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A aula crítico-superadora na Educação Física1 1 Este texto é parte de análise documental, fruto do projeto “A prática pedagógica da Educação Física em diferentes segmentos escolares” do grupo de pesquisa “Estudos Etnográficos em Educação Física e Esporte” – ETHNÓS. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UPE com registro: 0131.0.097.000-08. : fundamentos e princípios da lógica dialética

The critical-surpassing class in Physical Education: fundamentals and principles of dialectical logic

La clase crítico-superadora en Educación Física: fundamentos y principios de la lógica dialéctica.

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi explicar a abordagem da aula crítico-superadora no componente curricular Educação Física. Foi realizada uma pesquisa documental com base em documentos curriculares referenciados pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, nos quais a aula é a unidade fundante do tempo-espaço pedagógico, sendo ampliada na forma de seminários, oficinas, festivais, etc., e qualificada com o método pedagógico. É possível concluir que a aula crítico-superadora é operacionalizada por fundamentos lógicos e históricos subjacentes ao aporte da teoria do conhecimento dialético-materialista-histórico e da Educação Física Crítico-Superadora.

Palavras-chave:
Educação Física; Prática pedagógica; Escola; Aula crítico-superadora

ABSTRACT

This paper aimed to explain the critical-surpassing class approach in the component of the Physical Education curriculum. Documentary research was carried out based on curriculum documents referenced by the Department of Education of the State of Pernambuco. In these, the class is the founding unit of the pedagogical time-space, which is expanded in the form of seminars, workshops, festivals, to name a few, and qualified by the pedagogical method. It was concluded that the critical-surpassing class is operationalized by logical and historical foundations underlying the contribution from knowledge materialist-historical dialectic theory and the Critical-surpassing approach in Physical Education.

Keywords:
Physical Education; Pedagogical practice; School; Critical-surpassing class

RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo explicar el enfoque de clase crítica- superadora en el componente del plan de estudios de Educación Física. La investigación documental se llevó a cabo a partir de documentos curriculares referenciados por el Departamento de Educación del Estado de Pernambuco. En estos, la clase es la unidad fundacional del tiempo-espacio pedagógico, que se expande en forma de seminarios, talleres, festivales, por nombrar algunos, y calificados por el método pedagógico. Se concluyó que la clase crítica-superadora se operacionaliza sobre bases lógicas e históricas que subyacen en el aporte de la teoría del conocimiento dialéctica histórico-materialista y el enfoque Crítico-superador en Educación Física.

Palabras-clave:
Educación Física; Práctica pedagógica; Colegio; Clase de superación crítica

INTRODUÇÃO

O objeto deste estudo é “a aula crítico-superadora” (ACS) presente nos documentos curriculares da rede pública da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEDE). Reconhecemos, desde já, que esse entendimento de aula requer um projeto social que defenda uma educação emancipatória, a qual busca a emancipação do indivíduo, em prol da classe trabalhadora, visando produzir a vida com o diálogo e os argumentos entre participantes, processos e produtos, que estão situados na realidade histórica concreta voltada para a transformação social.

Saviani (2011Saviani D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011., p. 13), trazendo elementos para a compreensão do referido projeto social, explica que: “a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos, isso significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho”.

O trabalho e a educação, portanto, constituem um todo orgânico que é indissociável, pois são partes do mesmo homem que trabalha e se transforma nesse processo. Logo,

[...] o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo (Saviani, 2007Saviani D. Trabalho e educação: Fundamentos ontológicos e históricos. Rev Bras Educ. 2007;2(34):152-65. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782007000100012.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782007...
, p. 154).

Compreendemos que o trabalho é uma ação sobre a natureza, produzindo a cultura ao ligar os participantes entre si, mediados pelo pensamento, pela linguagem, pela comunicação e pela fala. Assim, o ser social (a sociedade e seus indivíduos) pode ir se instrumentalizando por meio das leis da natureza e da sociedade, aprimorando suas ações no meio em que vive e buscando satisfazer suas necessidades e motivações humanas.

Nesse aporte, consideramos a aula como um trabalho pedagógico e tomamos como categorias teóricas orientadoras do objeto investigado a Educação Física Crítico-Superadora (EFCS) e a Prática Pedagógica (PP).

