RESUMO
Este artigo objetiva discutir os fatores extrajurídicos que determinam a repatriação de bens culturais aos seus países de origem, especialmente à luz do caso do canhão El Cristiano. Esse bem, que compõe a cultura material da Guerra do Paraguai (1864-1870), foi capturado como troféu de guerra pelo Exército Brasileiro e trazido do Paraguai ao Brasil, onde integra o acervo do Museu Histórico Nacional. Em 2010 o governo brasileiro deu início ao processo de repatriação de El Cristiano ao Paraguai. Porém, mais de dez anos depois, a devolução ainda não foi concretizada. A partir da análise dos documentos produzidos nesse processo e à luz de teóricos do campo do patrimônio cultural e do direito, sob uma perspectiva interdisciplinar, foi possível identificar que as diferentes imaterialidades que perpassam esse bem material são responsáveis pelo impasse instaurado em torno de sua repatriação. Tais imaterialidades são as memórias, os valores e os discursos que são acionados por retóricas holistas dos dois países e legitimam tanto a reivindicação do El Cristiano como a defesa de sua permanência no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio cultural; Repatriação; El Cristiano; Guerra do Paraguai
ABSTRACT
Focused on the case of the El Cristiano cannon, this paper aims to discuss the extralegal factors that determine the repatriation of cultural properties to their countries of origin. Part of the material culture of the Paraguayan War (1864-1870), the cannon was captured as a war trophy by the Brazilian army and now integrates the collection of the National Historical Museum. Although the Brazilian government started the restitution of El Cristiano to Paraguay in 2010, more than ten years later, such a return was not concluded. From theorists of the Cultural Heritage and Law field, the analysis of documents produced in this process indicated that the impasse in the cannon restitution accounts for different immaterialities permeating this cultural property, such as the memories, values, and discourses triggered by holistic rhetoric of both countries, legitimizing both the claim for El Cristiano in Paraguay and the defense of its permanence in Brazil.
KEYWORDS: Cultural heritage; Repatriation; El Cristiano; Paraguayan war
INTRODUÇÃO
Em março de 2020 comemorou-se a efeméride dos 150 anos do fim da Guerra do Paraguai. Também conhecida como Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra Grande, é considerada o mais longo conflito armado da América do Sul, bem como o que envolveu mais países e fez mais vítimas.3 Entre 1864 e 1870, o Império brasileiro, a Argentina e o Uruguai, formando a Tríplice Aliança, travaram diversas batalhas contra o Paraguai, numa guerra que acarretou intensas consequências para os envolvidos, tornando-se um marco na história dos países do Cone Sul e sendo considerada desde então como fator determinante das relações geopolíticas estabelecidas entre as quatro nações vizinhas.
Na contemporaneidade, uma das questões bastante polêmicas em relação a esse acontecimento histórico refere-se à repatriação, ou restituição, dos bens culturais provenientes da guerra, especialmente aqueles que foram tomados como troféus pelos países envolvidos.
A tomada de bens como troféus após a vitória em uma batalha é uma prática histórica que remonta à Antiguidade, mais especificamente aos gregos e romanos. Quando os vencidos fugiam apressadamente dos campos de batalha, por vezes deixavam armas e outros objetos para trás. Os gregos denominavam como “troféu” o ato de alçar os despojos abandonados pelo inimigo. Esse costume, ao ser adotado pelos romanos, passou a compreender a utilização desses objetos em cerimônias cívicas, em que os troféus faziam parte das comemorações pela vitória conquistada. Após os festejos, eles eram fixados em lugares públicos, principalmente praças, a fim de se tornarem monumentos para rememorar fatos, nomes e triunfos.4
No caso da Guerra do Paraguai, grande parte dos troféus capturados pela Tríplice Aliança após as batalhas correspondia a canhões, armas, bandeiras e estandartes.5 Sabe-se que o Uruguai tomou três bandeiras, vários fuzis, carabinas e espadas, entre outros objetos do arsenal militar paraguaio.6 Objetos similares também foram tomados pela Argentina.7 No caso do Brasil, um balanço contabiliza um total de 328 bocas de fogo, 94 pavilhões nacionais e dezessete estandartes tomados pelo exército brasileiro.8 Porém, outros objetos, alguns de grande valor simbólico, também foram capturados pelo Brasil, como a espada do líder paraguaio, o marechal Francisco Solano López.9
Atualmente muitos desses objetos já não se encontram mais sob propriedade dos países vencedores. O Uruguai, por exemplo, ainda no século XIX, por meio de uma lei especial do congresso nacional, devolveu ao Paraguai, considerada nação-irmã, todos os troféus que haviam sido tomados quando da guerra.10 No caso da Argentina, duas devoluções ganharam repercussão. A primeira delas foi realizada por Juan Domingo Perón, em 1954, no dia da posse de Alfredo Stroessner como novo presidente do Paraguai, quando ambas as nações buscavam reconstruir a confraternidade argentino-paraguaia.11 Em um segundo momento, durante o governo de Cristina Kirchner, em 2014, foi devolvido ao Paraguai um conjunto de móveis (encomendado por Solano López) que havia sido capturado como troféu no porto de Buenos Aires.12
No caso do Brasil, as primeiras devoluções datam da década de 1970 e ocorreram em meio às negociações da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai. Entre 1975 e 1980 diferentes troféus que compunham o acervo do Museu Histórico Nacional (MHN), no Rio de Janeiro, foram devolvidos ao Paraguai. Entre os objetos mais significativos cita-se o chamado Álbum de Ouro, livro que pertenceu a Solano López e que contém assinaturas de mulheres paraguaias que contribuíram com doações para os esforços de guerra, além da espada do Marechal. No período, também foi devolvido ao Paraguai um lote de trezentos documentos que se encontravam na Biblioteca Nacional.13
Atualmente tem ganhado destaque a reivindicação de um troféu que ainda se encontra no Brasil: o canhão El Cristiano. O objeto também faz parte do acervo do MHN e, em 2010, iniciou-se seu processo de repatriação ao Paraguai. No entanto, diferentemente do contexto das primeiras devoluções, tanto o complexo arquitetônico do museu quanto as peças que compõem suas coleções foram tombados em sua totalidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil (Iphan) em 2009.14 Nessa situação, para que pudesse ser repatriado ao Paraguai, o El Cristiano deveria primeiramente passar por um processo de destombamento, ato que caberia ao presidente da república, dado que a legislação brasileira, no Decreto-Lei nº 3.866,15 atribui apenas a ele o poder de rever um ato de tombamento.
Para além da problemática do destombamento, que depende de uma decisão do presidente da República do Brasil, não há outro impedimento legal para a repatriação do El Cristiano. Frente a isso, buscou-se conhecer que outras questões estariam interferindo especificamente na resolução do caso. Este artigo busca evidenciar as imaterialidades, intencionalidades, interesses e objetivos por parte de cada um dos lados interessados pelo canhão, além de mostrar como ocorre esse movimento e quais são suas implicações. A partir disso, propõe-se uma reflexão sobre as lutas de poder nas quais a cultura material está envolvida, especialmente quando se trata da repatriação de bens culturais, e sobre como elas são determinantes para a possível devolução, ou não, de um bem para seu país de origem.
REPATRIAÇÃO DE BENS CULTURAIS NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Segundo O’Keefe,16 “repatriação” é um termo majoritariamente utilizado pelos profissionais que trabalham com o patrimônio cultural para tratar da transferência de bens culturais entre países, visto que, no âmbito do direito, utiliza-se mais frequentemente o termo “restituição” ou até mesmo “retorno”. A repatriação compreende um contexto de demanda (manifestado por meio de uma reivindicação) e devolução, pode ser baseada em questões morais ou legais e não é limitada temporalmente. Além disso, a repatriação abrange tanto devoluções entre Estados como aquelas internas de um mesmo Estado,17 além de se caracterizar pelo valor do patrimônio cultural para seu território de origem.18
A emergência das discussões acerca da repatriação de bens culturais localiza-se temporalmente entre as décadas finais do século XX e o início do XXI. O tema passou a ser pauta em nível internacional especialmente após a Segunda Guerra Mundial, evento histórico em que o saque e a pilhagem de bens culturais ocorreram de maneira sistemática e metódica, numa dimensão nunca vista até então.19 Diante de tal acontecimento, e de maneira a assegurar a proteção do patrimônio cultural, de forma que situações como aquelas pudessem ser evitadas, fundou-se em 1945 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja atuação tem como marcos significativos a criação da Convenção Voltada à Ampla Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, mais conhecida como Convenção de Haia de 1954, e também da Convenção Relativa às Medidas a Serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transferência de Propriedades Ilícitas dos Bens Culturais, de 1970. Destaca-se ainda a Convenção sobre Bens Culturais Roubados ou Ilicitamente Exportados, criada pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit), em 1995. Além das convenções citadas, a Unesco criou em 1978 o Comitê Intergovernamental para a Promoção do Retorno dos Bens Culturais aos seus Países de Origem ou sua Restituição em caso de Apropriação Ilícita, que tem atuado desde então na mediação de reivindicações de bens culturais entre Estados-Nações.
