RESUMO:
Este artigo apresenta um tópico relevante na trajetória de Giambattista Piranesi: a proposição do “estilo egípcio” na publicação Diverse maniere d’adornare i cammini ( 1769 ). Com essa obra pode-se vislumbrar alguns aspectos relevantes da fortuna crítica piranesiana para os debates arquitetônicos no século XVIII. Primeiramente, pode-se aferir a percepção de Giambattista sobre o potencial iconográfico e compositivo do Egito Antigo mediante as referências encontradas em Roma e servindo-se do campo da decoração, com a proposta de composições de lareiras — elemento da “pequena arquitetura”. O mérito da obra consiste em apresentar uma nova apreciação sobre a aplicabilidade da iconografia egípcia. Além desse aspecto, com essa publicação, Piranesi intentou demonstrar uma forma de conceber a arte de construir a partir das variações depreendidas do léxico dos antigos, expressando a engenhosidade do artífice. Este artigo conclui que, ao propor as invenções de lareiras no “estilo egípcio”, Piranesi realizou suas premissas sobre a capacidade do artífice para distribuir a ornamentação em conformidade com a arquitetura. Assim, ele pretendia legitimar nos planos teórico e prático uma conciliação entre os preceitos dos antigos e as exigências do procedimento inventivo. Diverse Maniere se consagrou como uma obra crucial para compreender a trajetória piranesiana, consolidando as argumentações sobre a licença inventiva a partir do repertório da Antiguidade.
PALAVRAS CHAVE: Piranesi; Antiguidades; Inventividade; Preceptivas; Egito
ABSTRACT:
This article presents a relevant topic in the trajectory of Giambattista Piranesi: the proposition of the “Egyptian style” in the publication Diverse maniere d’adornare i cammini ( 1769 ), which reveals some relevant aspects of the Piranesian critical fortune for architectural debates in the 18th century. Firstly, one can gauge Giambattista’s perception of the iconographic and compositional potential of Ancient Egypt by references found in Rome and through the field of decoration, in composing fireplaces — an element of “small architecture.” Its merit lies in presenting a new assessment on the applicability of Egyptian iconography. Additionally, Piranesi attempted to show a way of conceiving the art of building based on variations learned from the lexicon of the Ancients, expressing the craftsman’s ingenuity. This article concludes that by proposing the composition of fireplaces in the “Egyptian style,” Piranesi tested his assumptions about the craftsman’s ability to distribute ornamentation according to the architecture. He thus intended to legitimize, on a theoretical and practical level, a reconciliation between the ancient precepts and the demands of the inventive procedure. Diverse maniere has established itself as a crucial work for understanding Piranesi’s artistic trajectory, consolidating arguments about inventive license based on the repertoire of Antiquity.
KEYWORDS: Piranesi; Antiques; Inventiveness; Perceptive; Egypt
INTRODUÇÃO
Na historiografia da arte e da arquitetura o veneziano Giovanni Battista Piranesi (Giambattista) (1720-1778) tem sido reconhecido principalmente pela qualidade de sua profícua produção de gravuras em água-forte ( acquaforte ) — uma técnica que dominava com maestria — por meio da qual representou elementos arquitetônicos e decorativos embasados em aferições arqueológicas e combinados por meio de sua engenhosidade.
Piranesi foi responsável por uma substancial produção teórica associando textos e gravuras. Servindo-se do campo da decoração — decorazione é o termo por ele utilizado — Giambattista procurou se inserir no pensamento arquitetônico internacional por intermédio da proposição de elementos da denominada “pequena arquitetura” — as lareiras. Este artigo tem como objetivo apresentar um tópico relevante na trajetória de Piranesi: a proposição de um “estilo egípcio”, como ele mesmo intitula, algumas das invenções que compõe a publicação Diverse maniere d’adornare i cammini ( 1769 ) 1 [Diversas maneiras de adornar as lareiras].
Com esse recorte é possível aferir a aguçada percepção de Piranesi sobre o potencial das artes e da arquitetura do Egito Antigo por meio das referências materiais encontradas em Roma. Também pode-se verificar como ele mobilizou conceitos a fim de desenvolver questões relevantes para a arquitetura no século XVIII, tais como: a relevância do ornamento e a possibilidade que o artífice dispõe para expressar sua inventividade mediante a variação das antiguidades, cujo rol — na acepção piranesiana — englobava não somente os gregos e romanos, mas também os etruscos e os egípcios.
AS “DIVERSAS MANEIRAS”
Em 1769, Piranesi encerrou a década mais produtiva de sua carreira com uma publicação de intenção decorativa. A obra Diverse maniere d’adornare i cammini ( Figura 1 ) é uma série experimental com 67 pranchas de composições, sendo: 52 de lareiras, duas pranchas para a ornamentação interna de paredes (afrescos) e o restante para mobiliário e outros objetos (como relógios, vasos, carruagens etc.), que ilustram comissões executadas para membros da família do papa veneziano Clemente XIII (Carlo della Torre-Rezzonico, 1693-1769) ( Figura 2 ).
- G. B. Piranesi, frontispício da obra Diverse maniere d’adornare i cammini . Tamanho: 485 × 715 mm.
- G. B. Piranesi, Prancha com decoração de interiores com a didascalia: “Questo tavolino ed alcuni altri ornamenti […]”. Tamanho (442 × 253 mm).
