RESUMO
A construção do novo complexo arquitetônico do Observatório Nacional foi concluída em 1927, incluindo os pavilhões de observação astronômica, um dos quais abriga a luneta nº 10.783 de Bamberg. Todo o conjunto arquitetônico, as coleções e os fundos arquivísticos foram objeto de tombamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (em 1986) e do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (em 1987). Nesse sentido, integram este artigo o diagnóstico e a definição das intervenções nessa luneta do acervo do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). Considerando a transversalidade da pesquisa do conservador, que vai além da materialidade para valorar os danos e as peças de reposição antes de qualquer intervenção, o diagnóstico da luneta - a partir da classificação em quatro graus de deterioração, tomando como parâmetro tácito o manuscrito riscado no verniz da coluna do elevador de inversão - revelou percentagem não desprezível de superfícies metálicas desprotegidas, alguma corrosão localizada em estágio bastante avançado, mas camada fina de corrosão uniforme em considerável percentagem geral. Os danos mais simbólicos da luneta nº 10.783 de Bamberg são justamente os que impuseram mínima intervenção e discussões quanto ao que seria mais prudente fazer diante das condições adversas de sua preservação in situ.
PALAVRAS-CHAVE: Conservação de bens móveis; Objetos metálicos; Patrimônio científico; Luneta meridiana acotovelada Bamberg; Mast
ABSTRACT
The architectural complex of Observatório Nacional was completed in 1927, including the astronomical observation pavilions, of which one pavilion houses the Bamberg 10783 elbow telescope. All building architecture, collections and archiving funds were subject to registration by the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (in 1986) and by the Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (in 1987). The diagnosis and definition of the interventions in this Bamberg telescope of Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) integrate this article. Due to cross-sectional nature of the conservator’s research going beyond materiality, we get information before any intervention in order to identify which values would be affected by possible treatments on damages and replacement parts. Utilizing a classification in 4 degrees of deterioration, taking as a tacit parameter the manuscript scratched in the varnish of the inversion elevator column, the diagnosis of the telescope revealed a significant percentage of unprotected metal surfaces, some fairly advanced localized corrosion, and a considerable percentage of uniform corrosion thin layer. The most symbolic damages on this elbow transit telescope only required minimal intervention and discussion on what would be the best course of action given the adverse conditions of its preservation in situ.
KEYWORDS: Conservation of movable property; Metal objects; Scientific heritage; Bamberg elbow transit telescope; MAST
INTRODUÇÃO
Quando o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) foi inaugurado, em 8 de março de 1985, o depósito do Observatório Nacional (ON) foi a ele incorporado, com todos os seus equipamentos, ferramentas, instrumentos científicos e objetos de ciência e tecnologia, entre os quais constava a luneta nº 10.783 de Bamberg, catalogada pelo código “Mast/1993/0132”. A Figura 1 mostra o local onde o objeto é preservado, no último pavilhão onde operou, no campus do ON, atualmente dividido com o Mast.
Esse Museu, desde sua origem, preserva o conjunto paisagístico e arquitetônico composto pela vila residencial histórica, pelo edifício que abrigou a sede administrativa do ON e pelo sítio de observação do céu, onde preserva in situ as lunetas que operavam, até meados do século XX, no Morro de São Januário, bairro imperial de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Nesse campus está preservado o pavilhão da luneta Bamberg nº 10.783 (Figura 1), e é a ele que esta voltará após passar pelas intervenções a serem realizadas segundo as definições apresentadas neste artigo.
A luneta em questão teve longa trajetória de uso primário, estando desde 1907 no ON. Esse exemplar do fabricante Bamberg operou com diversas finalidades nas observações meridianas: na determinação de latitude, razão por que foi adquirida; nas observações meridianas de transição do sudoeste, no Morro do Castelo, para oeste, no Morro de São Januário; nos Serviços Meridianos e Anexos, para determinação da hora, longitude, observação de estrelas e planetas; no Serviço Internacional de Longitudes e Meridiano; no antigo Serviço Internacional da Hora, hoje denominado Divisão Serviço da Hora; e, a partir de 1934, substituindo a luneta meridiana acotovelada de Heyde nos estudos das irregularidades na rotação da Terra (Figura 1), em cooperação com o Bureau International de l’Heure (BIH).3
A cooperação científica do ON com o BIH e a dedicação da astrônoma brasileira Yedda Ferraz ganharam destaque na imprensa, mas foram as fotos desta reportagem que deram amplo destaque à instrumentação (Figura 2). A peça sobre o eixo mecânico da luneta nº 10.783 de Bamberg, encobrindo o olho esquerdo da astrônoma na foto, não foi incorporada ao Mast.
Reportagem na Cigarra Magazine destaca a astrônoma Yedda Ferraz e a luneta Bamberg nº 10.783 no Serviço Internacional da Hora. Fonte: Armando, 1959.4 Foto: Hélio Santos. Acervo pessoal de Sueli Viegas.
De acordo com documentos e publicações consultados, outro astrônomo do Serviço Internacional da Hora, Oliveiros Tavares, saiu em defesa da Bamberg, considerando prematura sua transferência ao depósito;5 e o encarregado da Oficina de Manutenção, Odílio Ferreira Brandão,6 descreveu a dissociação de sua lente objetiva original, repudiando, com isso, toda a conjuntura nacional e local que levou a condições propícias para tanto.
Quando o conservador-restaurador busca estudar os usuários de objetos musealizados e coleta “memórias subterrâneas”,7 que se opõem à “memória oficial”,8 resta aos dirigentes fazer uma “revisão (auto)crítica do passado”;9 enquanto aos conservadores-restauradores cabe serem fiéis à trajetória do exemplar sobre o qual se debruçam. O impacto político sobre a materialidade do objeto é sempre singular e deve ser levado em conta para que não sejam apagadas as marcas relativas ao uso do instrumento no passado de que ele é testemunho. Na edificação do ON, tanto no Morro do Castelo quanto no Morro de São Januário, conjuntos de instrumentos foram sucateados em reorganizações políticas, enquanto técnicos de instrumentação tentavam ser ouvidos.10 Nessa tarefa inglória, destacaram-se dois encarregados da oficina: Alfredo de Castro Almeida e Odílio Ferreira Brandão. Seus esforços, contudo, não foram suficientes para impedir a canibalização11 da lente objetiva da luneta nº 10.783 de Bamberg. A saída da peça se deu em fase amplamente registrada por documentos textuais no Fundo ON, onde, todavia, nada foi encontrado a respeito do experimento com telescópio artesanal que determinou a canibalização da luneta, motivo pelo qual seus anos seguintes de operação se deram com outra lente.
A metodologia sugerida neste estudo de caso adotou a relativização dos conceitos de originalidade e reversibilidade dos revestimentos e adesivos. A partir das contribuições de Muñoz-Viñas, por exemplo, não faz mais sentido tratar de ter neutralidade no que se refere à postura do conservador-restaurador, mas sim de portar-se como um cientista da conservação que arbitra não apenas pela ciência dos materiais, ouve outros profissionais de preservação e toma decisões considerando a carga simbólica12 determinada pela impressão dos atores da sociedade afetados pelo objeto histórico. Ouvir os usuários não se refere apenas aos usuários antigos e contemporâneos do objeto, “mas também [aos] futuros usuários. E nós conservadores estamos falando pelos usuários que ainda não têm voz”,13 por aqueles que interpretarão os acervos através dos vestígios que forem preservados. Salvador Muñoz-Viñas e Samuel Alberti foram as principais referências teóricas desta proposta metodológica de conservação de objetos históricos da astronomia brasileira: o primeiro, um pesquisador em antropologia e história das ciências pelo viés da cultura material; e o segundo, um cientista da conservação que, ao contrário, rompe os muros da materialidade para, antes de qualquer decisão, ouvir os atores que participaram da trajetória do objeto.14
A elaboração destas recomendações seguiu uma metodologia de trabalho que incluiu: consulta aos arquivos do Fundo da Hora Legal Brasileira (FHLB), sob guarda do ON, e do Fundo do Observatório Nacional (Fundo ON), sob guarda do Mast; à base de dados com os relatórios ministeriais do Brasil e a legislação brasileira; à documentação museológica do Mast; a publicações acadêmicas e a fontes históricas secundárias sobre o fabricante; exame das partes, de vestígios materiais, de marcas do fabricante, do fornecedor e de danos de uso que documentassem seu contexto e sua trajetória; e procedimentos de laboratório para diagnóstico dos fatores intrínsecos e extrínsecos de degradação da materialidade do objeto.
O objetivo geral deste estudo de caso - que inicialmente era de restauração15 total da luneta para reinauguração do seu pavilhão no Mast - esbarrou na descoberta de inscrições numéricas, arranhadas no verniz, às quais foi atribuído significado histórico, o que impediu a remoção das duas camadas de verniz nas partes polidas da liga de cobre, determinando, com isso, novos parâmetros para seu diagnóstico.
Devido à identificação de pontos de corrosão ativa em bem poucas regiões do instrumento, os referenciais teóricos cruzados na aplicação desta metodologia combinam a conservação-restauração de objetos metálicos - com Vicente Gentil,16 David Scott,17 Dalva Lago,18 João Cura de Figueiredo Junior19 e Marcus Granato20 - à teoria de conservação negociativa aplicada pelo restaurador Salvador Muñoz-Viñas21 e ao conceito de retratabilidade discutido por Barbara Appelbaum.22 Por fim, as sugestões quanto à preservação do objeto in situ tiveram como referência Saulo Güths,23 Stefan Michalski,24 Baer e Banks25 e Marcus Granato.26
Uma vez construída a trajetória de uso e musealização deste instrumento, foi possível o diagnóstico preliminar a fim de recomendar o mínimo de análises físicas ou químicas necessárias para descartar ou confirmar algumas suspeitas de que dependia a intervenção física nos materiais, mas, do mesmo modo, operar minimamente na inviabilidade de confirmar algumas hipóteses sem recursos analíticos laboratoriais.
VALORAÇÃO COMO PARTE DO DIAGNÓSTICO
Destacaremos aspectos da ética contemporânea da conservação segundo os teóricos referenciais deste estudo de caso, entre eles Salvador Muñoz-Viñas, por ter assumido sua dificuldade em aplicar a ética clássica à prática em restauro.27 À luneta nº 10.783 de Bamberg agregaram-se valores por ela documentar memórias institucionais e conter informações que só têm significado para um pequeno grupo social, inserido em questões pertinentes ao seu tempo e lugar - informações que podemos valorar de acordo com os depoimentos que esta pesquisa recolheu, com os documentos analisados e o interesse dos ex-funcionários do ON que participaram das ponderações a respeito dos danos que o instrumento apresenta.
