Inovação tem sido uma palavra utilizada em diferentes áreas do conhecimento, entre elas a educação. Nessa área, o termo aparece em relatórios institucionais, projetos e programas governamentais. Ao olhar o movimento da história da educação, é possível verificar que a busca por ações denominadas inovadoras/renovadoras se faz presente em diferentes países e situações. Essas experiências indicam que o termo inovação comporta diversos significados respaldados por várias concepções teóricas. Essa não é uma observação pontual, pois se trata de um conjunto complexo de perspectivas, plural e dinâmico, que se assenta em crenças e valores, sendo fundamental captá-lo na sua historicidade (Pintassilgo; Andrade, 2019PINTASSILGO, J.; ANDRADE, A. N. Um olhar histórico sobre escolas diferentes: perspectivas teóricas e metodológicas (o exemplo do Projeto «INOVAR»). Historia y Memoria de la Educación, v. 10, p. 175-212, 2019. https://doi.org/10.5944/hme.10.2019.22081
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).
Com atenção à ênfase da inovação na contemporaneidade, o presente número temático tem o propósito de evidenciar a presença desse termo na educação, em diferentes perspectivas, contextos e momentos. Para tanto, esta apresentação oferece um breve estudo, em que se buscam fios históricos que tecem a trama desse constructo na atualidade.
Conceitos e mesmo ideias não “nascem” espontaneamente no cérebro das pessoas, pois “tiveram um centro de formação, de irradiação, de difusão, de persuasão” (Gramsci, 1987GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987., p. 88). São construções humanas coletivas-individualizadas, fruto de apropriações de outras ideias circulantes em determinado tempo-espaço. Um pensamento novo tem sua origem em pensamentos ulteriores e oferece, em sua originalidade, fontes a novos outros pensamentos.
A Inovação na educação
A construção da instituição escolar, da escola pública, obrigatória, universal, laica e gratuita (Araújo, 1996ARAÚJO, H. C. Precocidade e “retórica” na construção da escola de massas em Portugal. Educação, Sociedade & Culturas, n. 5, p. 161-174, 1996. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/14467/2/83394.pdf. Acesso em: 13 mar. 2024.
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), passa por processos de ampliação, democratização e dinamismo, que ocorreram em temporalidades diversas (Pintassilgo, 2003PINTASSILGO, J. Construção histórica da noção de democratização do ensino: o contributo do pensamento pedagógico português. In: Democratização Escolar: Intenções e Apropriações. Lisboa: Centro de Investigação em Educação, 2003.). Já no século XX, a educação passou a ser registrada como direito humano. Nesse caminho, emergiram proposições educacionais de diversas ordens, que sugerem “práticas pedagógicas de acolhimento e valorização da diferença individual” (Ferreira, 2015FERREIRA, W. B. O conceito de diversidade na BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 17, p. 299-319, jul./dez. 2015. https://doi.org/10.22420/rde.v9i17.582
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, p. 229), como o movimento da educação nova, entre fins do século XIX e início do XX, no entanto visitações à história da educação nos auxiliam a identificar guinadas para o novo na educação mesmo anteriores a esse movimento1
1
A apresentação das diferentes proposições neste texto não pretende ser exaustiva nem deve ser entendida como um processo linear, como se um pensamento substituísse outro. Em cada um dos contextos históricos há discussões consensuais, posicionamentos divergentes, práticas e experiências educacionais diversas.
.
Ao estudar a pedagogia e sua relação com as grandes correntes da filosofia, Suchodolski (1984)SUCHODOLSKI, B. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: pedagogia da essência e a pedagogia da existência. Lisboa: Horizontes, 1984. afirma que no Renascimento se evidenciaram concepções de educação “absolutamente opostas”, pois nesse momento se pôs em questão não apenas a autoridade da Igreja e seu direito de ditar as normas das diversas atividades humanas, mas também “o próprio princípio da autoridade a que o homem devia submeter-se”, que significou que “as experiências intelectuais novas podiam ter uma força superior à da tradição transmitida” (Suchodolski, 1984SUCHODOLSKI, B. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: pedagogia da essência e a pedagogia da existência. Lisboa: Horizontes, 1984., p. 23). Esse foi um momento de fortes mudanças nos campos da vida social, política e moral. Veem-se, dessa forma, relações viscerais entre as mudanças sociais e a escola.