O volume foi dedicado ao sobrinho do pontífice, o cardeal Giovanni Battista Rezzonico (1740-1783), apresentado no texto da dedicatória (duas páginas iniciais) por Piranesi como um modelo de patrono esclarecido sobre as maneiras de adornar as obras arquitetônicas. Na sequência, o ensaio introdutório intitulado Ragionamento apologetico in difesa dell’architettura egizia e toscana (35 páginas) é um texto cujo paralelismo trilíngue (italiano, francês e inglês) visava a audiência internacional. A obra espelha o contexto cosmopolita intelectual de Roma e reafirma o apreço de Piranesi pelo público estrangeiro, em especial a esfera britânica, à qual ele dedicava grande admiração e cuja clientela era uma fonte de benefícios para a manutenção de suas atividades como arquiteto, gravurista e antiquário.
As Diverse maniere contribuíram para a difusão internacional do saber fazer de seu ateliê localizado em Roma, onde as lareiras não eram somente desenhadas, mas também fabricadas com fragmentos marmóreos provenientes das escavações arqueológicas com as quais Piranesi estava ativamente envolvido (particularmente na Villa Adriana e em sítios da Via Appia). As comissões de interiores representavam um significativo segmento para o desenvolvimento dos estudos críticos e uma opção profissional estável para Giambattista diante das possibilidades no contemporâneo panorama romano.
AS ANTIGUIDADES E O EGITO NO TEMPO DE PIRANESI
Para contextualizar a obra Diverse maniere d’adornare i cammini é necessário considerar algumas das possibilidades contemporâneas no que tange à abordagem aos antigos. No Século das Luzes, o Grand Tour se consolidara como um roteiro cultural para a formação de intelectuais e artistas, percorrendo as principais cidades da Península Itálica: Veneza, Florença, Roma e Nápoles. A fundamentação da arqueologia enquanto disciplina autônoma ganhou impulso com as descobertas de Herculano (1713), Pestum (1746) e Pompeia (1748), seguidas pelas primeiras escavações na Sicília. Paulatinamente, as viagens eruditas englobaram a possibilidade de ir além da Europa, ampliou-se o raio à Grécia (sob domínio Otomano até as primeiras décadas do século XIX); ao Oriente Médio e ao Norte da África, atravessando o Egito até o Sudão. Registrar esses cenários tornou-se uma atividade premente, a fim de descortinar para o Ocidente os vestígios arqueológicos de antigas civilizações até então pouco estudadas em profundidade.
Ao traçar uma trajetória sobre o interesse pelas artes e arquitetura egípcias na Europa, 2 Panza remonta ao século XV. No âmbito dos tratados arquitetônicos, é relevante considerar que L. B. Alberti (1404-1472), no De Re Aedificatoria (1443-1452), fez alusão aos egípcios, pontuando referências aos dados geográficos, aos usos e costumes, à mitologia, à religião e às obras urbanísticas e arquitetônicas, mencionando os simbolismos dos hieróglifos. Sebastiano Serlio (1475-1554) se dedicou a representar e comentar “algumas coisas maravilhosas do Egito” no terceiro livro de seu tratado 3 (1540), referindo-se a alguns dos antigos remanescentes egípcios situados em Roma. Anos mais tarde, e fora do contexto itálico, o Cours d’Architecture (1675-1683) de Nicolas-François Blondel (1618-1686) — então diretor da Academia Real de Arquitetura de Paris — reconheceu e atribuiu um valor à arquitetura egípcia pela origem da civilização.
O pontificado de Sisto V (1521-1590) inaugurou uma seara de realocação dos antigos obeliscos situados em Roma, ressignificando-os em novos monumentos conectados à exaltação do valor da cristandade diante da Antiguidade. Foram laboriosos e engenhosos os esforços em deslocar o obelisco do olvidado Circo de Nero (37-68) para o centro da praça projetada por G. L. Bernini (1598-1680), na frente da nova Basílica de São Pedro, trabalhos coordenados pelo arquiteto Domenico Fontana (1543-1607) e registrados num compêndio que teve como principal objetivo documentar as engenhosas técnicas construtivas envolvidas: Della trasportatione dell’obelisco Vaticano et delle fabriche di nostro signore Papa Sisto V fatte dal cavallier Domenico Fontana architetto di sua Santità, Roma , 1590 ( Figura 3 ).
- Soerguimento do obelisco Vaticano (1586) cujos trabalhos foram coordenados pelo arquiteto Domenico Fontana.
Além dos elementos arquitetônicos, os hieróglifos constituíam uma insondável fonte a ser decifrada, considerando a intersecção entre os campos filológico, religioso e místico, tarefa que foi empreendida por alguns intelectuais. Em 1505, foi publicada a Hieroglyphica , obra produzida por Horapolo (século V), cujo intento era decifrar os hieróglifos e que teve ampla repercussão no Renascimento. No século XVII, o jesuíta e matemático alemão Athanasius Kircher (1602-1680) também se debruçou numa tentativa de decodificação dos hieróglifos situados nos obeliscos de Roma, com os estudos Oedipus Aegyptiacus (1652-1655) e Obeliscus Pamphilius ( 1650 ) ( Figura 4 ) — nesta última obra Kircher atuou com Bernini para que este concebesse o conjunto escultórico Quattro Fiumi (Quatro Rios), que abarca a realocação do respectivo obelisco na praça Navona durante o pontificado do Papa Inocêncio X (1574-1655). Ambos os trabalhos de Horapolo e Kircher teriam seu valor revisado a partir de 1821 com a decifração da Pedra de Roseta por Jean François Champollion (1790-1832). Ainda no século XVIII outro estudo aprofundado foi realizado sobre o denominado obelisco de Cesar Augusto — Dell’obelisco di Cesare Augusto, scavato dalle rovine del Campo Marzo ( 1750 ) —, de Angelo Maria Bandini (1726-1803).
