RESUMO
Determinamos e desenhamos sobre um mapa atual o caminho de d. Pedro no dia 7 de setembro de 1822: de Santos, como que atraído para o Ipiranga, e do Ipiranga impelido a São Paulo. Para isso, valemo-nos dos quatro relatos da Independência que consideramos principais, por serem de pessoas que acompanharam o príncipe regente nesse dia. Constatamse coincidências e divergências, que procuramos analisar, dirimir e harmonizar quando possível. Foram tidos em conta outros trabalhos posteriores que analisaram com profundidade o assunto, estabeleceram dúvidas e questionamentos e aventaram suas hipóteses, nem sempre acertadas. A principal outra novidade deste trabalho é a espacialização da jornada, que não foi explorada por estudos anteriores, exceto por um trabalho de 1909, repetido em 1972, mas que contém erros e que pode ser melhorado. Servimo-nos também de diversos mapas históricos de 1832, de 1900, de 1930 e de mapas atuais, com ênfase no local do Ipiranga.
PALAVRAS-CHAVE: Ipiranga; Jornada da Independência do Brasil; Relatos da Independência; 7 de setembro de 1822
ABSTRACT
We determined and drew on a current map the path of d. Pedro on September 7, 1822: from Santos, as if drawn to Ipiranga, and from Ipiranga impelled to São Paulo. To this end, we use the four accounts of the Independence of Brazil that we consider to be the main ones, since they are from people who accompanied the prince regent on that day. There are coincidences and divergences, which we try to analyze, settle, and harmonize whenever possible. Other later articles were considered that analyzed the subject in depth, established doubts and questions, and made their hypotheses, not always correct. The other main novelty of this work is the spatialization of the journey, which was not explored by previous works, except for a work from 1909, repeated in 1972, but containing errors and which could be improved. We also used several historical maps from 1832, 1900, 1930, and current ones, with emphasis on the site of Ipiranga.
KEYWORDS: Ipiranga; Journey of Independence of Brazil; Reports of Independence; September 7 1822
INTRODUÇÃO
Reconstituir a jornada de dom Pedro no dia da Independência inclui estudar o antigo caminho entre Santos e São Paulo, obter informações mais explícitas sobre os lugares por onde ele passou e seus topônimos, e fazer a associação entre esses locais e os acontecimentos no percurso, com ênfase no riacho que entrou para o hino nacional.
Como metodologia de trabalho, servimo-nos de documentos da época: textos e mapas. Esses documentos cartográficos, bem como diversos outros intermediários, que estabeleceram uma ponte de informação, foram fundamentais para identificar esse caminho em um mapa atual.
Com esse objetivo, foi feita uma pesquisa prévia para estabelecer a redação do texto dos quatro relatos de participantes dessa jornada, servindo-nos, criticamente, das versões originárias de cada um deles. Também foi feita uma pesquisa de cartografia histórica, buscando os mapas mais adequados, para poder estabelecer geograficamente o percurso. Foram utilizados basicamente um mapa de 1832, um de 1900, um de 1930 e outro de 1972, que permitiram fazer a localização desse caminho em um mapa atual, além de ajudar a encontrar e esclarecer a toponímia mencionada nos relatos.
Uma vez estabelecido o caminho, outros estudos ou relatos foram tidos em conta, para analisar como foram interpretados os quatro textos básicos e como foram acrescentadas coisas, muitas delas fruto da imaginação e do desejo de glorificar o episódio, sendo algumas possíveis, outras meras hipóteses ou até mesmo erros claros.
OS RELATOS TESTEMUNHAIS E OS MAPAS BÁSICOS DA METODOLOGIA
Consideramos primordialmente neste estudo os quatro relatos que julgamos dignos de nota por procederem de testemunhas oculares, pessoas que acompanharam dom Pedro em parte ou na totalidade desse trajeto. Constata-se que são de valor desigual, por uma série de circunstâncias, que passamos a descrever. Os autores desses relatos são:
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O tenente Francisco de Castro Canto e Melo (1799-1868), neste texto denominado simplesmente Canto e Melo. Pertencia à guarda de honra; irmão mais novo da que foi depois marquesa de Santos; ajudante de ordens de dom Pedro; tinha 23 anos em 1822. Ainda que não tenha acompanhado dom Pedro na subida da serra, em função de ter-lhe sido encomendada a tarefa de levar a São Paulo uma mensagem do príncipe destinada a José Bonifácio, coisa que ele fez no dia 6, participou, no entanto, dos acontecimentos em torno da proclamação. No dia 7, voltava para Santos à procura do príncipe, quando encontrou dom Pedro junto ao ribeirão dos Moinhos e, nas proximidades do Ipiranga, presenciou a cena. Seu testemunho, datado de Pindamonhangaba, a 14 de abril de 1862, é especialmente importante para a localização geográfica dos acontecimentos, pois conhecia bem toda a região: morava, desde a sua infância, na chácara de seu pai, que ficava à beira do caminho das tropas que conduziam mercadorias para Santos, a poucos metros do local da Independência.2 O relato encontra-se, por exemplo, na Descrição da viagem do príncipe do Rio de Janeiro a São Paulo, feita pelo gentil homem da sua câmara Francisco de Castro Canto e Melo3 que comparamos com outras edições. Não faremos a citação da página, para este e para os demais relatos, por serem de pequena extensão (duas páginas) e por citarmos inúmeras vezes.
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O coronel Manuel Marcondes de Oliveira e Melo (1780-1863), mais adiante primeiro barão de Pindamonhangaba, neste texto denominado coronel Marcondes. Era o segundo comandante da guarda de honra. Tinha 42 anos em 1822 e escreveu seu relato em 1862 informando que transcrevia “o que o espaço de 40 anos não tem apagado de minha memória”. Essa afirmação honesta e, em princípio desmerecedora, olhada pelo reverso, pode indicar que consigna somente os fatos que havia retido em sua memória. Seu depoimento foi uma resposta a um questionário feito por Mello Moraes. Possui de fato algumas imprecisões, mas o depoimento é interessante e acrescenta informações válidas. O relato, de 1862, com o título Independência ou morte, encontra-se, por exemplo, em Oliveira e Melo (1871 e 2004).
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O coronel Antônio Leite Pereira da Gama Lobo (1782-1857), neste texto denominado Gama Lobo. Na prática foi quem executou a criação e o primeiro comandante da guarda de honra e tinha quarenta anos em 1822; viera de Portugal com o translado da família real. É um relato antigo e minucioso. Paulo Afonso Antônio do Vale, em 1854 (32 anos depois dos fatos), indica que esse escrito já era antigo. É um texto minucioso e extenso. Esperava dom Pedro no Ipiranga, com seus comandados. Olha os acontecimentos de outro ponto de vista e ajuda a completar a cena e a sequência dos acontecimentos. O relato encontra-se, por exemplo, em Gama Lobo.4
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O padre Belchior Pinheiro de Oliveira (1775-1856), neste texto denominado padre Belchior. Era um erudito, formado em Coimbra, pároco de Pitangui (Minas Gerais), confidente e mentor de dom Pedro. Deputado às cortes de Lisboa, partidário dos Andradas. Tinha 47 anos em 1822 e seu relato é o mais minucioso de todos; focaliza somente os acontecimentos da colina, os quais descreve com muito detalhe e vivacidade. Fixado por escrito logo após os acontecimentos: em 1827 ou provavelmente antes. Em 1831, chamava a si a autoria do relato, que parece uma carta. Ficou conhecido através de publicações de Cintra,5 que foi quem encontrou o opúsculo, hoje perdido, em uma pequena revista de uma biblioteca mineira, que não foi identificada até nossos dias. Assim, vários comentadores não tiveram notícia desse relato, como Pedro Américo, que só cita os outros três. O relato encontra-se transcrito, por exemplo, em Carta.6
Outros autores serão mencionados, em diálogo com esses quatro. Merece destaque Oberacker Júnior7 que fez um bom resumo das questões, analisa criticamente e confirma a autoria dos quatro relatos; foi possível completar esse estudo e resolver algumas dúvidas levantadas. Destaca se também, em função do objetivo deste trabalho, o estudo de Barreiros,8 que fez um trabalho de reconstituição crítica do caminho, ainda que com alguns erros, como se aponta. Esses dois, por ocasião do sesquicentenário. Há também relatos por ocasião do centenário da Independência, que acrescentam detalhes possíveis, mas muitas vezes fantasiosos ou equivocados, como se verá.
Para reconstituir o caminho, servimo-nos também dos mapas de Vasconcellos,9 da Comissão Geográfica e Geológica (CGG),10 do mapa da Societá Anônima de Rilevamenti Aerofotogrammetrici (Sara),11 do mapa do Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC)12 e de um mapa atual, o Open Street Map (OSM). O primeiro, de 1832, elaborado por ordem de Rafael Tobias de Aguiar, desenha, sem escala, o caminho de São Paulo a Santos, que seria o mesmo de dez anos antes, exceto pelo aterrado do Cubatão, concluído em 1827. O Museu do Ipiranga possui uma cópia feita pelo brigadeiro Machado de Oliveira em 1848. O Mapa da CGG, de 1900 e confirmando o mapa de 1832, mostra toda a região e possui coordenadas geográficas, o que permitiu localizar a estrada sobre um mapa do IGC, de 1972, e sobre o mapa atual que utilizamos, o OSM. O mapa da Sara foi importante, na região do Ipiranga, para localizar o sítio preciso da Independência. Boa parte desses mapas também estão disponíveis em Datageo13 e podem ser chamados on-line em programas de cartografia digital.14
Além disso, percorremos todo o caminho por diversos meios: de carro, com lancha e a pé, utilizando este último nos trechos inacessíveis por outros meios, como na Calçada do Lorena e em alguns percursos que foram desativados pelas novas estradas que se construíram.
