acordo com Bresser-Pereira (2008), o excesso de entradas líquidas de divisas geradas pela exportação de commodities em países abundantes em recursos naturais, como o Brasil, levam a uma apreciação crônica do câmbio, penalizando empresas que produzem bens e serviços tradables non-commodity. Estas acabam em desvantagem competitiva mesmo quando estão na fronteira técnica do setor. A abertura comercial, combinada à sobrevalorização do câmbio no país, levou a uma diminuição relativa dos investimentos privados na indústria com consequente perda da capacidade competitiva do setor de manufaturados. Essa impossibilidade prática do país manter uma taxa de câmbio competitiva foi ampliada pela liberalização financeira, que aumentou a tendência à apreciação cambial e sua volatilidade, com os influxos de curto prazo, resultando na desindustrialização da economia (Bresser-Pereira, 2022).

6. COMENTÁRIOS FINAIS

A abertura comercial tem efeitos de natureza estrutural e tecnológica na economia. Este estudo buscou avaliar as mudanças na produtividade e emprego antes e depois da redução das barreiras comerciais da economia brasileira, por meio de técnicas de decomposição.

Ao incluir o setor de desocupação no exercício, o estudo chamou a atenção para perdas não contabilizadas na literatura que são advindas tanto da realocação do trabalho em setores de baixa produtividade quanto do aumento da desocupação, que reduz o potencial de crescimento da produtividade da força de trabalho como um todo. A comparação entre a decomposição do crescimento da produtividade com e sem esses setores, em conjunto com a análise da evolução da desocupação no tempo, permitiu identificar a associação entre abertura comercial e o aumento do desemprego.

É importante ressaltar que o artigo não buscou identificar o efeito causal da abertura comercial sobre a produtividade e o emprego, mas contribuir para um melhor entendimento da dinâmica da produtividade agregada e setorial, antes e depois de abertura, ressaltando as características específicas do processo de crescimento em cada período e os movimentos de saída e entrada no mercado de trabalho pela PIA.

Os resultados sugerem que as conclusões da literatura econômica acerca dos efeitos da abertura comercial sobre a produtividade precisam ser relativizadas, uma vez que a inclusão da desocupação na análise acabou por reverter muitos dos ganhos presumidos. Igualmente, em termos estruturais, a abertura comercial mostrou-se particularmente negativa para os setores de mais alta produtividade da economia, tradables non-commodity, o que pode ter contribuídos para aceleração do processo de desindustrialização brasileira, agravado pela sobrevalorização do câmbio durante o período, ratificando preocupações pós-keynesianas e novo-desenvolvimentistas.

Conclui-se, portanto, que a integração externa de países em desenvolvimento requer a consideração não somente dos seus efeitos sobre um grupo de indústrias que podem aproveitar a concorrência para otimizar seu processo produtivo, mas também sobre a mão de obra realocada ou levada ao desemprego pelo processo. Essa preocupação é particularmente relevante em economias heterogêneas e com alta especialização em bens de baixa produtividade, como o Brasil, ponto este já destacado em estudos prévios como Rossi e Ferreira (1999) e McMillan et al. (2014). Isso pode ser ainda mais preocupante a longo prazo, haja vista que o processo de desenvolvimento envolve a lenta aquisição de competências produtivas necessárias para a diversificação produtiva. Nesse contexto, a destruição prematura de setores manufatureiros pela exposição à competição com empresas globais maduras dificulta sobremaneira os anseios de ruptura com os grilhões do subdesenvolvimento.

É importante notar que os potenciais efeitos negativos de aberturas comerciais são agravados em economias que sofrem da chamada Doença Holandesa. A solução nesse caso passa pelo estabelecimento de tarifas aduaneiras, subsídios, intervenções no mercado de câmbio e/ou maior controle das movimentações na conta financeira e de capitais do Balanço de Pagamentos, com vistas a trazer a taxa de câmbio para níveis mais próximos daquele que garanta a competitividade dos setores industriais.

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  • 1
    Importante ressaltar que embora Rossi e Ferreira (1999) tenham encontrado um coeficiente negativo para as exportações, no valor de -12,23%, os autores justificam o resultado pelos altos subsídios aos setores exportadores brasileiros e pela especialização em bens primários de baixa produtividade, de forma que a exposição ao comércio internacional levaria a uma expansão na exportação desses produtos e com isso uma queda na produtividade.
  • 2
    Para a definição de abertura comercial, Sachs e Warner (1995) utilizam 5 critérios em uma variável binária que recebe o valor 1 (país é considerado fechado) caso: 1) Prêmio de risco do mercado negro acima de 20%; 2) taxa de tarifas média acima de 40%; 3) barreiras não tarifárias maiores que 40%; 4) estado que exerce monopólio sobre as exportações; 5) país com regime socialista. De acordo com esses critérios, o Brasil é considerado fechado nas décadas de 1970 e 1980. Os autores argumentam que antes de 1991 “the average effective protection rates in 1967 and 1973 exceed 40 percent” (Sachs, Warner 1995, p. 74). Além disso os autores argumentam a respeito do alto prêmio de risco do mercado negro para a década de 1980 (36%), excedendo o valor de corte estabelecido. Posto isso, é adotado aqui o ano de 1991 como o ano de abertura, uma vez que somente depois dessa data todos os critérios de abertura estabelecidos por Sachs e Warner (1995) são atendidos.
  • 3
    É importante mencionar que alguns autores apontam certa reversão da abertura comercial durante os anos 2000 (SEAE, 2018), ainda que seja consensual a abertura da economia brasileira durante toda a década de 1990.
  • 4
    JEL Classification: J24; O4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2022
  • Aceito
    05 Maio 2023
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