Outro aspecto importante quanto ao contexto em que as discussões sobre a repatriação de bens culturais ganharam força foi o processo de descolonização das possessões até então pertencentes às grandes potências imperiais, especialmente na Ásia, África e Caribe, que conquistaram suas independências no decorrer do século XX.20 Durante os anos de colonização e dominação, muitos foram os objetos retirados dos territórios das então colônias e levados para a Europa para compor coleções e exposições de grandes museus. Com o processo de descolonização, os povos das novas nações independentes almejaram retomar o patrimônio cultural que fora retirado de seus territórios. Essa é uma vontade que decorre principalmente do processo de reconstrução e renovação das práticas e valores culturais tradicionais dos mais diversos grupos e povos outrora dominados.21
A emergência das discussões sobre a repatriação de bens culturais se insere também em um contexto em que, como afirma Huyssen,22 há um deslocamento na experiência temporal e na sensibilidade do tempo, de modo que hoje a memória se tornou uma das maiores preocupações culturais e políticas do mundo ocidental. Pode-se dizer que se vive uma crise da memória cujas dimensões podem ser definidas como: epistemológica (que se refere à noção de passado e às relações estabelecidas com ele); técnica (que diz respeito ao progressivo processo de externalização da memória); existencial (referente às práticas sociais, às funções e à eficácia da memória na atualidade); política (relacionada às pressões de amnésia vigentes na sociedade); e socioeconômica (que concerne ao impacto da sociedade e da economia da informação no campo da memória).23
Segundo Nora,24 há tanta preocupação em se falar sobre a memória na contemporaneidade porque atualmente ela não mais existe. Como resultado, emerge nos indivíduos a necessidade de encontrar locais em que possam revigorar tais memórias, em que o sentimento de continuidade do tempo exista. Isso ocorre porque o distanciamento temporal entre um acontecimento do passado e o presente faz com que o primeiro seja, aos poucos, esquecido pelos indivíduos, o que não ocorre quando há lugares que provocam essas lembranças. Assim, os lugares de memória são testemunhos definidos por aspectos materiais, simbólicos e funcionais, que coexistem de forma a desempenhar sua função principal: impedir o esquecimento e materializar o imaterial.25
A partir dessas proposições de Nora26 pode-se entender os bens culturais, cuja repatriação é cada vez mais reivindicada, enquanto lugares de memória. Essa busca pela devolução de diferentes bens parece advir da necessidade de os grupos bloquearem a força do tempo sobre o esquecimento, especialmente por não mais (re)viverem suas memórias cotidianamente. Por conta disso, emerge a urgência em se recuperar os lugares onde as memórias possam ser reavivadas. O problema, no entanto, é que muitos desses lugares de memória foram retirados e tomados de seus grupos de origem e hoje localizam-se em outros territórios.
A repatriação na atualidade é definida por Merryman27 a partir de duas concepções opostas sobre a propriedade dos bens culturais: o internacionalismo cultural e o nacionalismo cultural. No primeiro caso, os bens culturais são entendidos enquanto partes de uma cultura humana comum, enquanto componentes do patrimônio cultural da humanidade. Nesse sentido, não importaria seu país de origem ou sua localização, pois o bem cultural é considerado patrimônio de “todos”. Além disso, seria de interesse e de responsabilidade de todos garantir sua proteção e salvaguarda. Por outro lado, o nacionalismo cultural defende a ideia de que os bens culturais compõem patrimônios culturais nacionais. Essa visão implica na atribuição de um caráter nacional a esses bens, o que legitimaria tanto seu controle quanto as reivindicações e os pedidos de repatriação daqueles bens que se encontram fora de seus territórios de origem. Em decorrência dessa perspectiva, o mundo se dividiria entre os denominados “países de origem” e os “países de mercado”.28
É preciso destacar, porém, que tanto a ideia do nacionalismo cultural quanto a do internacionalismo cultural não podem ser consideradas neutras. Em ambas podem ser identificados interesses e objetivos específicos que se fundamentam em concepções de mundo diferentes, atravessados ainda por questões de ordem econômica e política. Como afirma Cuno,29 no que se refere à questão da repatriação de bens culturais, a visão que se tem sobre eles (seus, meus, nossos) é, antes de tudo, uma construção política: qualquer país ou grupo que afirme possuir a legítima propriedade sobre algum bem o faz porque os bens culturais têm um significado “especial” para quem os reivindica. Porém, ressalta-se que o mesmo vale para aqueles que buscam se defender dessas reivindicações.
No entanto, segundo Gay,30 a Unesco entende que a repatriação objetiva garantir a devolução ao país de origem dos objetos e documentos que se caracterizem como testemunhos essenciais para que os povos possam compreender suas raízes e suas culturas. Assim, a Unesco defende a repatriação de bens culturais específicos, de valores e significados fundamentais, os “tesouros” (de importância histórica, artística, cultural e/ou religiosa) mais representativos de uma cultura, aqueles cuja separação é dolorosa e incômoda. Tal discurso vai na contramão daqueles que acreditam que há a defesa de uma política de repatriação total, vista como uma ameaça às grandes instituições, especialmente às museológicas.
A GUERRA DO PARAGUAI E A TOMADA DO EL CRISTIANO COMO TROFÉU
De acordo com Whigham,31 as origens e as causas da Guerra do Paraguai são variadas. Algumas se referem especificamente ao contexto político, social e econômico da década de 1860. Outras, por sua vez, remontam ao período colonial da região e às questões que surgiram a partir da independência das antigas colônias e da consolidação dos novos Estados-nacionais durante o século XIX. Quanto a este contexto específico, uma das causas do conflito foi o litígio de fronteiras entre os referidos países, problema que existia desde o domínio das coroas espanhola e portuguesa, que divergiam quanto aos limites de suas possessões. Mesmo com o advento da independência, a questão da divisão territorial continuou sendo um problema entre os novos Estados e dificultava o estabelecimento de boas relações internacionais entre os vizinhos. No entanto, outros fatores foram também importantes para a eclosão da Guerra, como a busca pela livre navegação na bacia do Rio da Prata, que era o único acesso ao mar para o Paraguai; era também via de trânsito e comunicação com o interior do Império brasileiro e ponto estratégico para o comércio dos portos de Buenos Aires, na Argentina, e Montevidéu, no Uruguai. Outro fator desencadeante dos conflitos refere-se às diferentes mobilizações e alianças políticas feitas entre facções e governos daquele contexto. O Império brasileiro e a Argentina eram consideradas as principais potências da região. Uruguai e Paraguai, por sua vez, tinham o que Toral32 denominou de “política pendular”, termo utilizado para definir as aproximações feitas com um ou outro país (Brasil ou Argentina) de acordo com os interesses nacionais.
