Produção cientifica sobre natação em língua portuguesa: uma análise bibliométrica

Scientific production on swimming in Portuguese language: a bibliometric analysis

Producción científica sobre natación en lengua portuguesa: un análisis bibliométrico

RESUMO

O estudo analisou a produção científica sobre natação em língua portuguesa por meio da bibliometria. A busca ocorreu nas bases Scientific Electronic Library Online, Biblioteca Virtual em Saúde e Scopus, desde seu início até setembro de 2022. Duzentos e trinta e dois artigos completos foram incluídos. A produção aumentou consideravelmente nas duas últimas décadas, sendo predominantemente concentrada nas regiões Sudeste e Sul, em periódicos A2 a B2 do Qualis-CAPES 2013-2016. Biomecânica e fisiologia foram as áreas mais estudadas. A maior parte dos estudos é de natureza quantitativa, observacional e transversal, direcionados à população adolescente e atleta. A quantidade e variedade de estudos demonstra o interesse da comunidade científica em investigar aspectos relacionados à natação.

Palavras-chave:
Indicadores de produção científica; Bibliometria; Artigo de revista; Esportes aquáticos

ABSTRACT

This study analyzed the scientific production on swimming in Portuguese through bibliometrics. Scientific Electronic Library Online, Biblioteca Virtual em Saúde and Scopus databases were searched from their inception until September 2022. Two hundred and thirty-two studies were included. Scientific production increased considerably in the last two decades, being mainly concentrated in the Southeast and South regions, in journals classified as A2 to B2 in the Qualis-CAPES 2013-2016. Biomechanics and physiology were the most studied areas. Most studies are of a quantitative, observational, and cross-sectional nature, and included adolescent and athlete populations. The quantity and variety of studies demonstrates the interest in investigating aspects related to swimming.

Keywords:
Scientific publication indicators; Bibliometrics; Journal article; Water sports

RESUMEN

El estudio analizó la producción científica sobre natación en portugués a través de la bibliometría. La búsqueda se realizó en las bases Scientific Electronic Library Online, Biblioteca Virtual em Saúde y Scopus, desde su inicio hasta septiembre de 2022. Se incluyeron 232 artículos completos. La producción aumentó considerablemente en las últimas dos décadas y predomino en las regiones Sudeste y Sur, en las revistas A2 a B2 de Qualis-CAPES 2013-2016. Biomecánica y fisiología fueron las áreas más estudiadas. La mayoría de los estudios son cuantitativos, observacionales y transversales, dirigidos a la población adolescente y deportista. La cantidad y variedad de estudios demuestra el interés de la comunidad científica por investigar aspectos relacionados con la natación.

Palabras-clave:
Indicadores de producción científica; Bibliometría; Artículo de revista; Deportes acuáticos

INTRODUÇÃO

A natação esteve presente nos Jogos Olímpicos desde a primeira edição da era moderna. No Brasil, é a quarta modalidade que conquistou mais medalhas olímpicas e é um dos esportes mais praticados pela população, segundo o último Diagnóstico Nacional do Esporte (Brasil, 2015). Na infância, a prática da natação reflete positivamente sobre a capacidade cardiorrespiratória (Lahart e Metsios, 2018), função pulmonar, socialização, qualidade do sono e autoeficácia (Correia et al., 2019). Em adultos saudáveis, proporciona melhora na aptidão cardiorrespiratória (Lahart e Metsios, 2018).

A modalidade pode ser iniciada desde poucos meses e perdurar ao longo de toda a vida e, por conta disso, a natação configura-se como uma atividade com potencial de aplicação em diferentes etapas do desenvolvimento humano pelo profissional de educação física (EF). Nessa perspectiva, é uma disciplina integrante de grande parte dos currículos dos cursos de bacharelado e licenciatura em EF nas instituições de ensino superior brasileiras (Exquibel et al., 2019). Considerando-se a representatividade da natação no contexto nacional esportivo e da formação do profissional de EF, conhecer e analisar a produção científica vinculada à modalidade parece ser relevante para contribuir para o seu desenvolvimento.