O século XVIII consolidou algumas das premissas sobre o entendimento do valor da civilização egípcia, pois começaram a ser divulgadas impressões de viagens a esse território. Dentre as publicações dessas excursões ao Egito há os trabalhos do inglês Richard Pococke (1704-1765) — A Description of the East and Some Other Countries: Observations on Egypt (1743-1745) — e do dinamarquês Fréderic Ludwig Norden (1708-1742), cuja expedição de 1737-1738 promoveu uma documentação de grande repercussão, com a publicação Voyage d’Egypte et de Nubie ( 1755 ) ( Figura 5 ) 4 .
Ao longo do Oitocentos, o repertório erudito de caráter enciclopédico sobre as antiguidades tomou vulto. O frade beneditino, teólogo e antiquário Bernard de Montfaucon (1655-1741) desenvolveu uma obra organizada em dez volumes intitulada L’Antiquité expliquée et représentée en figures (1719-1724), a fim de ordenar sistematicamente seus conhecimentos sobre o passado, embasado em edições precedentes produzidas por padres de origem grega, no âmbito da Igreja; a parte dedicada ao Egito se concentra no volume II.
Nesse contexto se situa a primeira história ilustrada da arquitetura — Entwurff einer historischen Architektur ( 1725 ) — de Johann Bernhard Fischer von Erlach (1656-1723), arquiteto e arqueólogo austríaco. A publicação é aberta com o Templo de Salomão e as sete maravilhas do mundo e continua com ilustrações que são reconstituições livres, não sendo, portanto, uma representação objetiva. Sua obra procurava demonstrar por meio de imagens e texto um desenvolvimento da arquitetura da Ásia e Egito até os tempos modernos ( Figura 6 ).
- F. L. Norden, representação da grande esfinge no platô de Gizé, prancha XLVI, com a didascalia “Téte colossale du Sphynx, vue en face”.
Giambattista Piranesi não era alheio a esse repertório que aflorava sobre o Egito Antigo e tinha especial apreço pelas referências situadas em Roma. Desde o século XV, Roma tinha, paulatinamente, adquirido um papel central na cultura europeia, devido à valorização de suas ruínas imbricadas no território da cidade, evidências físicas que possibilitavam uma permanente revisão crítica sobre a arquitetura antiga, proporcionando um ambiente em que o debate arquitetônico estava atrelado à exploração arqueológica.
Logo após sua instalação em Roma, a partir de 1740, G. B. Piranesi iniciou exaustivos estudos sobre as ruínas, uma tarefa que não abandonaria por toda a vida. Em sua primeira obra publicada — Prima parte di architetture e prospettive ( 1743 ) 5 —, ele explicou no texto introdutório a escolha pela mudança da região do Vêneto para essa capital como uma opção intelectual, exaltando a potencial lição arquitetônica dos remanescentes arqueológicos, o que será o principal fio condutor de toda sua linha investigativa.
Mediante suas incursões, Giambattista teve contato não só com os remanescentes romanos, mas também com diversos elementos egípcios dispostos nessa cidade e em seus arredores, como os proeminentes obeliscos, a pirâmide de Caio Cestio, esfinges, dentre outros elementos que estavam sendo escavados, principalmente na Villa Adriana (Tivoli), e que compunham as coleções de renomados antiquários, como a do cardeal Alessandro Albani (1692-1779). Para articular uma teoria sobre o mérito dos egípcios, o arquiteto vêneto alude à ornamentação que compunha esses artefatos: “observem-se […] os ornamentos encontrados na Villa Adriana, e em outras partes; e de tudo isto poderá bem se argumentar sobre qual era o gênio daquela nação” 6 .
Esse legado derivava do período em que o Egito estava sob o domínio do Império Romano (a partir do ano 31 a. C.), quando peças diversas e, principalmente, os obeliscos foram transportados a Roma, configurando uma metáfora do triunfo dos romanos sobre os egípcios, e quando o culto à deusa Ísis e a seu consorte Serápis foi implementado, com a edificação em Roma de templos decorados com peças provindas do Egito ou realizadas como cópias dos originais. Dentre outras influências, pode-se verificar, por exemplo, a figura do imperador Adriano (76-138), que erigiu a Villa Adriana com diversas referências às artes e arquitetura egípcias, em memória a Antínoo (111-130), o jovem grego de sua preferência, que havia morrido no rio Nilo em circunstâncias pouco claras e que fora deificado por Adriano, sendo inúmeras vezes representado como uma divindade egípcia.
Desde seus trabalhos iniciais, Piranesi integrou a iconografia egípcia em suas fantasias com sugestivas referências, fragmentos e inscrições hieroglíficas. As abordagens são múltiplas e, a princípio, as referências ao Egito denotam uma evocação simbólica ao sagrado e aos saberes de teor hermético, áreas de interesse de Giambattista. O historiador da arte Maurizio Calvesi 7 parte do pressuposto de que o interesse de Piranesi pelo Egito Antigo estaria associado à conexão deste com a maçonaria. Missivas enviadas aos britânicos Robert Mylne (1733-1811) e Thomas Hollis (1720-1774) confirmam a filiação de G. B. Piranesi à maçonaria, 8 contudo não há um consenso entre os estudiosos sobre a efetiva influência do vínculo com essa organização para a trajetória artística piranesiana.