Segundo a historiografia,33 foi justamente a política interna uruguaia que deu início às hostilidades que levaram à Guerra. Em 1864, a recusa por parte do presidente da facção política dos blancos, aliados do governo paraguaio, em atender exigências brasileiras que buscavam garantir direitos, especificamente a estancieiros gaúchos, fez com que, em setembro daquele ano, tropas brasileiras adentrassem o território uruguaio objetivando a deposição do então governante, num acordo de cooperação militar com o líder colorado34 Venâncio Flores. Contrário a tal atitude e em apoio aos aliados blancos, Francisco Solano López, líder paraguaio à época, invadiu a província de Mato Grosso e declarou guerra ao Brasil. No ano seguinte, ao pedir permissão para atravessar o território argentino para atacar o Rio Grande do Sul e o Uruguai, López recebeu uma resposta negativa do Presidente Argentino Bartolomé Mitre, o que resultou na declaração de guerra também contra a Argentina e na posterior invasão da província de Corrientes em abril de 1865.35 Essa é considerada a primeira fase da Guerra, caracterizada pelas ofensivas paraguaias a tais territórios. No entanto, tais invasões foram contidas e obrigaram o exército paraguaio a recuar e defender a fronteira sul do país, principal front do conflito.36
Com a ascensão dos colorados no Uruguai, López foi encurralado por seus três vizinhos. A invasão de Corrientes facilitou uma aliança entre Brasil e Argentina, que, apesar de antigos rivais, entenderam que naquela conjuntura era necessário exercer uma “hegemonia compartilhada” tendo em vista a defesa de seus interesses e a ameaça que López representava a ambos.37 Juntos, Mitre, Dom Pedro II e Flores realizaram uma aliança político-militar que culminou no Tratado da Tríplice Aliança, assinado em 1º de maio de 1865.38 O ano de 1866, por sua vez, é considerado o início da segunda fase da Guerra, caracterizada pelas principais batalhas do conflito (como Tuiuti, Curupaiti e a campanha da Dezembrada), cujo fim tem como marco a ocupação de Assunção pelos aliados em 1869.39 No entanto, tal acontecimento não significou o fim do conflito propriamente. É nesse momento que se inicia a terceira fase da Guerra, momento em que Solano López passou a se refugiar da perseguição das tropas brasileiras cada vez mais no interior do Paraguai. Data desse período a última grande batalha do conflito, conhecida como Campo Grande ou Acosta Ñu, ocorrida em 16 de agosto de 1869. O fim da Guerra, porém, deu-se somente meses mais tarde, mais especificamente em 1º de março de 1870, quando López foi encurralado e morto em Cerro Corá.40
Na visão de Whigham,41 a Guerra do Paraguai significou a entrada na modernidade das quatro nações envolvidas no conflito. No entanto, mesmo 150 anos após o seu fim, os significados sobre o mesmo divergem e as ressignificações são contínuas. Daí a importância de conhecer e pensar tal evento a partir de suas diferentes perspectivas e sujeitos. Entre os autores que seguem essa tendência, pode-se citar Borges e Peraro,42 Telesca,43 Capdevila,44 Squinelo,45 Rodrigues e Pedrosa,46 Salles47 e Potthast.48
Quanto à história do canhão El Cristiano na Guerra, para conhecer os acontecimentos que culminaram em sua captura como troféu, deve-se partir de um determinado ponto do conflito: a Batalha de Curupaiti, que ocorreu no período que ficou conhecido como fase defensiva da guerra.49 Esse confronto ocorreu após a Batalha de Tuiuti (24 de maio de 1866), que, por sua vez, foi resultado de um ataque surpresa do exército paraguaio contra os aliados. O fator surpresa da maior batalha travada até então no continente sul-americano não foi suficiente para garantir a vitória paraguaia e a investida fez com que os atacantes sofressem baixas significativas. Pelas dimensões do combate, o que se seguiu após Tuiuti foi uma paralisação nas operações militares dos aliados contra o inimigo, o que possibilitou uma reorganização das tropas e a consolidação de obras de fortificação por ambos os lados. Segundo Doratioto,50 esse período do conflito passou a ter como característica uma “guerra de posições” e um dos acontecimentos que o marcaram foi a Batalha de Curupaiti. A ocupação do Forte de Curupaiti, no rio Paraguai, era vista pela Tríplice Aliança como uma operação necessária para o andamento da Guerra e para a execução de operações militares futuras. O ataque ao local ocorreu em 22 de setembro de 1866, porém, o confronto ficou conhecido como a maior derrota sofrida pelos aliados durante o conflito. O desconhecimento das posições e das trincheiras paraguaias, o terreno lamacento, o desencontro de informações e a falta de liderança por parte dos comandantes aliados teriam influenciado diretamente no resultado favorável ao exército paraguaio.51
Após a derrota na Batalha de Curupaiti, o exército da Tríplice Aliança precisou passar por uma reorganização das tropas, na medida em que os soldados se encontravam desmoralizados, doentes (devido a uma epidemia de cólera) e em péssimas condições de higiene e alimentação. Por conta disso, entre outubro de 1866 e julho de 1867, nenhuma grande e decisiva operação militar foi realizada por ambos os lados e o período, segundo Doratioto,52 ficou caracterizado por uma imobilidade: os recursos que possuíam possibilitavam apenas a defesa das posições conquistadas e não a execução de operações ofensivas. O responsável pela reorganização do exército aliado foi Luís Alves de Lima e Silva - o futuro Duque de Caxias, à época, Marechal. Novas tecnologias de guerra foram empregadas, mantimentos para os homens e animais foram adquiridos, os soldados foram treinados e as tropas foram reforçadas. Paralelamente, Caxias planejava os próximos passos da Tríplice Aliança, com o objetivo de conquistar um dos principais pontos de defesa paraguaio: a Fortaleza de Humaitá.53
Ao atingir um nível razoável de luta, iniciaram-se as movimentações em direção ao local. Em 2 de novembro de 1867, houve a tomada da posição paraguaia de Tahí, às margens do rio Paraguai, acontecimento que resultou no isolamento terrestre de Humaitá do restante do país. O ano de 1868, por sua vez, foi decisivo. Em 19 de fevereiro a esquadra da marinha brasileira cercou o local por vias fluviais. O completo bloqueio da Fortaleza fez com que, em meados de julho, os recursos estivessem praticamente escassos, o que dificultava a manutenção da posição pelos paraguaios. Em decorrência disso, Solano López ordenou que Humaitá fosse evacuada, o que resultou, no dia 25 daquele mês, na ocupação do local pelo exército aliado.54 É nesse contexto que houve a tomada do El Cristiano, que integrava uma das baterias da Fortaleza de Humaitá. Os canhões que compunham a força de defesa desse espaço foram divididos entre os aliados e o El Cristiano, especificamente, foi levado ao Brasil como troféu de guerra.
O CANHÃO EL CRISTIANO E AS IMATERIALIDADES DO MATERIAL
A repatriação do canhão El Cristiano insere-se no debate internacional contemporâneo e, assim como muitos outros casos, ainda permanece sem uma solução concreta. Ao lado do El Cristiano, casos como o dos Mármores do Partenon, que estão em disputa entre a Inglaterra e a Grécia, e o da Pedra de Roseta, entre Inglaterra e Egito, tornaram-se mundialmente famosos pelo fato de estarem há mais de 20 anos em contestação entre as partes envolvidas. No entanto, no que se refere a casos como esses, as discussões até então desenvolvidas debruçaram-se majoritariamente sobre os aspectos legais que os caracterizam. Já no caso da repatriação do El Cristiano, aparentemente são os fatores extrajurídicos que estariam influenciando na resolução do impasse em torno do canhão.
Tal impasse instaurou-se especialmente pelo fato de o Brasil não ter obrigação legal de repatriar o canhão ao Paraguai, na medida em que a Convenção de Haia de 1899, primeiro documento jurídico a proibir a prática de pilhagem, foi ratificada 29 anos após o fim da Guerra do Paraguai.55 Além disso, mesmo que as ações de tomada do El Cristiano tivessem sido anteriores a essa convenção, destaca-se que o Brasil não foi signatário dela, o que implica em dizer que a retirada do canhão do território paraguaio não teria violado qualquer norma do direito internacional à época. Além disso, mesmo que Brasil e Paraguai sejam signatários da Convenção de Haia de 1954, da Convenção da Unesco de 1970 e da Convenção do Unidroit de 1995, essas convenções têm como característica a não retroatividade. Ou seja, pelo fato de a Guerra do Paraguai ter sido um acontecimento anterior à criação e à ratificação de tais documentos, o Paraguai não pode se basear juridicamente em suas tratativas na tentativa de reivindicar e exigir que o Brasil devolva o El Cristiano.
Porém, apesar de o Brasil não possuir obrigação jurídica de devolver o canhão ao Paraguai, tal fato não impediria que o país decidisse concretizar sua devolução. Assim, ressalta-se que os fatores jurídicos em torno desse caso não são primordialmente o que impede o canhão de retornar a seu país de origem. Tal questão pode ser vislumbrada a partir da análise dos discursos e narrativas mobilizadas tanto por aqueles que reivindicam a repatriação do El Cristiano quanto por aqueles que defendem sua permanência no Brasil.
Para conhecer as manifestações do lado paraguaio acerca da possibilidade de devolução do canhão, um caminho possível é analisar uma fala proferida em uma entrevista dada pelo então ex-presidente do Paraguai, Federico Franco, no ano de 2017: para ele, o Brasil possui “[...] lamentavelmente, injustamente, inacreditavelmente e odiosamente nosso Canhão Cristiano”; e, em sua opinião, “nosso Canhão Cristiano que foi construído com as campanhas [sic] das igrejas [...] foi levado e exposto como troféu de guerra no Rio de Janeiro, e isso não é justo”.56 Além da fala de Franco, é interessante analisar um trecho de uma entrevista concedida por Miguel Solano López, bisneto de Francisco Solano López, em 2014, na qual declara que: “[para haver paz] falta entregar o canhão cristão, que, dos troféus de guerra, é o mais caro aos paraguaios. Quando isso ocorrer, não tenho dúvidas de que as cicatrizes do Paraguai se cicatrizarão”.57
A partir da análise das duas falas, é possível identificar um cunho político em torno do discurso que defende a devolução do El Cristiano. O fato de ambos citarem o canhão enquanto um troféu de guerra tomado pelo Brasil, país vencedor do conflito juntamente com a Tríplice Aliança, é uma forma de uso político da memória na contemporaneidade, como destaca Huyssen.58 As palavras utilizadas em referência à presença do canhão no território do inimigo que é tido como o responsável pela Guerra (“lamentavelmente, injustamente, inacreditavelmente e odiosamente”), bem como o fato de o El Cristiano ser considerado o troféu “mais caro aos paraguaios”, concomitantemente situam o Brasil em uma posição de vilão e são exemplos das manipulações políticas da memória coletiva que ocorrem em torno do canhão.