PROLEGÔMENOS DA VIAGEM
D. Pedro chegou a São Paulo, a 25 de agosto, e, depois de diversas atividades políticas, dirigiu-se a Santos no dia 5 de setembro, acompanhado pelo mesmo séquito com que chegou a São Paulo, que incluía a guarda de honra,15 formada e comandada pelo coronel Gama Lobo, tendo como subcomandante o coronel Marcondes. Acompanhava-o também a sua comitiva particular: o guarda-roupas, João Maria da Gama Freitas Berquó, depois marquês de Cantagalo, os criados particulares João Carlota e João de Carvalho Raposo, o ajudante geral Francisco Gomes da Silva, conhecido como Chalaça, por ser espirituoso e gracejador. Também o acompanhou o padre Belchior, que estivera com ele na viagem a Minas Gerais e na vinda do Rio de Janeiro a São Paulo. A esses juntou-se também o brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, membro do governo provisório da província de São Paulo.
Nenhum dos quatro relatos descreve o que dom Pedro fez em Santos, nem mesmo o início da viagem, no trecho dessa cidade a Cubatão. Assim, não há registro conhecido de onde pernoitou: poderia ter sido na residência do governador da praça, antigo Colégio dos jesuítas, mas essa hipótese fica descartada, pois em 1806 começou a servir de alfândega,16 uso que perdurou até nossos dias, com sucessivas remodelações do edifício; poderia ter sido no Convento do Carmo, como aconteceu em Mogi das Cruzes, ou mais provavelmente no casarão dos Andradas, situado na atual rua Quinze de Novembro, antiga rua Direita, nas proximidades do atual Museu do Café (Figura 1); mas isso não influi no trajeto entre Santos e São Paulo.
Metodologicamente e para efeito didático, dividimos o percurso em trechos e apresentamos, oportunamente, iconografia da época ou atual, informando a data.
Planta da Vila Santos, Massé, c. 1714. O casarão dos Andradas, um dos possíveis locais onde pernoitou, ficava na rua Direita, atual Quinze de Novembro, que, nessa época, era a primeira paralela à praia. Santos pouco mudou até 1822.
DE SANTOS A CUBATÃO
Alguns relatos secundários registram a partida para São Paulo com expressões como “ao amanhecer”, “de madrugada” ou semelhantes. De fato, para fazer a viagem em um só dia é necessário principiar a jornada cedo. Mas, nenhum dos quatro relatos registra a hora da partida: começam com a subida da serra a partir de Cubatão. Assim, surge uma primeira questão geográfica: dom Pedro teria feito esse trecho por terra ou por água?
Barreiros,17 que se preocupa com essa questão, cita o manuscrito de Évora: “De Santos embarca-se em canoa e se vai pousar ao pé da Serra do Cubatão”, mas em seu texto fala do “tortuoso caminho que na baixada cruzava ilhas fluviais, córregos, rios e ribeirões, até alcançar o povoado de Cubatão, próximo ao sopé da Serra de Paranapiacaba, por onde se subia ao planalto”. No seu mapa (Figura 2), traça um caminho por terra, que de fato cruza duas ilhas, e sabe-se, por meio de mapas com mais detalhes, que cruza o rio Casqueiro, um outro intermediário e o rio Cubatão. Esse traçado coincide com o aterrado do Cubatão, que liga esse povoado a Santos, com três pontes, aterrado que foi construído entre 1825 e 1827,18 e portanto o príncipe não poderia ter ido por ele.
Mapa esquemático apresentado por Barreiros. Vê-se o caminho desenhado pelo aterrado que liga Santos a Cubatão: cruza ilhas, riachos e canais, passando por pontes, mas esse caminho não existia em 1822.
Também erram comentadores dos inícios do século XX ao afirmarem que a guarda de honra o esperava à porta do palacete em que o príncipe pernoitou. Nessa hipótese, sem o aterrado, haveria o problema de transportar cerca de quarenta montarias por barco até Cubatão, o que atrasaria muito a viagem.
Dessa forma, o princípe regente só pode ter feito o trajeto de barco. O local de embarque não deve ter sido longe da alfândega antiga e do porto de navios no Valongo, nas letras “H” e “O”, respectivamente (Figura 1). A Figura 3 mostra embarcações típicas da época, situadas nessa região. Os viajantes, para subir a bordo, tinham que equilibrar-se nas pranchas de madeira colocadas entre o cais e a embarcação, apoiando-se em cordas que serviam de corrimão.
Já a Figura 4 mostra, sobre o mapa OSM, o trajeto fluvial entre os portos de Santos e Cubatão, que se considerou o mais plausível. No ponto identificado pela letra “A” existe uma bifurcação: seguir em frente ou entrar à esquerda: esta última opção, mais curta, tem um estreitamento de dez metros, mas com passagem plenamente viável, como confirmado por navegação feita na lancha da Polícia Ambiental do Guarujá para este trabalho. Para estabelecer o trajeto começamos por comparar a conhecida aquarela de Saint-Hilaire (e sua reprodução por Oscar Pereira da Silva, na Figura 15), com a paisagem que se vê em nossos dias a partir do ponto de vista que ele desenhou: junto ao atual Monumento do Pico: foi possível identificar a permanência das feições: ilhas, largos, o aterrado e as diversas sinuosidades do rio Cubatão, materializando em todos os trechos o caminho que apresentamos como possível. Além disso, comparamos esse caminho proposto superpondo-o ao mapa da CGG, de 1900, mostrando também a permanência das feições. A viagem de lancha, filmando e fotografando diversos trechos, mostrou que a navegação é viável, apesar de possíveis assoreamentos ao longo desse período.
Trajeto de dom Pedro: cais do porto (1), Largo do Caneu, meandros e rio Cubatão, passando por debaixo da atual ponte ferroviária e até o porto do Cubatão (2).
No atual Largo do Sapo (Figura 5), a menos de cem metros do local do antigo porto, situa-se uma estátua em homenagem ao barqueiro que transporta mercadorias, servindo-e de uma sirga para deslocar-se, empurrando o barco.
Atual Largo do Sapo, com estátua recordando os barqueiros que faziam a travessia entre Santos e esse local transportando mercadorias, principalmente açúcar.
DE CUBATÃO AO PÉ DA SERRA
No porto de Cubatão, dom Pedro e sua comitiva eram esperados pela guarda de honra, cerca de trinta pessoas, com suas montarias próprias e outras para o príncipe e seus acompanhantes. Como se disse, essa estratégia, da guarda de honra esperar em Cubatão, faz sentido em função da dificuldade de transportar muitos animais nas embarcações da época. Esses acompanhantes poderiam ter passado a noite em um pouso que havia nessa localidade, que foi retratada na Figura 6 por Hercules Florence em 1825. Pode-se ver ao fundo as montanhas da Baixada Santista e, após o rio, uma casa de três andares, que fora a sede da Fazenda que tinha sido dos jesuítas, junto ao rio Cubatão, na margem oposta. Ainda não se vê a ponte sobre esse rio, em que se cobraria pedágio por pessoa e por cabeça de gado. Essa construção e ponte são representadas no quadro de Benedito Calixto, que se inspirou no desenho de Florence e em outros da época (Figura 7).
Vista do povoado de Cubatão. Pode-se ver que ainda não havia a ponte nem o aterrado. Do outro lado do rio a sede da fazenda que foi dos jesuítas, com três andares.
Vista de Cubatão. Reconstituição a partir de desenhos da época, com acréscimos. Além da ponte coberta, pode-se ver a estrada que chega pelo aterrado de Cubatão.
A seguir o caminho segue para o sopé da serra, a uns dois quilômetros de distância do porto, dirigindo-se à calçada do Lorena, que ficou pronta em 1792. Passaram pelo ponto B (Figura 4), local em que cem anos mais tarde se construiria o Cruzeiro Quinhentista. Este, por sua vez, foi deslocado uns duzentos metros para cima, por ocasião da implantação da Refinaria Presidente Bernardes (Figura 8).
Cruzeiro Quinhentista, que ficava na bifurcação entre a Calçada do Lorena (onde se vê o caminhão) e a Estrada da Maioridade (à direita). Foi deslocado em função das obras da Refinaria.
Quem acompanhou o príncipe mais de perto? O coronel Marcondes afirma que “o príncipe […] depois que subiu a serra acompanhado somente por mim”. Mas Gama Lobo diz que ele (o príncipe) “trazia a seu lado o padre Belchior, com quem mantinha conversação”. As duas afirmações podem ser conciliadas, pensando em alternâncias de posições, na serra e no planalto. O trecho da serra não comporta mais que dois animais caminhando lado a lado. Assim, os demais, incluindo a guarda de honra, teriam que ir atrás ou na frente, a uma certa distância, para não atrapalhar a marcha do príncipe.
CAVALO OU MULA: O QUE IMPORTA?
Irrelevante para a proclamação da Independência é, no entanto, uma questão debatida: qual a montaria do príncipe regente: um cavalo zaino ou uma mula baia? O que isso muda na história? Talvez muito pouco, mas os argumentos a favor de uma ou de outra opção podem ser de interesse, até para ilustrar como se dá a construção de um relato e o trabalho do historiador.
Costuma-se argumentar, com razões de conveniência e bom senso, a favor da mula. Diz-se que a calçada do Lorena não permitia a subida de cavalos e que a mula é mais adequada para a subida da serra. Mas isso não é argumento concludente, pois há muitos relatos falando da subida da serra com cavalos. Por exemplo: há o relato de Pedro Taques, de 1710, em que se fala de sal transportado na serra por índios carijó e cavalos de carga;19 há também um documento datado de 19 de maio de 1726, de dom Rodrigo César de Menezes, em que se lê: “De sorte que se podem subir e descer cavalos e escravos arreados sem discômodo, nem prejuízo de seus donos”.20 Outro, de 1802, reza: “oferece também o de se transportarem, a cavalo, até Santos, os gêneros da serra acima”.21 Uma representação à Câmara de São Paulo, de 6 de fevereiro de 1833, diz: “Na estrada de Santos pagar-se-á pelos animais cavalares ou muares que, soltos ou puxados, descerem ou subirem a serra para o comércio, a mesma contribuição que se paga pelos de transporte”.22 Barreiros23 cita um manuscrito de Évora que diz: “Embarca-se em canoa, e se vai pousar ao pé da serra do Cubatão; pela manhã se sobe a serra, a qual hoje está capaz de se subir a cavalo, exceto em dois ou três passos donde se apeiam os que não se querem ver em perigo”. Se isso não bastasse, poderiam ser citados relatos de viajantes, como os de Saint-Hilaire24 e Kidder,25 que subiram a cavalo ou relacionam outros meios de transporte: a pé, cavalos e burros.
