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DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DAS POLÍTICAS CURRICULARES ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

TEACHING IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION: FROM CURRICULUM POLICIES TO PEDAGOGICAL PRACTICES

É fato que a Educação Infantil tem se tornado cada vez mais reconhecida nas últimas décadas, especialmente a partir da homologação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.), que passou a considerá-la como primeira etapa da Educação Básica. Ademais, a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n.º 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 dez. 2009.) e, mais recentemente, da controversa Base Nacional Comum Curricular para a etapa da Educação Infantil (BNCC-EI) (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017.) tem mobilizado os debates sobre o currículo da Educação Infantil. Contemporaneamente, acirraram-se discussões e embates e, ao mesmo tempo, ampliaram-se as proposições de políticas e de documentos que visam qualificar a educação desenvolvida na Educação Infantil.

Um dos aspectos que tem sido amplamente discutido e pautado nas políticas e em documentos oficiais diz respeito às especificidades demandadas pela formação docente para essa etapa. Entretanto, o que se tem comumente observado nas propostas de alguns documentos, entre os quais incluímos a BNCC-EI (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017.), é uma padronização da docência na Educação Infantil. Por outro lado, consideramos que é imprescindível debater tal docência a partir de perspectivas de formação docente plurais e que efetivamente dialoguem com os contextos das instituições públicas localizadas no território nacional. Entendemos que a docência na Educação Infantil deve ser não liberal, pedagogicamente intencional, relacional, contextual, politicamente engajada e epistemologicamente situada (CARVALHO, 2021CARVALHO, R. S.; LOPES, A. O.; BERNARDO, G. A. V. Educação Infantil pós-BNCC e a produção do neossujeito docente em documentos curriculares municipais. Debates em Educação, Maceió, v. 13, p. 33-57, 2021. https://doi.org/10.28998/2175-6600.2021v13n33p33-57
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). Para tanto, é preciso haver uma formação docente menos prescritiva, mais crítica e autoral, pautada pelo exercício do pensamento docente. Afinal, consideramos que “a docência não é da ordem do domínio [de um conjunto de prescrições a serem seguidas] e sim da relação, da escuta, [da mediação qualificada] e [da] interlocução que se estabelece com as crianças” (CARVALHO, 2021CARVALHO, R. S. O infraordinário na educação infantil. In: SANTIAGO, F.; MOURA, T. A. (Orgs.). Infâncias e docências: Descobertas e desafios de tornar-se professora e professor. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 71-108., p. 89).

Nessa direção, a intenção deste número temático é defender a importância do reconhecimento da docência na Educação Infantil no âmbito da discussão das políticas curriculares e práticas pedagógicas. Compartilharemos, através dos artigos, discussões que ampliem a reflexão sobre perspectivas mais plurais de pensar a docência e, de modo correlato, a formação docente na Educação Infantil.

O número temático é composto por 12 artigos de pesquisadores(as) do campo da Educação Infantil oriundos(as) das cinco regiões brasileiras e de cinco países: Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra e Argentina. Com relação aos artigos estrangeiros, esclarecemos que, de forma alguma, temos a intenção de que sejam entendidos como práticas exitosas a serem seguidas pelos(as) docentes brasileiros(as).

Por outro lado, consideramos que as discussões sobre formação docente, currículo, avaliação e arte a serem compartilhadas nos artigos dos(as) pesquisadores(as) estrangeiros(as) têm o potencial de suscitar discussões que inspirem os(as) leitores(as) a discutir contextualmente as demandas de formação docente em nosso país, sem jamais perder a autoria e o exercício crítico do pensamento. Ademais, o conjunto de artigos brasileiros evidencia a potência das discussões emergentes de pesquisas que têm sido desenvolvidas no território nacional sobre difusão de livros didáticos para docentes de creche, educação inclusiva, formação continuada, a vida espacializada dos bebês e crianças pequenas, Educação Infantil no campo, assim como o papel dos auxiliares no contexto da docência com crianças de 0 a 5 anos e 11 meses de idade. Mediante o exposto, buscamos reunir discussões sobre a docência na Educação Infantil que vêm sendo desenvolvidas não apenas no Brasil, mas em distintos países no mundo, no intuito — justamente — de proporcionar aos(às) leitores(as) uma pluralidade de pontos de vista sobre a docência na Educação Infantil.