Partiu-se do princípio de que a EFCS e sua PP se alinham à base teórico-metodológica da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), a qual afirma que, para superar, por incorporação, o senso comum, temos que ter visão de totalidade, ser rigorosos, ser radicais via movimento histórico do conhecimento, orientados pela lógica dialética, como modo de pensar que privilegia as contradições da realidade, permitindo que cada indivíduo se compreenda como produtor e colaborador no processo de transformação constante, por meio do qual todas as coisas existem (Cheptulin, 2011Cheptulin A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Omega; 2011.).

Diante do exposto, nossa hipótese aponta que a aula é uma estrutura do trabalho pedagógico organizada intencionalmente em prol da transmissão e da apropriação do conhecimento da área. Isto posto, emergiu a necessidade de investigar quais são os fundamentos da aula crítico-superadora e, assim, explicar essa abordagem no componente curricular Educação Física.

METODOLOGIA

Para analisar o objeto, procuramos aproximações com o Materialismo Histórico-Dialético (MHD) a partir de Cheptulin (2011)Cheptulin A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Omega; 2011., no qual buscamos as categorias de análise do problema: a contradição, a possibilidade e a realidade.

A contradição, como uma lei da unidade e da luta dos contrários, os quais orientam e geram mudanças, não é “uma coisa fixa, imutável, mas encontra-se em movimento incessante, em mudança permanente, passando das formas inferiores às superiores, e vice-versa” (Cheptulin, 2011Cheptulin A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Omega; 2011., p. 295).

A possibilidade, para esse autor, é o que pode ser produzido quando as condições são propícias, gerando uma realidade potencial. “São as formações materiais, propriedades, estados, que não existem na realidade, mas que podem manifestar-se em decorrência da capacidade das coisas materiais (da matéria) de passar umas nas outras” (Cheptulin, 2011Cheptulin A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Omega; 2011., p. 338).

E a realidade “é o que existe realmente sendo uma possibilidade já realizada, mas não é tudo o que existe realmente, mas somente o que ainda é necessário e lógico” (Cheptulin, 2011Cheptulin A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Omega; 2011., pp. 337-338).

Com essa aproximação, realizamos uma pesquisa documental que se vale “de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (Gil, 2008Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas; 2008., p. 51).

Analisamos como principais fontes as Orientações Teórico-Metodológicas (OTM) (Pernambuco, 2010Pernambuco. Governo do Estado. Orientações Teórico-Metodológicas - Educação Física - Ensino Fundamental e Ensino Médio. Recife: SEDE-PE; 2010.) e os Parâmetros Curriculares de Pernambuco (PCPE) (Pernambuco, 2013aPernambuco. Secretaria Estadual de Educação. Parâmetros Curriculares de Pernambuco: Educação Física Ensino Fundamental e Médio. Recife: SEDE-PE; 2013a., 2013b)2 2 No site http://www.educacao.pe.gov.br/portal/, da Secretaria de Educação e Esporte, do atual Governo de Pernambuco, estão disponibilizados os documentos curriculares, tanto os PCPE, fonte de nossa investigação, como outros documentos curriculares reelaborados e adaptados em função da Base Nacional Comum Curricular. , assim como as atas de registros dos encontros e três documentos de orientações para elaboração de programas de ensino, relato de experiência e textos didáticos. A escolha dessas fontes se deu por serem as referências principais entre os documentos curriculares da rede pública da SEDE, pautando-se explicitamente na EFCS.

O presente documento é fundamentado na concepção Crítico-Superadora (Coletivo de Autores, 1992-2012). Tal fundamentação baseia-se na compreensão de que os documentos elaborados historicamente para a Educação Física em Pernambuco são inspirados essencialmente nesse paradigma. (Pernambuco, 2013aPernambuco. Secretaria Estadual de Educação. Parâmetros Curriculares de Pernambuco: Educação Física Ensino Fundamental e Médio. Recife: SEDE-PE; 2013a., p. 24).

Cumpre registrar a memória dos documentos que, no Estado de Pernambuco, orientam a Educação Física nas escolas, desde o final dos anos de 1980, pois estes Parâmetros tomam como base as Orientações Teórico-Metodológicas para a Educação Física (OTM), publicadas em 2010. (Pernambuco, 2010Pernambuco. Governo do Estado. Orientações Teórico-Metodológicas - Educação Física - Ensino Fundamental e Ensino Médio. Recife: SEDE-PE; 2010., 2013aPernambuco. Secretaria Estadual de Educação. Parâmetros Curriculares de Pernambuco: Educação Física Ensino Fundamental e Médio. Recife: SEDE-PE; 2013a., p. 16).