Os valores cognitivos28 da luneta nº 10.783 de Bamberg residem em ser ela tratada pelo Mast como documento que contribui para as respostas sobre sua construção, seu uso, suas apropriações, e os agentes e as categorias sociais envolvidos em sua biografia. Samuel Alberti apresenta questões, a partir de reflexões realizadas por Igor Kopytoff,29 que mudariam para sempre a leitura do objeto histórico. Alberti insiste que a trajetória de um objeto não é a trajetória do ator a ele relacionado. A biografia do objeto se relaciona com outros itens do conjunto, com seus usuários, com quem o recolheu, e se encerra no feedback do fruidor, quando se incorpora a uma coleção, especialmente nos museus.30
Tomando os valores discutidos por Barbara Appelbaum, podemos citar o histórico, o de pesquisa, o de idade e até o de raridade do objeto31 pelas singulares interferências encontradas no corpo da luneta nº 10.783 de Bamberg. Ulpiano Bezerra de Meneses reconhece que os valores cognitivos e os valores afetivos se interceptam nas “vinculações subjetivas que se estabelecem com certos bens”,32 em que história e memória associam valores históricos aos afetivos. Entretanto, os valores afetivos da luneta nº 10.783 de Bamberg, tratados por Muñoz-Viñas como valores simbólicos,33 podem ter se construído em insatisfações políticas e operacionais das quais a luneta tornou-se emblema.
Um objeto que é simbólico, além da informação material que contém, pode evocar ideias, memórias e princípios abstratos no observador ou em outras pessoas que dele se acerquem. Os grupos de pessoas que atribuem valor ao objeto serão os diretamente afetados pela intervenção que nele for feita.34 Se sua trajetória importa, por que apagar suas marcas? Mesmo um bom restaurador poderia dissociar esteticamente um conjunto, impedir a retratabilidade ou apagar em parte ou completamente a trajetória do objeto se não refletisse sobre questões das ciências sociais e humanas que hoje se aproximaram da ciência dos materiais, como: a pesquisa histórica do fabricante, do fornecedor, do contexto político, social e econômico; a carga simbólica do conjunto e a vinculação a seus usuários; a busca de manuais de fábrica e de exemplares em outras instituições; a consideração da segunda lei da termodinâmica; e o registro de todos os procedimentos a fim de garantir outro aspecto da retratabilidade futura.
Desde 1987, Barbara Appelbaum35 já contribuía com muitas dessas reflexões, em contraponto à reversibilidade, já que mesmo um produto estável, em condições normais, pode impedir que sua superfície seja retratada posteriormente. Por isso, a construção da biografia das coisas deve incluir consulta aos arquivos de oficinas e lojas de manutenção de instrumentos de precisão, aos arquivos dos técnicos da instituição e das demais oficinas e laboratórios. Nem sempre anotações foram feitas, e outras se perderam. Neste caso, as informações das oficinas do ON constarão na ficha de conservação da luneta nº 10.783 de Bamberg no Mast.
A seguir, serão abordados o exame da luneta Bamberg como documento das fases de sua trajetória e a avaliação do pavilhão histórico em que deve ficar fixada. O diagnóstico de conservação do objeto em si estabelecerá o limite entre o dano que interfere nos aspectos simbólicos, que poderia ser considerado “inofensivo”, e o dano que implica deterioração de outras partes do objeto e, por isso, deveria ser “corrigido”.
O ESTUDO DO MODELO COMO PARTE DO DIAGNÓSTICO DE UM EXEMPLAR
Levar um exemplar à condição original do modelo de fábrica é impossível e, além disso, as intervenções amparadas nessa maneira de entender o objetivo da restauração significam, geralmente, apagar marcas da história do objeto. A conservação de cada exemplar de um modelo de fábrica é singular, a fim de que cada um desses objetos se constitua em testemunho da atuação de seus usuários e de seu contexto de uso. Entretanto, a busca das características do fabricante e das inovações do modelo deve anteceder o diagnóstico das singularidades do exemplar.
Na ocasião de lançamento deste modelo de luneta, o folheto 122 publicado pelo fabricante descrevia o exemplar encomendado pelo Real Instituto Geodésico da Prússia, em Potsdam, que foi exposto em 1904 no estande da Bamberg na Exposição Universal de Saint Louis, com direito a experimentação dos ajustes.36 Este instrumento exposto em 1904 possuía base de Dollen (sistema giratório de base móvel), micrômetro elétrico, micrômetro para Talcott, iluminação elétrica e opção de iluminação por lamparina. A luneta nº 10.783 de Bamberg apresentava apenas a opção elétrica no momento de sua incorporação ao Mast,37 mas não é possível afirmar que não tenha vindo com a lamparina de encaixe. A distância focal da luneta e a abertura da lente objetiva são maiores no exemplar nº 10.783 (0,90 m e 80 mm,38 respectivamente, como preservadas no Mast) do que no exposto em 1904 (0,65 m e 68 mm).
As três lentes oculares da luneta encomendada para Potsdam foram descritas no catálogo: ampliavam 44, 65 e 86 vezes. Já ao exemplar do Mast reúnem-se quatro oculares (Figuras 3a, 3b, 3c e 3d), puncionadas com suas respectivas ampliações de 66, 66, 90 e 110 vezes.
Lentes oculares do micrômetro da luneta nº 10.783 de Bamberg, cuja amplificação vem puncionada de fábrica. Fotos: Ricardo Dias, 2013.
É possível que uma das duas oculares de menor ampliação não tenha acompanhado a encomenda como item de série, já que o catálogo de 1904 anunciava três oculares de ampliações bem distintas e o estojo tem apenas três berços de lente.
A denominação do exemplar acotovelado exposto em 1904 - “instrumento de passagem portátil com luneta acotovelada” - muito se assemelha à descrição adotada pelo ON quando do levantamento patrimonial nos inventários periódicos. Esses exemplares que são fixos em pilar, portanto, foram descritos como portáteis tanto pelo fabricante como pelos profissionais responsáveis pelos inventários no Observatório.
Nas Figuras 4a e 4b comparamos uma foto atual da luneta com a ilustração de lançamento do modelo, respectivamente.
Pátinas artificiais39 praticadas pelo fabricante. Fontes: (a) Foto de Ricardo Dias, 2012; (b) Bamberg, 1904.
Ao confrontar a ilustração (Figura 4b) publicada no catálogo de exposição do fabricante40 com o registro fotográfico do estado atual de conservação da luneta nº 10.783 de Bamberg (Figura 4a), foi possível notar que o desenhista de 1904 tratou com técnicas distintas os mesmos três tipos de superfície que hoje podemos distinguir nos eixos da luneta: esfumadas as pátinas, hachuradas as pinturas sobre o metal, e nuas no desenho as condições de brilho das superfícies polidas.
No detalhe fotográfico da luneta nº 10.783 de Bamberg, uma das pátinas artificiais na liga de cobre se destaca no eixo ótico (com tom mais marrom), distinta das superfícies polidas de fábrica (de tom mais amarelo) e da base em liga de ferro. Nas regiões de topo do corpo da luneta, o filme uniforme de corrosão indica que depósitos de poeira e demais elementos particulados mantinham a higroscopia sobre o instrumento por tempo suficiente para favorecer o processo de corrosão. Entretanto, a aceleração desse processo no corpo do exemplar nos últimos trinta anos de exposição in situ pode ter estreita relação com o crescimento industrial no bairro imperial de São Cristóvão.
A oxidação se estende por grande parte do instrumento, não apenas pela concentração de sujidades higroscópicas na porção superior das peças, mas também pela manipulação de um instrumento com larga trajetória de uso como é o caso da Bamberg.41 Secreções da pele provavelmente se concentravam nos volantes de manobra por conta do manuseio intensivo dessas partes. Entretanto, foi possível observar que a distribuição das áreas de corrosão indica que os operadores do instrumento manipulavam o próprio tubo da luneta, e não apenas o volante. Na alavanca da base e nos manípulos do micrômetro (verniers), peças de manobra, se formou superficialmente uma camada regular de oxidação, mas, além desta, a distribuição da corrosão também revela que o impulso de rotação da luneta, ao ser manuseada por seus usuários, se dava por qualquer ponto de apoio lateral entre o cubo e os mancais, e nem sempre pelo volante.
O exame do objeto como documento foi decisivo na definição do período compreendido entre sua fabricação pela Bamberg e sua entrega ao ON, como foi amplamente abordado pelos autores durante o andamento deste estudo de caso.42 As marcas de fabricação - a inscrição “CARL BAMBERG FRIEDENAU-BERLIM 10783” no centro do eixo ótico e as pequenas punções43 de fábrica nas peças - levaram à localização de partes que haviam sido desprendidas da luneta em diferentes momentos de sua trajetória, bem como à identificação de algumas peças de reposição, entre as quais uma porca nº 6 e outra nº 8.
O catálogo de 1904 oferece informações sobre os acessórios do Talcott44 cujos sulcos de encaixe no eixo mecânico não eram ocupados por nenhuma peça no momento da musealização. Essas peças foram incorporadas ao Mast, como tantas outras, avulsas e sem identificação (Figuras 5b e 5c).
Partes dissociadas pelo ON e identificadas por Dias. Fotos: Ricardo Dias, 2012.
Nível do Talcott dissociados da luneta. Partes dissociadas pelo ON e identificadas por Dias. Fotos: Ricardo Dias, 2012.
Para a comprovação de hipóteses levantadas, foi necessário que o Mast adquirisse um paquímetro de melhor qualidade, uma lupa binocular e uma balança analítica com precisão em milésimos de grama.
O registro fotográfico em lupa binocular garantiu a checagem da punção Bamberg exata (Figura 5a), em que a variável foi apenas a força do impacto. O perfil marcado no objeto (Figura 5e) era correspondente ao perfil da chave elétrica (Figura 5d) do sistema acotovelado do instrumento de passagem, mas não há nenhuma punção. Na balança analítica, constatou-se correspondência exata entre o nível do Talcott (Figura 5c) e seu contrapeso (Figura 5b).
Comutador dissociado. Partes dissociadas pelo ON e identificadas por Dias. Fotos: Ricardo Dias, 2012.
Verso do comutador e a marca de seu antigo encaixe. Partes dissociadas pelo ON e identificadas por Dias. Fotos: Ricardo Dias, 2012.