Em ambos os casos, Franco e López falam em nome da nação paraguaia e acionam o sentido de coletividade desse grupo. Um deles já foi o chefe do poder executivo do país e o outro é reconhecido por seus laços familiares com um dos principais líderes da história do Paraguai, Francisco Solano López, que governou o Paraguai durante a Guerra da Tríplice Aliança. É relevante o modo como Franco relaciona a nação paraguaia ao El Cristiano - ele é “nosso” canhão, pertence à nação paraguaia, e por isso deveria ser repatriado. Outro trecho interessante pode ser percebido na fala de López quando afirma que, se o canhão for devolvido ao Paraguai, as feridas abertas nos paraguaios seriam cicatrizadas. Pode-se dizer que essas falas individuais têm sido atribuídas aos paraguaios de maneira geral, questão estreitamente relacionada à definição de memória coletiva segundo Candau:59 trata-se de um discurso, produzido por determinados membros de um grupo social, que aparentemente seria compartilhado por todos.
Segundo Candau,60 numa perspectiva antropológica a memória pode ser dividida entre a protomemória, que se refere às cadeias operatórias inscritas na linguagem gestual e verbal dos indivíduos; a memória propriamente dita, que está relacionada ao ato de recordar ou reconhecer, bem como de esquecer; e a metamemória, considerada “a representação que cada indivíduo faz de sua própria memória, o conhecimento que tem dela, e de outro, o que diz dela, dimensões que remetem ao ‘modo de afiliação de um indivíduo a seu passado e igualmente, [...], a construção explícita da identidade”.61
A metamemória a que Candau62 se refere é a que especialmente interessa neste caso, pois, quando se trata de grupos e sociedades, essa memória evocativa pode ser pretendida e refletida na expressão “memória coletiva”.
Em sua acepção corrente, a expressão “memória coletiva” é uma representação, uma forma de metamemória, quer dizer, um enunciado que membros de um grupo vão produzir a respeito de uma memória supostamente comum a todos os membros desse grupo. Essa metamemória supostamente não tem o mesmo estatuto que a metamemória individual: nesse caso é um enunciado relativo a uma denominação [...] e descrição de um compartilhamento hipotético de lembranças.63
Nesse sentido, como a metamemória é um dos aspectos que legitimam a existência dos patrimônios culturais e dos bens culturais que os compõem, ela também se constitui em um fator importante para a compreensão das disputas e reivindicações que se dão em torno dos bens, como no caso do El Cristiano. Tendo em vista que a metamemória pode ser acionada para fins políticos, como destaca Huyssen,64 é relevante conhecer quais memórias ditas coletivas estão sendo mobilizadas em torno do canhão e, especialmente, por quem e em nome de que coletividade.
É interessante conhecer os discursos que relacionam o El Cristiano à nação paraguaia por sujeitos como Franco e López e compará-los à relação que a população daquele país estabelece com outros canhões que também foram forjados a partir de sinos de igrejas especialmente para a Guerra do Paraguai. É o caso, por exemplo, do canhão Criollo. Capturado pelo exército argentino durante o conflito, o canhão quase foi derretido em 1910 para se utilizar seu bronze como matéria-prima na construção de um monumento dedicado ao general San Martín, líder da independência da Argentina. O Criollo foi devolvido ao Paraguai apenas em 1954, no governo de Juan Domingo Perón, juntamente com outros troféus que a Argentina possuía até então.65 Atualmente o canhão está localizado na praça em frente ao Congresso Nacional paraguaio e, especialmente nos últimos anos, diferentes denúncias foram feitas sobre a forma com que o Criollo tem sido tratado.
Em 2018, uma enchente elevou o nível das águas do Rio Paraguai e milhares de famílias que vivem em Assunção tiveram que buscar abrigo, sendo que a região em torno do Congresso Nacional foi um dos pontos escolhidos pelas pessoas. Esse acontecimento recebe destaque pois o canhão, que está localizado na Plaza de Armas, acabou ficando em meio a um banheiro improvisado e uma churrasqueira montados pelos acampados.66 Porém, essa não foi apenas uma questão pontual. Em entrevista a um jornal paraguaio sobre o descuido do patrimônio cultural por parte do governo municipal de Assunção, o historiador Fabián Chamorro comentou que já chegou a limpar, por conta própria, uma pichação feita no canhão Criollo. Além disso, afirmou que apesar de parecer adequado o canhão estar localizado em frente ao Congresso Nacional, ninguém se importa com ele, e cita que inclusive se retira lixo de dentro dele.67
Dentre as memórias “coletivas” acionadas especificamente em torno do El Cristiano, pode-se dizer que a principal delas trata do acontecimento da fundição do canhão. O material utilizado na produção da peça, o bronze, teve como proveniência sinos de igrejas paraguaias, assim como ocorreu com o canhão Criollo, fato que não é lembrado pelas pessoas que reivindicam a volta do El Cristiano. O El Semanario, um periódico paraguaio à época da Guerra relata o seguinte:
As igrejas da República fizeram uma oferenda ao Chefe Supremo para a defesa nacional. Os sinos de suas torres foram oferecidos e retirados com a maior alegria, para que em nome dos direitos violados da Igreja paraguaia, sejam fundados canhões que aumentem os elementos de resistência e façam seus terríveis ecos serem ouvidos nos campos de batalha.68
O derretimento de sinos, um objeto de cunho religioso, para sua transformação em armas partiu da necessidade existente à época de matéria-prima para a elaboração de material bélico na guerra. Como o Paraguai é um país cuja única saída para o mar é o Rio da Prata e que o mesmo durante a Guerra era controlado pelo exército aliado, o país não conseguia comercializar os materiais que necessitava para manter sua posição no conflito.69 Nesse sentido, a alternativa encontrada foi utilizar os recursos já existentes no país e, os sinos, nesse caso, foram entregues até mesmo de bom grado em nome da defesa nacional.
Apesar de tal feito ter sido realizado com a “maior alegria”, é preciso ter em vista que o acontecimento pode ser entendido como um símbolo da perseverança, da dedicação e de certa forma dos sacrifícios que tiveram que ser feitos pela nação paraguaia durante a Guerra. Aqui, entende-se por nação as comunidades políticas imaginadas de Benedict Anderson.70 O esforço de construção do que veio a ser a nação moderna a partir dos séculos XVIII e XIX perpassou questões como: a organização de um passado e o estabelecimento de regimes de temporalidade; a formulação de uma representação coletiva e comum, questão diretamente relacionada à identidade de um grupo; a definição de uma língua e símbolos partilhados pelos sujeitos; e, por fim, um trabalho de compilação da memória-nacional, que recorre a histórias previamente selecionadas. Como a nação é uma comunidade imaginada, ela pode ser modelada, adaptada e transformada. Um dos elementos utilizados nesse processo é o patrimônio, entendido como o suporte que materializa a memória nacional e ao mesmo tempo a legitima. Nesse sentido, as comunidades imaginadas utilizam o passado (por meio dos monumentos, dos bens culturais etc.) para organizar a nação no presente tendo em vista o futuro.71
Assim, considerando a memória dita coletiva acionada pelo lado paraguaio em relação ao El Cristiano, as questões de ordem nacional nela incluídas e alguns dos principais atores que mobilizam essa memória, é possível compreender melhor a posição defendida por estes sobre a repatriação do canhão ao país. O canhão é reivindicado como símbolo da força paraguaia mobilizada durante a Guerra e sua devolução ao país de origem é defendida como uma das formas de cicatrizar as feridas abertas no povo paraguaio. É preciso destacar que mesmo que o El Cristiano tenha feito parte de um contexto histórico de 150 anos atrás, ele é referido por indivíduos influentes nacionalmente como “nosso” canhão, discurso que mobiliza a população paraguaia contemporânea a estabelecer relações e conexões com esse objeto. Isso transforma o canhão em um lugar de memória, segundo o conceito proposto por Nora,72 o que justificaria e legitimaria sua repatriação para o Paraguai.
A partir das questões propostas por Anderson,73pode-se dizer que esses indivíduos selecionaram um determinado acontecimento histórico - a fundição do canhão e os esforços de guerra em torno dele; transformaram o canhão em um símbolo para a nação; e, na atualidade, mobilizam um determinado discurso em torno do El Cristiano pois este é o suporte que materializa a perseverança, a dedicação e os sacrifícios impostos aos paraguaios durante a Guerra. Um conflito, aliás, que deixou uma marca historicamente profunda nesse povo. Ao mesmo tempo, pelo fato de o canhão estar no território do “inimigo”, por compor o acervo de um museu de uma outra nação - apesar de não estar exposto como um troféu de guerra -, e por tudo que simboliza, as feridas que a guerra deixou na população e na nação paraguaia como um todo se tornariam ainda mais dolorosas. É preciso destacar que, mesmo que o canhão seja um bem material, essa mesma materialidade revela as diferentes imaterialidades que o perpassam.