O autor explica que “em conexão com estas modificações na concepção do homem surgiram indícios, embora ainda modestos, de renovação do pensamento pedagógico” (Suchodolski, 1984SUCHODOLSKI, B. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: pedagogia da essência e a pedagogia da existência. Lisboa: Horizontes, 1984., p. 26, grifo nosso). A partir desse período, é possível identificar a figura da criança como elemento a ser considerado no ensino e a adaptação de metodologias às suas características intelectuais.
No século XVII, Suchodolski (1984)SUCHODOLSKI, B. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: pedagogia da essência e a pedagogia da existência. Lisboa: Horizontes, 1984. identifica outra contribuição para a mudança da pedagogia: a questão da individualidade, levantada por Wilhelm Leibniz (1646–1716), que favoreceu a formação das pedagogias centradas na criança. Também foi nesse século que Iohannes Amos Comenius (1592–1670) elaborou o seu Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos.
No século XVIII, iniciou-se, em países europeus, um movimento em favor da intervenção do Estado na instrução, que tradicionalmente esteve sob a guarda da Igreja (Manacorda, 1992MANACORDA, M. A. História da educação: da Antiguidade aos nossos dias. 3. ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1992.), período em que Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), Johann Heinrich Pestalozzi (1746–1827) e Friedrich Wilhelm August Fröbel (1782–1852) marcaram a educação elegendo a criança como figura central do processo educativo.
O conjunto dessas produções favoreceu um movimento entre o fim do século XIX e o início do XX: a educação nova. Pintassilgo e Andrade (2019)PINTASSILGO, J.; ANDRADE, A. N. Um olhar histórico sobre escolas diferentes: perspectivas teóricas e metodológicas (o exemplo do Projeto «INOVAR»). Historia y Memoria de la Educación, v. 10, p. 175-212, 2019. https://doi.org/10.5944/hme.10.2019.22081
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apresentam características desse movimento em Portugal, que podem ser identificadas também em outros países: a procura de fundamentação científica para o discurso pedagógico, a centralização da criança no processo educativo, a construção de um ideal de educação integral, a concretização de métodos ativos de aprendizagem, a busca por uma relação privilegiada com a natureza e a defesa de práticas de self-government escolar.
Conforme Pintassilgo (2018)PINTASSILGO, J. A educação nova em Portugal: construção de uma “tradição de inovação”. História Caribe, v. 13, n. 33, p. 49-82, jul.-dez. 2018. https://doi.org/10.15648/hc.33.2018.4
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, a educação nova surgiu como contraponto a uma caricatura de “educação tradicional”: ensino expositivo, memorização de conhecimentos, passividade dos alunos, mecanização dos procedimentos, autoritarismo do professor e violência física. Assim, educadores renovadores, ao defenderem uma escola diferente, denominaram a escola de até então como “antiga”, “velha” ou “tradicional”. Mas, ainda que a crítica a essa forma institucional seja compartilhada pelos renovadores, o autor chama a atenção para o fato de que a educação nova “deve ser tomada por seu caráter multiforme e, portanto, não se constituiu uma corrente pedagógica homogênea [...]. [Refere-se a] um conjunto de princípios e de práticas que se pretendiam inovadoras” (Pintassilgo, 2018PINTASSILGO, J. A educação nova em Portugal: construção de uma “tradição de inovação”. História Caribe, v. 13, n. 33, p. 49-82, jul.-dez. 2018. https://doi.org/10.15648/hc.33.2018.4
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, p. 54).
No Brasil, uma das expressões da educação nova é o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo, em 1932, que se declarou filiado a esse movimento, cuja concepção representava uma revolução pedagógica correspondente e adequada ao processo de transformação da sociedade brasileira (Saviani, 2007SAVIANI, D. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.). Anísio Teixeira (1989)TEIXEIRA, A. Educação não é privilégio. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 70, n. 166, p. 435-462, 1989. Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/educacao8.html. Acesso em: 12 jun. 2023.
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, como Azevedo, atribuía à escola a responsabilidade de formar um novo ser humano para uma nova sociedade.
Sob o intento de construir a sociedade moderna, escola e indústria aproximaram-se, com a incorporação das ideias de Frederick Winslow Taylor e de seus princípios da organização científica na produção e organização racional do espaço e do trabalho, como propôs Helena Antipoff nos anos 1930 (Dias, 1995DIAS, M. H. P. Helena Antipoff: pensamento e ação pedagógica à luz de uma reflexão crítica. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.1995.93452
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).