Mas, para que recorrer a argumentos desse estilo? Indo direto ao ponto, a pergunta a ser feita é: o que dizem os relatos daqueles que acompanharam dom Pedro nessa jornada? Como subiu ele?
Gama Lobo começa o seu relato com a frase “Montava dom Pedro uma égua possante gateada”, que Oberacker Junior interpreta como mula;26 gateado é um tipo de pelagem de mulas. O coronel Marcondes explicita: perguntado sobre a cavalgadura, responde que “montava uma besta baia gateada”, sendo besta sinônimo de mula. O padre Belchior, ao final de seu relato, escreve: “esporeou a sua bela besta baia e galopou […] em direção a São Paulo”.
Depois disso, a pergunta a ser feita é: de onde vem a afirmação de estar montado em um cavalo? Quem mudou a “história”? Talvez a origem esteja em Paulo do Vale, que em 1854 escreveu um relato glorioso, que pedia um cavalo: “refreando seu zaino, que arfa orgulhoso”.27 Os adjetivos enobrecedores mostram a criatividade do autor, mas não encontram base nos relatos das testemunhas oculares, que afirmam o contrário. Gama Lobo, em seu texto, desautorizou expressamente outra fonte que glorificava a montaria: “sendo menos verdadeira [ou seja, falsa] a notícia mais tarde dada pelos jornais, de que vinha em ardoroso cavalo de raça mineira”.
Com relação à guarda de honra, nenhum dos quatro relatos fala explicitamente em cavalos, mas em cavalgar e animais. Mas sabe-se por outros relatos28 que os componentes eram em sua maioria filhos de fazendeiros ricos, que possuíam seus próprios cavalos, com os quais fizeram toda a viagem, do Vale do Paraíba a São Paulo, e voltaram com eles. Não há motivo para supor que trocariam os trinta ou mais cavalos por outras tantas mulas para descer a serra até Cubatão e voltar a São Paulo, retomando seus cavalos.
Pedro Américo, ao falar de seu quadro29 e tratar do dilema “mula ou cavalo”, afirma que os companheiros de dom Pedro diziam que ele montava um cavalo zaino tocado a escuro e que certa tradição popular dizia que ele cavalgava uma besta gateada, que se repete como verídica entre os moradores de Pindamonhangaba. Na realidade é exatamente o contrário: os companheiros de dom Pedro, que deixaram memória escrita, falam da mula gateada, e foi a tradição difundida ou criada por Paulo do Vale e pelos jornais que optou pelo cavalo zaino. Além disso, boa parte da guarda de honra era de Pindamonhangaba, e a tradição nessa cidade concorda com o relato das testemunhas presenciais. Essa opção pelo cavalo é também a opção de Paulo Setúbal (1957): na saga romanceada O príncipe de Nassau, descreve Henrique Dias montado “num zaino vistoso, os arreios de prata refulgindo ao sol”30 e, ao final, quem está “montado num zaino magnífico” é o general Francisco Barreto de Meneses.31 Esse tipo de pelagem, um alazão escuro, exerce até nossos dias grande atração sobre os criadores e amantes dos cavalos, sendo também tema de músicas sertanejas.
A CALÇADA DO LORENA
No pé da serra, os viajantes cruzaram o pouco caudaloso rio das Pedras de Baixo e, se não houvesse ponte, não seria difícil atravessá-lo a vau. A partir daí, iniciase a tão falada calçada do Lorena. Muitos admiraram-se do número de curvas, que se fixa repetidamente em 180, e do fato de o caminho não cruzar nenhum curso d’água. No mapa de Vasconcellos, que detalha o trecho da serra, contamos 133 curvas. O número 180 parece-nos provir do relato de Kidder,32 que desceu a calçada em 1839. A tradução brasileira diz “mais de cento e oitenta curvas em todo o seu sinuoso percurso”. Saint-Hilaire,33 lendo Kidder no original, traduz esse trecho por: “Traçado em curvas de cento e oitenta graus”.34 Curvas de 180° é uma expressão para indicar um zigue-zague apertado, isto é, aquele em que a um trecho numa direção corresponde a seguir outro quase na direção oposta, diferindo de quase 180°, como se vê no esquema da Figura 9, tirado do mapa de Vasconcellos e na foto da Figura 10.
Planta da estrada entre as cidades de São Paulo e Santos. Desenho da calçada na serra, inserida numa cartela do mapa de Vasconcellos, em que se veem trechos consecutivos em zigue-zague, diferindo por ângulos que se aproximam de 180°.
Calçada do Lorena. Trecho logo abaixo do Padrão do Lorena. Notar o muro de arrimo à esquerda, que é de 1920, e a curva de quase 180°.
Por outro lado, esse trajeto não pode cruzar curso d’água algum, por estar num contraforte ou interflúvio. Este é um divisor de águas inclinado, e, como o segundo nome indica, situa-se entre duas bacias fluviais, e assim, por definição, não cruza nenhum curso d’água. O segredo de um traçado na serra está em identificar ou escolher bem esse divisor de águas. Na vertente de São Paulo a Santos, ao longo dos tempos, escolheram-se inicialmente os vales de rios: primeiro o do rio Mogi (a trilha dos tupiniquins) e depois o do rio Perequê (o chamado caminho do padre José), o que em geral não é uma boa opção: as trilhas em vale acompanham o leito do respectivo rio, com pouca declividade no início, mas altas declividades e cachoeiras no trecho final; são esses trechos que obrigam a andar de gatinhas ou agarrando-se a raízes, como relata o padre Simão de Vasconcelos em 1656.35 Já as trilhas nos interflúvios são otimizadas quanto a declividades (inclinações de subida ou descida) e, principalmente, quanto a evitarem as águas, problema crucial no verão dos trópicos.
Essa calçada ficou registrada em gravuras, como a de Burchell (Figura 11), desenhada quatro anos após a passagem do príncipe e sua comitiva. O aspecto dessa via não se alterou substancialmente até os nossos dias, contando com as recuperações, como se pode ver na Figura 10, já apresentada.
Vista da calçada do Lorena. Notam-se claramente os cortes no terreno, o zigue-zague e o empedramento.
Ao final da serra chegava-se a um monumento situado no pico, que comemorava a conclusão dos trabalhos de calçamento da via, incluindo parapeitos e obras de drenagem. Era um bloco de pedra pequeno, em forma de paralelepípedo com placas contendo inscrições em maiúsculas nas quatro faces: “Maria I, Regina / Neste anno 1790 / Omnia vincit amor subditorum / Fes se êste caminho no felis govêrno do ill° e ex° Bernardo José de Lorena general desta capitania”. A expressão latina “O amor dos súditos tudo vence” inspira-se em Virgílio.36 Dona Maria I era a avó de dom Pedro: teria ele visto esse monumento e suas inscrições?
Kidder37 descreve como as encontrou em 1839 e Washington Luís, às vésperas do centenário da Independência, também se alegrou com redescobri-las.38 Depois duas delas foram implantadas no Padrão do Lorena, monumento da Estrada Velha do Mar, até que, depois de vandalismos, se perdeu seu paradeiro. Na Figura 12 apresenta-se aquela que recolhe a expressão latina.
Placa com a inscrição Omnia vincit amor subditorum, implantada no Padrão do Lorena, Estrada Velha do Mar. Hoje, não se encontra mais aí.
O DESENHO DA CALÇADA
Alguns autores se enganaram quanto ao correto posicionamento dessa calçada nos mapas. É o que se pode ver na Figura 13. Na imagem da esquerda vê-se o desenho de Canabrava, que, embora escreva Calçada do Lorena, desenha, no entanto, a Estrada da Maioridade, também chamada Estrada (Velha) do Mar ou Estrada do Vergueiro, dependendo da época e das reformas. É facilmente reconhecível pela geometria de suas curvas, e comparável com a linha amarela da imagem da direita, sobre o OSM. Em vermelho, nessa imagem, a Calçada do Lorena; não se nota o zigue-zague, pois os trechos são de curta extensão, de cinquenta, vinte ou menos metros, que na escala do mapa (1:100.000) não passam de 0,5 mm. Segue pelo interflúvio entre B e 3: Cruzeiro Quinhentista e Monumento do Pico.
À esquerda desenho de Canabrava (1972) com o topônimo Calçada do Lorena, mas desenhando o Caminho do Mar, representado em amarelo no mapa da direita, e 13b, nesse mesmo desenho, em vermelho, a Calçada.
Em vários momentos foi feita a recuperação dessa calçada, limpando o mato que cresce muito rapidamente, dessaterrando o leito da estrada e recolocando pedras. Mas o desenho da calçada sobre mapas só foi feito para o trecho superior: do Pico ao Padrão do Lorena, ponto do último cruzamento dessa estrada com o Caminho do Mar. Daí para baixo a cartografia não existe. Toledo (1981) indica, corretamente, que a estrada passava pelo flaire (chaminé) da refinaria Presidente Bernardes, tendo feito o percurso até esse ponto. Para este trabalho fizemos o levantamento do trajeto com GPS e o desenhamos sobre o mapa do IGC, que possui curvas de nível, ficando patente que está mesmo no interflúvio (Figura 14).
Traçado da calçada do Lorena, em verde. O trecho final entre A (padrão do Lorena) e B (Refinaria) foi mapeado com GPS para este trabalho. Em vermelho a Estrada da Maioridade ou Caminho do Mar.
Primeiro trecho no planalto
Passado o pico (Figura 15), entra-se em uma região relativamente plana em que, além de rios, cruzam-se trechos alagadiços, em qualquer época do ano; o nome “Olhos d’água”, uma constante nos mapas, é bem apropriado.
Calçada do Lorena, 1826. Vista tomada no Pico, vendo-se o lagamar de Santos e o aterrado do Cubatão, reconhecível em seus trechos retos.
Na Figura 16 mostra-se uma variante de caminho: a calçada passando pelo monumento do Pico em 3, seguia por C e 4 (Zanzalá). Já a Estrada da Maioridade (1841), atual Estrada Caminho do Mar, em amarelo, subia a serra, cruzava a Calçada do Lorena antes de 3 e buscava o ponto C, onde as duas se encontram. A estrada do Vergueiro, nesse trecho do mapa, corre sobre a Estrada da Maioridade.