A constatação de tais imaterialidades perpassando um bem material como o canhão vai ao encontro das discussões propostas por Appadurai74 quando afirma que os significados de uma coisa estão inscritos em sua forma, em seus usos e em sua trajetória social. É através da análise desses aspectos em um determinado objeto que é possível identificar a valoração que lhe confere vida, especialmente na análise de sua trajetória, que revela o contexto humano e social pelo qual circulou e os diferentes regimes de valor que lhe foram atribuídos em diferentes tempos e espaços.
Além do mais, ainda conforme o argumento de que a materialidade se constitui por diferentes imaterialidades, Ingold75 afirma que o mundo não é composto por objetos, mas sim por coisas. Enquanto um objeto é considerado um fato consumado, a coisa é entendida como um “acontecer” ou um “lugar onde vários aconteceres se entrelaçam”.76 Para o autor, todos que vivem tecem um fio através do mundo e as coisas podem ser compreendidas enquanto nós cujos fios deixam rastros e são capturados “por outros fios noutros nós”.77 Assim, as coisas são trazidas à vida por meio da conectividade que estabelecem entre si - vida, aliás, que é inerente às circulações materiais. Nesse sentido, é seguindo essas imaterialidades que se descobre a vida das coisas.
De volta ao problema em questão: se o El Cristiano não foi o único canhão a ser fundido com o bronze de sinos de igreja, o que o difere dos demais também capturados como troféus de guerra e já devolvidos? Haveria outro nó nesse fio? Apesar do discurso atribuído a ele e do reforço do simbolismo em torno do canhão, o fato de ter sido produzido a partir dos sinos das igrejas paraguaias pode não ser a razão primária que motiva os pedidos de repatriação do El Cristiano. O outro nó que lhe dá vida enquanto coisa pode estar relacionado à forma como o canhão foi trazido ao Brasil: enquanto troféu de guerra. Por essa narrativa evidenciar o discurso dos vencedores sobre os vencidos, especialmente tendo em vista o que a Guerra significou para o Paraguai, o que parece motivar os pedidos de repatriação do El Cristiano seria a vontade de retirar do Brasil todos os testemunhos da derrota paraguaia no conflito, questão que remonta aos usos políticos da memória identificados nas falas de Franco e López. A partir dessa hipótese, o fato de o canhão ter sido forjado a partir do bronze dos sinos seria uma questão secundária, um discurso que objetivaria comover e suscitar a compaixão para com a nação paraguaia.
Seguindo a trajetória do El Cristiano e objetivando conhecer o que lhe dá vida enquanto coisa, a análise segue para conhecer a perspectiva dos brasileiros. O primeiro grupo social que encarou o canhão enquanto um símbolo de grande significado foi o Exército Brasileiro, questão que está diretamente relacionada ao contexto de tomada do El Cristiano após a conquista da Fortaleza de Humaitá em 1868, acontecimento decisivo para o decorrer da Guerra do Paraguai.
Foi devido a essa importante vitória que o canhão passou a ter um grande significado para o Exército Brasileiro. Isso pode ser vislumbrado, por exemplo, em um documento produzido pela instituição à época da abertura do processo de repatriação do canhão ao Paraguai em 2010. O documento em questão foi produzido pelo vice-chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx) para o chefe do gabinete do comandante do Exército em 20 de abril de 2010, e tinha como objetivo informar algumas considerações sobre a possível devolução do El Cristiano ao Paraguai.
Destaca-se nesse documento, primeiramente, a importância da Guerra do Paraguai para a história da construção e consolidação das Forças Armadas do Brasil:
Mais do que um teste de fogo, as batalhas e as situações extremas enfrentadas pelo Exército e pela Marinha do Brasil foram fontes inigualáveis de acúmulo de experiência e oportunidade únicas de reestruturações e desenvolvimento e, nesse sentido, as lições adquiridas ao longo da campanha serviram como fundamentos para a construção das Forças Armadas que o Brasil conhece nos dias de hoje.78
Outra questão interessante é a menção à Batalha de Curupaiti no documento. Além da lembrança da derrota e da virada que esse acontecimento representou para a Guerra, especialmente a partir da mudança de comandantes do exército aliado, menciona-se ainda a participação do El Cristiano nessa batalha em específico:
Um dos maiores reveses enfrentados pelas tropas aliadas se deu na Batalha de Curupaiti, em 22 de setembro de 1866, onde os aliados foram barrados em seu avanço com um saldo de mais de 4000 mortos entre argentinos, orientais (uruguaios) e, principalmente, brasileiros, enquanto do lado oposto conta-se que houve menos de uma centena de baixas. Curupaiti marcou um ponto de inflexão tão relevante na guerra que, depois desse acontecimento, o então Marquês de Caxias assumiu o comando geral das forças aliadas em substituição ao Presidente Argentino Bartolomeu Mitre. Soube-se que a grande mortandade na referida batalha teria sido causada por canhões de grosso calibre utilizados diretamente contra a tropa aliada. Um desses canhões seria o “El Cristiano”.79
Entre as considerações finais do documento, consta a afirmação de que, tendo em vista o esforço e o sacrifício de milhares de vidas no decorrer dos cinco anos do conflito, os inúmeros objetos enviados para compor o acervo de museus e lugares de memória no Brasil tinham como objetivo bloquear o esquecimento desses acontecimentos pelas futuras gerações.80 Além disso, o DECEx manifestou, nesse ofício, parecer desfavorável à repatriação do El Cristiano ao Paraguai, afirmando ainda que “O Exército Brasileiro cultua não só seus heróis, mas também a memória militar, memória essa que é parte intrínseca da formação de identidade do povo brasileiro”.81
É relevante destacar a relação entre o conceito de memória e o de identidade estabelecida na citação. Isso porque, retomando as discussões propostas por Candau,82 quando aplicado a um grupo como o povo brasileiro, o conceito de identidade cultural ou coletiva é considerado uma representação constantemente renovada pelos indivíduos em relação à origem, história e natureza desse grupo. Candau83 questiona a pertinência dos conceitos de identidade e memória quando aplicados às coletividades, por meio do que o autor denomina de retóricas holistas,84 ou seja:
[...] o emprego de termos, expressões, figuras que visam designar conjuntos supostamente estáveis, duráveis e homogêneos, conjuntos que são conceituados como outra coisa que a simples soma das partes e tidos como agregadores de elementos considerados, por natureza ou convenção, como isomorfos. Designamos assim um reagrupamento de indivíduos (a comunidade, a sociedade, o povo), bem como representações, crenças, recordações (ideologia X ou Y, a religião popular, a consciência ou a memória coletiva) ou ainda elementos reais ou imaginários (identidade étnica, identidade cultural).
Pode-se dizer que a utilização de retóricas holistas é um tipo de jogo social que atua na construção, transmissão e recepção das memórias e identidades ditas “coletivas”. Elas se caracterizam pelo fato de não contemplarem todos os sujeitos: há mais pessoas que ficam de fora do que aquelas que são incluídas. Porém, todas as retóricas holistas têm como intuito a unificação, que, por sua vez, decorre de um jogo que objetiva criar uma identidade dita coletiva por meio de um arranjo político da memória que se dá entre o lembrar e o esquecer. Nesse jogo, muitos são os lados que participam das jogadas. A unificação pretendida não pode ser entendida como algo facilmente aceito, sem nenhuma reação em resposta, na medida em que muitas são as tensões que se desenrolam no âmbito da memória e da identidade - tensões também presentes no campo do patrimônio cultural. E isso faz parte do jogo social. Essas tensões que perpassam a memória e a identidade coletiva demonstram o quanto a memória e a identidade são, propriamente, atos políticos e de poder.
A análise das retóricas holistas acionadas em torno da repatriação do El Cristiano, ou seja, das imaterialidades que perpassam o caso, permite conhecer os nós que capturam os fios do canhão e dão vida a esse bem material. Ao analisar as memórias e os discursos acionados pelo Exército Brasileiro em relação ao caso do El Cristiano (como a Batalha de Curupaiti e o número de soldados que morreram na Guerra) é possível identificar as retóricas holistas que objetivam dar sentido ao canhão tendo em vista a importância que ele teria para a identidade nacional, o que leva à manifestação desfavorável em relação a sua repatriação para o Paraguai.
Sob essa mesma perspectiva de análise, pode-se dizer que as retóricas holistas acionadas em torno do canhão pelo lado paraguaio (tanto no que se refere ao contexto da fundição do El Cristiano, quanto às consequências da Guerra para o país e ao modo com que a sociedade contemporânea se relaciona com esse passado doloroso) buscam também atribuir sentido e significado ao canhão, ao mesmo tempo que tentam legitimar sua repatriação. Cabe então questionar como tais retóricas holistas são mobilizadas, bem como compreender as intencionalidades, interesses e objetivos por parte de cada um dos lados envolvidos nesse jogo social e político. Assim, para além da visão manifestada pelo Exército Brasileiro, é importante conhecer a perspectiva de um segundo grupo social do lado brasileiro: o da sociedade civil.