O diagnóstico e as intervenções conservativas também foram definidos para essas partes ora dissociadas, que hoje podem ser tratadas como partes do conjunto ou objetos relacionados à luneta, decisão a ser tomada pelos profissionais do Núcleo de Documentação e Conservação do Acervo Museológico (Nudcam) do Mast.
A lente objetiva encontrada na luneta nº 10.783 de Bamberg não apresenta punção do fabricante e está acondicionada na estante da reserva técnica. Esta pesquisa reuniu dados suficientes para afirmar que se trata de uma peça de reposição (Figura 6a) que foi adaptada ao eixo ótico do exemplar nº 10.783. Na Figura 6b, é apresentada a tampa de objetiva com cortes em L.
É possível notar que adaptações mecânicas foram feitas na tampa por habilidoso profissional: três cortes transversais bem distribuídos, seguidos cada qual de um corte a 90°, permitiram a expansão mecânica da tampa para proteção da lente, que assim foi recebida pelo Mast em 1985.
O esforço dispensado nessa adaptação leva à hipótese de que a tampa original tenha sido mantida. Certamente, a tampa e essa lente não formavam originalmente um par. Essa tampa é preservada in situ, encaixada no instrumento. A luneta nº 10.783 de Bamberg foi incorporada ao acervo Mast com essa lente objetiva, portanto esta é catalogada como parte, de fato, do instrumento. O resultado desta pesquisa confirma a relevância de tal peça na trajetória de uso do instrumento com base no exame do objeto e da consulta a fontes primárias, concluindo que ela apresenta marcas testemunhais que os procedimentos de conservação curativa45 não devem apagar.
As partes faltantes na luneta são as seguintes: o bocal da lâmpada interna, bastante específico, que não existe mais e é de difícil substituição, em função da obsolescência do modelo; os fios do retículo do micrômetro, que não existem mais e haviam sido tecidos por uma aranha criada no ON, então não devem ser repostos; e o pequeno nível transverso da foto de março de 1959 publicada na Cigarra Magazine, que não foi encontrado.
DIAGNÓSTICO NO AMBIENTE EXPOSITIVO
O campus onde se situa o Mast e o ON constitui-se de cerca de 40 km² de áreas construídas, plantadas e arborizadas, sendo próximos ao pavilhão da luneta de Bamberg outros três pavilhões de madeira. Entretanto, o campus conta com serviço continuado de controle hormonal de cupins subterrâneos; não há flores ou sistema de irrigação próximo aos pavilhões das lunetas; a iluminação atrativa de insetos fica distante dos pavilhões de madeira; e não há horário noturno de visitação dos instrumentos históricos de observação meridiana.
A predominância metálica permite ao objeto histórico ser mais robusto e estável, mas também mais sujeito à corrosão. Os processos corrosivos predominantes nas ligas metálicas da luneta foram: a corrosão generalizada nas ligas de cobre e, além da camada uniforme de corrosão generalizada sobre as áreas desprotegidas das ligas de ferro, alguns pontos de corrosão alveolar sob a repintura que recebera em algum momento de sua história.
A umidade no porão é tamanha que impede o uso seguro desse pavimento pelos visitantes e pelos profissionais de preservação. Não há rede hidráulica no pavilhão e, de fato, o porão não alaga mais graças às obras anteriores à década de 1940.46
Duas regiões da luneta apresentam corrosão típica de molhamento. Alguns parafusos da base, o fundo do elevador que pousa sobre ela e a região do micrômetro elétrico apresentam sinais de permeabilidade de água nas roscas e encaixes, onde houve contato entre ligas de diferentes potenciais de eletrodo, dispondo essas peças à degradação por corrosão galvânica: houve processo de corrosão ativa porque o meio de condução eletroquímica se formou.47 Por mais que seja estimado o potencial de eletrodo de um material isolado, nenhuma tabela referencia uma liga singular, com suas irregulares distribuições de elementos, em troca com outro material distintamente irregular em sua estrutura. O potencial real de um metal em dado eletrólito pode depender de vários fatores, entre eles: o número de reações possíveis em cada eletrodo, a formação de película, a formação de íons complexos, as impurezas na solução e a magnitude das correntes elétricas para os possíveis equilíbrios. Por isso, o potencial real será provisório e resultante de dois ou mais processos, sendo, portanto, comumente chamado de potencial de corrosão.48
Diversos documentos textuais consultados confirmam os sinais de molhamento na base e no micrômetro elétrico, em diversos eventos de goteira, em ambos os edifícios onde a luneta nº 10.783 de Bamberg operou - tanto na sala meridiana do Morro do Castelo como no pavilhão 7 do Morro de São Januário -, o que contribuiu para os processos corrosivos no instrumento desde sua fase de uso. Hoje a estrutura metálica do teto do pavilhão, no campus de São Cristóvão, está restaurada, mas os danos provocados na luneta são significativos - especialmente nas sapatas da base, cujas condições de degradação são as mais severas. Alguns pontos das duas bases da luneta - base superior (Figura 7a) e sapatas da base inferior - apresentam esfoliação, aparentemente em corrosão alveolar, manifestada na forma de bolhas de onde se desprendem produtos mineralizados (Figuras 7b e 7c). A natureza dessa corrosão, bem como uma tendência à corrosão grafítica, poderia ser analisada, mas, neste caso, os produtos de corrosão localizados nas bases e em alguns parafusos são claramente resultantes de processos ativos. As goteiras, confirmadas nos documentos textuais consultados, sujeitaram a superfície metálica à salinização.
Corrosão ativa com produtos de salinização e esfoliação.Fotos: Ricardo Dias, 2013.
Nessas corrosões localizadas, são claros os indícios de molhamento. Logo o decaimento salino já é provável, e os sais depositados devem ser removidos das peças. Algumas partes em liga de cobre da engrenagem apresentam filme espesso de corrosão, mas poucas são as manchas verdes resultantes de corrosão possivelmente ativa. Considerando que a fabricação da luneta nº 10.783 de Bamberg se deu entre os anos de 1904 e 1907, sua composição é típica do século XIX na Europa: ainda havia predominância das ligas de cobre e poucas partes em liga de prata - apenas nas escalas graduadas -, vidro e madeira, já nesse período começando a dividir espaço com as ligas de ferro na base e nos eixos dos instrumentos, nos parafusos e porcas. Discretas, diante do dourado do instrumento, são as escalas gravadas na liga de prata. O ferro estrutural foi revestido com tinta da cor em voga na indústria do período. Com isso, fica clara uma composição mista ao ponto de dificultar a coabitação de materiais diferentes sem que interfiram mutuamente, gerando alterações físicas e/ou químicas. A luneta foi exposta, de 1907 a 1920, à atmosfera marinha do Morro do Castelo, onde se situava inicialmente o Observatório, e, de 1920 até hoje, à atmosfera industrial e marinha do bairro imperial de São Cristóvão, para onde se transferiu o ON e onde foi criado o Mast. O abrigo de madeira do Morro de São Cristóvão, que recebeu a luneta em estudo, apresenta porta e janelas que permanecem abertas das 9h às 17h. Em que aspecto essa mudança de endereço pode contribuir para os processos de corrosão no instrumento?
A pré-existência de uma pátina artificial pode, dependendo de sua composição química, acelerar o processo de corrosão, havendo uma incompatibilidade com a pátina natural que se formará no ambiente em que a obra será exposta. Em adição, a transferência do objeto em liga de cobre “de um ambiente marinho para uma atmosfera urbana também pode alterar a composição e desestabilizar a pátina de corrosão”.49 A atmosfera marinha no bairro do Castelo não oferecia tantos poluentes como o bairro imperial de São Cristóvão das décadas de 1920 em diante, onde se concentram bastantes poluentes urbanos e industriais. A região é relativamente próxima do mar, mas a vocação da região é industrial, sujeita à circulação demasiada de veículos automotivos de grande porte. Na luneta, há pátinas artificiais feitas em Friedenau, Berlim, que se expuseram aos cloretos no Castelo, quando fornecida ao ON, há 109 anos, e depois foram provavelmente submetidas à predominância de sulfetos e nitratos do bairro industrial, onde se instalou definitivamente, cerca de 10 anos depois.
O monitoramento da qualidade do ar no bairro imperial de São Cristóvão é permanente e disponibilizado pela prefeitura do Rio de Janeiro.50 Classifica-se a qualidade do ar em cinco graus, que variam entre bom e péssimo, quanto aos riscos à saúde da população, índice que se situa aquém dos parâmetros degradantes de acervos históricos, arquivísticos e coleções. A amostragem extraída do portal de monitoramento da qualidade do ar da cidade do Rio de Janeiro em um período de dois meses teve por objetivo demonstrar que a poluição do bairro imperial de São Cristóvão é maior nos dias úteis, nos quais é grande a quantidade de partículas sólidas em suspensão e de dióxido de enxofre. Mas, afinal, qual solvente se torna eletrólito se os metais não fizerem pilha eletroquímica nem em líquido nem em solo? A resposta é clara: trata-se da umidade atmosférica.
Não menosprezando os resíduos ácidos deixados pelo suor das mãos dos astrônomos, que podem ter contribuído para a corrosão, a poeira é, de fato, um grande vilão. É possível considerar preponderantes, na corrosão, os seguintes fatores: a atuação dos cloretos da maresia e dos poluentes (por exemplo: sulfetos, ozônio, óxidos de enxofre, óxidos de nitrogênio); e a atuação da poeira em suas partículas diversas, sendo a maior aliada da alta umidade do ar no processo de corrosão das superfícies metálicas onde se deposita. Tal camada de partículas, muitas vezes extremamente higroscópicas, eleva a umidade na superfície exposta, estabelecendo o eletrólito.
O Mast possui uma rotina de higienização dos abrigos e de seus instrumentos fixos e oferece um guia de higienização de objetos de ciência e tecnologia. Entretanto, dois elementos devem ser considerados: tal rotina se estabeleceu há bem menos tempo do que o período em que a luneta Bamberg nº 10.783 foi submetida à poeira; e o quadro de técnicos terceirizados para os serviços de manutenção também é insuficiente, no momento, para tanta demanda, inclusive a de reparos no pavilhão 7, abrigo da luneta, para sua reinauguração. O Mast é uma das poucas instituições de guarda de acervo que tem sua política de coleções, que já publicou sua Política de Preservação e revê periodicamente seu Plano Diretor, o que não significa que não atravesse gestões desatentas aos parâmetros construídos coletivamente. Como qualquer instituição pública, não é fácil levar o gerenciamento de risco até o cumprimento de um plano de desastres, com número atualizado de brigadistas, treinamentos e simulações periódicas. Em termos de segurança de acervos, o país ainda vive no limite da perda de seu patrimônio por falta de pessoal e recursos para sua conservação adequada e pela redução dos fomentos às políticas culturais e ao patrimônio cultural de ciência e tecnologia.