Variantes históricas do caminho: dom Pedro subiu pela Calçada, em vermelho. A Estrada da Maioridade (do Mar ou do Vergueiro) em amarelo. Entre 3 e C há uma ligação (em traço branco) entre os dois caminhos, e aí se situa o estacionamento do Parque estadual criado na região.
Esse tipo de terreno mantém-se até nossos dias, acrescentando-se as represas produzidas pelo barramento dos rios das Pedras, Pequeno e Grande. Este último possui outros nomes, em função do trecho e da época, sendo o rio Jurubatuba (muitas palmeiras, em tupi) ou Pinheiros.
Barreiros pergunta-se: “Galgada a serra, surgiria a pousada Zanzalá, citada por J. J. Tschudi em 1860. Seria mais antigo ainda esse local?”.39 A resposta é afirmativa: corresponde a uma antiga sesmaria, terras doadas em 1717 a Manuel Ferreira da Costa Zanzalá. O topônimo permanece até hoje, designando um riacho e essa região, em torno do ponto 4, do qual parte a também antiga estrada do sal, para Mogi das Cruzes, substituída depois pela Estrada Índio Tibiriçá, que parte de D. Isso também é visto no mapa da CGG, na Figura 17.
Sesmaria Zanzalá (4), de onde parte a antiga Estrada do Sal, para Mogi das Cruzes, depois substituída pela Índio Tibiriça, que parte de D. Vê-se também a ponte sobre o Rio Grande ou Jurubatuba (5) e o Ponto Alto, na garganta do Botujuru (6).
A seguir o caminho passa por Caveiras, Varginha, cruza o rio Jurubatuba (Pinheiros) e dirige-se a Ponto Alto, numa garganta que era ponto obrigatório. A rodovia Anchieta, vinda do Sul, superpõem-se a esse caminho, cruza o rio, hoje represado, e segue por essa garganta. O primeiro trecho no planalto termina nessa garganta situada na cadeia de montanhas que hoje divide os municípios de São Bernardo e Santo André. O local faz jus ao nome, que em tupi significa boca do vento.
Até esse ponto a vegetação era a Mata Atlântica; depois começava o campo, e daí o nome Borda do Campo, que permanece até hoje, associado a bairros de São Bernardo e à quase lendária vila de Santo André da Borda do Campo.
Esses mesmos locais podem ser identificados no mapa de Vasconcellos, do qual se apresenta um pequeno trecho na Figura 18. Esse mapa mostra o caminho e aquilo que se encontrava às suas margens, por exemplo estações de telégrafo,40 rios e riachos que cruzam o caminho e as respectivas pontes, morros, casas e seus donos, duas igrejas, vendas e ranchos (cinco particulares e três nacionais) e o primitivo monumento do Ipiranga. As vendas e os ranchos se explicam por ser esse o caminho das tropas; na serra havia mais dois e um terceiro em Cubatão.
Trecho do citado mapa de Vasconcellos mostrando como ele desenha o caminho e fornece os diversos acidentes geográficos e seus topônimos. Zanzalá aparece à esquerda, na parte inferior.
Esses topônimos, muitos deles comuns ao mapa de Vasconcellos e ao da CGG, respondem a algumas indagações geográficas de Canabrava.
Numa visão de detalhe (Figura 19), constata-se que a região foi muito modificada, pela represa Billings, pela rodovia Anchieta, pelo Rodoanel e suas alças, e pelas ruas e avenidas que se abriram. Superpondo o caminho, determinado em mapas antigos, a um mapa atual (OSM) vê-se que ele corria por onde é hoje a crista da barragem e, depois de chegar à outra margem, derivava para a esquerda, voltando a identificar-se com a Anchieta mais adiante, na região do Ponto Alto (6). A pesquisa de campo mostrou que esse trecho antigo permanece como caminho de pescadores e possui placas que identificam sua origem: “Estrada Velha do Mar/Vergueiro”. Uma foto de amostra desse trecho desativado pode ser vista na Figura 20. Depois disso o caminho segue pelo lado direito da rodovia Anchieta, pela avenida Doutor José Fornari, até unir-se à Marechal Deodoro, que passa pelo centro de São Bernardo.
Exemplo de modificações ocorridas, pela ação antrópica. D. Pedro passou pelo trecho em vermelho tracejado à esquerda, que antes e depois coincide com a atual Via Anchieta.
Trecho do caminho antigo, desativado pela abertura da Anchieta. Continua como acesso local à beira da represa.
De São Bernardo a Moinhos: dúvidas e bifurcações
Esse pode ser considerado o segundo trecho no planalto, e nele desenrolaram-se os acontecimentos próximos da Independência, e a cartografia histórica ajuda a entender e comparar melhor os relatos das testemunhas oculares, em direção ao Ipiranga.
Do Ponto Alto o caminho segue em direção a São Bernardo, passando pelas atuais avenida Dr. José Fornari e rua Marechal Deodoro, local onde havia a capelinha de Nossa Senhora da Boa Viagem, nome muito adequado, pensando na ida daqueles que iam embarcar em Santos. Construída em 1814, permanece até hoje, com as reformas que foram necessárias para sua conservação ao longo do tempo (Figura 21). Na mesma praça foi construída mais tarde a igreja matriz, hoje catedral, que toma o mesmo nome.
Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem (1814), em São Bernardo, na Praça da Matriz (hoje catedral, vista ao fundo). D. Pedro passou em frente a ela, na ida e na volta.
No caminho, logo depois da Capela da Boa Viagem (número 7 na Figura 22), há uma bifurcação em (E): ou se vai pelo trajeto amarelo, que corresponde hoje à avenida Senador Vergueiro, paralela ao Córrego dos Meninos, ou se vai pelo trajeto vermelho, que é composto pelas atuais avenidas Redenção, Nações Unidas, Lucas Nogueira Garcez, marginal da Anchieta e a avenida Caminho do Mar, que é a opção correta para 1822, por ser o único caminho existente no mapa de Vasconcellos.
Alternativa de caminhos no mapa da CGG. A linha vermelha mostra o trajeto do caminho das tropas e, portanto, o de dom Pedro.
Os dois caminhos encontram-se no ponto (8), onde hoje se situa a Paróquia de São João Batista (Figura 23), um ícone do bairro de Rudge Ramos, que corresponde ao antigo local denominado Meninos, nas imediações do córrego de mesmo nome e que é citado nos relatos.
Foto aérea em que se vê a confluência entre a Senador Vergueiro (amarelo tracejado) e a avenida Caminho do Mar (vermelho), por onde passou a comitiva.
O mapa de Vasconcellos confirma o traçado vermelho (Figura 24) e acrescenta dados: em (7), lê-se: igreja de São Bernardo; na bifurcação há um caminho que pintamos de amarelo e que sai para a direita, denominado Estrada para Mogi das Cruzes, que passava pela atual rua Caminho do Pilar. Uma variante dela criada mais tarde em direção ao norte é hoje a Senador Vergueiro. Também se lê o nome do córrego que é cruzado duas vezes no caminho vermelho, como se fossem dois riachos diferentes: Córrego dos Meninos Velhos e Córrego dos Meninos Novos (sic).
Através do mapa de Vasconcellos pode-se ver o caminho das tropas em vermelho, que passa pela Igreja de São Bernardo (7). Possui uma variante amarela em F, que mais tarde seria ligada ao ponto 8. Confirma-se o topônimo Meninos.
O caminho das tropas e de dom Pedro seguia pela avenida Dr. Rudge Ramos e descia pela atual rua Maria Alves Lorenzoni, indo cruzar pela primeira vez o ribeirão dos Meninos na Praça Mauá (8), onde hoje se situa o Instituto Mauá de Tecnologia e a escola de engenharia que homenageia esse industrial brasileiro.
Logo a seguir um outro dilema (Figura 22) para ligar Meninos a Moinhos: ou seguir o caminho amarelo (à esquerda) ou a estrada das Lágrimas (à direita), em vermelho. Barreiros opta pelo caminho da esquerda, como se vê na Figura 25. Mas essa opção não é válida, pois não corta duas vezes o ribeirão dos Meninos, como se vê no caminho do mapa de 1832. Além disso, ele faz esse riacho desembocar no Couros, quando na realidade este é um afluente do primeiro.
Barreiros considerou o caminho como sendo o da esquerda, no trecho Meninos-Moinhos. Não apresenta, nem como hipótese, o caminho da direita, que é o correto, por coincidir com o do mapa de 1832.
O mapa de Vasconcellos (Figura 24), ao mostrar o caminho cruzando duas vezes o riacho, confirma que a variante vermelha (Figura 22) era o caminho das tropas. O morador de uma casa no início da Estrada das Lágrimas, em São Caetano, com consciência do fato histórico, colocou uma placa indicando que por aí passou dom Pedro. Após cruzar o Ribeirão dos Meninos pela segunda vez, já no município de São Paulo, a estrada é um espigão, tipo de caminho preferido na época, por evitar baixadas e terrenos alagadiços. Esse trecho da Estrada da Lágrimas, de seis quilômetros, passa pela Paróquia de São João Clímaco, em um ponto de máximo, pela Vila Heliópolis, pela Paróquia Santa Edwiges e pela Figueira das Lágrimas (Figura 26), que deu nome à estrada. Essa famosa árvore era o ponto em que os parentes se despediam de seus familiares que iam embarcar em Santos, para viagens de navio e em geral por muito tempo: explicam-se bem as lágrimas. Oscar Pereira da Silva representou essa cena ao pé da figueira em uma de suas telas.
Figueira das Lágrimas, que assistia às despedidas dos viajantes de seus parentes e amigos.