De maneira geral, os sujeitos que compõem a sociedade civil e que manifestam alguma posição sobre o caso do canhão são pessoas que de alguma forma possuem uma relação com a Guerra do Paraguai. Tal questão pode ser analisada, por exemplo, a partir da abertura de uma ação popular contra o Governo Federal que partiu de Americo Barbosa de Paula Chaves, autointitulado neto de um herói da Guerra do Paraguai. No mérito da ação, o autor argumenta que “A decisão de devolver o canhão ‘EL CRISTIANO’ ao Paraguai, fere a democracia que o atual governo proclama existir e jurou respeitar, sendo uma demonstração de falta de cultura do Ministério da Cultura, segundo alguns analistas”.85 Ademais, argumenta também que “A Nação Brasileira exige respeito, aos que se foram em defesa da Pátria. [...]. Esta mesma sociedade exige, que fique em solo pátrio todos os troféus conquistados pelos brasileiros, com suor, sangue e lágrimas”.86 Como pode ser observado, na opinião de Chaves, a possibilidade de devolução do canhão ao Paraguai é vista como uma afronta à democracia brasileira. Porém, assim como ocorre na perspectiva dos paraguaios, tal posição é defendida por um único indivíduo que fala em nome dos brasileiros enquanto uma coletividade. Isso é especialmente evidente quando o autor da ação afirma que a “nação brasileira” exige que o canhão fique no país.87
Apesar de Chaves buscar se manifestar em nome de uma coletividade, é preciso destacar que a sociedade civil se mobilizou contra a saída do El Cristiano do Brasil de outras formas. É o caso, por exemplo, da criação da campanha “O canhão é nosso”, que contou com a criação de um site próprio88 que, porém, atualmente se encontra fora do ar. No entanto, algumas informações sobre essa campanha ainda podem ser levantadas na internet, especialmente em sites que a divulgaram e apoiaram. Sabe-se, por exemplo, que havia um abaixo-assinado pela permanência do canhão no Brasil que objetivava demonstrar a insatisfação da população com a decisão tomada pelo governo brasileiro.89 Porém, tendo em vista que não é possível acessar o site da campanha, não há como precisar o número de pessoas que aderiram a esse abaixo-assinado ou quem estava por trás da mobilização. Ainda assim, é notável a mobilização dos brasileiros para que o canhão não fosse devolvido ao Paraguai. Tal questão aponta que o El Cristiano é um bem significativo para uma parcela da população, especialmente pela história e pela memória que esse troféu de guerra materializa: a importante vitória conquistada em Humaitá.
Tendo isso em vista, pode-se dizer que no momento em que a decisão pela repatriação do El Cristiano foi tomada, o medo da perda foi acionado e aquilo que seria apenas mais um objeto de museu passou a adquirir ainda mais importância.90 Tal questão pode ser percebida especialmente a partir da abertura da ação popular citada, da criação do site “O Canhão é nosso” e da difusão de abaixo-assinados que objetivavam impedir a devolução do El Cristiano ao Paraguai. Foi acionado o medo de perder o canhão, de que ele fosse devolvido a seu país de origem, e, numa tentativa de barrar tal decisão, sujeitos da sociedade civil buscaram se mobilizar como puderam. No entanto, o canhão, objeto de disputa entre dois países que protagonizaram algumas das batalhas mais sangrentas já ocorridas na América do Sul, nas quais o mesmo canhão esteve presente, assume um lugar de memória comum da Guerra, materializado tanto na memória coletiva dos paraguaios quanto na dos brasileiros naquele objeto bélico.91 O canhão tornou-se a referência tangível da dedicação desempenhada pelos paraguaios em prol da nação, bem como da vitória conquistada pelos brasileiros a despeito de todas as dificuldades. É nesse jogo da memória e do esquecimento que a disputa se justifica.92
No caso do El Cristiano, várias são as possibilidades de interpretação dessa vontade de preservação da posse e da tentativa de recuperação do canhão, uma delas se refere aos valores atribuídos a esse bem cultural. Os valores são regimes morais e políticos construídos historicamente dentro de uma sociedade, em um processo caracterizado por um trabalho social, uma disputa marcada pela existência de diferentes sentidos, tensões e relações de uma sociedade com seu passado. Como afirma Riegl,93 o significado e a importância dos monumentos e dos bens culturais como um todo não advém de sua destinação original, mas sim daquilo que a sociedade contemporânea lhes atribui.
Segundo a perspectiva de Janice Gonçalves,94 o patrimônio cultural é composto por figuras de valor, sendo o termo figurar entendido a partir de diferentes sentidos: significar, representar, simbolizar, fazer lembrar, imaginar. Os valores são atribuídos às coisas95 e as transformam em figuras do patrimônio a partir dos significados que possuem para os sujeitos individualmente e coletivamente. Isso porque o patrimônio cultural é considerado um semióforo, “como algo que importa, sobretudo, pelo que significa, pelo que apresenta ou porta [...] como signo”.96 No entanto, é preciso destacar que a atribuição de significação, de sentido e valor às figuras do patrimônio se dá a partir das retóricas holistas97- narrativas que, por sua vez, estão articuladas aos processos de produção e usos da memória, especialmente da denominada memória coletiva.
Por fim, Nathalie Heinich98 também discute os valores atribuídos ao patrimônio. Ao discutir a fabricação do patrimônio cultural, a autora identificou diferentes critérios utilizados nesse processo. Porém, mais importantes do que esses critérios são os valores subjacentes a eles - valores, nesse caso, entendidos como os “princípios que regem os juízos de valor”.99 Entre os valores básicos identificados, estão o valor de autenticidade, de antiguidade, de raridade, de beleza e de significação. Tais valores, exceto o valor de autenticidade, variam de acordo com as diferentes concepções do patrimônio.
Tendo isso em vista, pode-se afirmar que para além de um valor histórico, que advém de seu testemunho em relação à Guerra do Paraguai, tanto aqueles que defendem a posição do Brasil quanto a do Paraguai atribuem ao El Cristiano um valor simbólico ou de significação, segundo as proposições de Riegl100 e Heinich.101 Para ambos os lados, o canhão se tornou um patrimônio cultural comum, um semióforo102 marcado pelo que apresenta de importante enquanto signo para ambas as nações. Para os paraguaios, ele simboliza a religiosidade do povo e os esforços empreendidos na guerra, e sua devolução o transformaria também em símbolo da cicatrização das feridas ainda abertas no povo paraguaio pelas consequências da Guerra.103 Já para o Brasil e para os brasileiros, especialmente aqueles ligados ao Exército ou à história que envolve o conflito, o simbolismo atribuído ao canhão advém do patriotismo que o relaciona à importante vitória conquistada na Guerra do Paraguai. Assim, a disputa pelo canhão pode ser entendida a partir do valor simbólico que lhe é atribuído por ambos os lados.