Além da acidez dos gases sulfúricos e nítricos da poluição, o interior do pavilhão 7 contém uma série de materiais com potencialidade de emissão de vapores ácidos: o revestimento alquídico do madeiramento, o mobiliário, o estrado de madeira. Dos componentes da luneta nº 10.783 de Bamberg, alguns toleram bem a atmosfera de baixo pH. Os couros e as madeiras resistem a vapores ácidos, mas sofrem dilatação higroscópica e, na baixa umidade relativa, sofrem contração, até se romperem. Não se agridem, mas não dividem satisfatoriamente o mesmo ambiente que os metais. Muitos dos componentes das ligas metálicas da luneta nº 10.783 de Bamberg que não estão protegidos por pintura ou verniz vêm sendo submetidos à ação da maresia, bem como das emissões ácidas das madeiras e da atmosfera industrial. Há sulfetos metálicos, óxidos, sulfatos e carbonatos que não deterioram certos metais.
A condição de substâncias hidrofílicas, definida pela diferença de concentração de íons de hidrogênio (pH), pode alertar sobre maiores riscos de liberação desses átomos no eletrólito. Entretanto, os componentes metálicos reagem diferentemente aos potenciais de hidrogênio.51 Enquanto o ferro tem potencial de eletrodo negativo em meio ácido, o cobre tem potencial negativo em meio alcalino. A complexidade da composição de uma liga metálica reúne muitas das vulnerabilidades de cada componente em seu meio, apontadas por Vicente Gentil52 - e resumidas em tabela pelos autores na publicação que apresenta a íntegra da pesquisa53 -, o que já demonstra a dificuldade de escolha entre a exposição ao clima e a exposição a um microclima.
Gentil54 oferece uma extensa lista de meios corrosivos tipicamente encontrados em um bairro industrial em clima úmido: a umidade relativa do ar associada à deposição ácida, à temperatura e ao tempo de permanência do filme de eletrólito na superfície metálica; a umidade relativa do ar associada à proximidade com fábrica de PVC55 ou de fertilizantes (com amônia e outros ácidos que atacam o cobre e o vidro); e a umidade relativa do ar que umidifica o cloro desprendido da fabricação de soda cáustica.56 Os poluentes oxidados, como descritos a seguir, podem ser ainda mais corrosivos:
Óxidos de enxofre (SOx), óxidos de nitrogênio (NOx), ozônio (O3), ácido acético, formaldeído e ácido clorídrico são os poluentes gasosos mais comuns referidos na literatura para padrões em museus. O formaldeído, como poluente, não corrói metais, mas sua forma oxidada, o ácido fórmico, sim. A presença de oxidantes determina a rápida transformação do formaldeído a ácido fórmico e por isso este permanece na lista de poluentes, em função de seu potencial em transformar-se em um agente perigoso […].
Dióxido de enxofre (SO2) é produzido por processos biológicos, mas também é produto da queima de combustíveis fósseis, que em sua maioria contêm enxofre. O dióxido de enxofre reage com o oxigênio e a água presentes no ar formando ácido sulfúrico (H2S04), que é pouco volátil, permanecendo nas superfícies em que condensa.
Óxido de nitrogênio (NO2) é convertido a ácido nítrico (HNO3) em contato com a água e o oxigênio do ar. O ácido nítrico é um agente oxidante que causa menos problemas que o ácido sulfúrico porque é mais volátil.57
O ácido nítrico em concentração inferior a 20% pode não afetar o cromo comumente encontrado nas ligas de ferro, mas os ácidos degradam grande parte das ligas magnéticas e não magnéticas. Já o chumbo, apesar de apresentar surpreendente resistência ao ácido sulfúrico,58 é extremamente vulnerável aos demais ácidos. Não são desprezíveis as impurezas de chumbo nas ligas metálicas que predominam na luneta nº 10.783 de Bamberg. Segundo Granato: “Pequenas quantidades de chumbo são adicionadas a alguns latões para melhorar a maquinabilidade. O chumbo é praticamente insolúvel no cobre sólido e distribui-se nos latões com chumbo sob a forma de pequenos glóbulos”.59
Outros produtos hidrofílicos dos vapores sulfúricos podem afetar o mármore do pilar onde se assenta a luneta, mesmo que não expostos diretamente à chuva, mas em presença da umidade, condição típica das orlas litorâneas tropicais. Os gases poluentes das áreas urbanas e industriais formam ácidos em reação com a umidade. Na superfície dos materiais ocorrerão novas reações com os ácidos, levando a perdas de coesão e fragilização interna por capilaridade.60 Não só os vapores ácidos, flagrantes na atmosfera das regiões urbanas e industriais, mas também aqueles vapores tânicos, acéticos e fórmicos - que podem ser emitidos pelas madeiras integrantes do mobiliário, do tablado e da arquitetura do pavilhão da Bamberg - afetam parcialmente os glóbulos de chumbo que permanecem superficiais na liga. Em ligas metálicas, o dióxido de enxofre, o ozônio e materiais particulados em suspensão aceleram a formação das primeiras pátinas, às quais se seguem filmes mais espessos de corrosão.
Como o ambiente expositivo permanece com porta e janela abertas no horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais e industriais da região, o pico da emissão de poluentes é atingido em dias úteis. Apenas essa informação já seria suficiente para concluir que o ambiente não é adequado para exposição sem que sejam causados danos às partes não protegidas da luneta. Entretanto, é necessário avaliar se a composição mista do objeto tornaria mais arriscada a guarda em um microclima. Afinal, separar componentes nem sempre é possível. Por outro lado, a existência dos instrumentos de astronomia originais nos seus pavilhões, sem modernizações, constitui aspecto fundamental para a valoração desse campus, identificado como singularidade em nível mundial e mesmo em avaliação para ser nominado como patrimônio mundial da astronomia. Assim, a alternativa de retirar os instrumentos desses locais, em princípio, não se sustenta.
Os agentes climáticos em regiões tropicais do planeta podem atuar por inação dos profissionais de preservação ou manejo inadequado, mas podem também agir inexoravelmente, por um conjunto de fatores de risco associados à conjuntura político-econômica e a limitações arquitetônicas. As condições climáticas do pavilhão, com maresia e poluição nos arredores, assim como as condições de translado e a vulnerabilidade a sinistros, pesam sobre a popularização da luneta Bamberg nº 10.783, mas a singularidade desse conjunto de abrigos astronômicos, tombado e preservado in situ, é uma premissa.
A luz natural que incide de forma difusa no interior do pavilhão no horário de exposição, das 9h às 17h, é um agente importante de degradação do objeto deste estudo. A luneta Bamberg nº 10.783 apresenta duas peças de reposição em polímeros que não emitem vapores senão nos primeiros dez dias desde a fabricação: um tubo de polimetilmetacrilato (PMMA), cortado para que fosse possível encaixá-lo no nível de bolha (Figura 8a) e exposto à ação degradante dos raios ultravioleta, que o têm opacificado à medida que provocam suas microfissuras; e uma placa em PMMA na alavanca direita dentro do micrômetro elétrico (Figura 8b), que não é exposta à luz. Hoje a deterioração do tubo acrílico já dificulta enxergar a ampola graduada do nível.
A placa de reposição da alavanca (Figura 8b) fica pouco acessível aos raios luminosos e, por isso, encontra-se em bom estado de conservação, translúcida. Entretanto, a corrosão ativa nos parafusos que restaram na alavanca evidencia que a placa se perdeu igualmente por corrosão ativa, possivelmente por aeração diferencial em eletrólito proporcionado pelas goteiras do pavilhão sobre o micrômetro elétrico suspenso no instrumento. É possível que a água mineralizada, típica de goteiras, tenha se depositado nas frestas internas e, sem ventilação, a baixa aeração levaria à perda de todas as peças dessa engrenagem. Não foi encontrado registro de quando teria sido confeccionada essa delicada peça de reposição.
São graves os casos de corrosão que se iniciam e se retroalimentam em áreas de baixa aeração do objeto, onde a troca de oxigênio não se dá sem ventilação. É a corrosão por crévice, como explica Granato no trecho a seguir:
Como é bem conhecido, o processo de aeração diferencial promove uma acentuada dissolução nas regiões pouco aeradas (regiões anódinas) e de não corrosão nas regiões bem aeradas (regiões catódicas). Tal processo pode promover, localizadamente, danos de grande monta na superfície metálica. O processo tem comportamentos diferentes de acordo com o pH da solução circundante. No caso, como o pH está sempre abaixo de 7 (área urbano-industrial, com presença de gases ácidos), o resultado é que a aeração diferencial provocará um aumento de velocidade de corrosão das zonas não aeradas, com fraca circulação de corrente entre as duas zonas.61
O valor histórico do tubo do nível de suspensão (Figura 8a) reside na carga simbólica agregada aos testemunhos de serviços cuidadosos dos técnicos de manutenção da luneta nº 10.783 de Bamberg, também constatada em relação à lente objetiva e sua tampa. Para que o processo de degradação do tubo de reposição seja desacelerado, recomendou-se que um filme de filtragem UV em poliéster seja adquirido a fim de envolver externamente o tubo adaptado ao nível de suspensão.
Diante das condições adversas de calor sob o teto metálico e de umidade relativa do ar em região tropical e próxima ao mar, apesar da poluição do entorno e da maresia relativamente próxima, a ventilação do pavilhão e a remoção regular da poeira em todo o circuito expositivo parecem ainda ser a melhor opção de que o Mast dispõe: deve-se impedir que partículas sólidas de poeira se demorem depositadas sobre os objetos metálicos, apesar da redução do quadro funcional; e instalar uma vitrine com frestas baixas para uma ventilação natural que impeça a autoagressão dos produtos de corrosão e dos vapores diversos nos componentes da luneta nº 10.783 de Bamberg. Um exemplo de autoagressão típica de microclima é a condição que se formou no estojo que permanece em reserva técnica.
DIAGNÓSTICO NA RESERVA TÉCNICA
Outra situação de baixa aeração foi diagnosticada nas partes da luneta que não ficam expostas in situ, mas sim na reserva técnica, em estojo. Das peças do micrômetro especial para observação astronômica pelo método de Horrebow-Talcott, que ficam acondicionadas em seu estojo original, estão em mau estado de conservação as partes em liga de ferro de maior potencial de corrosão, que são o suporte da placa graduada de vidro (Mast1993/0132t), seu suporte metálico (Mast1993/0132q) e a esquadria metálica (Mast1993/0132r) do suporte, com bolhas e rupturas na pintura, por corrosão, enquanto a placa em liga de cobre está em estado razoável (Mast1993/0132s).