Pouco depois chega-se ao ponto 9 da Figura 22: Moinhos, à beira do córrego do Moinho Velho. Oberacker Júnior escreve: “Não conseguimos localizar este sítio, que talvez tenha desaparecido, num mapa mais moderno […] estamos convencidos que de fato existia (ou talvez ainda exista) um lugar denominado Moinhos, próximo à colina do Ipiranga”. De fato, essa denominação com suas variantes (Moinhos, velho, novo) aparece nos mapas de Vasconcellos, da CGG e no mapa da Sara, que apresentamos na Figura 27. Vê-se também a árvore das lágrimas, algumas ruas do Ipiranga e o lago que existia nessa época no local do Terminal Sacomã. Aparece também no OSM, com a denominação Moinho Velho (Figura 28).
Nesse trecho do mapa da Sara, lê-se Árvore das Lágrimas, Córrego do Moinho Velho; vê-se o lago onde hoje se situa o terminal Sacomã, o final da rua Bom Pastor e várias outras vias do bairro do Ipiranga.
Mapa atual em que aparecem as denominações Moinho Velho, Vila Heliópolis e Rua do Lago. Na beira do caminho, em vermelho, desenhou-se a Árvore das Lágrimas. Em 9, situa-se atualmente o Terminal Sacomã.
O padre Belchior, que era de Minas Gerais e não conhecia bem os topônimos, engana-se nesse ponto. Seu relato diz que, depois de ler as cartas vindas de Portugal, vinha “abotoando-se e compondo a fardeta (pois vinha de quebrar o corpo à margem do riacho do Ipiranga, agoniado por uma disenteria com dores que apanhara em Santos)”. Esse riacho não pode ser o do Ipiranga, pois o príncipe regente só chegaria às suas margens depois de encontrar a guarda de honra à meia encosta, proclamar a Independência e descer mais 405 metros, como se verá. Esse riacho, como se mostrará, é o córrego do Moinho Velho, no sopé da colina do Ipiranga, do lado voltado para Santos e que passa nas proximidades do Terminal Sacomã, indo desembocar no Tamanduateí, uns dois quilômetros adiante.
MOVIMENTAÇÃO NO PLANALTO
Recorremos uma vez mais aos quatro relatos para analisar agora a movimentação de dom Pedro e da guarda de honra no planalto, após passar a garganta do Botujuru, em São Bernardo, em direção ao Ipiranga.
Gama Lobo, comandante da guarda de honra, é quem mais precisamente pode contar a movimentação desse corpo:
Já havíamos subido a serra, quando dom Pedro queixou-se de ligeiras cólicas intestinais, precisando por isso apear-se para empregar os meios naturais de aliviar os sofrimentos. Observou-se então que melhor seria a guarda seguir adiante e esperá-lo na estrada de São Paulo, se antes não fossemos por ele alcançados. Chegando ao Ipiranga, sem que ninguém aparecesse, fiz parar a guarda junto a uma casinha que ficava à beira da estrada, à margem daquele riacho.
Já para analisar a movimentação de dom Pedro e sua comitiva pessoal, recorremos ao relato de Canto e Melo, que se criara às margens do Ipiranga na chácara de seu pai e conhecia bem a região. Vindo de São Paulo, passou pela guarda de honra, que estava estacionada nas margens do Ipiranga, e continuou o caminho em direção a Santos, encontrando dom Pedro em Moinhos, que dista três quilômetros do riacho. Nas suas palavras:
E, como levasse eu a regressar no dia 7, a notícia de que o major Antônio Ramos Cordeiro, vindo do Rio de Janeiro, se achava em São Paulo, sendo portador de despachos do governo de Portugal e ofícios importantes, e dando disso parte a Sua Alteza, em caminho, onde o encontrei, na tarde desse mesmo dia, já no lugar denominado Moinhos, resolveu apressar a marcha, em que vinha para a capital, e o fez adiantando se algum tanto dos que o acompanhavam.
Por esse texto, fica-se sabendo que Canto e Melo chegou a dom Pedro antes dos mensageiros com despachos, que vinham no seu encalço. A expressão “dos que o acompanhavam” não se refere à guarda de honra, que estava na beira do riacho, mas à sua comitiva pessoal. Pela topografia, o adiantar-se significa que dom Pedro, partindo das margens do Ribeirão dos Moinhos (ou Moinho Velho) subiu a colina do Ipiranga, que se caracteriza por ter um topo bastante plano, deixando alguns de seus acompanhantes para trás.
Em que ponto exato dom Pedro pediu que a guarda de honra se adiantasse? Parece-nos que não há como precisar. Foi depois de subir a serra e antes de Moinhos; talvez em Meninos, atual Rudge Ramos, o que daria tempo para a guarda chegar ao riacho enquanto dom Pedro, com suas paradas, estaria ainda em Moinhos (Figura 22 e 28, nas proximidades do ponto 9).
O relato do coronel Marcondes é conflitante consigo mesmo e com os demais. Informa que o príncipe, depois de subir a serra, recebeu as cartas por um próprio, as leu e manifestou o conteúdo a ele (“as cortes de Portugal queriam massacrar o Brasil”) e a seguir teria sido alcançado por sua guarda de honra que vinha de trás e, sem dizer nada a ela (entende-se), mandou que se adiantasse. Depois teria recebido os ofícios de Paulo Bregaro e Ramos Cordeiro e aí foi ao encontro da guarda a quem manifestou o conteúdo desses documentos (“as cortes portuguesas queriam massacrar o Brasil”) e proclamou a Independência. Ele confunde as primeiras informações, de Canto e Melo - documentos de menor importância, talvez, junto com a notícia de que Bregaro e Cordeiro estavam a caminho - com as mensagens efetivamente trazidas por esses dois, com quem se encontrou no topo da colina, como informa Canto e Melo:
Resolveu apressar a marcha, em que vinha para a capital, e o fez adiantando se algum tanto dos que o acompanhavam. Ao chegar ao alto da colina próxima do Ipiranga, a três quartos de légua da cidade, encontrou o Príncipe ao major Cordeiro, de cujas mãos recebeu os ofícios e cartas que lhe eram enviados pela princesa real e por José Bonifácio e, ao lê-los, tendo conhecimento das intenções das cortes portuguesas, e comunicando-as aos que o rodeavam, depois de um momento de reflexão, bradou: “É tempo!… Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!.
Nesse texto, destacamos dois elementos topográficos: o alto da colina e – de légua. Onde fica o alto da colina? Examinando um perfil topográfico do caminho, pode-se constatar que há um platô mais elevado, com uns novecentos metros de extensão, situado nas cotas 775 e 780, entre as atuais ruas Lord Cockrane (A) e os fundos do Museu (B, ambos na Figura 29), ao longo do caminho, que corria entre as atuais ruas Nazaré e Bom Pastor. Os – de légua equivalem a 4,5 quilômetros, distância bastante aproximada, se considerarmos não o centro da cidade, que fica a uns seis quilômetros, mas as primeiras casas, na Rua da Glória, por exemplo.
Trecho do caminho assinalando o topo da colina, onde o príncipe recebeu e leu os ofícios e cartas: entre A (rua Lord Cockrane) e B (fundos do museu).
OS DOIS GRITOS DE INDEPENDÊNCIA
O relato mais claro e detalhado da independência é o texto do padre Belchior, que permite reconstituir os acontecimentos. Por ele ficamos sabendo quais eram os documentos (Instrução das Cortes, carta de dom João, da Princesa, de José Bonifácio e de Chamberlain, agente secreto do príncipe), que foram lidos em voz alta pelo próprio padre; que depois disso dom Pedro tomou-os de suas mãos, amarrotou-os e pisou-os, sendo recolhidos depois pelo sacerdote. Depois de recompor a fardeta, perguntou a opinião do padre Belchior (reconhecido por todos como confidente do príncipe, inclusive pelo coronel Marcondes), e teve como resposta a mesma disjuntiva de José Bonifácio: ou se faz rei ou será prisioneiro das cortes e talvez deserdado por elas. Voltou para a estrada onde estavam as montarias e externou sua decisão: “Proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal”. Foi o primeiro grito, quase privado, diante da sua comitiva particular.
Depois, deu uma ordem a Canto e Melo: “Diga à minha guarda que eu acabo de fazer a independência completa do Brasil. Estamos separados de Portugal.” Este “cavalgou em direção a uma venda, onde se achavam quase todos os dragões da guarda e com eles veio ao encontro do príncipe, dando vivas ao Brasil independente e separado”.41 Depois, diante de sua guarda, narra os episódios dos laços que foram arrancados e atirados ao chão, e a proclamação segunda e mais solene: “Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil! […] Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência. Ou Morte!”.
Até aqui o relato do padre Belchior, que nos permite concluir pelos dois momentos e dois gritos: um diante da comitiva pessoal e outro mais solene, público, diante da guarda. Dentre seus erros, o coronel Marcondes fala também de dois gritos, ainda que em locais e momentos equivocados.
Gama Lobo conta-nos o fato de outro ponto de vista e com sua correspondente movimentação. Informa que fez parar a guarda de honra junto a uma casinha que ficava à beira da estrada, à margem do Ipiranga; mandou o guarda Miguel de Godoi ficar de vigia em um lugar em que pudesse ver a aproximação do príncipe e avisar com tempo e ficaram a descansar, mas pouco depois passaram por eles Paulo Bregaro e o Antônio Ramos Cordeiro,42 vindos do Rio de Janeiro, para entregar a dom Pedro despachos da corte de Lisboa. Poucos minutos depois viram o vigia vir apressadamente até onde estavam. Imediatamente mandou formar a guarda para ir ao encontro do príncipe. O encontro deu-se a meia encosta, colina acima, a 405 metros da cabeceira da ponte sobre o riacho do Ipiranga.
A movimentação posterior se explica assim: a guarda sobe apressadamente a colina e alguns mal tiveram tempo de alcançar as selas, ficando na retaguarda. E dom Pedro, como se sabe pelo relato do padre Belchior veio em direção à guarda: estava em algum lugar do topo da colina (extensão de novecentos metros), onde havia se encontrado com os dois emissários; lida a correspondência, pronunciou o primeiro grito, mandou Castro e Melo anunciar sua decisão à guarda, como relata o padre Belchior, e seguiu em marcha apressada.
Desse local onde recebeu a correspondência até os fundos do museu são no máximo novecentos metros, que é a extensão do topo; há mais uns 350 metros dos fundos do museu até o ponto de encontro; são assim, no máximo, 1.250 metros a serem percorridos. Isso é compatível com os episódios que devem decorrer simultaneamente até o encontro com a guarda de honra: o vigia avistar Canto e Melo vindo a seu encontro, correr em direção ao riacho, ser percebido por Gama Lobo e a guarda montar e deslocar-se 405 metros colina acima.