Como pode ser visto, quanto mais as análises se aprofundam em torno do caso do El Cristiano, mais complexas elas se tornam. Além dos valores históricos e simbólicos atribuídos ao canhão por aqueles que possuem alguma relação com a Guerra, tais fatores também devem ser analisados sob a perspectiva dos historiadores e profissionais da área do patrimônio cultural brasileiro. Tendo em vista que a decisão pela repatriação ou não do El Cristiano leva em consideração a posição defendida por esses profissionais, a análise do que eles têm dito sobre o caso pode revelar quais outros interesses perpassam a questão da devolução do canhão, ou seja, quais outros nós o dão vida.104 É possível conhecer a posição desse grupo, por exemplo, por meio de um memorando interno do Iphan, no qual o historiador Adler Homero Fonseca de Castro declara:
Antes de qualquer coisa, gostaríamos de deixar consignado nosso protesto contra o destombamento de um patrimônio nacional, ato necessário à exportação de um bem acautelado. A experiência prévia nesses casos tem demonstrado os resultados práticos pífios dos destombamentos federais, ao mesmo tempo em que ficam evidentes os danos irreparáveis ao Patrimônio: basta ver a publicação deste próprio instituto sobre a destruição da Igreja de São Pedro dos Clérigos. Ainda mais, cremos agora que se abre um precedente terrível, quando o IPHAN, instituição responsável pela preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, abre mão de seu dever de o proteger em função de devaneios do Sr. Ministro. Lembremos que essa não será a primeira vez que o Brasil devolve troféus de guerra ao Paraguai, o mesmo tendo sido feito em 1972, sem que isso implicasse nos efeitos esperados pelo Sr. Ministro - por que seria diferente agora? De qualquer forma, do ponto de vista do IPHAN, será a primeira vez em todos os destombamentos que foram realizados até o momento - o último em 1961 - que a Instituição deixa de protestar contra esse ato de força de autoridades pouco preocupadas com a preservação dos bens referenciais ao nosso passado.105
Para além de sua posição enquanto técnico do Iphan, Castro também tece comentários sobre esse caso a partir de sua visão particular enquanto historiador. Em outro texto, ele declara o seguinte:
Infelizmente, o Presidente Lula parece disposto a usar o seu poder justamente para prejudicar o patrimônio histórico e artístico nacional. [...]. Será que o destombamento do El Cristiano atenderá a um “interesse social maior”? Será que a sua devolução aumentará a amizade existente entre o Brasil e o Paraguai? A devolução de peças que foi feita em 1972 teve esse efeito? Quem se lembra disso?106
Observa-se em ambos os excertos um argumento em comum: a devolução dos troféus de guerra pelo Brasil ao Paraguai, na década de 1970, não teria surtido o efeito desejado pelo governo brasileiro. Nesse sentido, pode-se garantir que a devolução do El Cristiano na atualidade aprofundaria, de fato, as relações entre ambos os países? Esse é um dos questionamentos feitos. Outra questão evidenciada pelo historiador é a abertura de precedente que um possível destombamento do canhão causaria, preocupação que advém do fato de o tombamento ser tido como o principal instrumento jurídico de proteção e salvaguarda dos bens culturais materiais que compõem o patrimônio cultural brasileiro. Tendo isso em vista, há o receio entre os profissionais da área de que se o processo de destombamento do canhão se concretize, especialmente se motivado por questões políticas, tal instrumento de proteção poderia perder seu sentido e o patrimônio cultural brasileiro poderia ser colocado em risco. Assim como Castro, Lia Silvia Peres Fernandes, museóloga e chefe do Departamento de Acervo do Museu Histórico Nacional, também compartilha da mesma posição:
[...] de nada adiantam os esforços de alguns grupos de profissionais no sentido de preservar objetos, testemunhos, memórias, se esses vestígios são considerados mais importantes para a legitimação de algumas nações do que de outras. No limite, devolver testemunhos da própria história soa como fato grave. Grave e inútil, pois a história não será modificada, mesmo que seja parcialmente esquecida. Mas ignorar a legislação que protege um bem tombado abre um precedente tão grave quanto. Hoje, destomba-se o El Cristiano. E amanhã?107
Tendo em vista o precedente que tal destombamento abriria, Adriana Bandeira Cordeiro, museóloga do MHN, em nota técnica do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), afirma que se deve haver prudência em relação ao caso. Além disso, sua afirmação retoma uma fala de Gustavo Barroso, primeiro diretor do MHN, e mostra que a preocupação com a devolução dos troféus de guerra tomados pelo Brasil na Guerra do Paraguai é antiga e remonta à década de 1920:
Há que se proceder com bastante prudência, caso o destombamento seja levado adiante. É válido lembrar a interrogação de Gustavo Barroso em 1928, ante a possibilidade de devolução de bandeiras paraguaias trazidas por Caxias, em artigo publicado em A Manhã: “[...] Como uma geração se atreve a abrir mão dum patrimônio que ela não ganhou e sim recebeu de outra, não como um saco de dinheiro, mas como um legado sagrado?”108
No entanto, as reivindicações e contestações em torno do El Cristiano não devem ser analisadas somente a partir das memórias e dos valores que lhes são atribuídos. Esses são fatores importantíssimos para aqueles que buscam conquistar ou legitimar a posse dos bens em disputa, mas, ao mesmo tempo, são componentes de um jogo mais amplo: aquele que se dá no campo político, que, conforme explicado pelo realismo político, tem como fim último o poder.109 No caso do canhão El Cristiano, a luta de poderes envolve três agentes principais. O primeiro deles é o governo brasileiro, que decidiu devolver esse bem como parte das estratégias de cooperação com o Paraguai, nação vizinha e parceira no bloco do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Nesse âmbito, o valor simbólico atribuído ao canhão pelos paraguaios até mesmo torna-se o argumento utilizado para legitimar sua devolução, decisão que pode ser entendida frente às relações políticas e econômicas estabelecidas entre Brasil e Paraguai. Essa posição, no entanto, vai contra a postura defendida por setores da sociedade civil e por profissionais da área do patrimônio: os primeiros motivam-se pelo que o canhão representa para a história do país, enquanto os segundos preocupam-se com o que o destombamento (considerada uma prática excepcional) do canhão poderia significar para a proteção e salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro como um todo, especialmente se o mesmo acontecer por razões puramente políticas.
O historiador Adler Homero de Castro critica especialmente essa questão. De acordo com ele, o destombamento é um caso raro no Brasil. O último caso teria acontecido em 1961, quando o presidente do país à época, Jânio Quadros, revogou o tombamento de uma casa e uma igreja na cidade de Campos, no Rio de Janeiro, pois no local seria construída uma escola. No entanto, tal escola nunca foi construída e o local tornou-se um estacionamento. Outro caso anterior a esse foi o do Forte do Buraco, construído no século XVII na cidade de Olinda, em Pernambuco. O local também teve seu tombamento revogado pois um projeto previa a construção de uma base de hidroaviões para a marinha. Após ser dinamitado, restaram somente algumas poucas ruínas do forte que continuaram a existir porque a base nunca foi de fato construída.110 Esses exemplos são utilizados para ilustrar alguns dos “atentados”, termo utilizado pelo historiador, cometidos contra o patrimônio histórico brasileiro quando destombamentos foram realizados.
Além do receio de que o destombamento do El Cristiano se concretize por motivações puramente políticas, outra preocupação apresentada refere-se à proteção e à conservação do canhão caso ele fosse de fato devolvido ao Paraguai. No Brasil, uma nota técnica do Ibram relata os cuidados do MHN na conservação do El Cristiano: “O pó que se acumula é removido semanalmente, e é higienizado com detergente neutro e tratada com óleo de linhaça diluído em nafta líquida a cada semestre. Posteriormente é lustrado com um pano seco”.111 A preocupação em saber se o canhão receberia o mesmo cuidado em mãos paraguaias advém do cuidado (ou falta de cuidado) que recebem troféus já devolvidos ao Paraguai. É o caso do canhão Criollo, repatriado pela Argentina, e da espada de Solano López, devolvida ao país pelo Brasil. Castro112 relata como foi a visita ao museu onde o objeto, considerado de grande significado por ter pertencido a um dos maiores líderes paraguaios, encontrava-se exposto: “Uma vez visitando o Paraguai, tive a oportunidade de manusear a espada de Solano López, pois esta ficava jogada em uma cadeira, sem um guarda na sala”.
Por fim, a preocupação com a proteção ao patrimônio cultural manifesta-se sob outra perspectiva. Em caso de decisão favorável à repatriação do canhão, haveria dificuldades logísticas e operacionais para a retirada do El Cristiano de dentro das instalações do MHN. Essa questão é evidenciada pelo historiador Adler Homero de Castro em documento do Iphan:
Observamos que o canhão, de grande peso e volume, está situado dentro das instalações do Museu Histórico Nacional, em um pátio interno que só pode ser alcançado por um pequeno lance de escadas, passando pelo interior de um dos edifícios do antigo Arsenal de Guerra. Além da demolição e reconstrução das bases dos canhões e de outros objetos do Pátio que se encontram no caminho do objeto e da mudança de local e acondicionamento do material histórico removido, dependendo do equipamento usado para a remoção, será necessário a demolição dos três portões de acesso ao local [...], a construção de uma rampa para vencer o lanço de escadas, bem como de passarelas capazes de suportar o peso do objeto - doze toneladas - e do maquinário usado no procedimento, sem que esses danifiquem o piso do imóvel. [...]. Notamos [...] que a remoção do El Cristiano em 1972, para a devolução ao Paraguai, não foi feita justamente devido às imensas dificuldades e custos dessa operação.113
Devido às dimensões e ao peso do canhão, uma operação complexa teria que ser realizada de forma que nenhum acervo exposto no Museu seja danificado, o que também resultaria em elevados gastos financeiros. Isso explicaria o motivo de o El Cristiano não ter sido repatriado ao Paraguai durante a década de 1970, quando o Brasil devolveu ao Paraguai uma série de troféus adquiridos no decorrer da Guerra.114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conflitos armados, mesmo aqueles ocorridos há centenas de anos, são relembrados a todo momento pelo impacto de seus acontecimentos na história nacional ou mundial. No caso da Guerra do Paraguai, pela dimensão de seus acontecimentos e pelas consequências que causou, o conflito é considerado um divisor de águas na história dos países envolvidos - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Entre os desdobramentos que a Guerra trouxe aos dias atuais, as discussões mais polêmicas se referem à repatriação de troféus de guerra, com destaque para o caso do canhão El Cristiano.