Analisamos o que estava descrito nos documentos que foram produzidos para subsidiar a PP dos docentes e buscamos aproximações com a realidade e as possibilidades, com o objetivo de dar resposta ao problema.

Assim, foi possível reconhecer o trabalho de sete anos consecutivos no processo de formação continuada de professores de EF, envolvendo assessores (professores universitários) e equipe de formadores (grupo de pesquisadores) para planejar seminários e programar intervenções com a equipe gestora da SEDE, com os técnicos de unidades de ensino e com uma representação de professores de EF, contendo cerca de 900 professores na discussão-produção das OTM.

As OTM (Pernambuco, 2010Pernambuco. Governo do Estado. Orientações Teórico-Metodológicas - Educação Física - Ensino Fundamental e Ensino Médio. Recife: SEDE-PE; 2010.) foram incorporadas pelos PCPE (Pernambuco, 2013aPernambuco. Secretaria Estadual de Educação. Parâmetros Curriculares de Pernambuco: Educação Física Ensino Fundamental e Médio. Recife: SEDE-PE; 2013a., bPernambuco. Governo do Estado. Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco: parâmetros na sala de aula – educação física: ensino fundamental e médio. Recife, UNDIME-PE; 2013b.), documento que nos possibilitou ampliar dados acerca do objeto investigado ao explicar o método pedagógico da tematização com diferentes momentos metodológicos para sistematizar o conteúdo nas aulas de EF.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise iniciou com as OTM para a EF no estado de Pernambuco (Pernambuco, 2010Pernambuco. Governo do Estado. Orientações Teórico-Metodológicas - Educação Física - Ensino Fundamental e Ensino Médio. Recife: SEDE-PE; 2010.), que historicizam a própria construção e identificam os princípios orientadores. Esse documento assume a EFCS, explicitando características e objetivos da cultura corporal, unidades didáticas, procedimentos didático-pedagógicos e avaliação.

Para tornar o documento uma realidade, os professores-assessores coordenaram discussões com orientações gerais da política pública da SEDE e articularam a realização de 11 seminários com estudos, ações e intervenções.

Disso emergiu a possibilidade de incorporar o conhecimento da ciência, filosofia e política à formação de professores de EF. Foi priorizado o argumento de que é no trabalho educativo que se constrói um saber que precisa ser conhecido pelas políticas e pelos estudos, não apenas voltado para a PP do “chão da escola”, mas fazendo produções sobre a escola, reconhecendo o potencial produtor dos seus sujeitos e fazendo produções com e para a escola.

No processo de trabalho, foram mobilizados gestores, assessores, formadores, técnicos e professores de EF de 17 Gerências Regionais de Ensino e representação sindical. Como metodologia de trabalho, houve reuniões, pesquisa documental, leituras, debates, produção textual, oficinas práticas e textos que orientavam os professores de EF quanto à produção de relatos de experiência, textos didáticos e programas de ensino.

No seminário I, foi produzido, para as intervenções com os professores da rede, um texto preliminar denominado “Texto subsídio para prática pedagógica da EF: contribuições para elaboração da matriz curricular”, que foi discutido no seminário II. Essa realidade resultou da investigação de documentos oficiais da própria SEDE (Pernambuco, 1989Pernambuco. Secretaria de Educação. Contribuição ao debate do currículo em Educação Física: uma proposta para a escola pública. Recife: SEDE; 1989., 1992Pernambuco. Secretaria de Educação, Cultura e Esportes. Subsídios para a organização da prática pedagógica nas escolas: EF. Recife: SEE-PE; 1992., 1998Pernambuco. Secretaria de Educação e Esportes. Política de ensino e escolarização básica. Recife: SEE-PE; 1998., 2006Pernambuco. Secretaria de Educação, Cultura e Esportes. Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco - Educação Física. Recife: SEDUC/UNDIME-PE; 2006.) e de produções em nível de mestrado e doutorado realizadas no próprio estado sobre a questão. O texto gerou discussões e reflexões acerca da política pública para a EF, sendo criticado e reelaborado nos seminários por um coletivo de professores da SEDE, com o propósito de construir uma matriz curricular para a EF.