As razões para isso têm relação com o microclima estabelecido dentro de uma caixa de madeira, em especial com a emissão de vapores ácidos a que as ligas que contêm ferro/chumbo são vulneráveis. Além do mais, foram justamente as ligas encontradas em contato físico com o revestimento catódico, bastante comum nas peças de precisão do instrumento científico, que provocaram condições mais agressivas de corrosão galvânica das peças em liga de ferro revestidas de tinta (Figura 9c) e, em consequência, o empolamento da tinta e a esfoliação da superfície metálica. O tubo conector do micrômetro do Talcott (Figuras 9a e 9b) era a peça que vinha se beneficiando de tal troca eletrolítica com a liga menos nobre e, por isso, está em excelente estado de conservação.
No estojo de madeira, ligas metálicas diferentes se tocavam. Fotos: Ricardo Dias, 2016.
Depois de removidos os produtos de corrosão, as peças em ligas magnéticas não devem retornar para o estojo.
CRITÉRIOS PARA AS INTERVENÇÕES CURATIVAS
Durante todas as etapas de criteriosa desmontagem, foram feitos a etiquetagem, registros fotográficos, desenhos e descrições pelo Laboratório de Conservação de Objetos Metálicos (Lamet) e o escaneamento 3D (Figura 10) por pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ).62
Modelo digital da desmontagem da luneta Bamberg nº 10.783. Digitalização: Ricardo Marroquim e Daniel Coutinho. Renderização em Blender: Vítor Balbio, 2014.
A desmontagem do instrumento levou também àquela que pode ter sido a mais antiga camada pictórica das peças compostas de liga de ferro, necessariamente protegidas do contato com oxigênio. Em algum momento de sua trajetória de uso, a luneta Bamberg nº 10.783 foi repintada em preto, mas o acesso a partes preservadas do instrumento sob placas e encaixes revelou outra cor do feltro no interior dos níveis de bolha: verde, comum à produção industrial do período.
A fixação das peças aparafusadas era feita com impregnação de graxa ou óleo, e há registros em documentos de oficina da periódica lubrificação dos instrumentos.63 Grande parte dos encaixes, parafusos e roscas da luneta nº 10.783 de Bamberg está em perfeito estado de conservação, justamente por terem se mantido protegidos de intempéries e da troca eletrolítica entre si próprios, graças à graxa e à falta de meio condutor de elétrons entre as ligas metálicas que poderiam interagir. O óleo do sistema preservou os encaixes do elevador de inversão.
As 25 partes da luneta e os 5 objetos que foram dela dissociados, guardados separadamente em diferentes momentos de sua trajetória, foram examinados e seu estado de conservação determinado pelos autores.64
Não foi analisado se as partes patinadas são de latão, de bronze ou de bronzeamento em latão, motivo pelo qual todas as ligas douradas estão sendo aqui chamadas genericamente de “ligas de cobre”. O verniz tonalizado era bastante comum quando da fabricação do instrumento, segundo Granato: “várias peças componentes eram envernizadas com verniz transparente ou levemente colorido”.65 No caso desta luneta, a tonalização verde do verniz está preservada em poucas áreas da superfície polida. Encontramos também o verniz amarelecido mais recente, este não original de fábrica.
Enfim, os autores definiram os critérios de diagnóstico que seriam adotados e determinaram suas legendas. Entretanto, tamanha carga simbólica em diversas marcas na luneta nº 10.783 de Bamberg levou a equipe66 a votar por mantê-los e reconsiderar a avaliação prévia, que julgava em mau estado o conjunto do instrumento. Assim, a análise dos dados colhidos no diagnóstico por exame organoléptico, segundo os critérios de avaliação por fim adotados, considerou que 70% da materialidade do instrumento se encontra em condições regulares a boas de conservação, como pode ser visto na Tabela 1.
Os critérios de diagnóstico podem ser matematicamente mensuráveis e classificatórios, mas não determinantes isoladamente nesta metodologia. Optamos por discutir os valores dos danos na luneta nº 10.783 de Bamberg com base em autores mais recentes para que a valoração do objeto caminhe lado a lado com a necessidade de interromper corrosões ativas, garantindo a preservação do máximo possível de danos historicamente relevantes e garantindo condições de retratabilidade às futuras gerações. Não é possível valorar sem negociar. Appelbaum distingue, sem hierarquizar, os valores de raridade, idade, pesquisa, arte e uso, de valores como o estético, o histórico, o associativo, o sentimental, o monetário, ou de um valor educativo, comemorativo ou até de novidade que se sobreponha a outros igualmente considerados. Enfim, a valoração é necessariamente negociada com diversos atores afetados pelo bem patrimonial67 e, portanto, as ponderações devem considerar a missão de cada instituição.
Segundo os preceitos clássicos da restauração, os danos devem ser corrigidos. Entretanto, os rabiscos que arranharam o verniz, identificados na pesquisa, têm uma carga de significado para as memórias da eletroeletrônica no ON. Fica, assim, determinada a coluna manuscrita do elevador de inversão (Mast1993/0132c) como parâmetro dos critérios adotados para diagnóstico neste estudo de caso. Se a coluna manuscrita (Figura 11) é considerada em estado regular de conservação, o tratamento das peças regulares não será quase nenhum.
Parâmetros
Estado de conservação
- Verniz verde translúcido oxidado e menos preservado nas áreas de manipulação.
- Verniz verde translúcido oxidado nas partes que saíram de uso possivelmente antes de 1922: par de peças para Talcott.
- Verniz verde oxidado removido da coluna W por rabiscos executados com instrumento pontiagudo de material desconhecido, que pode ou não ter afetado a superfície do metal.
Hipóteses
- Talvez o registro manuscrito por gravação no verniz tenha sido deixado por um técnico de instrumentação com conhecimentos astronômicos ou um astrônomo com conhecimentos de instrumentação, já que a região manuscrita é acessível apenas por parcial desmontagem e exibe números que podem se relacionar com o ajuste do azimute pelo parafuso da base quando a luneta foi remontada, em alguma das mudanças de pavilhão.
- Limpeza antes da aplicação de cera de proteção com um dos solventes alifáticos com pouco poder de penetração e de retenção.
- O verniz antigo (1905-1907), polar pelo tempo e pelo calor, que acelera o envelhecimento das resinas naturais, suportaria higienização com hidrocarbonetos apolares sem poder de retenção entre o revestimento orgânico e a liga metálica.
Objetivos
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Preservar os resíduos do verniz verde onde este está bem ancorado.
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Fotografar e relatar o resultado dos testes.
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Aguardar análise dos produtos de corrosão localizada ao longo das colunas.
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Aplicar camada protetiva de cera mineral, predominantemente composta de polietileno e microcristalina, para interromper a degradação das colunas, mantendo os vestígios do verniz verde manuscrito. A possibilidade de proteção com cera deve-se somente à preservação da luneta nas condições estudadas para o pilar de mármore, no ambiente expositivo, conforme descrito anteriormente.
A partir da definição desse parâmetro, foram definidos os critérios para conservação curativa nas seguintes regiões da luneta: partes pintadas, partes patinadas e peças do micrômetro simples.
Partes pintadas
Além do número de catalogação (Mast/1993/0132) pintado discretamente em cada uma das partes do instrumento pelo Nudcam/Mast com nanquim branco, foi encontrado um número de patrimônio do ON (ON967) pintado com tinta branca sobre a repintura preta da base fixa da luneta (Figura 12d), diferente dos vários números de inventário encontrados nos documentos históricos, todos diversos entre si.
Sistema giratório de base móvel sobre base fixa. Fotos: Ricardo Dias, 2013.
As ponderações feitas sobre as regiões com provável corrosão ativa referiram-se a todos os esforços possíveis para preservar a aparência da idade que a luneta tem, portanto:
-
não foi acolhida, na equipe multidisciplinar que trabalhou nesta pesquisa, a opção de revestir o ferro desprotegido, mas apenas a de remover as bolhas e os produtos de corrosão ativa, seguida de preenchimento com cera microcristalina para interromper o processo de corrosão localizada;
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os punhos da luneta (Figura 12a), em madeira, não devem ser submetidos à desidratação do microclima, nem o mármore de seu pilar aos vapores ácidos da luneta em vitrine fechada, de modo que a vitrine com frestas de ventilação seria mais apropriada, apesar da parcial proteção;
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a cera mista de polietileno e resina microcristalina testada no Lamet será usada para obturação dos orifícios produzidos pela remoção dos produtos de corrosão alveolar.
As ponderações, neste estudo de caso, inclinadas ao uso apenas de hidrocarbonetos alifáticos de pouca penetração e baixo poder de retenção, bem como à combinação de hidrocarbonetos como pasta protetiva, devem-se à opção da equipe por manter todas as camadas pictóricas das ligas de ferro e todos os resíduos de verniz sobre as ligas de cobre, assim como as peças de reposição e as anotações feitas pelos atores de sua trajetória de uso. A opção por preservar os revestimentos orgânicos de distintas idades e as partes inorgânicas desprotegidas na luneta nº 10.783 de Bamberg conduz à adoção de precauções referentes às superfícies orgânicas e à sua permeabilidade.
Superfícies porosas permitem a ação do solvente por tempo prolongado, caso penetre camadas internas. Logo, a adoção de alguma solução orgânica polar poderia sensibilizar uma das camadas de revestimento que a equipe decidiu preservar. Isso se daria porque os componentes de uma solução não penetram igualmente, ou seja, a fórmula da solução aplicada na interface ar-revestimento não permanece idêntica à proporção de dissolução entre as camadas do revestimento e sob o revestimento, como explica Masschelein-Kleiner:
A adsorção dos solventes se complica pelo fato de que eles contêm mais ou menos substâncias dissolvidas que serão igualmente adsorvidas. Constatou-se, com efeito, que, quando uma solução é posta em contato com um adsorvente, a concentração da solução varia. A adsorbabilidade dos constituintes pode portanto ser diferente, e a composição da camada adsorvida não é necessariamente a mesma que a da solução.68
Quanto à retenção, a autora classifica os solventes orgânicos em: decapantes, médios, móveis e voláteis. Enquanto os decapantes retêm por 24h na primeira fase, e ainda assim resta 10% do solvente retido, os voláteis retêm por até 30 minutos na primeira fase, restando quase nada retido na segunda. Os solventes sugeridos pelos autores são do grupo volátil.69
Os vestígios de verniz tonalizado em verde têm, certamente, mais de um século de idade, sendo ele mais envelhecido e, portanto, com moléculas mais polares. Entretanto, a idade do verniz dourado nas peças do micrômetro não pôde ser estimada, mas este é certamente mais recente, logo menos envelhecido e menos polar. O mesmo se dá com a idade da tinta verde (Figura 12c), de mais de cem anos, e a idade da tinta preta (Figuras 12b e 12d), que não puderam ser estimadas, mas certamente são menos polares porque menos envelhecidas.