Alimentando-se de ideias correlatas, despontou o tecnicismo educacional. Os alicerces dessa proposta começaram a ser dispostos, no Brasil, na segunda metade da década de 1960, sob o pressuposto da neutralidade científica, segundo os critérios de racionalidade, eficiência e produtividade, e ganharam força com o aprofundamento das relações capitalistas decorrente da opção pelo modelo associado-dependente. O trabalho do professor tendia a ser objetivado de modo semelhante ao que ocorrera no sistema fabril, que passou a executar tarefas burocráticas e instruções claramente organizadas e oriundas de especialistas supostamente habilitados e amparados na neutralidade científica. Diante da necessidade de mecanizar o processo, propostas pedagógicas foram propagadas, como o enfoque sistêmico, o microensino, o telensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar, entre outros (Saviani, 2007SAVIANI, D. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.).
As ideias relacionadas à organização racional do trabalho se intensificaram por meio de políticas públicas que se anunciavam “de modernização” e de reformas que instituíam a racionalidade econômica, a otimização, a eficácia e a eficiência, uma obsessão moderna de tipo tayloriano. Ao eleger esses elementos como nucleares, administradores públicos, com base em perspectivas neoliberais, especialmente a partir da década de 1980, perceberam o setor público e seu modus operandi como obsoletos e um entrave ao desenvolvimento da economia, e a empresa privada passou a ser tomada como modelo de eficiência (Lima, 2002LIMA, L. Modernização, racionalização e optimização: perspectivas neotayloristas na organização e administração da educação. In: LIMA, L. C.; AFONSO, A. J. (org.). Reformas da educação pública: democratização, modernização, neoliberalismo. Porto: Afrontamento, 2002. p. 119-139.).
As propostas que visavam introduzir melhorias na escola tradicional, fosse com o argumento produzido pela via da educação nova, do tecnicismo, fosse por uma combinação delas, revigoraram, mais recentemente, concepções de educação e de escola que, pelo menos teoricamente, eram consideradas superadas (Freitas, 2014FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1085-1114, out.-dez. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
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). Esse movimento mostra como as diversas temporalidades se interpenetram e conhecem períodos de existência muito diversos (Pintassilgo; Andrade, 2019PINTASSILGO, J.; ANDRADE, A. N. Um olhar histórico sobre escolas diferentes: perspectivas teóricas e metodológicas (o exemplo do Projeto «INOVAR»). Historia y Memoria de la Educación, v. 10, p. 175-212, 2019. https://doi.org/10.5944/hme.10.2019.22081
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).
Atualidades do passado
Com o intuito de enfrentar desafios da educação brasileira, abordagens centradas no aluno ganharam força nas políticas contemporâneas e na literatura educacional, ainda que pesquisas indiquem um movimento de massificação das práticas escolares (Nóvoa; Alvim, 2020NÓVOA, A.; ALVIM, Y. Nothing is new, but everything has changed: A viewpoint on the future school. Prospects, v. 49, n. 1, p. 35-41, 2020. https://doi.org/10.1007/s11125-020-09487-w
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). O termo inovação emergiu, então, nos discursos governamentais e nas instituições educacionais, sugerindo um leque de abordagens: atenção individualizada ao educando, adoção de metodologias ativas, educação por projetos, multiletramentos, desenvolvimento das competências socioemocionais, uso de tecnologias da informação e comunicação (OECD, 2016ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OECD). Innovating education and educating for innovation: the power of digital technologies and skills. Paris: OECD, 2016. https://doi.org/10.1787/9789264265097-en
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).
Sob a designação de inovação, projetos e programas foram criados e implantados em diversos contextos educacionais, apresentando-se como resposta aos problemas da educação, prometendo trazer melhorias à escola, eficiência às formas didáticas, introduzindo tecnologias, fortalecendo a gestão e alinhando-a às teorias de responsabilização e avaliação externas, configurando o que Freitas (2014)FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1085-1114, out.-dez. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
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denomina de “neotecnicismo educacional”, cuja ênfase se assenta na padronização e no controle, em um movimento que busca adaptar as escolas às exigências da reestruturação produtiva e da promoção do aumento da produtividade empresarial.
Os atuais “reformadores empresariais da educação” (Freitas, 2014FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1085-1114, out.-dez. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
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), entre os quais se destacam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e as ramificações nacionais, expressas por organizações locais dirigidas e financiadas por empresários, como o movimento Todos pela Educação, alinham-se à ideia de que a escola deve adaptar-se para atender ao mercado e ao mundo do trabalho. A filosofia pragmatista, já presente no século XX, mostra-se nos projetos atuais “em outros níveis de exigência tecnológica e de controle social e lhe dão aparência de ‘inovação’” (Freitas, 2014FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1085-1114, out.-dez. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
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, p. 1105).