A análise da produção cientifica em uma determinada área/temática permite avaliar a quantidade e qualidade dos estudos publicados em veículos de divulgação científica. Isso contribui para discussões mais bem fundamentadas, norteando o delineamento de intervenções e permitindo identificar lacunas a serem investigadas em estudos futuros, levando a avanços na fronteira do conhecimento. Dentre os métodos utilizados para esse fim, destaca-se o denominado de “estado da arte” ou bibliometria, que permite abranger um mapeamento e discussão acadêmica (Ferreira, 2002). Por meio de seus recortes específicos, como análise temporal, autoral, temática, entre outras, é uma ferramenta bem aceita por pesquisadores de diversos campos do conhecimento (Job, 2018).

Recentemente, investigações bibliométricas têm sido aplicadas à produção científica sobre modalidades coletivas, como o voleibol (Moreira et al., 2017), o futebol e o futsal feminino (Barreira et al., 2018), o handebol (Ibáñez et al., 2020; Krahenbuhl et al., 2018; Prieto et al., 2015) e o basquete (Maciel et al., 2019); e também sobre modalidades individuais, como o karatê (Arcênio et al., 2018), o jiu-jítsu (Vicentini e Marques, 2018), o taekwondo (Pérez-Gutiérrez et al., 2017) e o surfe (Pérez-Gutiérrez and Cobo-Corrales, 2020). A maioria dos estudos analisou publicações em língua portuguesa (Arcênio et al., 2018; Barreira et al., 2018; Krahenbuhl et al., 2018; Maciel et al., 2019), identificou os temas mais estudados e a quantidade de publicações por ano (Arcênio et al., 2018; Maciel et al., 2019; Pérez-Gutiérrez e Cobo-Corrales, 2020; Vicentini e Marques, 2018). A produtividade por região do Brasil (Arcênio et al., 2018; Maciel et al., 2019; Vicentini e Marques, 2018), a qualidade dos periódicos (Qualis CAPES e Fator de Impacto) (Barreira et al., 2018; Prieto et al., 2015; Vicentini e Marques, 2018) e a caracterização dos autores (Barreira et al., 2018; Pérez-Gutiérrez et al., 2017; Pérez-Gutiérrez e Cobo-Corrales, 2020) também foram alvo de investigações.

Até o momento, não foram encontradas pesquisas dessa natureza dedicadas à natação. A modalidade aparece apenas citada como sendo a mais investigada dentre os esportes paralímpicos de verão, em uma análise bibliométrica dedicada a explorar o perfil da produção científica online em português relacionada às modalidades olímpicas e paralímpicas (Souza et al., 2016). No caso dos esportes olímpicos, os autores apresentam os resultados agrupados para os desportos aquáticos (Souza et al., 2016). Informações adicionais sobre o perfil da produção, como o enfoque temático, instituições envolvidas, escopo dos periódicos, etc., foram agrupadas entre as modalidades e não há informações específicas dos estudos sobre natação (Souza et al., 2016). Sendo assim, este estudo teve como objetivo realizar uma análise bibliométrica da produção científica sobre natação em língua portuguesa. Acredita-se que essa análise possibilitará compreender o estado da arte sobre a modalidade, mapear a produção nacional e nortear pesquisas futuras, buscando contribuir para o desenvolvimento científico na área.

MÉTODOS

A produção científica sobre natação em língua portuguesa foi rastreada por meio de buscas em três bases de dados eletrônicas: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS - Bireme) e Scopus. Utilizou-se o descritor em Ciências da Saúde “natação” e outros associados, conforme a seguinte estratégia: Natação OR nado OR nadar OR nadador*, conforme o Quadro 1. Os descritores foram pesquisados nos campos do título, resumo e palavras-chave. Não foi estabelecido limite temporal inferior e a última busca foi realizada no dia cinco de setembro de 2022.

Quadro 1
Estratégia de busca nas bases de dados.