Nas fontes investigadas estão incorporados documentos anteriores da EF – já citados –, orientados por princípios curriculares da EFCS, tais como: relevância social do conteúdo; contemporaneidade do conteúdo; adequação às possibilidades sociocognoscitivas do estudante; simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade; espiralidade da incorporação das referências do pensamento; provisoriedade do conhecimento. Gama (2015)Gama CN. Princípios curriculares à luz da pedagogia histórico-crítica: as contribuições da obra de Demerval Saviani [tese]. 2015. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação; 2015. investigou os princípios curriculares na obra de Dermeval Saviani e elencou novos princípios: o da objetividade e enfoque científico do conhecimento; o da síncrese à síntese ou da aparência à essência; e o da ampliação da complexidade do conhecimento.

Nas OTM (Pernambuco, 2010Pernambuco. Governo do Estado. Orientações Teórico-Metodológicas - Educação Física - Ensino Fundamental e Ensino Médio. Recife: SEDE-PE; 2010.), a EFCS foi explicada como uma PP que expressa o dia a dia da escola, assim como se expressa na realidade dessa instituição, em especial no espaço-tempo de aula, no qual interagem sujeitos e objetos da educação escolar, ou seja, professores e estudantes diante do processo de socialização do conhecimento. Foi apresentada como disciplina de conteúdo com finalidade formativa, que promove a apreensão do conhecimento histórico indispensável ao desenvolvimento do pensamento sobre a cultura corporal, expressando o caráter político do ato educativo. E a aula foi compreendida como espaço-tempo intencionalmente organizado para possibilitar ao estudante a direção da apreensão do conhecimento da área e dos diversos aspectos da sua prática social.

Os seminários III e IV versaram sobre a possibilidade de produção de unidades didáticas a serem trabalhadas no decorrer do ano letivo, as quais tinham a função de apoio ao trabalho educativo, organizadas em quatro unidades de ensino, por ano letivo, visando à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes, em uma sequência de conteúdos a partir dos ciclos de escolarização.

Nos seminários V e VI, ocorreu o registro da socialização das propostas da SEDE e da proposição das Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, assim como novas contribuições para as unidades didáticas e sua distribuição nas unidades de ensino, gerando uma versão preliminar do documento curricular, o qual foi socializado e discutido nos seminários VII e VIII. O VII visou à preparação do I Seminário Regional, no qual se debateram as unidades didáticas ampliadas, os relatos de experiências trazidos pelos professores e alguns textos didáticos e programas de ensino produzidos. No VIII, houve uma socialização da produção em torno da matriz curricular para a Educação Física e um relatório de pesquisa sobre o impacto do contraturno em aulas desse componente curricular.

No seminário IX, foram feitas uma avaliação do processo e a apresentação da versão preliminar das OTM entre assessores, formadores e técnicos da SEDE, para encerrar, posteriormente, com o último seminário regional.

Com a realização do II Seminário Regional, foi ampliada a troca de experiências consideradas exitosas. A formação tratou dos conteúdos específicos, e os professores foram agrupados por temáticas, como ginástica, jogo, esporte, dança e luta, visando subsidiar o trabalho docente, discutir a realidade e as possibilidades de novas produções e elencar argumentos para materializar “boas aulas ou aulas críticas” de EF.

Os seminários regionais e suas oficinas pedagógicas possibilitaram o planejamento de aulas regidas pelos professores de EF com o intuito de elencar suas características.

Após as discussões acerca do trabalho educativo e PP da EF, foram identificadas contradições com antagonismos e superações, que caracterizam as aulas tradicionais e críticas, conforme esboçamos no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese do confronto de características que materializaram as aulas de EF.

Nas contradições elencadas, foi inferido que as aulas tradicionais também podem ser boas, mas se configuram como antagônicas diante das aulas críticas. Mesmo reconhecendo um dinamismo e uma dialeticidade, é comum que o tradicional procure, continuamente, recuperar e manter o que se deu na origem, levando a tradição a prevalecer de forma inquestionável. Já o crítico parte da dúvida, mas não como desconfiança, e sim pela necessidade do discernimento, procurando reconhecer os limites e as possibilidades.