As questões relativas ao canhão se inserem numa discussão que tem ganhado destaque internacionalmente. A partir da segunda metade do século XX e início do século XXI, emerge a preocupação em proteger o patrimônio cultural dos diferentes povos, especialmente em períodos de guerra, de exportação e de tráfico ilícito. No entanto, muitos bens se encontram atualmente fora de seus países de origem. Nesse contexto, além de criar instrumentos para salvaguardar os bens culturais e garantir que eles não saiam ilegalmente de seus territórios, era preciso também criar instrumentos jurídicos para regular a repatriação dos bens culturais. É nesse sentido que surgem as convenções internacionais da Unesco e do Unidroit.
Porém, quanto aos aspectos legais, tais convenções não podem ser aplicadas ao caso do canhão devido à característica não retroativa delas. A inaplicabilidade dessas convenções apenas faz com que o país não tenha obrigação legal de efetuar o ato. Além disso, apesar de o El Cristiano ser um bem cultural tombado, a legislação brasileira prevê, a partir de decreto-lei, a possibilidade de cancelar o tombamento de um bem. Apesar de ser um evento excepcional, isso já aconteceu no passado e, por mais controvérsias que tal ato suscite, ainda haveria uma possibilidade de solucionar essa questão em torno do canhão.
Conclui-se que, num caso como o da repatriação do El Cristiano, os fatores extrajurídicos se sobressaem aos jurídicos. Primeiramente, existem aspectos relacionados às dificuldades práticas na remoção do canhão de onde ele atualmente se encontra e seu transporte ao Paraguai, em caso de decisão favorável a sua devolução. Existe a preocupação, ainda, com a proteção dos outros bens que compõem o acervo do Museu Histórico Nacional e com o próprio edifício da instituição. A logística necessária para tal empreendimento e seus custos operacionais (quem pagaria por eles ao final, o Brasil ou Paraguai?) são algumas das questões iniciais que se tornam obstáculos no caso do El Cristiano. Tais dificuldades, no passado, já foram até mesmo o motivo da não devolução do canhão a seu país de origem. No entanto, com algum esforço por parte de ambos os lados tais questões poderiam ser superadas e resolvidas.
Nesse sentido, outros aspectos definem a dinâmica em torno da disputa por esse troféu. Entre os fatores extrajurídicos que ditam a disputa em torno do canhão, figuram as retóricas holistas acionadas por sujeitos específicos em nome de uma coletividade: os paraguaios e os brasileiros. Por diferentes motivos, o El Cristiano é um bem significativo para a memória, a identidade e para a história dos dois países. Ambos os lados estabeleceram relações com o canhão e lhe atribuíram valores históricos e simbólicos que motivam tanto a reivindicação do El Cristiano, por um lado, quanto a defesa de sua permanência onde está, por outro. Do lado paraguaio, o fato de o canhão ter sido forjado a partir de sinos de igrejas o marcam como símbolo dos esforços e sacrifícios que tiveram que ser realizados durante a Guerra. Paralelamente, sua repatriação é tida como necessária para que as feridas ainda abertas nos paraguaios, decorrentes das consequências do conflito para o país, sejam cicatrizadas. As retóricas holistas do lado brasileiro, por sua vez, associam o El Cristiano à importante vitória conquistada pelo exército aliado em Humaitá. Além disso, há aqueles que defendem que o canhão deveria permanecer no país pois sua devolução poderia abrir um precedente que colocaria o patrimônio cultural brasileiro como um todo em risco.
Ampliando a discussão para os casos de outros bens culturais tomados como troféus de guerra, a presente questão se mostra primordial, pois, em matéria de conflitos armados, sempre há envolvimento de no mínimo dois lados. Nesse sentido, a cultura material que é testemunho e lugar de memória de tais acontecimentos sempre irá significar algo para aqueles que se envolveram em conflitos. Os bens são mobilizados e relacionados a diferentes memórias, discursos, valores e significados por parte dos envolvidos, mas isso não implica no fato de que as imaterialidades de um serão consideradas mais importantes que as do outro. Parece ser por conta de tais fatores que o caso do El Cristiano acabou ficando em um impasse até os dias de hoje. Tais imaterialidades ditam a dinâmica das lutas de poder em torno de bens culturais como o canhão e, sendo o poder uma característica intrínseca ao patrimônio cultural, as questões relativas a esse campo parecem girar invariavelmente em torno de tais fatores. E é a partir dessa conclusão que se acredita que o impasse assinalado em relação ao El Cristiano, bem como demais bens culturais que se encontrem em situação similar, pode perdurar ainda por mais algum tempo.
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-
3
Cf. Toral (2001).
-
4
Cf. Carneiro (1961).
-
5
Cf. Brezzo (2013).
-
6
Cf. Reali (2016).
-
7
Cf. Silva (2015).
-
8
Cf. Carneiro, op. cit.
-
9
Cf. Fernandes (2010).
-
10
Reali, op. cit.
-
11
Cf. Silva, op. cit.
-
12
Cf. Móveis... (2014).
-
13
Cf. Fernandes, op. cit.
- 14
- 15
-
16
Cf. O’Keefe (2009).
-
17
Ibid.
-
18
Cf. Kowalski (2005).
-
19
Cf. Feliciano (2013).
-
20
Cf. Hobsbawm (1995).
-
21
Cf. Rabêlo (2017).
- 22
-
23
Cf. Meneses (1999).
- 24
-
25
Ibid.
-
26
Ibid.
- 27
-
28
Ibid.
- 29
- 30
- 31
-
32
Toral, op. cit.
-
33
Cf. Marques (1995), Toral, op. cit., Doratioto (2002) e Whigham, op. cit.
-
34
Facção política que fazia oposição ao governo blanco, à época no poder no Uruguai.
-
35
Cf. Toral, op. cit.
-
36
Cf. Marques, op. cit.
-
37
Cf. Toral, op. cit.
-
38
Cf. Whigham, op. cit.
-
39
Cf. Marques, op. cit.
-
40
Ibid.
-
41
Whigham, op. cit.
- 42
- 43
- 44
- 45
- 46
-
47
Salles (1990, 2003).
- 48
-
49
Whigham, op. cit.
-
50
Doratioto, op. cit.
-
51
Ibid.
-
52
Ibid.
-
53
Ibid.
-
54
Ibid.
-
55
Cf. Saliba e Fabris (2017).
-
56
Franco (2017 apud FLECK, 2018, p. 40, grifo nosso).
-
57
López (2014 apud FLECK, 2018, p. 39).
-
58
Huyssen, op. cit.
- 59
-
60
Ibid.
-
61
Ibid., p. 23.
-
62
Ibid.
-
63
Ibid., p. 24-25.
-
64
Huyssen, op. cit.
-
65
Cf. Historiador... (2018).
-
66
Ibid.
-
67
Cf. El cañón... (2018).
-
68
El Semanario ([186-?] apud VERÓN, 2010, tradução nossa). Original em espanhol: “Las iglesias de la República han hecho una ofrenda al Jefe Supremo para la defensa nacional. Las campanas de sus torres han sido ofrecidas y descolgadas con el mayor regocijo, para que en nombre de los derechos ultrajados de la Iglesia paraguaya, se fundan cañones que aumenten los elementos de resistencia y hagan escuchar sus ecos terribles en los campos de batalla”.
-
69
Doratioto, op. cit.
- 70
-
71
Ibid.
-
72
Nora, op. cit.
-
73
Anderson, op. cit.
- 74
- 75
-
76
Ibid., p. 29.
-
77
Ibid., p. 29.
-
78
Brasil (2010, p. 1).
-
79
Ibid., p. 1-2, grifo do autor.
-
80
Ibid.
-
81
Ibid., p. 2.
-
82
Candau, op. cit.
-
83
Ibid.
-
84
Ibid., p. 29.
-
85
Brasil (2011, p. 2).
-
86
Ibid., p. 3.
-
87
Ibid., p. 3.
-
88
O endereço do site, que se encontra desativado, é: <www.ocanhaoenosso.com.br>.
-
89
Fleck, op. cit.
-
90
Cf. Choay (2001).
-
91
Nora, op. cit.
-
92
Cf. Ricoeur (2007).
- 93
- 94
-
95
Cf. Ingold (2012).
-
96
Gonçalves, op. cit.
-
97
Cf. Candau, op. cit.
- 98
-
99
Ibid., p. 179.
-
100
Riegl, op. cit.
-
101
Heinich, op. cit.
-
102
Gonçalves, op. cit.
-
103
Fleck, op. cit.
-
104
Ingold, op. cit.
-
105
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2011, p. 1-2, grifo nosso).
-
106
Castro (2010, p. 4-5).
-
107
Fernandes, op. cit., p. 91, grifo nosso.
- 108
-
109
Cf. Morgenthau (2003).
-
110
Castro, op. cit., p. 5.
- 111
-
112
Castro, op. cit., p. 5.
-
113
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2011, p. 2-3, grifo do autor).
-
114
Cf. Fernandes, op. cit.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Out 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
30 Out 2020 -
Aceito
12 Mar 2021