Bases de dados	Descritores	Campos	Filtro
Scientific Electronic Library	natação OR nado OR nadar OR nadador*	Título, resumo e palavras-chave	Idioma: português
Biblioteca Virtual em Saúde	natação OR nado OR nadar OR nadador*	Título, resumo e palavras-chave	Idioma: português
Scopus	natação OR nado OR nadar OR nadador*	Título, resumo e palavras-chave	Language portuguese

• Fonte: Autores.

Os critérios de inclusão foram os seguintes: (i) estudos relacionados à natação ou que envolveram nadadores na amostra; (ii) estudos publicados em português; (iii) estudos publicados sob a forma de artigo completo em periódicos revisados por pares. Foram adotados os seguintes critérios de exclusão: (i) estudos do tipo revisão de literatura; (ii) estudos com animais; e (iii) estudos sem a possibilidade de acesso na íntegra.

Os resultados das buscas foram importados para o aplicativo Rayyan (Ouzzani et al., 2016). Após a exclusão das duplicadas, as publicações foram analisadas segundo os critérios de inclusão e exclusão por dois revisores independentes (KK e JMM) e previamente treinados. Os revisores realizaram a seleção dos artigos, inicialmente pela leitura de título e resumo e, em seguida, pela leitura do texto completo, sendo as discordâncias entre eles resolvida por um terceiro revisor (CKC). Após a seleção, as informações extraídas para análise foram as seguintes:

• Ano de publicação;

• Nome do periódico;

• Estrato Qualis do periódico: seguiu a classificação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no Quadriênio 2013-2016, na área Educação Física, sendo também indicados os periódicos não classificados;

• Local: estado, país e instituição considerando-se as informações do primeiro autor;

• Área de Conhecimento: as principais áreas da formação em EF foram utilizadas para definir as seguintes categorias: a) Antropologia e sociologia; b) Aprendizagem motora; c) Atividade motora adaptada; d) Atividade física e saúde; e) Biomecânica; f) Bioquímica; g) Cineantropometria; h) Cinesiologia; i) Desenvolvimento motor; j) Epidemiologia; k) Filosofia; l) Fisiologia humana e do exercício; m) Fisiopatologia; n) Gestão esportiva; o) Treinamento esportivo; p) Pedagogia do esporte e do exercício; q) Prescrição de exercício; e r) Psicologia do esporte e do exercício. Áreas adicionais foram definidas, com base naquelas identificadas na leitura dos artigos incluídos: Medicina esportiva, Nutrição e Carreira Esportiva. Nos casos em que o estudo abrangesse mais de uma área de conhecimento, apenas a área considerada predominante foi utilizada na análise;

• Tema: definido a posteriori de acordo com o título, resumo e objetivo do estudo. A temática principal foi extraída para análise e os temas foram agrupados ou adequados de acordo com a sua similaridade;

• Perfil dos participantes: para esta análise foram extraídos dados sobre a) o sexo dos participantes; b) a idade, categorizada nas seguintes faixas etárias (Gallahue e Ozmun, 2008): bebê (neonatal a 24 meses), infância (24 meses a 10 anos), adolescência (dos 10 anos aos 20 anos), adulto jovem (juventude - dos 20 aos 40 anos), adulto (meia idade - dos 40 aos 60 anos) e idoso (adulto mais velho - 60 ou mais); e c) o tipo de população investigada, classificada em atletas, praticantes recreacionais, indivíduos fisicamente ativos, indivíduos fisicamente inativos, populações especiais (pessoas com deficiência, hipertensos, asmáticos, obesos, idosos e bebês), escolares, coordenadores/treinadores/professores e outros. Nos casos em que mais de uma faixa etária e/ou população foram investigadas em um mesmo estudo, este foi computado para a frequência de todas as categorias correspondentes.

• Natureza do estudo: categorizados em qualitativo, quantitativo ou misto (quali-quantitativo).