Diante dos elementos didáticos, pensamos que essas contradições passam das possibilidades para a realidade quando entram em estado de superação por incorporação. Esses elementos são trabalhados na forma de pares dialéticos, tais como: objetivo ↔ avaliação, que orientam a função social da escola; conteúdo ↔ método, que concretizam a referida função; espaço ↔ tempo pedagógico, que asseguram as condições objetivas para qualificar o ensino-aprendizagem e visam à aprendizagem do conteúdo com desenvolvimento nos estudantes.

Ao analisar as OTM-2010, foram elencados os conceitos do espaço-tempo de aula na forma de oficina, seminário e festival, conforme a realidade a seguir.

A oficina consiste na construção coletiva das práticas corporais que ultrapassam o tempo de uma hora aula, sendo caracterizadas pela saída da rotina regular de trabalho, por negociações e organização prévia, por novas experiências na apropriação do conhecimento ou nas habilidades de atuar com colegas menos experientes, vivenciando valores em prol do valor primordial da formação humana tratada em oficinas - a aprendizagem.

O festival consiste num tempo ampliado de aula destinado à socialização e avaliação do conteúdo. Possibilita novas oportunidades, com vivências e intervenções sobre um fenômeno que tem sua legitimidade com a construção da reflexão pedagógica. O festival é o tempo pedagógico regulado e aberto a diferentes opções, organizadas de tal forma que possibilita trabalhar o princípio da simultaneidade dos conteúdos escolares.

O seminário socializa o conhecimento, com observação, questionamento e verbalização sobre as dimensões da realidade, o universo em questão, ocorrendo um confronto entre o saber abordado e os sujeitos que tratam o conteúdo, identificando e/ou compreendendo a Educação Física Escolar enquanto uma disciplina de conteúdo, com fim formativo. Consiste numa forma de organização com a intenção de confrontar o conhecimento mediante análise dos objetivos propostos e síntese que visa a uma concretização dos objetivos finais diante da elevação da qualidade do conteúdo sistematizado (Pernambuco, 2010Pernambuco. Governo do Estado. Orientações Teórico-Metodológicas - Educação Física - Ensino Fundamental e Ensino Médio. Recife: SEDE-PE; 2010., p. 21).

A aula, em sentido restrito, constitui a unidade fundante de todos os componentes curriculares constitutivos do currículo escolar. Com base em Taffarel et al. (2000)Taffarel CNZ, Almeida R, Costa A, Gonçalves J. Avaliar com os pés no chão da escola: a experiência da Educação Física. In: Carvalho MH, editor. Avaliar com os pés no chão da escola: reconstruindo a prática pedagógica no ensino fundamental. Recife: Ed. Universitária da UFPE; 2000. p. 195-217., a aula, nesse sentido, é compreendida como uma unidade de espaço-tempo que visa à sistematização do conhecimento e é uma construção coletiva mediada pelo trato do conhecimento, pela organização e normatização escolar, envolvendo professor e estudantes em horário regular de 50 minutos (hora/aula), sendo constituída por elementos didáticos.

Inferimos que as aulas na forma de oficina, festival e seminário são episódios planejados para qualificar a aprendizagem escolar e avaliá-la mediante a participação dos estudantes por meio oral, escrito e corporal, revelando suas apropriações e produções de saberes escolares, de conhecimento.

Com Leontiev (2004)Leontiev A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro; 2004., foi inferido que a função da aula é a apropriação do conhecimento, com o objetivo de criar novas aptidões e funções psíquicas superiores nas novas gerações, permitindo-lhes o livre e universal acesso às formas complexas de comportamentos instituídos culturalmente, operando contradições. Para o autor, a criação de um comportamento qualitativamente superior a partir da apropriação das formas complexas de cultura é o traço distintivo entre o ser humano e os demais seres vivos. Essa apropriação expressa um processo no indivíduo de reprodução das experiências socioculturais formadas pela espécie humana.

Nessa visão de conjunto, a aula crítico-superadora possibilita aos estudantes a apropriação do conteúdo mediante a constatação ↔ interpretação ↔ compreensão ↔ explicação das contradições presentes na realidade social, visando às superações (Tenório et al., 2020Tenório KMR, Paiva AC, Lorenzini AR, Brasileiro LT, Souza Júnior M. Organização dos saberes escolares na educação física à luz da perspectiva crítico-superadora. In: Bossle F, Athayde P, Lara L, editors. Ciências do Esporte, Educação Física e Produção do Conhecimento em 40 Anos de CBCE. Natal: EDUFRN; 2020. p. 57-76.).