Piranesi também retrata a imponência dos obeliscos reerguidos em pontos visualmente estratégicos da cidade, compondo os cenários da “moderna” Roma, que estão magistralmente representados em muitas gravuras das Vedute di Roma ( Figura 7 ), série que ele produziu ao longo de toda sua carreira. O intento pela experimentação estilística aparece disperso em gravuras como a “Scuola antica architettata all’Egiziana e alla Greca” ( Figura 8 ) que compõe as Opere Varie ( 1750 ). Quando Giambattista se posicionou de forma eloquente na sua magna obra, Della magnificenza e d’architettura d’romani ( 1761 ) 9 , a favor dos méritos das artes e da arquitetura de Roma, ele propôs uma conexão entre Egito, Etrúria e Roma, e é predominantemente nessa chave que estão embasadas as invenções intituladas “ao estilo egípcio” que compõe a obra Diverse maniere .
Para embasar o desenvolvimento de suas fantasias arquitetônicas integrando elementos da antiguidade, Piranesi se valeu de referências como a publicação de Fisher von Erlach, da qual são conhecidas duas folhas de estudos, 10 e aludiu ao compêndio de Anne-Claude de Tubiere (1692-1765) — Comte de Caylus: Recueil d’antiquités égyptiennes, étrusques, grecques et romaines (1752-1767) —, que outorgou à civilização do Nilo uma atenção científica, valorizando e elogiando a solidez e majestade dessa arquitetura. Essa célebre obra de Caylus é uma das fontes referenciadas por Piranesi na obra aqui em tela — Diverse maniere — para embasar sua tese sobre a conexão entre os egípcios, os etruscos e os romanos. Giambattista também faz referência ao trabalho de Filippo Buonarotti (1661-1733) — Osservazioni istoriche sopra alcuni medaglioni antichi 11 —, por ter destacado o que havia de “bom” nos monumentos egípcios. 12
- G. B. Piranesi, vista do obelisco instalado na Praça de S. Giovanni em Laterano (Roma), prancha intitulada “ Veduta della Piazza, e Basilica di S. Giovanni in Laterano ”, 488 × 707 mm.
- G. B. Piranesi, prancha intitulada “Scuola antica architettata all’Egiziana e alla Greca”, 153 × 215 mm.
Além dos obeliscos, esfinges e esculturas, um dos artefatos utilizados como referência por Giambattista foi a “Tavola Bembina” 13 conhecida também como “Mensa Isiaca” 14 ( Figura 9 ). Trata-se de uma placa em bronze datada do século I, provavelmente feita em Roma como peça decorativa para um dos templos locais dedicados a Ísis. Pouco se sabe sobre o paradeiro da peça, que a partir do século XVI passou a pertencer à coleção do cardeal Pietro Bembo (1470-1547), e que foi amplamente estudada por A. Kircher — em sua obra Oedipus Aegyptiacus ( 1652 ) — como fonte primária para desenvolver as traduções para os hieróglifos. A prancha contém uma profusão de elementos iconográficos que serviram como referência para que Giambattista desenvolvesse suas teorias sobre o valor artístico das possíveis variações derivadas dos motivos egípcios.
A “PEQUENA ARQUITETURA” E O “ESTILO EGÍPCIO”
Giambattista iniciou a obra Diverse maniere d’adornare i cammini com a introdução — Ragionamento apologetico in difesa dell’architettura egizia e toscana —, esclarecendo que, segundo suas verificações nas ruínas, não foram localizadas estruturas correspondentes às lareiras na Antiguidade, redarguindo alguns escritos anteriores cuja preocupação era encontrar conexões entre as modernas lareiras e a existência de estruturas similares usadas pelos antigos:
Não creio que haja alguém tão pouco atento que […], se convença, que os desenhos que apresento ao público sejam realmente extraídos das lareiras que usavam os egípcios, os toscanos, os gregos, os romanos; quem assim pense estaria mil milhas distante da verdade. Estou bem ciente da grande disputa entre os doutos, se os antigos tiveram lareiras semelhantes às nossas, e conheço os esforços dos antiquários por um lado e por outro. […]. Em muitas ruínas dos antigos edifícios que vi, considerando em Roma, como em todo o Lácio e em outras partes deste estado, não direi que nunca encontrei uma lareira antiga semelhante à nossa; mas nem mesmo uma ligeira pista, sobre a qual formar qualquer conjectura a favor desta sentença. 15
A preparação dos desenhos de lareiras que constam na Diverse maniere pode ser rastreada a partir dos anos de 1764 e 1765, quando já circulavam entre colegas e clientes de Piranesi. Em 3 de outubro de 1767, o embaixador britânico em Nápoles, sir William Hamilton (1730-1803), escreveu a Giambattista agradecendo pelas gravuras enviadas e animando-o ao desenvolvimento dessa temática, visto que “será muito útil no meu país, onde fazemos um grande uso das lareiras” 16 . Piranesi respondeu em correspondência de 16 de outubro sobre esse prognóstico: “isso me encoraja não pouco ao prosseguimento de tal gênero de invenções” 17 . Em 18 de novembro de 1768 ele enviou a Thomas Hollis — membro da London Society of Antiquaries — um conjunto de 57 pranchas, que foram apresentadas em assembleia pública nessa instituição em maio de 1769, contribuindo para a divulgação no ambiente britânico.