A sugestão oferecida pelos autores deste artigo havia sido a de remover com solução orgânica a camada de repintura em preto, deixando aparentes os vestígios da camada original verde, que dialoga com os acessórios e itens de série do fabricante, desta mesma cor. Contudo, a coordenadora do Nudcam, Cláudia Penha dos Santos, entendeu que as repinturas na nova cor documentam um modus operandi do ON em um recorte de tempo que ainda pode ser estimado no futuro. A essas camadas recentes de revestimento também foi atribuído, então, valor histórico e simbólico, de modo que serão preservadas, ficando descartado até mesmo o uso dos solventes fracamente polares. Compostos insaturados, como a aguarrás, não devem ser usados em restauração por serem mais reativos.70 Ademais, solventes com a capacidade de retenção da aguarrás já devem ser descartados no caso da luneta nº 10.783 de Bamberg, em que os vestígios da tinta preta não datada e do verniz dourado mais recente correm o risco de ser inchados durante o período de retenção. Mesmo sem capacidade de dissolver um revestimento fracamente polar, o solvente apolar que penetra bem pode arrastar (lixiviar) as moléculas menores e ainda não reticuladas.
As bolhas devem ser removidas mecanicamente, como descrito adiante, e toda a limpeza das gorduras superficiais deve ser feita com o solvente selecionado e rolamento de swabs, não atritados ou esfregados. Cerca de três horas depois, é possível esfregar bucha de algodão seco a fim de avaliar o bloom71 antes da aplicação da cera. Após aplicar72 a cera microcristalina e antes de lustrar a superfície metálica, é preciso observar se há frestas na cera, o que tornaria a região mais sujeita a pitting do que se nenhum revestimento fosse aplicado. O cuidado e esmero na distribuição uniforme da cera evita o aumento do potencial anódico em alguma pequena região da superfície metálica que permaneça sem o revestimento hidrofóbico.
É necessário lembrar que grande parte da corrosão nas duas bases da luneta nº 10.783 de Bamberg (bases fixa e móvel) é eletroquímica, porque o eletrólito tem sido a umidade do ar. A hidrólise ácida - reação dos metais com os cloretos - corrói, os produtos da corrosão diminuem o pH, e o baixo pH acelera mais ainda a corrosão. Apesar de o filme de corrosão sobre a liga de ferro das bases da luneta não ser apassivador, a redução química (não eletroquímica) não será aplicada porque nenhuma intervenção - além da remoção mecânica das bolhas de corrosão, seguida do preenchimento com cera microcristalina - será feita nos revestimentos neste momento.
É importante destacar que o revestimento deve ser imediato à remoção dos produtos ativos de corrosão e nenhum brilho novo seria bem-vindo à sua aparência, de forma que alguma porcentagem de resina acetinada, fosca ou cera seriam as únicas opções para fazê-lo. Entretanto, Soledad Días Martínez e Emma García Alonso advertem sobre rupturas precoces, mesmo em resinas estáveis, quando estas são sacrificadas regularmente pelas dilatações-contrações da liga metálica submetida ao calor, superando a resiliência das películas protetoras.73 Apesar de não se tratar de exposição direta ao sol, como no caso dos monumentos ao ar livre, o teto metálico do pavilhão da luneta nº 10.783 de Bamberg eleva sobremaneira a temperatura do ambiente nas tardes de verão em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Días Martinez e García Alonso esclarecem ainda, sobre o clima e a poluição do ar, que
Obviamente, as películas protetoras não se manterão inalteradas em uma zona urbana ou industrial com contaminação muito maior por gases e partículas do que em uma área rural ou marinha com alta concentração de íon cloro; tampouco em zonas áridas com abrasão eólica, com pluviometrias elevadas, índice de insolação alto ou com variações drásticas de temperatura, como em zonas de montanha elevadas.74
Neste caso, especificamente, em que a exposição da luneta, dentro do pavilhão, se dará com proteção da vitrine, mesmo com frestas, o revestimento com uma cera de compostos minerais inertes poderá ser adotado.
Seria possível remover apenas os vestígios do verniz dourado mais recente, antes de aplicar um novo revestimento nas peças restauradas, mas é possível que o calor excessivo no pavilhão e a exposição luminosa tenham acelerado a polarização da resina mais recente, ao ponto de se aproximar da região de solubilidade ou de intumescimento da resina que se pretende perpetuar. Além disso, não se pretende buscar um tom imitativo do verde, semelhante ao verniz de Bamberg do período mais antigo. Os revestimentos orgânicos aplicados sobre a superfície inorgânica da luneta foram preservados nesta orientação de restauro.
Os equipamentos utilizados e sugeridos para futuras análises foram descritos na íntegra da pesquisa.75 O objetivo da caracterização é a primeira questão a ser planejada, mas a esta se segue a questão da disponibilidade do recurso de exame, que não foi possível neste momento econômico, mas, de fato, não levaria à remoção dos danos que a equipe julgou necessário preservar.
Com o objetivo de desacelerar o processo de degradação da luneta nº 10.783 de Bamberg, com o mínimo de perda de material e informação, orientamos: que as intervenções mais profundas se limitem à remoção dos produtos de corrosão ativa com bisturi e instrumentos endodônticos, óleo mineral e lupa em LED direta; troca periódica do algodão e remoção periódica do óleo para evitar a abrasão provocada pelos próprios produtos de corrosão suspensos no óleo; limpeza final apenas com rolamento de swabs com nafta solvente ou éter de petróleo nas ligas de cobre polidas, e com tolueno ou xileno nas ligas de ferro pintadas, cujos testes de limpeza foram bem-sucedidos; e aplicação da cera microcristalina em camada bem distribuída, com descanso para volatização de compostos de cerca de dez minutos, seguido de lustre. Os ensaios em laboratório foram realizados com cera mista de polietileno e resina microcristalina, com bom resultado ao toque até 65°C.
É interessante constatar que diferentes tipos de limpeza podem resultar em remoções de camadas de produtos de corrosão diferentes. A título de exemplo, Días Martínez e García Alonso comparam as perdas de matéria metálica em processos distintos: os de corrosão natural geralmente determinam perdas de 1 a 3 µm de espessura por ano; a limpeza com microesferas de vidro, de 2 a 3 µm; a limpeza seletiva com EDTA, de 3 a 7 µm; e a limpeza com abrasivos vegetais ou com água a baixa pressão, de 0 µm.76 Entretanto, avaliam: “É certo que, em contraposição aos tratamentos anteriores, cada vez mais se tende a fazer intervenções menos agressivas, mais seletivas ou a intervir somente o necessário”.77
Neste estudo de caso, a remoção mecânica localizada com bisturi será adotada, como descrito acima, apenas em produtos de corrosão ativa. Días Martinez e García Alonso reconhecem que mesmo um método de remoção a laser resultaria em danos microscópicos colaterais;78 no entanto, mesmo sem acesso a esse equipamento, a remoção por bisturi com os critérios adotados no Lamet apresentou resultado satisfatório em lupa binocular. Cabe ressaltar que aquelas autoras também recomendam a mínima intervenção necessária à desaceleração da corrosão, precedida obrigatoriamente de estudo prévio da documentação relativa ao objeto, e seguida necessariamente de medidas de conservação preventiva de deteriorações evitáveis.79
Destacamos, de nossa parte, que as peças patinadas pelo fabricante Bamberg, independentemente de serem ligas de cobre-zinco ou de cobre-estanho, devem receber atenção especial, como apresentado a seguir.
Partes patinadas
A pátina marrom de fábrica80 apenas no contrapeso do micrômetro e na extremidade do tubo da iluminação é característica deste modelo Bamberg e provável filme passivo de corrosão com função protetiva, devendo ser preservada. Um verniz brilhante, hoje amarelecido, foi aplicado posteriormente na extremidade exposta do tubo, junto do contrapeso do micrômetro, também envernizado, o que será mantido.
O próprio eixo ótico, sua tampa e o contrapeso da lente objetiva apresentam, em sua face externa, esse filme passivo de corrosão marrom ocre fosco em bom estado, sem verniz, que também deve ser preservado. Os procedimentos possíveis nas faces patinadas são: higienização com trincha seca de cerdas longas e macias; e preenchimento local apenas nas perdas de pátina (por arranhão ou abrasão) com cera microcristalina, aplicada com um calcador de Hollemback nº 4 ou nº 6 e um aplicador infantil de endodontia, sem brunir nem lustrar, a fim de não dar brilho ou espalhar a concentração de cera em torno da perda.
Na face interna da tampa, a liga de cobre é polida, sendo uma parte que estabelecia contato com a lente objetiva, também polida de fábrica. Por não fazer par originalmente com essa tampa de Bamberg, a lente objetiva que passou a ser usada no final da década de 1960 era um pouco maior, exigindo que uma distensão em três fendas na tampa favorecesse o encaixe. Por razões conservativas, o Mast mantém a lente fora do tubo, em exposição na reserva técnica visitável. Como essa objetiva é de liga de cobre distinta da tampa original de Bamberg, convém que sejam mantidas, de fato, sem qualquer contato nesta fase de uso museológico da luneta, a fim de que a liga de maior potencial de corrosão não se converta em anodo de sacrifício da liga de menor potencial.
Peças do micrômetro elétrico (Mast/1993/0132e)
Do revestimento catódico das peças do micrômetro, que foi se perdendo em sucessivas abrasões com massa polidora, pouco restou (Figuras 13b, 13c e 13d), e a liga de base em cobre está aparente. No Relatório de atividades da oficina em 1946, assinado por Edgard Souto Rego,81 consta que, com regularidade, eram feitas limpeza, lubrificação e regulagem das meridianas e colocação de retículos nos micrômetros. As graduações da régua do micrômetro (Figura 13a) estão parcialmente perdidas também pelo aplainamento da superfície em sucessivas abrasões com massa polidora, procedimento comumente executado ao longo de tantos anos que os profissionais de instrumentação nem percebiam a gradativa perda de material metálico. Apesar disso, são peças em estados bom e regular de conservação, já que não apresentam sinais de corrosão ativa.