• Delineamento do estudo: os estudos quantitativos foram categorizados em experimental ou observacional;

• Tipo do estudo: os estudos quantitativos foram classificados nas seguintes categorias (Thomas et al., 2012): transversal, coorte, survey, longitudinal, quase-experimental, pré-pós, cross-over, ensaio clínico randomizado e controlado, ensaio clínico randomizado e não controlado. A essa classificação foram adicionados os tipos “validação” (para aqueles estudos que objetivam validar protocolos ou testes em natação) e “outros” (no caso de estudos que utilizaram dados secundários);

Os dados foram organizados em uma planilha eletrônica (Microsoft Office Excel 365, Microsoft Corporation, EUA) e em seguida analisados por meio da estatística descritiva, com identificação de valores de frequência absoluta e percentual.

RESULTADOS

A busca resultou em 1179 documentos e, ao final da análise, 232 artigos foram selecionados para a síntese qualitativa e análise bibliométrica (Figura 1). Uma lista dos estudos incluídos está disponível como material suplementar (material suplementar 01).

Figura 1
Fluxograma de seleção dos estudos. Fonte: Autores.

A Figura 2 apresenta a quantidade de publicações por ano. O primeiro estudo data de 1971 e dois picos produtivos ocorreram em 2007 e 2012, com 22 e 21 artigos respectivamente.

Figura 2
Quantidade de publicações por ano durante o período abrangido na busca. Fonte: Autores.

A distribuição geográfica das produções está representada na Figura 3. Os três estados brasileiros com maior representatividade foram São Paulo (35,3%), Rio Grande do Sul (12,9%) e Minas Gerais (11,6%). Dos 232 estudos, 22 são provenientes de diversas regiões de Portugal, um de Singapura, um do Canadá e três de locais não informados. Quanto às instituições, estão indicadas na Figura 3 aquelas vinculadas a cinco ou mais produções (n=11), representando 46,6% do total. Outras 75 instituições foram vinculadas aos 52,2% restantes, sendo que em 1,3% dos estudos não foi possível identificar a instituição.

Figura 3
Distribuição geográfica dos locais dos estudos. Legenda: UCB: Universidade Católica de Brasília; UDESC: Universidade do Estado de Santa Catarina; UFJF: Universidade Federal de Juiz de Fora; UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais; UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; UNESP: Universidade Estadual Paulista; UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas; UNIFESP: Universidade Federal de São Paulo; USP: Universidade de São Paulo; UTAD: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Os números entre parênteses representam a quantidade de artigos por instituição. Fonte: Autores.

Foram identificados 49 periódicos diferentes que publicaram sobre natação em língua portuguesa. Treze deles publicaram pelo menos quatro estudos sobre natação em língua portuguesa e outros 36 apresentam três ou menos publicações sobre o tema no período investigado. Os cinco periódicos com maior prevalência de publicação computam 55,2% do total, e são estes: Revista Brasileira de Medicina do Esporte (n=47, 20,3%), Revista Brasileira de Ciência e Movimento (n=38; 16,4%), Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano (n=16; 6,9%), Motricidade (n=13; 5,6%) e Revista Brasileira de Ciências do Esporte (n=13; 5,6%). Dentre aqueles classificados no Qualis-CAPES 2013-2016, predominaram os estratos B1 (33,2%), B2 (25,4%) e A2 (24,1%). Doze estudos (5,2%) foram publicados em periódicos não classificados.

Um total de 20 áreas de conhecimento foram identificadas nos estudos analisados (Figura 4). Dentre os 232 estudos, 42 (18,1%) são da área de biomecânica, 34 (14,7%) da fisiologia humana e do exercício e 32 (13,8%) da área de psicologia do esporte e exercício.

Figura 4
Áreas do conhecimento dos estudos analisados (o tamanho da fonte é proporcional à frequência de cada área de conhecimento). Fonte: Autores.