Com diferentes argumentos, tanto no movimento renovador do início do século XX quanto na compreensão de inovação da sociedade contemporânea, podem ser identificadas: críticas à educação tradicional e à formação ampla humanista; a valorização das disciplinas pragmáticas, que responderiam às necessidades da sociedade; a atenção às características emocionais do aluno (hoje socioemocionais); a secundarização da figura do docente no processo educativo; e a valorização dos métodos e instrumentos de ensino.
Atualmente, autores revisitam os primeiros reformadores, identificando seus princípios em propostas atuais de educação, como é o caso de Černá (2019)ČERNÁ, M. Johann Amos Comenius and his legacy at the information age. In: CHEUNG, S.; LEE, L. K.; SIMONOVA, I.; KOZEL, T.; KWOK, L. F. (org.). ICBL 2019: Blended learning: educational innovation for personalized learning. Cham: Springer, 2019. p. 46-56. https://doi.org/10.1007/978-3-030-21562-0_4
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, para quem fundamentos de Comenius estão presentes no ambiente de eLearning, na Universidade de Hradec Králové, na República Tcheca. Como concluem Pintassilgo e Mugnaini no artigo que compõe este número temático, nada é absolutamente novo; uma novidade é sempre resultante da recombinação/recomposição entre elementos do passado e atuais.
Como se verá nos artigos que integram este número temático, sob a designação de inovação educacional há conceitos, projetos e práticas que se ancoram em diferentes perspectivas teóricas.
A proposta deste número temático nasceu do projeto de pesquisa “Tecnologia de informação e comunicação (TIC) e inovação nos processos de escolarização na educação inclusiva: diferentes contextos no Brasil e na Espanha”, desenvolvido entre 2019 e 2022, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que contou com parte dos autores que colaboraram com o material ora publicado. No decorrer dos estudos sobre inovação, percebe-se que, sob essa designação, diversas pesquisas acadêmicas são desenvolvidas, ancoradas em diferentes perspectivas teórico-metodológicas, o que leva a inúmeras acepções do termo.
Com a intenção de explicitar a existência dessas diferenças, apresenta-se este número temático, oferecendo ao leitor subsídios para estudos que contribuam para a compreensão desse complexo momento da educação contemporânea.
Entende-se que na produção textual, resultado da construção humana em condições historicamente determinadas (econômicas, sociais, culturais) (Gramsci, 1987GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.), os pesquisadores fornecem elementos para a discussão de princípios e questionamentos que consideram essenciais. Com esse pressuposto em mente, apresentam-se artigos com características heterogêneas e provenientes de cenários diversos, que têm como foco central a inovação educacional, segundo o olhar de seus autores.
Seguindo esta apresentação, há nove artigos de pesquisadores nacionais e estrangeiros, organizados em três grupos:
-
Artigos que discutem a inovação no contexto das políticas educacionais;
-
Artigos que enfocam aspectos considerados inovadores na organização educacional;
-
Experiências identificadas por seus autores como inovadoras em diferentes contextos, formas e níveis de educação.
Ressalta-se que a divisão por aproximação de temáticas não significa proximidade teórica entre os artigos de um mesmo grupo.
O primeiro grupo de artigos se inicia com “La innovación educativa en el siglo XXI: mercantilización vs. cambio social”, de Carlos Monge López, Laura Rayón Rumayor e Manuel Fernández Navas, que situa o avanço do neoliberalismo na contemporaneidade e versa sobre inovação educacional capturada como estratégia comercial competitiva nesse momento histórico.
Como crítica aos discursos sobre inovação educacional, o artigo de Maria Helena Michels e Rosalba Maria Cardoso Garcia “Inovação educacional: análise do discurso político de organismos internacionais com foco na diversidade” descortina elementos importantes para que se possa entender que hegemonicamente a inovação educacional se apresenta por meio da disseminação de propostas políticas assentadas em princípios liberais e conservadores. De diferentes formas, esses dois artigos auxiliam-nos a entender a relação entre a inovação e o controle social.