Por sua vez, o documento curricular denominado Parâmetro Curricular de Pernambuco – Educação Física (PCPE - 2013a, 2013b) incorporou as OTM-2010 e avançou no aprofundamento das referências da cultura corporal sobre os ciclos de escolarização3 3 Ver mais em: Coletivo de Autores. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 2012; Danilov MA, Skatkin, MN. Didáctica de la escola média. Ciudad de la Habana, Editorial Pueblo y Educación, 1975; Davidov, VV. Tipos de generalización em la enseñanza. Ciudad de la Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1982. .

Melo (2017)Melo FDA. O trato com o conhecimento da educação física escolar e o desenvolvimento do psiquismo: contribuições da teoria da atividade [tese]. Salvador, Universidade Federal da Bahia; 2017., subsidiado na Psicologia Histórico-Cultural (PHCult), explicou como a teoria da atividade permite readequar e atualizar os elementos categoriais relativos aos ciclos de escolarização e sistematização lógica do conhecimento a partir do pensamento sincrético para o sintético. O autor atualiza os ciclos de escolarização na EFCS argumentando que: a Educação Infantil identifica os dados da realidade; os anos iniciais do Ensino Fundamental começam a sistematizar os dados da realidade; e os anos finais passam a ampliá-los, cabendo ao Ensino Médio o aprofundamento da sistematização dos dados da realidade.

O documento revela que a EFCS buscou a aproximação com a PHCult, com o objetivo de explicitar os nexos e as relações entre a lógica interna do desenvolvimento psíquico do estudante e o trato com o conhecimento. Foram incorporados novos elementos na forma de organização e sistematização lógica do conhecimento da cultura corporal nos ciclos de escolarização, subsidiados na formulação da Lei Geral do Desenvolvimento Humano, a qual explica que

[...] todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletiva, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas: a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas (Vigotski, 2006Vigotski LS. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: Vigotskii LS; Luria AR; Leontiev AN, editors. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. SP: Ícone, 2006., p. 114).

A referida lei foi formulada à luz da Teoria do Conhecimento, que explica como se ensina, aprende e desenvolve o pensamento teórico e a capacidade de agir, evidenciando a relação do ser humano com o meio ambiente e a cultura.

Nas aulas da EFCS, é necessário tematizar o conteúdo em um processo de sistematização, que requer que as práticas corporais sejam “vivenciadas, experimentadas, apreendidas, visando o desenvolvimento do pensamento sobre o conhecimento” (Lorenzini, 2013Lorenzini AR. Conteúdo e método da Educação Física escolar: contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica e da Metodologia Crítico-Superadora no trato com a ginástica [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação; 2013., p. 208).

No documento, a EFCS foi sistematizada em eixos temáticos, como jogo, dança, luta, ginástica e esporte, possibilitando outros temas, nas expectativas de aprendizagem e nos anos de escolarização, explicitando sua avaliação e tecendo considerações sobre a inclusão na EF. A categoria aula também incorporou o método pedagógico, necessário à transmissão do conhecimento, partindo do fundamento lógico subjacente à metodologia.

[...] a metodologia aqui é entendida como uma das formas de apreensão do conhecimento específico da Educação Física, tratado a partir de uma visão de totalidade, onde sempre está presente o singular de cada tema da cultura corporal e o geral (Coletivo de Autores, 2012, p. 20).

Nos PCPE (Pernambuco, 2013aPernambuco. Secretaria Estadual de Educação. Parâmetros Curriculares de Pernambuco: Educação Física Ensino Fundamental e Médio. Recife: SEDE-PE; 2013a. e Pernambuco, 2013bPernambuco. Governo do Estado. Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco: parâmetros na sala de aula – educação física: ensino fundamental e médio. Recife, UNDIME-PE; 2013b.), a aula requer um método pedagógico que possui momentos imbricados, constitutivos de uma unidade metodológica, tendo coerência lógica e princípios e articulando o geral do projeto político-pedagógico da escola com a especificidade da EF.