O artigo que abre número temático é intitulado “O currículo da creche em livros didáticos para professores: Análise discursiva das tecnologias de regulação da docência e de produção de uma epistemologia do infantil” e é de autoria de Rodrigo Saballa de Carvalho e de Bianca Salazar Guizzo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os autores discutem os modos como os livros didáticos para professores de creche têm operado em processos de regulação da docência e de produção de uma epistemologia do infantil. Carvalho e Guizzo ressaltam que tais processos têm sido operacionalizados nos livros a partir de uma leitura daquilo que se recomenda na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017.), em uma espécie de “didática para a ação pedagógica”.

O segundo artigo, “ECEC workforce professionalisation at a crossroad: How to realize an integrated system in time of reforms in Italy?”, de Arianna Lazzari e Lucia Balduzzi, da Universidade de Bolonha (Itália), apresenta uma revisão crítica do desenvolvimento histórico da formação profissional de educadores da creche e professores da pré-escola. As autoras discorrem ainda sobre as tensões decorrentes da questão da formação inicial da atuação profissional dentro do debate pedagógico e político contemporâneo sobre o sistema integrado para crianças de 0 a 6 anos.

Em “A pedagogy for play: Theoretical considerations and operational guidelines for an educational perspective 0–6”, Donatella Savio, professora da Universidade de Pavia (Itália), discute a necessidade de construir uma perspectiva educacional para as instituições de ensino que atendem crianças de 0 a 6 anos, uma vez que a integração dessa faixa etária somente se deu recentemente. Nessa direção, a autora propõe uma pedagogia do brincar pautada pelo reconhecimento do brincar como uma experiência vital e existencial para as crianças.

No artigo “Evaluation at the initial level: From the taxonomy of the subject to the account of the experience”, Daniel Brailowsky e Jesica R. Sampertini, da Universidade Pedagógica Nacional (Argentina), problematizam a avaliação na Educação Infantil, entendendo-a como geradora de tensões e paradoxos na docência. A discussão é desenvolvida a partir de fontes bibliográficas e documentais, como também de relatos docentes que atuam na Educação Infantil.

Em “A docência na Educação Infantil: Pontos e contrapontos de uma educação inclusiva”, Marta Brostolin e Tânia Maria Filiú de Souza, ambas da Universidade Católica Dom Bosco (Brasil), refletem sobre a inclusão na Educação Infantil. No artigo, analisam a concepção de inclusão de oito docentes de Educação Infantil e as implicações para o trabalho pedagógico. Os resultados apresentados evidenciam a necessidade de fomentar discussões e ações afirmativas no trabalho pedagógico para ampliar a formação na perspectiva inclusiva aos docentes atuantes na primeira etapa da Educação Básica.

O artigo “Educación artística y creatividad: Los ‘talleres creativos’ para la infancia de Escola Imaxinada”, de Vicente Blanco e Salvador Cidrás, da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), discute experiências de oficinas artísticas criativas, apontando e problematizando possibilidades metodológicas que podem ser experimentadas no fazer docente cotidiano junto às crianças.

Jader Janer Moreira Lopes, da Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil), Ambika Kapoor, da Universidade de Leeds (Inglaterra), e Sara Rodrigues Vieira de Paula, também da Universidade Federal de Juiz de Fora, em “A vida espacializada de bebês e crianças: Legados para a pensar a docência na Educação Infantil”, compartilham uma discussão sobre a espacialização da existência de bebês e crianças como constituinte da prática docente. Tomando como referência experiências empreendidas no Brasil e na Índia, os autores traçam elementos que evidenciam a geometrização do espaço a partir do que vem sendo denominado “virada espacial”.

No artigo “Ressonâncias de uma experiência além-mar de formação continuada de professoras de educação infantil”, Lenira Haddad, Maria Assunção Folque, Jeane Costa Amaral e Isabel Bezelga, pesquisadoras vinculadas à Universidade Federal de Alagoas (Brasil) e à Universidade de Évora (Portugal), focalizam os impactos do Programa de Residência Pedagógica e Cultural, realizado na cidade de Évora (Portugal), nas identidades docentes profissionais de professoras de Educação Infantil vinculadas ao município de Penedo (Alagoas).