Continua Gama Lobo: “Deviam ser quatro e meia da tarde mais ou menos. Vinha o Príncipe apressadamente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos ao seu encontro; diante da guarda que descreveu um semicírculo, estacou o seu animal”. Relata o desembainhar das espadas e o brado “independência ou morte”. A propósito, esse grito não foi uma improvisação: pouco tempo antes, José Bonifácio havia pronunciado uma palestra com esse título numa loja maçônica do Rio de Janeiro.
O LOCAL PRECISO DA INDEPENDÊNCIA
O dado relativo aos 405 metros não se deduz de nenhum dos relatos, mas de uma ata da vereança de São Paulo, relativa a uma sessão feita em campo, a 2 de setembro de 1825, com a finalidade de demarcar o ponto exato da proclamação, para o lançamento da pedra fundamental de um futuro monumento. Compareceram diversas pessoas, entre elas Canto e Melo, testemunha presencial; todos indicaram unanimemente o local preciso, alguns por terem ouvido de terceiros. E estiveram também profissionais da topografia que fizeram a medição da distância, ao longo do caminho, a partir da cabeceira da ponte, resultando em 184 braças ou 404,80 metros, nas medidas atuais. Cintra e Cintra estudaram com detalhe essa determinação, resumida na Figura 30. Nesse trabalho, que justifica este item, identificam-se e justificam-se a posição dos diversos locais e edificações, bem como se apresentam imagens e fotos da região, mostrando o mastro e pavilhão comemorativos em local errôneo.
O local do grito e arredores: B: Fundos do Museu, C: Local do grito, D: a chamada Casa do grito, inexistente à época, E: sede da Chácara Canto e Melo, F: Venda, onde descansava a guarda de honra. Em vermelho, o caminho.
O local do grito já havia sido recuperado em 1902 e demarcado com um mastro e pedra (Figura 31), mas voltou a perder-se com a remodelação do jardim em 1922, em que o terreno foi muito escavado e transformado.
Mastro e marco de pedra que assinalavam o local da independência, que foram desfeitos por ocasião da terraplenagem para a remodelação do terreno. Notar o museu ao fundo e a erosão do terreno em primeiro plano.
UMA TELA ESPECIAL
A tela de Edmond Pink (Figura 32) permite ilustrar o que se disse nos últimos parágrafos. O fato de ter sido pintada em 1823 já denota a importância que se dava ao local e o título da obra o confirma: Vista do Ipiranga, local onde o atual imperador dom Pedro, o então príncipe regente, declarou a Independência do Brasil.
Edmund Pink, Vista do Ipiranga, local onde o atual imperador d. Pedro, o então príncipe regente, declarou a Independência do Brasil (São Paulo, SP), aquarela sobre papel, 1823. Dimensões: 18,5 × 24 cm.
Em primeiro plano vê-se um cavaleiro com chapéu e poncho, indo de São Paulo a Santos, no caminho das tropas. O riacho está escondido, na chamada mata galeria, pelas árvores existentes nas duas margens. As árvores também escondem a casa, sede da Chácara de Canto e Melo. Na acentuada ladeira, o caminho se divide em três, coisa que se confirma pela cartografia da época, e o tramo principal é o do meio. Pela proporção das distâncias, a Independência ocorreu no local indicado pela seta, aproximadamente, e que foi assinalado em campo em 1902, como mostrado na Figura 31. À esquerda do cavaleiro, situa-se um campo arado em primeiro plano e um rancho ou pouso de tropeiros, mais adiante, com cercas de madeira para confinar os animais. À direita vê-se uma casa que, pelos relatos, identifica-se com a venda do alferes Joaquim Antônio Mariano. Um indício dessa função são as diversas estacas verticais e o cavalo amarrado a uma delas; provavelmente de um cliente.
AS RUAS EM SÃO PAULO
Depois de proclamada a independência, o príncipe seguiu para São Paulo. Gama Lobo e o Coronel Marcondes não relatam esse trecho final. Canto e Melo diz: “dirigiram-se à capital com a maior velocidade” e o padre Belchior acrescenta detalhes: “Em seguida, firmou-se nos arreios, esporeou a sua bela besta baia e galopou, seguido do seu séquito em direção a São Paulo”.
Como em todo o artigo, para desenhar o trajeto identificou-se o velho caminho das tropas em mapas antigos e foi feita a superposição a mapas recentes, com a ajuda de um programa de cartografia digital, no caso o MapInfo. Com isso, o trajeto pode ser descrito pelos topônimos atuais, como se vê na Figura 33, sobre o mapa da Emplasa.
Trecho do caminho entre o riacho do Ipiranga e a rua da Glória sobre o mapa da EMPLASA. Este foi usado em função de conter as curvas de nível para representar o relevo. No entanto há um erro: a rua Lavapés começa em L, em direção a K, e o mapa a nomeia como sendo uma continuação da rua da Glória.
Depois de passar a casa Canto e Melo, em E, e a venda que se vê na tela de Edmond Pink (Figura 32), no ponto F, a estrada buscava o ponto G, na rua Ouvidor Portugal, indo a meia encosta, para fugir dos terrenos alagadiços onde hoje se situa a avenida d. Pedro I. Com a abertura dessa via, o entroncamento da Ouvidor Portugal teve que ser adaptado. As curvas de nível permitem ver que o terreno sobe e depois volta a descer, até o ponto H, onde se situa a Rua da Independência, nome significativo que relembra o acontecimento.
No ponto I situa-se o Largo do Cambuci (Figura 34), de onde parte, em outra direção, ladeira acima, a rua Lins de Vasconcelos e, na continuidade do caminho, começa a rua Lavapés. Esse largo faz referência a um exemplar dessa árvore frutífera (Campomanesia phaea), que existia na época da denominação desse largo. Desapareceu e teve um novo exemplar plantado recentemente para justificar o nome. Em J, no cimo do outeiro que domina o largo, situa-se a Igreja de Nossa Senhora da Glória, na chácara de mesmo nome e que também deu origem à rua/caminho que de São Paulo conduzia a ela.
Vale lembrar que o Conpresp tombou esse trecho tortuoso, denominando-o Caminho Histórico Glória-Lavapés,43 tendo como fundamento o fato de ser o caminho histórico das tropas. O mesmo decreto tombou algumas edificações, de beleza duvidosa, entre elas as situadas na curva indicada do ponto K na Figura 33.
Atualmente o riacho do Cambuci, todo canalizado, cruza o caminho logo após o largo de mesmo nome e, apesar de receber as águas do Parque da Aclimação, passa por períodos de estiagem.
Já o riacho do Lavapés, também canalizado, passa em L, que é um ponto de confluência das ruas Lavapés, Glória, Tamandaré e Glicério. O transeunte que olhe com atenção os bueiros dessa última rua pode ver a água correndo abundante, alguns metros abaixo do nível da rua. O nome deve-se ao fato de os viajantes lavarem seus pés nele antes de entrar na cidade. Passava-se facilmente sem a necessidade de ponte.
O caminho, em aclive acentuado, aproxima-se da entrada da cidade, passando pelos terrenos da Santa Casa de Misericórdia,44 onde o presidente da província, Lucas Monteiro de Barros, em 1825, queria instalar o monumento à Independência, no que foi contrariado pelo imperador, que indicou fosse colocado “no próprio local do Piranga (sic)” onde se deu o acontecimento.
A continuação do caminho pode ser vista na Figura 35. A Rua da Glória começa no atual largo Sete de Setembro, também ele uma memória dos acontecimentos de 1822, em que se situava a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, erigida em 1724, pela irmandade de mesmo nome e que foi demolida em 1943, sendo transferida para o Cambuci. Para que se tenha uma ideia de como seria essa igreja, apresenta-se a Figura 36, que mostra uma tela de Benedito Calixto de Jesus, inspirada em foto de Militão Augusto de Azevedo de 1862, que pode ter sofrido modificações em relação ao que era em 1822.
Trecho final do caminho de dom Pedro, situando-se em M a Igreja dos Remédios, na entrada da cidade. Do Ipiranga até esse ponto, passava-se por várias chácaras.
Largo dos Remédios, 1862. Benedito Calixto, de 1918, baseada no registro fotográfico de Militão Augusto de Azevedo. Óleo sobre tela. A rua da Glória chegava a ele pela passagem estreita no centro da tela.
O caminho, nessa figura, segue por N, Igreja de São Gonçalo (Figura 37); NN, rua de São Gonçalo, hoje lateral da Sé, NOP, rua de Santa Teresa, que delimita hoje o Largo da Sé, na face mais próxima ao Pátio do Colégio; P que é o local do antigo convento de Santa Teresa, hoje demolido; Q é ponto final da antiga Rua do Carmo e atual Roberto Simonsen e finalmente uma pequena quebrada para chegar ao Pátio do Colégio em R.
Para comprovar o trajeto, já dentro da cidade, temos a informação final de Canto e Melo: “Ao passar o séquito pelas ruas da Glória e Santa Teresa, foi tão feliz nova, por mim comunicada ao padre Ildefonso e ao coronel Prado, que se achavam à janela, os quais respondendo às alegres saudações, que acompanhavam aos recém-chegados, a estes dirigiram-se logo, para melhor se informarem do que havia ocorrido”. Ou seja, dentro da cidade, passaram pela rua de Santa Teresa e representavam um séquito de cavaleiros, que, andando mais devagar, faziam saudações às pessoas que estavam às janelas. Como o padre Ildefonso morava no Largo de São Gonçalo, número 10,45 e o coronel Antônio Prado na rua do Carmo, número 9,46 o mais provável é que no Largo de São Gonçalo tivessem tomado a rua de mesmo nome (hoje na lateral da Sé) e assim chegaram até o início da rua de Santa Teresa, que, mutilada, existe até hoje. Depois, tomaram a antiga Rua do Carmo (hoje Roberto Simonsen), que vai até o Pátio do Colégio. Que tenha chegado a esse ponto, é confirmado por Canto e Melo: “Chegando ao palácio, fez imediatamente o príncipe em papel um molde da legenda ”Independência ou morte”.