O Coletivo de Autores (1992-2012) explicita que a EFCS precisa entrar na luta e no movimento pela transformação social, vinculando-se aos interesses da classe trabalhadora, ao considerar a realidade em que a sociedade está inserida, visualizando-a em transição. Para os autores citados, o projeto político-pedagógico daí decorrente se efetiva na dinâmica curricular, materializada nas aulas com uma proposta clara de conteúdos que viabilizam a leitura da realidade, estabelecendo laços concretos com um projeto emancipatório (Lorenzini et al., 2021Lorenzini AR, Paiva AC, Tenório KMR, Brasileiro LT, Melo MS, Júnior M, et al. Metodologia do ensino de educação física: gênese, desenvolvimento e atualidade na perspectiva crítico-superadora. In: Marcassa LP; Almeida AS Jr; Nascimento CP, editors. Ensino de educação física e formação humana. Curitiba: Appris; 2021. p. 115-140.).

Assim, compreendemos que o conhecimento necessita da sistematização para despertar no estudante necessidades, curiosidades e desafios, elencando a aprendizagem que se inicia com a síncrese, passa pela análise e chega até a síntese. O método é uma realidade nos PCPE (Pernambuco, 2013bPernambuco. Governo do Estado. Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco: parâmetros na sala de aula – educação física: ensino fundamental e médio. Recife, UNDIME-PE; 2013b.), os quais estruturam o espaço-tempo pedagógico de aula, sendo operacionalizado com momentos interligados por princípios da lógica dialética (totalidade, movimento, contradição, entre outros), sintetizados no Quadro 2.

Quadro 2
Método pedagógico da tematização do conhecimento.

O método pedagógico da tematização do conhecimento é constituído por momentos metodológicos que são dialéticos e podem ser encontrados ou não em cada aula e materializados nas unidades didáticas.

Com base nos estudos de Lorenzini (2013)Lorenzini AR. Conteúdo e método da Educação Física escolar: contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica e da Metodologia Crítico-Superadora no trato com a ginástica [tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação; 2013., ampliamos uma explicação dos momentos metodológicos, sintetizados no Quadro 2.

Ressalta-se que a contextualização do conhecimento requer condições objetivas que envolvem a escola, o professor, o número de estudantes em turmas e as condições materiais para o trabalho, além de requerer a interdependência da Educação Física com o projeto político-pedagógico como um todo, envolvendo as relações com a direção, os coordenadores, os professores de outros componentes curriculares, os estudantes de outras turmas e de outras escolas e as referências à proposta curricular da rede.

O confronto dos saberes/problematização do conteúdo parte das características do conteúdo, questionando os sentidos e significados. Requer o diálogo/reflexão acerca dos conhecimentos trabalhados pelo professor com os estudantes e entre os estudantes, gerando a interação e a participação na PP. É o momento da incorporação por superação do senso comum (síncrese), passando para a eleição de elementos essenciais que possibilitam selecionar e organizar dados, constatando questões referentes ao conhecimento.

Os conteúdos precisam ser adequados às possibilidades sociocognoscitivas dos estudantes, visando à formação de princípios, conceitos e definições, assim como necessitam de coerência e articulação com o contexto gerador de desafios, problemas, relações e nexos com outras temáticas.

A organização e a reorganização do conhecimento dependem da instrumentalização do professor e remetem à compreensão da realidade, possibilitando conhecer seus conceitos, processos, atitudes, habilidades e valores, além de favorecer a construção de novos patamares que superam as descrições sincréticas do conteúdo estudado, passando da identificação dos dados da realidade para a formação de generalizações, ou desta para o reconhecimento de regularidades teórico-científicas, consolidando a análise do saber escolar.

A síntese avaliativa concretiza os objetivos propostos e altera a qualidade do conteúdo via contradição. É o momento conclusivo, de concretização ou não dos elementos didáticos planejados, ou seja, uma reflexão seguida de novas ações em torno do objetivo delimitado, da apreensão do conteúdo, do desenvolvimento metodológico, da funcionalidade dos ambientes e materiais e, inclusive, da validade e coerência dos elementos avaliativos em suas técnicas, instrumentos e critérios.