A respeito da temática, foram identificadas 42 diferentes categorias. Os nove temas mais prevalentes, que somados representam 60,3% do total dos estudos, são categorizados em: desempenho (n=33; 14,2%), limiar metabólico (n=19; 8,2%), natação adaptada (n=17; 7,3%), outros parâmetros fisiológicos (n=15, 6,5%), lesões no esporte (n=13, 5,6%), ensino da natação (n=12; 5,2%), cinemática (n=11; 4,7%), hábitos alimentares (n=10; 4,3%) e aspectos técnicos (n=10; 4,3%). Outros temas computam 39,7% do total, sendo que os mais frequentes foram carreira (n=8; 3,4%), saúde da mulher (n=7; 3,0%) e postura (n=7; 3,0%).

O tamanho da amostra dos estudos variou entre um e 2984 participantes, totalizando 21523 indivíduos. A maioria dos estudos incluiu participantes de ambos os sexos, adolescentes e atletas de natação (Figura 5). Dentre os 232 estudos, 19 (8,2%) não descreveram o sexo dos participantes. Menos de um por cento (0,9%) dos estudos analisaram bebês, 12,5% analisaram crianças, 45,3% adultos jovens, 12,9% adultos, 3,4% idosos e em 6,5% não foi possível classificar os participantes devido à ausência de informações.

Figura 5
Representação esquemática das características dos participantes da maioria dos estudos analisados. Fonte: Autores.

A população mais investigada foi a de atletas, computando 65,1% do total de estudos. As outras populações estudadas foram praticantes recreacionais (n=33; 14,2%), populações especiais (n=30; 12,9%), coordenadores, treinadores e/ou professores (n=11; 4,7%), indivíduos fisicamente ativos (n=9; 3,9%), indivíduos fisicamente inativos (n=9; 3,9%) e escolares (n=6; 2,6%). Dois estudos (0,9%) incluíram Clubes e Secretarias Municipais de Esporte, pais de nadadores e indivíduos sem envolvimento com o desporto em sua amostra. Um estudo (0,4%) não especificou sua amostra.

A grande maioria dos estudos é de natureza quantitativa (91,8%). Estudos qualitativos e estudos mistos (quali-quantitativos) representaram 7,3% e 0,9% do total, respectivamente. O resultado da análise quanto ao delineamento e tipo dos estudos quantitativos são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Classificação quanto ao delineamento e tipo dos estudos de natureza quantitativa.

Classificação dos estudos quantitativos	Número de estudos	%
Delineamento Observacional (n=159; 74,6%)
Transversal	110	51,6%
Validação	27	12,7%
Longitudinal	7	3,3%
Survey	6	2,8%
Outros	5	2,3%
Coorte	2	0,9%
Estudos de caso	2	0,9%
Delineamento Experimental (n=54; 25,4%)
Cross-over	18	8,5%
Quase-experimental	18	8,5%
Ensaio clínico randomizado e controlado	9	4,2%
Pré-pós	6	2,8%
Ensaio clínico randomizado e não controlado	3	1,4%
Total	213	100,0

• Fonte: Autores.

DISCUSSÃO

Este estudo objetivou realizar uma análise bibliométrica da produção científica sobre natação em língua portuguesa. Os dados analisados referem-se à identificação da publicação (ano, periódico, Qualis-CAPES e local), às áreas e temas investigados, às características dos participantes (sexo, faixa etária e população) e à classificação metodológica dos estudos (natureza, delineamento e tipo de pesquisa).

No que diz respeito à cronologia da produção científica, observa-se poucos estudos nas décadas iniciais (1970 e 1980), um leve aumento na década de noventa e a maior concentração de publicações nas duas últimas décadas (mais de 90% do total). A produção científica em português sobre modalidades olímpicas e paralímpicas também cresceu substancialmente a partir dos anos 2000 (Souza et al., 2016). Esse fato, além de refletir a evolução da área, possivelmente está relacionado à fundação e/ou ampliação da periodicidade de periódicos destinados à veiculação da produção científica da área. Em 1999, por exemplo, foi publicado o primeiro volume da Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano; foi reativada a Revista Brasileira de Ciência e Movimento após uma interrupção de seis anos; e a Revista Brasileira de Medicina do Esporte passou de uma periodicidade trimestral (iniciada em 1995) para bimestral. Esses são os três periódicos com maior número de artigos publicados sobre natação, concentrando 43,5% do total de estudos analisados. Há de se considerar, também, a transição do formato impresso para o digital que gradualmente ocorreu ao longo dos primeiros anos do século XXI, ampliando as possibilidades de indexação e acesso à íntegra dos artigos publicados.