No segundo grupo de artigos, os autores propõem-se a analisar formas de organização educacional identificadas como inovadoras. Mayra Mugnaini e Joaquim Pintassilgo enfocam representações de professores/as de escolas consideradas diferentes em Portugal, abrangendo o período que vai, aproximadamente, de 1980 a 2020 no artigo “Ser professor de escolas diferentes: identidade, desenvolvimento profissional e práticas educativas”.
“Liderar la colaboración para aprender desde el diálogo y la diversidad. Aportaciones de los centros innovadores: logros y retos”, de Francisco José Pozuelos Estrada, Francisco de Paula Rodríguez-Miranda, Francisco Javier García-Prieto e José Ramón Mora Márquez, relata um trabalho desenvolvido em escolas espanholas consideradas inovadoras, especialmente ressaltando a gestão escolar como fomentadora de colaboração e diálogo nas instituições no período de retorno às aulas no período pós-pandêmico.
O artigo “Tecnologias digitais nas escolas brasileiras durante a pandemia da Covid-19: registros do censo escolar”, de Andressa Santos Rebelo, expõe e examina a adoção das tecnologias digitais nas escolas, identificada como exemplo de inovação por gestores públicos, no período de isolamento social pela pandemia de Covid-19, diante dos desafios da educação brasileira, com suas desigualdades estruturais.
Na sequência, está o conjunto dos artigos que relatam experiências em instituições educativas identificadas, por seus autores, como inovadoras. O grupo inicia-se com o artigo de Patricia Gómez Hernández e Héctor del Castillo Fernández, que concebem o uso de TIC como mediador de ações inovadoras, em um estudo sobre a utilização de smartphones como ferramenta pedagógica em salas de aula da educação infantil, no texto “Introducción del smartphone en la escuela infantil”.
A atenção à utilização das novas tecnologias na escola volta a aparecer, dessa vez com o foco direcionado à acessibilidade. Marcia Denise Pletsch e Flavia Faissal de Souza apresentam um trabalho que teve como campo empírico quatro redes municipais de educação da Baixada Fluminense (RJ), Brasil, no texto “Inovação pedagógica: análise do uso de um livro didático digital acessível”, centrado, no entanto, mais no professor e nas estratégias de mediação das relações de ensino do que em ferramentas tecnológicas.
O artigo “A moderna concepção de infância e o modelo assistencial-educativo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, dos autores Thais Palmeira Moraes e Justino Pereira de Magalhães, elaborado com base em uma pesquisa que percorre quase cinco séculos de história, desnuda ao leitor aspectos da instituição como percursora do atendimento moderno da infância em Portugal, pelas formas de organização de suas instalações, pela contratação de profissionais, pelas propostas pedagógicas diferenciadas, por um repertório de conhecimentos que antecipou ações públicas educacionais naquele país.
O número temático termina com o artigo de Zena Eisenberg e Rosália Duarte que analisa a experiência de um serviço especializado oferecido por um núcleo de atendimento psicopedagógico a estudantes com dificuldades de aprendizagem um uma universidade brasileira e justifica o apoio psicopedagógico aberto aos estudantes do ensino superior como algo inovador, em “Ações institucionais e práticas inovadoras para inclusão no ensino superior”.
O conjunto desses trabalhos cumpre o propósito de evidenciar que diferentes concepções teóricas fundamentam os diversos conceitos que constantemente têm sido conhecidos/reconhecidos/disseminados como inovação educacional.
Nota
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1
A apresentação das diferentes proposições neste texto não pretende ser exaustiva nem deve ser entendida como um processo linear, como se um pensamento substituísse outro. Em cada um dos contextos históricos há discussões consensuais, posicionamentos divergentes, práticas e experiências educacionais diversas.
Agradecimentos
Agradecemos às Editoras Associadas o cuidadoso trabalho de revisão e as sugestões apresentadas.
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Financiamento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoProcesso No: 438533/2018-6
Declaração de disponibilidade de dados
Todos os dados utilizados neste trabalho constam das referências apresentadas neste artigo.
Referências
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» https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/14467/2/83394.pdf - ČERNÁ, M. Johann Amos Comenius and his legacy at the information age. In: CHEUNG, S.; LEE, L. K.; SIMONOVA, I.; KOZEL, T.; KWOK, L. F. (org.). ICBL 2019: Blended learning: educational innovation for personalized learning. Cham: Springer, 2019. p. 46-56. https://doi.org/10.1007/978-3-030-21562-0_4
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Editoras Associadas:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
04 Mar 2023 -
Aceito
12 Jan 2024