Para entender melhor esse caminho e suas alternativas, podemos recorrer a um mapa da época, a primeira planta da cidade de São Paulo,47 elaborada por Rufino José Felizardo e Costa, da qual se mostra o trecho em questão na Figura 38.
Trajeto final em mapa da época: de M na rua da Glória a R no Pátio do Colégio, passando por NN (rua de São Gonçalo), NOP (rua de Santa Teresa), QQ (rua do Carmo, atual Roberto Simonsen).
Como visto, pelas informações disponíveis, depois do fim da rua da Glória (M), passaram pela igreja de São Gonçalo (N), pela rua de mesmo nome (NN), rua de Santa Teresa (NOP, nos fundos da antiga Sé), rua do Carmo, atual Roberto Simonsen (QQ), passando em frente ao convento de Santa Teresa (exatamente na curva, em P). São possíveis outros caminhos para chegar ao Palácio do Governo, como os indicados em azul (ruas do Quartel e da Esperança, de cima para baixo), mas essas opções não passam pelos locais assinalados na documentação ou, se o fizessem mediante quebradas no trajeto, só passariam por pequenos trechos desses logradouros.
Gama Lobo fornece um complemento final, que não afeta o trajeto: “São Paulo, onde foi hospedado pelo brigadeiro Jordão, capitão Antônio da Silva Prado e outros, que fizeram milagres para contentar o Príncipe”. O brigadeiro Jordão, um dos magnatas da época, morava na rua Direita, na esquina com a rua de São Bento, que não está no trajeto.
A Figura 39 mostra a mais antiga imagem da igreja e as demais dependências dos jesuítas no Pátio do Colégio, onde funcionava o palácio do governo, ponto de chegada de dom Pedro. Uma das casas à direita era o teatro da ópera, onde o príncipe foi aclamado rei do Brasil.
Palácio do Governo em São Paulo, Thomas Ender 1817. O Pátio do Colégio, no mais antigo registro iconográfico que se conhece do local. Ponto final da Jornada do 7 de setembro de 1822.
RELATOS PRESENCIAIS E SEUS DESENCONTROS
É natural que, em se tratando de um dia ou uns momentos importantes na história, se queira conhecer mais pormenores. Uma amostra disso, no nosso caso, é a existência de quatro relatos de participantes e um certo número de construções ou reconstruções posteriores, mais ou menos acertadas, publicadas em geral em datas redondas comemorativas: cinquenta, cem, 150 e duzentos anos depois. Em qualquer relato, quanto mais se desce ao detalhe, mais se aumentam as incertezas, as contradições, o preenchimento de lacunas e as consequentes criações e invenções. Algumas possíveis ou plausíveis, mas sempre incertas. Há divergências e contradições entre os relatos e mais ainda nas criações posteriores. Vejamos alguns exemplos.
O coronel Marcondes diz que as cartas e ofícios, manifestando o desejo de massacrar o Brasil, foram recebidas e lidas logo após subir a serra e que a guarda de honra, que estava atrás do príncipe, passou adiante. Depois narra que Bregaro e Cordeiro encontraram a guarda de honra no Ipiranga e foram em direção ao príncipe e entregaram os ofícios enviados do Rio de Janeiro. Isso implica duas correspondências com o mesmo teor, o que é contraditório: a primeira correspondência de menor importância, se existiu, foi trazida por Canto e Melo e entregue ao príncipe em Moinhos, como se viu. Afirma também que aí, em campo, dom Pedro teria pedido que lhe trouxessem uma legenda com a inscrição “independência ou morte”, coisa que aconteceu na cidade de São Paulo (relato de Canto e Melo). Afirma também que não estava presente quando Bregaro e Cordeiro entregaram a correspondência, mas que o padre Belchior sim. Ou seja, torna seu relato menos confiável em relação ao do sacerdote. Finalizando sua narração, o coronel Marcondes, reconhece as deficiências:
Resta-me o pesar de ter a mão do tempo riscado de minha memória muitos outros fatos e circunstâncias que porventura ladeassem o ato de nossa independência, porque quarenta anos se tem passado, e seria preciso grande fertilidade de reminiscência para não esquecer todas as minudências que se deram por essa ocasião.
Gama Lobo, estando à margem do riacho, só menciona a passagem de Bregaro e Cordeiro, nada falando a respeito de Canto e Melo, que certamente passou por ele, como fica muito claro nos relatos do padre Belchior e do próprio Canto e Melo. Também não menciona os dois gritos, mas só aquele que presenciou. Mas omissões não significam erro, simplesmente foram coisas que não se presenciaram, não ficaram gravadas ou se consideraram de menor importância.
O padre Belchior, que escreveu seu relato pouquíssimo tempo após os acontecimentos, narra somente os episódios da colina e com muito detalhe, a tal ponto que parece muito difícil inventar todos eles. Mas, mesmo assim equivoca-se quanto ao riacho em que o príncipe estava quando recebeu Canto e Melo: como se viu, foi às margens do Moinho Velho e não do Ipiranga: a este só chegaria depois de proclamar a Independência, a meia encosta e, portanto, antes de chegar ao riacho.
Canto e Melo, como se disse, conhecia bem a região; os demais eram de Minas Gerais ou do Vale do Paraíba. As informações toponímicas deste tenente são boas, também no longo trecho em que relata a passagem do príncipe pelo Vale, que também estudamos com detalhe. Mas não deixa de ter algum trecho menos claro, como quando diz que “vinham ainda a alguma distância alguns companheiros de viagem, pelo que ordenou-me o príncipe que os fosse encontrar, anunciando-lhes a resolução tomada naquele momento”. Dá a impressão que se refere a alguns que ficaram para trás, quando se sabe que ele foi avisar a guarda que estava à frente. Por outro lado, ele estava presente no momento da Independência e, se fosse encontrar os retardatários, não teria presenciado o fato. O padre Belchior afirma explicitamente que ele foi avisar a guarda de honra.
RELATOS POSTERIORES E CENAS IMAGINADAS
Outras aparentes discordâncias dos relatos primitivos podem ser harmonizadas e, de maneira geral, os textos se complementam. Mas as oposições aumentam quando analisamos relatos posteriores.
Como vimos, Paulo Afonso Antônio do Vale foi o introdutor do cavalo zaino nessa história; a bela mula baia gateada é a montaria do relato das testemunhas oculares. Trocas de cavalos na entrada da cidade, em recepções pré-programadas, aconteceram, como em Guaratinguetá e na Penha, mas Canto e Melo, que conta essas duas, nada fala de algo semelhante no Ipiranga. Poderia até emprestar um de seus cavalos, que estariam na chácara, a cem metros do riacho, mas nada consta e a pressa não permitiria esse dispêndio de tempo.
Já apresentamos alguns erros de Barreiros. Outro, referente a esse trecho final, é situar a venda na margem direita do Ipiranga, quando ela se situava na esquerda, como mostra o quadro de Pink (1823).
Em começos do século XX foram feitos alguns estudos, mormente pelos membros do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Um deles, em 1902, a pedido de Von Ihering, diretor do Museu do Ipiranga, redundou na determinação do local exato da Independência, como mostraram Cintra e Cintra.48 Uma publicação de Antônio de Toledo Piza,49 situa Os Meninos “a poucos metros do alto da colina”, quando se situa a uns sete quilômetros, como se mostrou; Moinhos, sim, fica mais perto, a cerca de 1.300 metros, ainda que não sejam poucos metros. Depois situa o primeiro grito no ponto onde começa a rampa de descida, que, pela topografia da época, situava-se na frente do atual museu, a uns 250 metros do local da Independência. Se assim fosse, dom Pedro, em marcha apressada na descida, teria andado somente essa distância (250 metros), enquanto nesse mesmo tempo a guarda de honra teria que ser avisada pelo mensageiro (Canto e Melo) ou pelo vigia (Miguel de Godoi), montar as cavalgaduras e subir 405 metros, o que não dá tempo: dom Pedro teria que estar mais longe, em algum local do topo da colina, que como se viu tem a extensão de uns novecentos metros. Por outro lado, ele situa o grito junto à margem esquerda do riacho do Ipiranga, sem que a comitiva subisse a encosta; talvez por influência, consciente ou não, do quadro de Pedro Américo.
Outro estudioso, desse mesmo instituto, que se debruçou sobre a questão, foi Eugenio Egas. Talvez por influência de Piza, também situa a recepção das cartas no alto da colina, no começo da descida, no local onde está o museu. Repete que o príncipe montava um cavalo zaino, por influência de Paulo do Vale, ajudando a propagar essa errônea tradição, que já tinha sido adotada por Pedro Américo.
Vale a pena destacar somente mais um erro criado ou repetido por Egas,50 que influiu até nossos dias: que os sinos da igreja da Boa Morte teriam sido os primeiros a dobrar pela Independência. A descrição que ele faz é de quem vem do Rio de Janeiro, passando pela Várzea do Carmo, vendo-se as igrejas: “Boa Morte à esquerda na frente; a do Carmo à direita, ao fundo a de Santa Teresa e, mais afastada, a Sé”. Fala até de vigias postados na torre da Boa Morte. Mas, como se vê pelos relatos, o caminho passava pela Rua da Glória, chegando ao Largo de São Gonçalo, coisa que ele relata, contraditoriamente, quatro parágrafos depois. Assim, a primeira igreja seria a de Nossa Senhora dos Remédios, depois São Gonçalo; mas mesmo para essas não há relatos de que os sinos tenham dobrado. Barreiros repete e valida essa vinda pela Várzea do Carmo e o rebimbar de sinos. Como argumento final, deve-se dizer que da torre da Igreja da Boa Morte não se avista a Rua da Glória, pela topografia: a igreja da Boa Morte situa-se numa cota quinze metros mais abaixo que a Rua da Glória ou da Igreja dos Remédios, de cuja torre, junto aos sinos, talvez se poderia ver a Rua da Glória e os viajantes que entravam em São Paulo; isso se houvesse uma abertura voltada para esse lado (Figura 36). Fala-se de um Te Deum cantado nessa igreja, mas não há registro nos relatos que examinamos e o fato de saudarem a comitiva nas janelas aponta mais para a realidade de não o terem saudado antes na entrada ou saída dessa igreja.