Os referidos momentos metodológicos nos permitem observar a operacionalização dos princípios da lógica dialética, que estruturam o trabalho pedagógico por meio da tríade síncrese-análise-síntese e possibilitam trabalhar com uma metodologia de ensino-aprendizagem crítica, na qual o profissional e os estudantes aprendem juntos, em um processo participativo com confrontos de conhecimentos e superações, favorecendo a inclusão de todos os estudantes.

A PP da EFCS, referenciada no legado de Dermeval Saviani e no Coletivo de Autores (1992-2012), trabalha via princípios gerais, tais como: a elaboração dos objetivos, que explicitam o projeto de homem-sociedade, confrontando o conservador com o projeto de transição claramente transformador; a organização do trabalho pedagógico, explicitando a necessidade de superação da alienação rumo à auto-organização, do individualismo rumo ao coletivismo; a seleção, organização e sistematização do conhecimento, questionando sua lógica, superando a fragmentação via totalidade concreta na unidade metodológica, sistematizando o saber escolar organizado em ciclos de escolarização, articulados na concepção do currículo ampliado referenciado na lógica dialética; a avaliação escolar, superando a seleção-exclusão em prol da consciência que busca a aproximação com os objetivos socialmente referenciados.

Em síntese, são os princípios da lógica dialética que dão o rumo ao método da tematização, com seus momentos metodológicos dinâmicos e imbricados, podendo ser encontrados em cada aula (oficina, festival e seminário) ou não, dependendo da concretização do objetivo, sendo a aula um processo indiviso que se desdobra de forma dialética.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, chegou a hora de terminar, ainda que provisoriamente, pois implica apenas um recomeço.

Ao procurarmos explicar a abordagem da aula crítico-superadora na EF, diante de fontes documentais de uma realidade estadual de educação, reconhecemos fundamentos e princípios da lógica dialética, inclusive se expressando nos processos e produtos da construção dos próprios documentos curriculares, por dentro de uma política de formação continuada, demonstrando mobilização, participação e corresponsabilização de diferentes sujeitos e instâncias educativas.

A intencionalidade pedagógica, expressando um projeto social, valoriza o trabalho educativo, em especial a categoria aula, de forma a reconhecer que devemos valorizar a PP, problematizando-a, ressignificando-a e potencializando a ação docente para uma volta à PP.

Concluímos que os fundamentos subjacentes à aula partem da teoria do conhecimento dialético-materialista-histórico e chegam à EFCS. Mesmo que o estudo tenha se limitado a uma análise documental, percebemos que os entendimentos de aula, como oficina, festival e seminário, são conceitos que redimensionam o planejamento e a implementação de intenções e ações, satisfazendo a necessidade, a curiosidade e as motivações dos estudantes, aprofundando nexos e relações entre o conteúdo específico em sua realidade, possibilidades e contradições via fundamentos históricos e lógicos, subjacentes ao objeto de estudo.

Os documentos investigados revelaram que a reorganização do espaço-tempo de aula na EFCS potencializa no estudante a aprendizagem e o desenvolvimento das ações, do pensamento, da linguagem, dos sentimentos, dentre outros, quando o professor ensina via método pedagógico que tematiza os fenômenos da cultura corporal, qualificando sua PP.

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    Este texto é parte de análise documental, fruto do projeto “A prática pedagógica da Educação Física em diferentes segmentos escolares” do grupo de pesquisa “Estudos Etnográficos em Educação Física e Esporte” – ETHNÓS. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UPE com registro: 0131.0.097.000-08.
  • 2
    No site http://www.educacao.pe.gov.br/portal/, da Secretaria de Educação e Esporte, do atual Governo de Pernambuco, estão disponibilizados os documentos curriculares, tanto os PCPE, fonte de nossa investigação, como outros documentos curriculares reelaborados e adaptados em função da Base Nacional Comum Curricular.
  • 3
    Ver mais em: Coletivo de Autores. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 2012; Danilov MA, Skatkin, MN. Didáctica de la escola média. Ciudad de la Habana, Editorial Pueblo y Educación, 1975; Davidov, VV. Tipos de generalización em la enseñanza. Ciudad de la Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1982.
  • FINANCIAMENTO Foi financiado por Termo de Convênio de Cooperação Técnica e Financeira (n.º 033/2010) entre a UPE-ESEF-Ethnós e a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2022
  • Aceito
    07 Mar 2022
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