Danos provocados por uso recorrente de massa polidora. Fotos: Ricardo Dias, 2013.
No exame do micrômetro elétrico, foi detectado um verniz amarelecido (Figuras 13c e 13d) que deve ter sido aplicado em alguma fase mais recente de uso do instrumento e pode ser mantido, já que não será aplicado novo revestimento metálico.
Perda do revestimento metálico e resíduos de pasta polidora dentro da rosca e nos cantos da mesa do micrômetro. Danos provocados por uso recorrente de massa polidora. Fotos: Ricardo Dias, 2013.
Roscas externas e internas que apresentam espesso filme de corrosão, algumas submetidas a goteiras, contêm produtos minerais desse processo. Nestas o procedimento deve ser a remoção mecânica dos sedimentos com bisturi, escavador de dentina e óleo mineral, com lupa de pala ou fixa e sob iluminação direta com diodo82 (LED), recolhendo-se o óleo sujo e repondo novo óleo sem detritos.
As partes em bom estado e em estado regular de conservação receberão apenas as seguintes intervenções: limpeza superficial com trincha chata, cerdas longas e fita protetora que evite os riscos e impactos da parte rígida da trincha no objeto; limpeza com rolamento apenas de swabs com algum dos hidrocarbonetos alifáticos de baixa retenção já apresentados; e aplicação da cera mista de polietileno e resina microcristalina.
CRITÉRIOS PARA A CONSERVAÇÃO PREVENTIVA83 NO AMBIENTE EXPOSITIVO
A luneta nº 10.783 de Bamberg não passará pela remoção dos resíduos históricos de proteção orgânica nem dos danos simbólicos que se agregaram à sua rica trajetória de uso. Maiores, então, são os riscos de higroscopia sobre as superfícies metálicas, e maiores são as interações nocivas entre suas partes inorgânicas, seus componentes de celulose vegetal e as resinas minerais, vegetais e animais a eles agregadas. Considerando-se também a necessidade de proteção contra a poeira, a maresia, os vapores ácidos do próprio pavilhão e demais poluentes industriais, é preciso estudar o uso da vitrine com frestas inferiores de ventilação natural e a ventilação do pavilhão. É preciso ter em mente que, se não houver quem troque um escal, não convém escrever um projeto audacioso de vitrine estanque para a conservação de seu objeto.
Houve o tempo de dizer ao restaurador que “menos é mais”. Hoje, lembramos aos profissionais de conservação do patrimônio público que, enquanto os critérios técnicos não balizarem a escolha dos gestores, tirar a poeira regularmente continua a ser procedimento imprescindível. Respeitamos a frustração dos que esperavam, neste caso, uma restauração com intervenções profundas, mas não haverá aquelas impactantes fotografias contrastanto antes e depois. Como escreveu Michalski,
a imprensa adora uma história sobre grandes descobertas ou a dramática restauração de um objeto precioso, e não os resultados suados, ocultos, mas - na minha opinião - mais substanciais devidos à transição da comunidade do patrimônio para a conservação preventiva e a gestão de riscos.84
Entendemos a preservação como:
qualquer ação que se relacione à manutenção física do bem cultural, mas também a qualquer iniciativa que esteja relacionada ao maior conhecimento sobre o mesmo e sobre as melhores condições de como resguardá-lo para as futuras gerações. Inclui, portanto, a documentação, a pesquisa em todas as dimensões, a conservação e a própria restauração, aqui entendida como uma das possíveis ações para a conservação de um bem.85
Assim como Hannesch,86 seguimos a recomendação do documento que norteia a intervenção nos acervos do Mast, isto é, sua Política de Preservação de Acervos Culturais, que privilegia a conservação preventiva, como atividade cientificamente mais complexa e transversalmente abrangente, por costurar uma responsabilidade compartilhada dentro da estrutura administrativa de instituições de memória, a fim de desacelerar o processo de degradação de todo um conjunto de objetos ou até do edifício e de todas as coleções do acervo. A prioridade recomendada pelos autores é buscar uma solução segura para o porão do pavilhão Bamberg. Os alagamentos foram sanados no passado, mas a umidade é de difícil remediação.
Este estudo não considerou justificável o funcionamento da luneta e dos objetos a ela relacionados, já que isso interfere diretamente no seu estado de conservação e pode destruir muitas evidências neles presentes. Entretanto, a disponibilização da luneta, em visitas mediadas, para que visitantes cegos fruam dela por meio de sua manipulação é uma medida que pode ser considerada. É possível, ainda, que a exposição disponha de um modelo didático com as partes principais do objeto, impresso em polietileno 3D, o que atenderia à necessidade de compreensão do instrumento pelo público.87
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A singularidade da coleção de astronomia do Mast exigiu que a ficha de conservação sugerida pelo Projeto Valorização do Patrimônio Científico e Tecnológico Brasileiro recebesse mais campos de preenchimento de informações. Enfim, uma ficha completa e atualizada - como foi apresentada na dissertação produto desta pesquisa88 - garante que se reconheçam no futuro as respostas dos materiais às trocas de acondicionamento, aos deslocamentos para diferentes ambientes e às intervenções do profissional de hoje. A base de dados da conservação dos bens móveis é necessária para acompanhar o envelhecimento dos materiais pelas fotos de alta resolução e para cruzar os dados dos objetos relacionados à luneta.
Quanto à conservação da luneta nº 10.783 de Bamberg, nas condições adversas da exposição no sítio de observação do céu, cerca de 70% das partes avaliadas estavam em situação razoável, tomando-se como parâmetro de diagnóstico o estado em que deve ser mantida a coluna do elevador de inversão, onde constam manuscritos que danificaram o verniz em uma das operações de desmontagem/montagem, os quais serão preservados.
As partes sobre as quais esta pesquisa reuniu dados históricos e medições conclusivas podem ser devolvidas ao objeto, mesmo que não percam a numeração de registro inicial. Entretanto, é parte da pesquisa museológica reunir documentos e indícios de fatos históricos que relacionem os objetos e as partes que não haviam sido identificadas na incorporação do depósito do ON ao Mast.
As partes faltantes, bem como as adaptações no corpo da luneta nº 10.783 de Bamberg, tornaram-se parte da sua trajetória, sendo algumas causadas por muito uso, outras por obsolescência, e outras por impositivos políticos. Os agentes de deterioração que mais acometeram a luneta nº 10.783 de Bamberg nessa sua fase de uso museológico foram: os poluentes; a temperatura e a umidade inadequadas, que provocam força física por vezes mais forte que as forças acidentais; e a luz, com seus raios ultravioleta. Na sua fase de uso primário, é possível afirmar que a água das goteiras e a dissociação foram fortes agentes de deterioração do instrumento. A canibalização da lente objetiva não será apagada da história do ON porque as peças de reposição que a luneta trouxe de sua trajetória são consideradas relevantes documentos.
Recomendamos que essas peças de reposição não sejam dissociadas, mesmo que a lente objetiva nº 10.783 de Bamberg seja devolvida ao Mast. Por razões conservativas, apenas a tampa da objetiva vinha sendo mantida no instrumento in situ, evitando a entrada de poeira. Nenhuma parte de sua trajetória se perde, mas convém que a lente de reposição permaneça em reserva técnica, separada do eixo ótico, a fim de evitar a corrosão galvânica da liga metálica que for menos nobre.
A estrutura cronológica desta pesquisa prestou-se à análise de comportamentos e situações inter-relacionadas no ON - que é a única instituição usuária da luneta meridiana acotovelada nº 10.783 de Bamberg -, o que auxiliou na determinação da carga simbólica dos danos materiais identificados no instrumento, já que estes ocorreram no âmbito dessas relações sociais em que a luneta operou, enriquecendo futuramente sua museografia. Apenas em relação aos danos em que se constatou risco de perda do suporte recomenda-se a remoção dos produtos de corrosão localizada, como descrito.
Esta pesquisa chegou a uma identidade da luneta nº 10.783 de Bamberg, à qual pretendeu ser fiel ao definir procedimentos para o instrumento: preservando o modo como, de fato, a luneta é vista, com a idade que possui, mas sem os riscos iminentes de perda do suporte. Estas recomendações, que se aplicam à conservação de um exemplar histórico de luneta Bamberg em uma cidade tropical, deixam como contribuição a outras coleções científicas uma metodologia de conservação-restauração da materialidade construída a partir da análise conjuntural dos fatos que levaram aos danos e ao processo de degradação de objetos, considerados como documentos de sua própria história.
FONTES IMPRESSAS
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ENTREVISTAS
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» https://bit.ly/33iBAZs - TAVARES, Oliveiros Cardoso; BRANDÃO, Odílio Ferreira. Entrevista com Oliveiros Cardoso Tavares e Odílio Ferreira Brandão no Pavilhão da Luneta Meridiana Bamberg Entrevista concedida ao Serviço de Documentação do Mast. Edição: Mast. Rio de Janeiro: Mast, 7 abr. 1993. (23 min., 25 s.). Filmagem: Durval Costa (44 min., 39 s.). Participam do vídeo Oliveiros Cardoso Tavares, Odílio Ferreira Brandão, Vera Pinheiro, Jusselma Duarte e Cláudia Penha dos Santos.
-
3
Ferreira (2017, p. 31, 39, 77, 95, 100).
-
4
Armando (1959, p. 12-13).
-
5
Cf. Tavares; Brandão (1993).
-
6
Brandão (1999, p. 36, 46, 108).
-
7
Pollak (1989, p. 4).
-
8
Ibid., loc. cit.
-
9
Ibid., p. 5.
-
10
Ferreira, op. cit., p. 27, 94, 112, 113, 115, 130, 131.
-
11
Termo bastante comum em manutenção de equipamentos e instrumentos científicos. Diz-se da remoção de peça de um equipamento para ser instalada em outro, a fim de devolver condição de uso ao segundo.
-
12
Cf. Muñoz-Viñas (2005).
-
13
Id., 2008, p. 24, tradução nossa. No original: “but also future users. And we conservators are speaking for those future users who do not have a voice yet”.
-
14
Cf. Alberti (2005).
-
15
Entendendo a restauração conforme conceituada pela Resolução adotada pelos membros do International Council of Museums (Icom) durante a XV Conferência Trianual, realizada em Nova Delhi, de 22 a 26 de setembro de 2008 (International Council of Museums, 2007, p. 56).
-
16
Cf. Gentil (1996).
-
17
Cf. Scott (1991).