Ao longo de seu texto, Piranesi propõe que as invenções de lareiras fossem concebidas “com regra e arte” 18 . Por meio desse elemento — a lareira — Giambattista poderia expressar sua teoria sobre a proposição de uma linguagem arquitetônica embasada no léxico iconográfico dos antigos, mas que não era alheia a conceitos como comodidade, distribuição e conveniência.
Nas palavras de Giambattista, as lareiras: “servem não só para nos comodamente reaquecer; mas, para o divertimento dos olhos com a sua beleza e com seus ornamentos” 19 . Assim, ele revia a concepção sobre a lareira veiculada em tratados como os de S. Serlio (1475-1554), G. da Vignola (1507-1573) e V. Scamozzi (1548-1616) como um objeto estritamente ligado à parede. Para Piranesi, as lareiras, mais que uma porta ou um pórtico, constituíam um típico elemento da “pequena arquitetura” 20 , com leis suscetíveis à variação para compor os ambientes, de modo a servir à distribuição de ornamentos.
Nas considerações que constam na dedicatória do volume, destaca-se o tema principal apresentado pelo arquiteto vêneto, qual seja, a busca pela excelência da arquitetura por meio das possibilidades de variação; para tal experimentação, as lareiras constituem um elemento de elevado potencial:
Entre a multidão de temas aos que podia prestar minha atenção, elegi este por ser mais suscetível de variedade que nenhum outro graças a sua extensão e amplitude, e mais apto que nenhum outro para levar à arquitetura a esse ponto de perfeição ao que desde faz tempo e com tantos grandes esforços tratamos de conduzir. 21
Giambattista procurou integrar a obra Diverse maniere numa genealogia de publicações sobre a decoração de interiores em que a lareira era o principal elemento estudado, por suscitar uma alta reflexão teórico-arquitetônica. Na França, as obras de Jacques Androuet du Cerceau (1510-1585?) — Second Livre d’architecture (1561) — e Jean Le Pautre (1618-1682) — Grandes Cheminées à la romaine (1663) — iniciaram uma tradição de estudos da lareira que se prolongou até os influentes escritos de François Blondel (1618-1686), que dedicou todo um capítulo ao tema no seu Cours d’Architeture (1737). Na Itália, a obra de Giorgio Fossati (1705-1785) — Varij disegni de camini de gabinetti inventati et incisi —, publicada em Veneza em 1740, teria sido uma referência fundamental para Piranesi elaborar o volume específico sobre o tema. 22
Giambattista se vale das designações “gosto” e “maneira” ao longo de seu texto, enquanto as gravuras trazem em seu título a noção de “estilo”. A novidade contida nas páginas das Diverse maniere está, justamente, sintetizada nas lareiras de “gosto egípcio” 23 que outorgaram boa parte da fama a esse volume. São onze pranchas com o mesmo título: “Desenho para uma lareira em estilo egípcio” ( Disegno per un camino in stile egizio ) (Figuras 10 e 11).
O mérito dessas composições é ter submetido a iconografia egípcia a uma análise para além de uma visão que a reduzia a formas exíguas. Essa abordagem prepara o caminho para a apreciação da arte egípcia como algo sui generis , abrindo uma nova perspectiva para seu entendimento e aplicação. 24 Como ele afirma nas páginas iniciais do Diverse maniere:
Me propus, então, a fazer ver quanta variedade de decorações as maneiras egípcias (maneiras que anteriormente eram desconhecidas ou descuidadas na pequena arquitetura, fui eu o primeiro a introduzi-las nesta [obra]) e as etruscas e as gregas, podem fornecer ao embelezamento externo e interno de nossos edifícios. 25
Em correspondência de 1768 a Thomas Hollis, Giambattista mencionou o ineditismo de sua pretensão a ser apresentada na próxima publicação:
Você verá neste trabalho, algo que até então era desconhecido. Pela primeira vez a arquitetura egípcia aparece, pela primeira vez enfatizo, porque até agora o mundo pensava que consistia em nada além de pirâmides, obeliscos e vastas estátuas, e concluíram que eram insuficientes para formar uma base para o ornamento ou suster um sistema arquitetônico. 26
A notoriedade das Diverse maniere também se deve a duas pranchas 27 que registram os painéis pintados a partir de desenhos de Piranesi para o Caffè degli Inglese, na Piazza di Spagna (Roma) em princípios de 1760. Nessas famosas decorações “ao gosto egípcio”, o arquiteto vêneto inseriu de modo orgânico composições similares às das lareiras, em afrescos que recobriam paredes inteiras, conforme: “esses ornamentos, que servem para formar um todo uniforme, podem estar também na pintura; e assim, de fato, são os do Caffè degli Inglese, configurados por mim no gosto egípcio” 28 .
A primeira prancha ( Figura 12 ) representa a pintura de uma das paredes concebida com um pórtico aberto sobre uma paisagem fantasiosa do Antigo Egito, com o Nilo e as pirâmides. Pilastras gravadas com hieróglifos sustentam o entablamento e duas aberturas laterais flanqueadas por atlantes retomam a estrutura dos portais egípcios. Na segunda prancha ( Figura 13 ), em primeiro plano há um pórtico encurvado que, na parte superior, emoldura animais sagrados (o chacal, o crocodilo, a vespa, o falcão e o touro), engrandecidos pelo céu em segundo plano. No nicho central há a representação de um papiro divinizado, e das guirlandas que decoram as aberturas laterais pendem os típicos amuletos egípcios — a serpente, o Sol, a meia Lua e o nó de Ísis.