O aumento da produção ao longo dos anos também parece estar relacionado ao surgimento e consolidação de cursos de Pós-graduação stricto sensu (PG) em EF no Brasil. Os primeiros cursos datam do final dos anos 70 e início dos anos 80, sendo que um aumento expressivo ocorreu ao longo das décadas seguintes (Corrêa et al., 2019). Em setembro de 2022, a área de Educação Física da CAPES, subárea Educação Física, reúne 39 Programas de PG, 20 deles com oferta de cursos de mestrado e doutorado, conforme disponível na Plataforma Sucupira (CAPES, 2022). Além disso, no final dos anos 80 foram implementadas políticas de indução de produção de conhecimento associadas ao financiamento de pesquisas e exigência de publicação de artigos para credenciamento e manutenção de pesquisadores nesses programas de Pós-graduação (Silva et al., 2014).

No Brasil, as regiões Sudeste e Sul concentraram a maior parte dos estudos, totalizando mais de três quartos da produção. Isso pode ser resultado da alta quantidade de cursos de mestrado e doutorado nessas regiões. Segundo dados da Plataforma Sucupira, a região Sudeste, que apresenta a maior parte da produção científica analisada, também conta com a maioria (n=11; 55%) dos Programas de PG que ofertam cursos de mestrado e doutorado em EF. Sob o ponto de vista institucional, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul é a que mais vezes apareceu vinculada às produções científicas sobre natação, seguida da Universidade Estadual Paulista, da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual de Campinas. Estudos anteriores que fizeram análises semelhantes demonstraram que essas Universidades e regiões do Brasil concentram a maior parte da produção científica também sobre modalidades como o jiu-jitsu (Vicentini e Marques, 2018), a ginástica escolar (Oliveira et al., 2020), o basquetebol (Maciel et al., 2019) e diversas outras modalidades olímpicas e paraolímpicas (Souza et al., 2016). Souza e Cunha (2020) corroboraram esses achados ao analisarem a produção de artigos relacionados ao esporte nos Programas de PG em EF no país. Esses autores atribuíram esses resultados ao fato dos Programas de PG da UFRGS, da USP e da UNICAMP estarem entre os mais antigos do país e possuírem um número amplo de linhas de pesquisa.

A maior parte dos artigos analisados foi publicada em periódicos classificados nos estratos A2, B1 e B2 do Qualis CAPES. Dentre os periódicos mais recorrentes destaca-se a Revista Brasileira de Medicina do Esporte, que reúne aproximadamente 1/5 de toda a produção. Em uma revisão bibliométrica envolvendo modalidades olímpicas e paralímpicas, esse periódico também apresentou a maior quantidade de publicações, seguido pela Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano e Revista Brasileira de Ciência e Movimento (Souza et al., 2016). Em revisões sobre outras modalidades esportivas, a Revista Brasileira de Medicina do Esporte e a Revista Brasileira de Ciências do Esporte também estiveram entre os periódicos que mais publicaram (Barreira et al., 2018; Carbinatto et al., 2016; Oliveira et al., 2020). Os periódicos citados são tradicionais veículos de divulgação da produção científica na área de EF, e têm empregado esforços constantes para ampliar sua visibilidade. Dentre esses esforços, na última década destaca-se a publicação de artigos em língua inglesa, com vistas à internacionalização dos periódicos e indexação em bases que veiculam artigos apenas nesse idioma. A Revista Brasileira de Medicina do Esporte, por exemplo, está presente no Journal Citation Reports desde 2010, o que provavelmente é um importante atrativo aos pesquisadores da área. A publicação em língua inglesa, embora não seja exclusiva (a maioria dos periódicos permitem a publicação também em língua portuguesa), possivelmente tem influência sobre a diminuição do número de artigos nos últimos anos em comparação ao período entre os picos de produção observados em 2007 e 2012 (Figura 2).