-
18
Cf. Lago (2001).
-
19
Cf. Figueiredo Junior (2012).
-
20
Cf. Granato (2003).
- 21
-
22
Cf. Appelbaum (2009).
- 23
-
24
Cf. Michalski (2011, 2015).
-
25
Cf. Baer; Banks (2001).
-
26
Cf. Granato, op. cit.
-
27
Muñoz-Viñas (2008, p. 21).
-
28
Meneses (2012, p. 35).
-
29
Kopytoff (1986) apud Alberti, op. cit., p. 560.
-
30
Ibid., p. 560, 568-569.
-
31
Appelbaum (2009, p. 88).
-
32
Meneses, op. cit., p. 36.
-
33
Muñoz-Viñas (2010, p. 43).
-
34
Id., 2005.
-
35
Cf. Appelbaum (1987).
-
36
Bamberg (1904, p. 7-8).
-
37
As partes identificadas foram descritas na ficha de catalogação Mast/1993/0132, constituída de quinze folhas e disponível à consulta por agendamento no Núcleo de Documentação e Conservação do Acervo Museológico (Nudcam) do Mast.
-
38
Abertura descrita pelo assistente-chefe Domingos Fernandes da Costa em trecho, transcrito por Morize (1987, p. 171), do relatório de determinação de latitude do Morro do Castelo de 1909. A íntegra desse relatório ainda não foi encontrada no Mast. O arquivo pessoal do cientista Domingos da Costa seria muito útil a esta pesquisa.
-
39
Pátinas artificiais, sejam transparentes ou opacas, não são produzidas por corantes ou pigmento, e sim pela aplicação de soluções químicas sobre o bronze, que reagem com a superfície para formar um filme de corrosão colorido. As receitas e técnicas de patinação em ligas de cobre desenvolvidas em fundições são diversas e devem ser colhidas não apenas em fontes históricas, mas também em registros de memórias e pesquisas de campo.
-
40
Bamberg, op. cit., p. 8.
-
41
Ferreira, op. cit.
-
42
Cf. Ferreira; Granato (2015).
-
43
Punções e matrizes são utensílios que, ao sofrer impacto contra um material, produzem uma concavidade cujo perfil pode ser identificado pelo tato ou pelo contraste entre luz e sombra. Na escrita em braille, a punção impacta o papel de modo a gravar em relevo os pontos para que os cegos leiam com os dedos. Na marcenaria, cada objeto mobiliário fabricado recebe a punção que identifica seu fabricante. No estudo de objetos de ciência e tecnologia históricos, é possível encontrar marcas resultantes de punções com o nome do fabricante, o número de série do exemplar fabricado, ícones que indicam encaixes e marcas referentes ao número do item no lote encomendado. Todas estas são inscrições gravadas nas peças metálicas. Essas punções, via de regra, são confeccionadas em liga metálica mais dura do que a do material a ser gravado.
-
44
O par do Talcott compreende o nível do Talcott e seu contrapeso, necessários à aplicação do método Horrebow-Talcott de observação do céu. Peder [Nielsen] Horrebow [Horrebov] (1679-1764) era dinamarquês e trabalhou na Universidade de Copenhague, em 1703, consertando instrumentos mecânicos e musicais. Tornou-se mestre em 1716 e doutor em 1725. Horrebow inventou uma maneira de determinar a latitude das estrelas observando a diferença entre suas distâncias zenitais. O método ficou esquecido, apesar de seu valor, até que foi resgatado pelo engenheiro americano Andrew Talcott em 1833. Por isso ficou conhecido como método Horrebow-Talcott (Hockey, 2007, p. 526-527) e os acessórios para sua prática são tratados como peças do Talcott.
-
45
Conservação curativa abarca todas as ações aplicadas de maneira direta sobre um bem ou um grupo de bens culturais com o objetivo de deter os processos danosos presentes ou reforçar a sua estrutura. Essas ações somente são realizadas quando os bens se encontram em um estado adiantado de fragilidade ou estão se deteriorando em um ritmo elevado, de tal forma que poderiam se perder em um tempo relativamente curto, e às vezes modificam seu aspecto (International Council of Museums, op. cit., p. 56).
-
46
Brandão, op. cit., p. 169-170.
-
47
A pilha galvânica é a troca eletrolítica que se estabelece no contato entre eletrodos metálicos diferentes. A maresia é um bom condutor, assim como os sais precipitados na água das goteiras do pavilhão sobre a luneta. Nesse caso, o eletrólito é a água.
-
48
Gentil, op. cit., p. 21-22.
-
49
Lago, op. cit., p. 107.
-
50
Disponível em: <https://bit.ly/2FbMnwk. Acesso em: 2 set. 2020>.
-
51
Um processo bastante comum de corrosão intergranular acontece através da fragilização pelo hidrogênio, que, por ser o menor dos átomos, pode penetrar facilmente uma matriz metálica, se inserir nos seus contornos de grão e combinar-se com outros átomos para formar moléculas e gerar tensões residuais no material, tornando-o frágil, com possibilidade de ruptura abaixo da própria tensão de escoamento.
-
52
Gentil, op. cit.
-
53
Ferreira, op. cit.
-
54
Gentil, op. cit.
-
55
O cloreto de hidrogênio é matéria-prima do cloreto de polivinila (PVC). Associado à umidade atmosférica, forma o ácido clorídrico, um forte agente corrosivo (Ibid., p. 53). Essa é a razão por que há um esforço dos conservadores em eliminar o PVC dos materiais de acondicionamento de acervos em reserva técnica, transporte e exposição.
-
56
Ibid., p. 53-57.
-
57
Granato, op. cit., p. 26.
-
58
Gentil, op. cit., p. 222.
-
59
Granato, op. cit., p. 133.
-
60
Figueiredo Junior, op. cit., p. 142.
-
61
Granato, op. cit., p. 166.
-
62
Equipe orientada pelo professor Ricardo Guerra Marroquim no Laboratório de Computação Gráfica do Coppe-UFRJ.
-
63
Cf. Rego (1947).
-
64
Ferreira, op. cit.
-
65
Granato, op. cit., p. 48.
-
66
A equipe multidisciplinar que trabalha na pesquisa e avaliação da luneta compõe-se de dois astrônomos, Tânia Dominici e Jair Barroso Junior, dois técnicos de instrumentação, Ricardo de Oliveira Dias e Carlos do Nascimento, duas museólogas, Cláudia Penha dos Santos e Maria Lúcia Niemeyer Loureiro, além dos autores deste artigo, contribuindo com o ponto de vista da conservação-restauração.
-
67
Appelbaum (2009, p. 88).
-
68
Masschelein-Kleiner (1996, p. 40).
-
69
Ibid., p. 59-60, 143-144.
-
70
Figueiredo Junior, op. cit., p. 63.
-
71
“[…] os agentes de deterioração atuam preferencialmente na superfície das camadas de tinta, especificamente na interface ar-tinta. À medida que a tinta se torna mais polar, a água penetra mais, fazendo com que a deterioração alcance uma maior profundidade, podendo chegar até o suporte. A retenção de vapor de água na superfície dessas camadas de tinta leva ao surgimento de manchas esbranquiçadas (fenômeno conhecido no inglês como Bloom). […] Em muitas situações estas manchas podem ser facilmente removidas pelo atrito com um algodão” (Ibid., p. 97-98).
-
72
A aplicação com escova dental é necessária nas partes texturizadas, sendo o algodão indicado apenas para as superfícies polidas e sem reentrâncias.
-
73
Días Martínez; García Alonso (2009, p. 60-61).
-
74
Ibid., p. 61, tradução nossa. No original: “Obviamente, las películas protectoras no se mantendrán igual en una zona urbana o industrial con una contaminación muy elevada por gases y partículas, que un área rural o marina con alta concentración de ion cloro; tampoco en zonas áridas con abrasiones eólicas, con pluviometrías elevadas, índice de insolación alto o con variaciones drásticas de temperatura, como en zonas de alta montaña”.
-
75
Ferreira, op. cit.
-
76
Días Martínez; García Alonso, op. cit., p. 51.
-
77
Ibid., loc. cit., tradução nossa. No original: “Es cierto que, en contraposición a los tratamientos anteriores, cada vez se tiende con mayor frecuencia a realizar intervenciones menos agresivas, más selectivas o a intervenir únicamente lo necesario”.
-
78
Ibid., p. 53-55.
-
79
Ibid., p. 51.
-
80
Ferreira, op. cit., p. 57, 68.
-
81
Cf. Rego (1947).
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82
“Não há componentes de comprimento de onda da faixa do infravermelho (acima de 780nm) nos LEDs, portanto a luz emitida por eles é ‘fria’. […] A radiação ultravioleta é extremamente danosa. Provoca envelhecimento e outros males à pele. Seu comprimento de onda está abaixo de 380nm. O LED azul fica entre 450nm e 500nm, portanto não há componentes de comprimento de onda na faixa UV” (Marteleto, 2011, p. 62).
-
83
Conservação preventiva compreende todas aquelas medidas e ações que tenham como objetivo evitar ou minimizar futuras deteriorações ou perdas. Elas são realizadas no contexto ou na área circundante ao bem, ou mais frequentemente em um grupo de bens, seja qual for sua época ou condições. Estas medidas e ações são indiretas - não interferem nos materiais e nas estruturas dos bens e não modificam sua aparência (International Council of Museums, op. cit., p. 55). Considera-se ineficaz a conservação curativa sem que haja atuação preventiva quanto à desaceleração do processo de degradação provocado pelo manejo e pelos agentes ambientais.
-
84
Michalski (2015, p. 30, tradução nossa). No original: “the press loves a story about big finds or dramatic restoration of a precious object, not the hard-earned, hidden, but I believe more substantive outcomes due to the heritage community’s shift to preventive conservation and risk management”.
-
85
Pinheiro; Granato (2012, p. 31).
-
86
Hannesch (2013, p. 87).
-
87
A equipe do pesquisador Ricardo Marroquim (Coppe-UFRJ) digitalizou a luneta, parte por parte e em diversos ângulos, para produzir um modelo virtual 3D em alta resolução a ser explorado em terminal de computador e/ou na internet, possibilitando ao visitante conhecer seus componentes e as etapas de sua restauração. Mais informações sobre os produtos tecnológicos do projeto estão disponíveis em: <https://bit.ly/2E2e4XJ> e <https://bit.ly/315wLCw>. Acesso em: 3 jan. 2019.
-
88
Hannesch, op. cit., p. 87.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Out 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
25 Jan 2019 -
Aceito
13 Jul 2020