Essas pranchas estão entre as mais debatidas da coletânea das Diverse maniere , já que numerosos intelectuais conheceram pessoalmente o Caffè degli Inglesi, predominantemente frequentado pelo público britânico que se hospedava nos arredores da Piazza di Spagna (Roma). Os afrescos foram objeto de curiosidade, admiração e controvérsias, como atestam os juízos apresentados por Horace Walpole (1717-1797), que apreciava a originalidade das composições, e pelo jovem pintor Thomas Jones (1742-1803), que, segundo suas impressões de 1776, 29 considerava esse ambiente mais adequado a um “sepulcro”:
Uma imunda sala abobadada cujas paredes foram pintadas com esfinges, obeliscos e pirâmides de desenhos caprichosos de Piranesi, e mais adequada para enfeitar o interior de um sepulcro egípcio, do que uma sala de conversação social. 30
- G. B. Piranesi, prancha intitulada “Decorazione egizia per il Caffè degli Inglesi”. Tamanho 242 × 280 mm.
FORTUNA CRÍTICA: O PAPEL DAS ANTIGUIDADES PARA FOMENTAR A INVENTIVIDADE
Com a obra Diverse maniere d’adornare i cammini é possível vislumbrar aspectos relevantes da fortuna crítica piranesiana para os debates artísticos e arquitetônicos vigentes ao longo do século XVIII. Na dedicatória da obra, Giambattista mencionou que o Cardeal Rezzonico não estava satisfeito com as maneiras correntes e que gostaria “que nossos arquitetos nas suas obras não usassem apenas as maneiras gregas, mas também as dos egípcios e dos etruscos, e com temperamento sábio e prudente predispusessem desses monumentos, no que nos apresentam de vago e belo” 31 .
Essas considerações atribuídas ao mecenas são reiteradas ao longo do ensaio introdutório, no qual Piranesi, depois de ter explicado as características formais e funcionais das lareiras e de ter justificado o prolífico uso dos ornamentos, retoma a arquitetura egípcia e etrusca como fontes de inspiração, enaltecendo seu valor contra os que poderiam desaprovar o uso dessas referências. 32 Em primeira pessoa, nosso artífice declara sua posição sobre a arte antiga e sobre a arte contemporânea, precisando os objetivos da coletânea de invenções. Na prancha intitulada “Diversi monumenti etruschi” ( Figura 14 ), Giambattista desdobrou em uma só imagem comparativa os vestígios da civilização etrusca capturados de modo fragmentado e expostos ao olhar inventivo dos arquitetos dispostos a reutilizá-los.
Piranesi exaltou as artes e a arquitetura romanas por serem derivadas da herança etrusca; por conseguinte, ele integrou uma valorização às reminiscências egípcias, sem passar necessariamente pela Grécia. Assim, o arquiteto vêneto propôs uma reação aos seus contemporâneos que exaltavam a arquitetura e arte gregas, um movimento crescente que encontrava respaldo em figuras proeminentes, como o alemão Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), responsável por organizar o acervo de antiguidades do cardeal Albani. Ao longo de sua trajetória teórica, Winckelmann argumentava que o desenvolvimento artístico atingira seu ápice na Grécia Antiga, buscando aí o paradigma de beleza ideal.
Curiosamente, Piranesi não mencionou o alemão em seus trabalhos, mas teve como principal alvo o francês Julien David le Roy (1724-1803), que fazia parte da Academia Francesa em Roma. Le Roy realizou uma expedição para Atenas e arredores em 1754, a pedido do Comte de Caylus, e publicou Les Ruines des plus beaux monuments de la Grèce (1758), um trabalho composto por texto e gravuras que se concentra na descrição de que a arquitetura é uma criação essencialmente grega, da qual deriva a arquitetura romana.
Ao longo da obra Della magnificenza e d’architettura d’romani ( 1761 ), Piranesi trava um embate direto não só com Le Roy, mas também com a publicação então anônima The Investigator: A Dialogue on Taste (1754) — na segunda edição ( 1762 ) foi revelada a autoria do pintor inglês Allan Ramsay (1713-1784). A obra The Investigator consistia em um diálogo entre dois cavalheiros — Lord Modish e Colonel Freeman — que versava sobre a necessidade de examinar a história para compreender como o gosto na arquitetura é formado. O personagem Colonel Freeman declara que os egípcios fizeram a primeira contribuição à grandeza das edificações; depois os gregos realizaram diversas melhorias na solidez e ornamentação das construções; e os artistas romanos, não instruídos nas artes da paz, eram meros imitadores dos gregos. 33
O eixo da polêmica sobre o mérito dos gregos ou dos romanos é fundamental para compreender os desdobramentos da trajetória piranesiana ao longo dos anos de 1760, que foi a década mais produtiva de sua carreira, iniciada em 1743. A obra Della magnificenza gerou uma reação contrária na França, onde Pierre Jean Mariette (1694-1774) apresentou uma carta na Gazette Littéraire de l’Europe em 1764 rebatendo a tese de Piranesi e alegando que a arquitetura romana não só derivava da grega, mas também a havia corrompido com excessos decorativos. Piranesi prontamente articulou uma resposta elaborada em três ensaios com gravuras, compilados numa publicação 34 de 1765, na qual sustenta a argumentação sobre os méritos romanos no quesito inventividade para a variação.