Do ponto de vista do caminho e da paisagem, podemos analisar também o quadro de Pedro Américo. Como o riacho é visto em primeiro plano e a Cantareira ao fundo, o observador ou pintor deve situar-se na margem direita do Ipiranga, isto é, do lado do museu e do Monumento à Independência. Do lado oposto, onde se representa a cena, havia e há um terreno plano em direção ao Tamanduateí e não a pequena elevação que se vê no quadro. Mas o pintor foi obrigado a isso, pelos cânones da pintura da época, para destacar a figura mais importante da cena. Na situação real, em encosta, dom Pedro ficaria encoberto pelos circunstantes e o riacho não apareceria, também pelas árvores das suas margens. Os caminhos eram de fato bem ruins, como se vê nesse quadro e em fotografias do século XX (Figura 31): o terreno é arenoso e formam-se ravinas ou voçorocas, como algumas que são vistas no quadro. Era um caminho de tropas e não de carro de bois, como o que se vê nessa tela; estes carros não transitavam nesse caminho e muito menos no meio do campo cheio de grandes pedras como retratado no quadro; nem podiam passar pela calçada do Lorena, pela estreiteza e inclinação desta; o leito carroçável só viria com a estrada da maioridade, aberta a partir de 1841.
O fato de mencionar os laços que foram jogados fora aponta para algum fardamento, mas não um uniforme de gala. Nos relatos, explicitamente se fala que dom Pedro trajava a fardeta de viagem, mais própria para a ocasião. Cavalos bonitos se justificam, pois os da guarda de honra eram quase todos jovens, filhos de fazendeiros ricos que não precisavam trabalhar para sustentar-se e que até deram cavalos de presente ao príncipe, como relata Pasin.51
Como disse Pedro Américo, o riacho não podia deixar de aparecer no quadro, e “a realidade inspira, não escraviza”. Abrem-se então as portas para a imaginação, mais ou menos fértil de cada um, aliada a um estilo semelhante ao dos romances históricos, que muitas vezes se caracterizam por um toque de barroquismo e profusão de qualificativos. Encontramos, nessas obras que estamos comentando, expressões como: luzida guarda de honra; zaino que arfa orgulhoso; o bem-amado príncipe; estão cobertos de suor e poeira; beijando a destra do príncipe; tira pela espada convulsivamente; solta a rédea ao corcel espumante; depois dos cumprimentos próprios da ocasião; nesse belíssimo sábado; dom Pedro sente-se aflito, o seu peito arfa num movimento apressado, com a mão esquerda comprime o coração que palpita dolorosamente; depois calmamente, feições alteradas e nos olhares de um brilho ofuscante; repete com toda a força de seus robustos pulmões; grande e glorioso grito; nas asas da sua veloz viração; sagrada colina e outras semelhantes. São expressões próprias de uma época e de um gênero literário que não segue o preceito da boa história: na dúvida entre dois adjetivos, empregue um substantivo. O resultado é um barroco na forma e um conteúdo criativo, mas muito duvidoso, como se mostrou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ficou estabelecido assim com detalhe, sobre um mapa atual, o caminho feito pelo príncipe nessa jornada, com base nos relatos das quatro pessoas que participaram dessa jornada e nos poucos caminhos possíveis presentes na cartografia histórica. Mapas antigos e novos, em programa de cartografia digital, foram fundamentais nessa tarefa, complementados por visitas in loco. Restam sempre pequenos aperfeiçoamentos, principalmente quando o terreno foi muito modificado pela ação antrópica, como aconteceu com a implantação de represas, rodovias e ruas sobre o trajeto antigo. Além disso, procurou-se situar os diversos acontecimentos da jornada no local em que ocorreram ao longo do trajeto. Chegouse a um resultado coerente, sendo possível algumas pequenas variantes, como apontado. Resultou bastante interessante o confronto entre os quatro textos, analisando concordâncias e discordâncias, sendo possível também analisar alguns dos textos de reconstituição publicados mais tarde, principalmente no centenário e sesquicentenário da Independência, em que o caráter épico é marcante, bem como o papel da imaginação. Foi possível identificar erros e suas fontes, e alguns deles se propagam até os nossos dias, como o cavalo zaino, os sinos da Boa Morte e outros. Espera-se ter contribuído para o estudo da questão.
Agradecimentos
A Alexandre Pimentel Cintra, por ter acompanhado e feito junto todos os trabalhos de campo, percorrendo o caminho em suas minucias.
A Eric Cardoso Hoffmann, pelo apoio em todo o trecho fluvial do percurso.
À toda a equipe do Parque Caminhos do Mar que nos acompanhou no levantamento do traçado da Calçada do Lorena, do topo da serra à refinaria de Cubatão.
FONTES IMPRESSAS
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CANTO E MELO, Francisco de Castro. Descrição da viagem do príncipe do Rio de Janeiro a São Paulo, feita pelo gentil homem da sua câmara Francisco de Castro Canto e Melo. In: MELLO MORAES, Alexandre José de. História do Brasil-Reino e Brasil Império. Rio de Janeiro: Tip. de Pinheiro, 1871. t. 1, p. 381-382. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3QU9jB0 Acesso em: 6 jun. 2023.
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GAMA LOBO, Antônio Leite Pereira da. Descrição sobre a viagem de d. Pedro, de Santos a São Paulo. In: SANTOS, Amilcar Salgado dos. A imperatriz Leopoldina. São Paulo: Escolas Profissionais do Liceu Coração de Jesus, 1927. p. 90-93. Disponível em Disponível em https://bit. ly/46mjELS Acesso em: 6 jun. 2023.
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OLIVEIRA, Belchior Pinheiro de. Carta. In: VASCONCELOS, Salomão de. O fico, Minas e os mineiros na independência. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. p. 238-240. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3SSTj55 Acesso em: 6 jun. 2023.
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OLIVEIRA E MELO, Manuel Marcondes de. Independência ou morte (1871). In: MELO MORAES, Alexandre José. A Independência e o Império do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2004. v. 18, p. 88-91. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Rbkg1t Acesso em: 6 jun. 2023.
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OLIVEIRA E MELO, Manuel Marcondes de. Independência ou morte. In: MELLO MORAES, Alexandre José de. História do Brasil-Reino e Brasil Império. Rio de Janeiro: Tip. de Pinheiro, 1871. t. 1, p. 383-383. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3QU9jB0 Acesso em: 6 jun. 2023.
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FONTES CARTOGRÁFICAS
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INFRAESTRUTURA NACIONAL DE DADOS ESPACIAIS. 2023. Disponível em: Disponível em: https://bit. ly/3GdVjNu Acesso em: 6 jun. 2023.
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A proposta de trajeto está baseada em Danel (1909) e comete os mesmos erros que ele.
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d. Pedro, por uma portaria passada em Lorena a 19 de agosto de 1822, dispensou a guarda formada pelo governo rebelde, bem como o respectivo uniforme, em favor da legítima, recém-criada: veja-se Pasin (2002, p. 94), em que se listam também os componentes.
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16
Cf. Marques (1980, p. 42).
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17
Barreiros (1972, p. 134).
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18
Na época da produção do açúcar em grande escala (a partir de 1766), as tropas muares descarregavam a mercadoria no porto de Cubatão, de onde seguia por mar até Santos, transportada por saveiros. Por volta de 1822 havia um saveiro grande e dois pequenos, e formavam-se grandes filas em Cubatão. Outros relatos anteriores a 1825 confirmam que a travessia se fazia por mar. É de se supor que os barqueiros procurariam o caminho mais curto.
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19
Leme (1954, p. 11-13).
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23
Barreiros (1972, p. 136).
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25
Kidder (2001, p. 181).
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26
Oberacker Júnior, op. cit.
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29
Oliveira e Mattos (1999, p. 20).
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30
Setúbal (1957, p. 80).
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31
Ibid., p. 108.
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32
Kidder, op. cit., p. 181.
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33
Saint-Hilaire, op. cit., p. 176.
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34
No original, facilmente encontrável na internet, (p. 211) lê-se: “One hundred and eighty angles in its zig-zag course”. Concordamos com Saint-Hilaire: ângulos de 180 (graus) em seu curso em zigue-zague.
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35
Vasconcelos (1977, p. 87).
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36
Omnia vincit amor, citação de Virgílio, em Bucólicas, 10, 69. Mauá também se inspirou nesse verso para seu lema no brasão de barão: Labor omnia vincit.
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37
Kidder, op. cit., p. 181.
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38
Toledo (1981, p. 125).
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39
Na realidade Tschudi não cita Zanzalá, mas somente Caveiras (TSCHUDI, 1953, p. 120).
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40
Os seis postos de telegrafia óptica, presentes em documentos cartográficos, valem um trabalho à parte.
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41
Antes da recepção desses documentos, dom Pedro, José Bonifácio e outros pensavam em manter a condição de Reino Unido e se citava o exemplo de Inglaterra e Irlanda. Aqui se fala de Independência e separação. Por outro lado, talvez haja um anacronismo do padre Belchior nessa passagem: a Guarda de Honra fora mandada criar em agosto de 1822, conforme a portaria do príncipe reproduzida em Pasin (2002, p. 94), mas parece que a expressão dragões da independência foi introduzida um pouco mais tarde.
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Este também pertencia à guarda de honra, mas, por missão especial, não estava com os demais. Na época era sargento-mor, ainda que os que escrevem mais tarde o chamem de coronel, atualizando a patente.
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Aí foi construído o Colégio São José, com projeto de Ramos de Azevedo, construção que permanece até nossos dias.
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Desde 1809 as ruas de São Paulo já havia placas com seus nomes, e as casas eram numeradas sequencialmente a partir do um, sem pular números. A finalidade era facilitar o lançamento do imposto predial.
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46
Egas (1908, p. 261; 266).
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47
Cintra (2010).
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48
Cintra e Cintra, op. cit.
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50
Egas, op. cit., p. 265.
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51
Pasin, op. cit.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Jan 2024 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
07 Jun 2023 -
Aceito
27 Out 2023