Célia Aparecida Bettiol e Roberto Sanches Mubarac Sobrinho, da Universidade Estadual do Amazonas (Brasil), no artigo “Quando a Educação Infantil é na aldeia: Narrativas de professores indígenas em formação”, refletem sobre o processo de formação docente na Educação Indígena. Para tanto, tomam como material empírico narrativas produzidas em duas disciplinas de graduação ofertadas na Universidade em que atuam. Para levar a cabo uma docência potente às crianças indígenas, os autores destacam que é necessário atentar para o modo como elas vivem nas suas comunidades e para as narrativas sobre elas nas escolas indígenas de Educação Infantil.

O artigo “Educação Infantil do campo: Docência em turmas multisseriadas no interior do Amazonas”, de Zilda Gláucia Elias Franco, Beatriz Lima Benigno e Simone Maria Oriente Vasconcelos, da Universidade Federal do Amazonas (Brasil), analisam a atuação docente desenvolvida na Educação Infantil do Campo em turma multisseriada em escola ribeirinha no interior do Amazonas. As autoras apontam a fragilidade da implementação das políticas públicas direcionadas a esse público e a necessidade da valorização da formação contínua do professor em relação às práticas pedagógicas.

No artigo “Formação de professores da Educação Infantil: Experiências do Curso de Especialização em Docência”, as brasileiras Fernanda de Lourdes Almeida Leal, da Universidade Federal de Campina Grande, Ana Luisa Nogueira de Amorim, da Universidade Federal da Paraíba, e Denise Maria de Carvalho Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, refletem sobre os cursos de aperfeiçoamento e especialização em docência na Educação Infantil voltados à formação de professores. A partir de uma análise de documentos dos cursos desenvolvidos em três universidades federais do Nordeste, o artigo discute aspectos políticos, legais, teóricos e pedagógicos constitutivos da proposta dos cursos e de sua implementação, problematizando a docência na Educação Infantil.

O último artigo que compõe o número, intitulado “As auxiliares na composição funcional da docência na Educação Infantil nas redes municipais de ensino”, de Angela Scalabrin Coutinho, da Universidade Federal do Paraná, Valdete Côco, da Universidade Federal do Espírito Santo, e Thiago Alves, da Universidade Federal de Goiás, apresenta uma análise sobre a presença das auxiliares na composição cotidiana do exercício da docência na Educação Infantil.

Enfim, o conjunto de textos que compõe este número temático não traz uma simples descrição de como deve ser a docência na Educação Infantil — caso assim fosse, estaríamos reprisando a BNCC-EI, assim como muitos documentos curriculares municipais decorrentes dela (CARVALHO; LOPES; BERNARDO, 2021CARVALHO, R. S. O infraordinário na educação infantil. In: SANTIAGO, F.; MOURA, T. A. (Orgs.). Infâncias e docências: Descobertas e desafios de tornar-se professora e professor. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 71-108.). Pelo contrário, os artigos buscam problematizar, discutir e (res)significar possibilidades plurais de reflexão sobre a docência na Educação Infantil. Nesse sentido, acreditamos que o número temático poderá mobilizar fecundas discussões sobre o reconhecimento da docência na Educação Infantil e a imprescindibilidade de uma formação docente crítica, que reverbere no atendimento qualificado das crianças nas instituições de Educação Infantil públicas do nosso país.

Boa leitura!

REFERÊNCIAS

  • BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular Brasília, DF: MEC, 2017.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n.º 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 dez. 2009.
  • CARVALHO, R. S. O infraordinário na educação infantil. In: SANTIAGO, F.; MOURA, T. A. (Orgs.). Infâncias e docências: Descobertas e desafios de tornar-se professora e professor. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 71-108.
  • CARVALHO, R. S.; LOPES, A. O.; BERNARDO, G. A. V. Educação Infantil pós-BNCC e a produção do neossujeito docente em documentos curriculares municipais. Debates em Educação, Maceió, v. 13, p. 33-57, 2021. https://doi.org/10.28998/2175-6600.2021v13n33p33-57
    » https://doi.org/10.28998/2175-6600.2021v13n33p33-57

Editores Associados:

Alessandra Arce Hai e Juan Manuel Sánchez

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2021
  • Aceito
    25 Mar 2022
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