O excerto de maior peso e caráter crítico dessa trilogia é o “Parere su l’architettura”, um texto acompanhado por poucas gravuras e estruturado em forma de diálogo entre dois personagens fictícios: Protopiro — um rigorista — e Didascalo — que argumenta em defesa da liberdade do artista. O tema central do “Parere” é a demasiada influência do rigorismo (estruturado, basicamente, nas virtudes da arquitetura grega) sobre a liberdade inventiva do artífice.
Os conceitos apresentados por Piranesi em sua dialética entre Didascalo e Protopiro são desdobrados nas Diverse maniere . Com tal obra Piranesi intentou demonstrar de forma incisiva uma maneira de conceber a arte de construir a partir das referências dos antigos, como expresso nas suas palavras: “O que eu pretendo com os presentes desenhos é mostrar que uso um arquiteto hábil pode fazer dos nossos monumentos à maneira atual, adaptando-os adequadamente aos nossos costumes” 35 .
Giambattista enfatizou as múltiplas possibilidades de variações depreendidas a partir do contato com o léxico dos antigos, expressando a engenhosidade do artista por meio da capacidade de recombinação de elementos. Assim, o principal objetivo da coletânea de desenhos proposta na obra não era meramente normativo, mas de caráter didático, para uma correta aplicação na práxis das vetustas experiências artísticas:
com os presentes desenhos […] pretendo mostrar que as medalhas dos camafeus, as talhas das estátuas, os baixos-relevos, as pinturas e outros feitos das antiguidades, não só servem aos críticos e aos doutos fazerem seus estudos, mas também aos artífices para seus trabalhos, combinando-os com arte e maestria o que neles é admirado e elogiado. Quem é pouco familiarizado com o estudo da antiguidade vê com clareza o amplo campo que abri para a indústria de nossos artífices: e assim bastará dar uma olhada nestas minhas pranchas para compreender isso facilmente. 36
Com uma afirmação de tal teor, Piranesi pretendia legitimar nos planos teórico e prático uma posição que conciliasse a observância de preceitos embasados na autoridade dos antigos, com a exigência de um procedimento inventivo. A relação direta com os vestígios do passado como um fator que confere credibilidade às invenções foi atestada pelo próprio Piranesi:
Eu, portanto, após um longo período entre as ruínas e os restos de edifícios antigos, após um longo estudo sobre os monumentos antigos dos quais encontro uma quantidade não pequena e desprezível de desenhos sobre cada tipo de móveis e ornamentos, exponho ao público as presentes pranchas, nas quais se veem as maneiras já divisadas, com as quais os antigos ornavam a arquitetura. 37
Piranesi parte do pressuposto de que a falta de modelos concretos de lareiras antigas 38 outorgava ao artífice uma liberdade para aplicação da imaginação seletiva de motivos retirados de diversas culturas (egípcia, grega, etrusca e romana). Assim, a riqueza da experimentação proporcionada pelo tema da lareira como síntese da “arquitetura menor” se justifica, já que “mais que qualquer outro, é capaz e suscetível de variedade e multiplicidade de ornamentações” 39 .
A obra Diverse maniere se fundamenta, portanto, na possibilidade de elaborar uma “pequena arquitetura”, na qual o artífice expressa sua capacidade inventiva articulando preceitos compositivos, tais como proporção e simetria, e a combinação de ornamentos embasados na iconografia derivada dos antigos. Desse modo, Giambattista reitera sua teoria sobre a possibilidade da expressão do engenho por meio da variação de ornamentos que devam ser adequados à arquitetura.
O léxico egípcio constituía uma das “maneiras” (como sugere o título da obra aqui analisada) a serem consideradas para a proposição das invenções. Nessas gravuras de lareia ao “estilo egípcio”, os imponentes elementos dominam o espaço visual para um expectador que, atônito, se rende diante de estruturas sobre as quais se dispõe uma ornamentação, tão potente e atemporal como os próprios hieróglifos. Essas invenções estão submetidas a uma ordem na qual Piranesi mesclou o antropomórfico com o animalístico; a escultura se funde com luz e sombra nascidas da combinação de maciças formas geométricas vestidas por ornamentos. Essas pequenas arquiteturas metamórficas são constituídas por uma dinâmica permanente que, conceitualmente, colidem com sua aparente imutabilidade visual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diverse maniere d’adornare i cammini é uma obra definitiva para compreender a trajetória de Piranesi enquanto teórico da arquitetura, não somente pelas gravuras que apresentam suas invenções, mas também pelo teor do texto que consolida muitas das argumentações sobre a licença do artífice a partir do repertório da Antiguidade.
Produto de uma reflexão histórica sobre a natureza da arte de desenhar, as invenções dessa obra abrem horizontes artísticos como um convite aos que quisessem — e se atrevessem — inventar a partir de referências até então pouco exploradas: as do Antigo Egito. As lareiras foram exacerbadas em sua complexidade ornamental a partir da variação do repertório oferecido para gerar um efeito, cuja eloquência complementa de modo indelével os preceitos apresentados ao longo do respectivo ensaio que as acompanham.
Ao conceber o “estilo egípcio”, Piranesi realiza suas premissas a respeito da capacidade do artífice para distribuir os ornamentos infinitamente declináveis e não olvida as implicações derivadas de uma ordem compositiva que aspira a uma unidade de desenho. Essa almejada unidade pode ser depreendida pela relação entre a lareira com seu entorno arquitetônico imediato, que se funde num todo, e pela disposição da ornamentação de maneira uniforme, usando efeitos perspectivos pictóricos, o que fica evidente também no caso do Caffè degli Inglesi.