Seis das 20 áreas do conhecimento classificadas contam com pelo menos dez artigos. O primeiro estudo incluído na análise é da área de psicologia do esporte e do exercício e investigou os efeitos do condicionamento reflexológico sobre a resolução de problemas psicológicos e melhorias na saúde física em nadadores (Lisboa, 1971). As intervenções consistiam em sessões de hipnose utilizando diferentes técnicas (ponto luminoso, pestanejamento sincrônico, hiperpnéia e toques letárgicos) (Lisboa, 1971). Os resultados do estudo indicaram que o condicionamento reflexólogio apresenta melhoras nos tempos de prova para os nadadores (Lisboa, 1971). A fisiologia do exercício foi uma das áreas com maior número de ocorrências entre os estudos publicados no século XX (37,5% das publicações até 1999), dado indicativo de que esta é uma área que desperta o interesse dos pesquisadores há muitos anos. A maioria dos estudos foi classificada nas áreas biomecânica e fisiologia humana e do exercício, corroborando resultados de estudos que analisaram a produção científica sobre modalidades individuais como o taekwondo (Pérez-Gutiérrez et al., 2017) e o jiu-jitsu (Vicentini e Marques, 2018). Em estudos que se dedicaram a análise da produção sobre modalidades coletivas como o basquetebol (Maciel et al., 2019) e o futebol (Martín-Nebreda et al., 2015), as áreas de pedagogia e psicologia foram as mais frequentes, respectivamente. A biomecânica e a fisiologia integram a grande área denominada “biodinâmica”. Análises bibliométricas que investigaram o surfe (Pérez-Gutiérrez e Cobo-Corrales, 2020) e outras modalidades em conjunto (Souza et al., 2016; Souza e Cunha, 2020) também reportaram a predominância da área de biodinâmica sobre as demais. Nesse contexto, os temas principais mais recorrentes nos estudos sobre natação são aqueles normalmente investigados sob a perspectiva da biodinâmica, como o desempenho, os limiares metabólicos e outros parâmetros fisiológicos.

Uma parcela relativamente pequena de estudos (menos de 10%) dedicou-se à investigação de aspectos pedagógicos. Atrelado a isso, as populações de bebês e crianças também foram pouco investigadas. Pesquisas nesse âmbito norteiam o processo de ensino-aprendizagem das habilidades aquáticas e técnicas dos nados (Canossa et al., 2007), além de contribuir para o embasamento científico da formação dos profissionais que atuam na área da natação. A identificação de metodologias de ensino que sejam eficazes para o aprendizado e desenvolvimento de habilidades aquáticas é um tema emergentes que requer novas pesquisas (Canossa et al., 2007; Costa, 2019; Moisés, 2006). Além disso, é importante destacar a escassez de estudos envolvendo a população idosa (3% do total). Considerando que a expectativa de vida da população tem crescido nas últimas décadas e que a prática de atividade física é amplamente recomendada ao longo de toda a vida, aprofundar o conhecimento sobre os benefícios da natação para os idosos é fundamental para embasar a prescrição para esses indivíduos.

Quanto às características dos participantes, há predominância de estudos que analisaram indivíduos de ambos os sexos conjuntamente. Estudos voltados exclusivamente para o público masculino ocorreram com uma frequência cerca de três vezes maior do que estudos destinados apenas a mulheres. Segundo Rigo et al. (2007) a história reflete que o campo esportivo moderno emergiu e consolidou-se como um reduto da cultura masculina. Na natação competitiva no Brasil, as mulheres representavam 40% dos 10.535 atletas federados à Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) em 2019, o que reflete um discreto crescimento em relação aos anos anteriores (38% em 2015) (Pussieldi, 2020). Em relação ao tipo de população e faixa etária, foram mais frequentes os estudos que incluíram atletas, majoritariamente adolescentes e adultos jovens. Isso pode ser devido à facilidade em acessar essas populações já agrupadas em equipes e clubes esportivos, somada ao interesse em analisar o desempenho em alto nível (86% dos atletas federados à CBDA em 2019 integravam as categorias Mirim - 9 anos - a Junior - 19 anos (Pussieldi, 2020).

Os estudos de natureza quantitativa predominam frente aos demais, fato este também observado quando analisada a produção científica sobre modalidades olímpicas e paralímpicas no geral (Souza et al., 2016). A hegemonia da pesquisa quantitativa e de enfoque biológico na EF pode ser atribuída ao fato de a área partir, predominantemente, de referenciais teórico-metodológicos das Ciências Naturais (Silva et al., 2008). Segundo os autores, intensos debates acadêmicos sobre essa hegemonia ocorreram nas décadas de 80 e 90, a partir do quais mais pesquisadores da área começaram a buscar respostas para seus temas em campos das Ciências Humanas (Silva et al., 2008). Draper (2016) afirma que a abordagem qualitativa está sendo usada com maior frequência nas pesquisas sobre ciências da saúde, um campo até então tradicionalmente dominado pelas “ciências duras” e estatística. Na análise dos estudos sobre natação, observou-se que os primeiros estudos de natureza qualitativa ou mista sobre natação datam de 2003 e 2000, respectivamente. Os outros 17 estudos qualitativos ou mistos foram publicados a partir de 2010. Embora seja evidenciado um crescimento recente na utilização dessas abordagens nas pesquisas sobre natação, a produção científica sobre a modalidade segue a tendência ainda atual das ciências do esporte. Petrovic et al. (2017), com base em uma amostragem sistemática de 221 estudos envolvendo atletas de elite e disponíveis na Web of Science de 1996 a 2014, reportaram que a pesquisa quantitativa é a mais utilizada, sendo a fisiologia do exercício (27%) a área mais recorrente. Quanto ao delineamento e tipo, mais da metade dos estudos analisados foram classificados como observacional e transversal, respectivamente. A condução de estudos transversais acaba sendo atrativa, pois esse tipo de estudo é mais rápido de ser realizado e necessita de menos recursos do que outras abordagens, além de possibilitar boas inferências quando conduzido adequadamente (Thomas et al., 2012).

CONCLUSÕES

Os resultados encontrados permitiram mapear o panorama de pesquisas sobre natação publicadas em língua portuguesa nos últimos 50 anos. Nesse período, as duas últimas décadas foram as mais produtivas. A produção apareceu concentrada nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, veiculada em sua maior parte em periódicos nos estratos A2 à B2 do Qualis CAPES. A maioria dos estudos foi realizada nas áreas de biomecânica e fisiologia humana e do exercício, abrangendo temas relacionados ao desempenho e limiares metabólicos. Quanto ao perfil dos participantes, evidenciou-se que a maior parte dos estudos incluiu indivíduos de ambos os sexos, adolescentes e atletas. A natureza quantitativa, o tipo observacional e o delineamento transversal predominaram enquanto características metodológicas.

Os resultados deste estudo podem nortear o direcionamento de novas linhas/propostas/problemas de pesquisas, assim como futuros autores na escolha de periódicos para divulgação de seus resultados e reflexões sobre o tema. Ressalta-se as limitações ligadas à restrição da busca apenas em periódicos em idioma português. Outra limitação diz respeito à utilização do Qualis-CAPES (2013-2016) para a classificação dos periódicos. Embora esteja sem atualização há pelo menos seis anos, essa é a classificação vigente e oficial adotada pela CAPES, até que uma nova versão seja oficialmente divulgada. Futuras pesquisas podem ampliar a investigação em periódicos internacionais, assim como em outros meios de divulgação científica não explorados.

• FINANCIAMENTO

  Os autores CKC e JMM receberam financiamento de bolsas de estudos pelo programa UNIEDU/Santa Catarina.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  02 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  10 Jun 2022
• Aceito
  12 Set 2022