As Diverse maniere sintetizam, portanto, as ilações piranesianas sobre o ato inventivo do arquiteto como um processo de apropriação e transformação das fontes visuais e teóricas animado por um sutil equilíbrio entre as preceptivas constituídas desde o século XV e a licença inventiva 40 que concebe variações tais a conformar, por exemplo, o “estilo egípcio”.
Constata-se, portanto, a aguçada percepção de Piranesi sobre o potencial das artes e da arquitetura do Egito Antigo por meio das referências materiais encontradas em Roma e a proposição de uma linguagem que revela a compreensão sobre a expressão do talento individual para a concepção do novo mediante a combinação das referências da Antiguidade — um aspecto fundamental para compreender os debates do século XVIII, com a iminente transposição do predomínio da autoridade das preceptivas clássicas.
AGRADECIMENTOS
Este artigo faz parte de uma pesquisa de Pós-Doutoramento realizada junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo: 2018/04931-2; com períodos de Estágio de Pesquisa no Exterior junto à Sapienza Università di Roma, no Dipartamento di Storia, Disegno e Restauro dell`Architettura, Processos (FAPESP): 2019-05236-9 e 2021/09340-5.
REFERÊNCIAS
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1
Título completo segundo o frontispício: Diverse maniere di adornare i cammini ed ogni altra parte degli edifizi desunte dall`architettura egizia, etrusca e greca con un ragionamento apologetico in difesa dell’architettura egizia e toscana, opera del Cavaliere Giambattista Piranesi, architetto.
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2
Panza ( 2015 ).
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3
Il terzo libro nel quale si figurano e descrivono le antichità di Roma e le altri che sono in Italia e sopra Italia , 1540.
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4
Wittkower ( 1979 ).
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5
Piranesi ( 1743 ).
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6
Id ., 1769 , p. 9, tradução nossa.
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7
Calvesi e Monerini ( 1967 ).
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8
Respectivamente em 1760 e 1770 (Bevilacqua, 2008 , p. 69).
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9
Piranesi ( 1761 ).
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10
Que integra uma coleção de desenhos de Piranesi na Pierpont Morgan Library , New York (EUA).
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11
Buonarotti ( 1698 , p. 215-216).
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12
Piranesi ( 1769 , p. 13).
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13
Ibid ., p. 9.
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14
Essa peça de bronze encontra-se atualmente no acervo do Museo Egizio di Torino, N. Inv. C. 7155.
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15
Piranesi ( 1769 , p. 1, tradução nossa).
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16
Scott apud Bevilacqua, op. cit ., p. 283.
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17
Apud op. cit ., p. 283.
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18
Piranesi ( 1769 , p. 2, tradução nossa).
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19
Piranesi ( 1769 , p. 7, tradução nossa).
-
20
Do original: “ piccola architettura ” (PIRANESI, 1769 , p. 2).
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21
Ibid ., tradução nossa.
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22
Almoguera ( 2019 ).
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23
Piranesi ( 1769 , p. 8).
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24
Wittkower dedicou um ensaio à relação entre Piranesi e o desenvolvimento da “egiptomania” que se desenrola ao longo do século XIX, após as tropas napoleônicas terem invadido o Egito (Wittkower, 1979 , p. 248-262).
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25
Piranesi ( 1769 , tradução nossa).
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26
Piranesi apud Wilton-Ely, 2002 , p. 54.
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27
Ambas assinadas: Disegno ed invenzione del Cavalier Piranesi .
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28
Piranesi ( 1769 , p. 8, tradução nossa).
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29
Em agosto de 1777, Jones anota em seu diário que: “nessa época fui introduzido e me tornei íntimo com aquele grande, mas excêntrico gênio Piranesi” (Bevilacqua, 2008 , p. 29).
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30
Wilton-Ely ( 1993 , p. 145, tradução nossa).
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31
Piranesi ( 1769 , p. 1, tradução nossa).
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32
Ibid ., p. 10.
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33
Ramsay ( 1762 , p. 37-38).
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34
Osservazioni sopra la lettre de M. Mariette aux auteurs de La Gazette littéraire de l’Europe; Parere sull’architettura e Della introduzione e del progresso delle belle arti in Europa ne’tempi antichi , 1765 . Esses três ensaios passaram a integrar as edições seguintes da obra Della Magnificenza e d’architettura d’romani.*
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35
Piranesi ( 1769 , p. 2, tradução nossa).
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36
Ibid .
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37
Piranesi ( 1769 , p. 4, tradução nossa).
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38
Conforme suas palavras: “Não creio que haja alguém tão pouco atento que […], se convença, que os desenhos que apresento ao público sejam realmente extraídos das lareiras que usavam os egípcios, os toscanos, os gregos, os romanos; quem assim pense estaria mil milhas distante da verdade” (Piranesi, 1769 , p. 1, tradução nossa).
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39
Piranesi ( 1769 , p. 6, tradução nossa).
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40
Piranesi ( 1765 , p. 10, tradução nossa).
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RODRIGUES, Angela Rosch. Piranesi, o “estilo egípcio” e a “pequena arquitetura”: uma síntese sobre a multiplicidade inventiva do artífice. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 32, p. 1-24, 2024.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
11 Ago 2023 -
Aceito
07 Fev 2024