Resumos
Os transtornos alimentares são patologias severas, tendo aspectos especiais na adolescência. Este artigo objetiva apresentar a rotina de atendimento e as abordagens empregadas em um serviço de assistência brasileiro especializado no tratamento de transtornos alimentares nessa população.
Transtornos alimentares; tratamento; adolescência
The particular aspects of eating disordes in adolescents are reviwed. This article presents the multidisciplinary approach used in this population.
Eating disorders; treatment adolescense
ARTIGO ORIGINAL
Peculiaridades do tratamento da anorexia e da bulimia nervosa na adolescência: a experiência do PROTAD*
Peculiarities in the treatment of anorexia and bulimia nervosa in adolescence: the PROTAD experience
Vanessa Pinzon; Ana Paula Gonzaga; Alícia Cobelo; Eunice Labaddia; Patrícia Belluzzo; Bacy Fleitlich-Bilyk
RESUMO
Os transtornos alimentares são patologias severas, tendo aspectos especiais na adolescência. Este artigo objetiva apresentar a rotina de atendimento e as abordagens empregadas em um serviço de assistência brasileiro especializado no tratamento de transtornos alimentares nessa população.
Palavras-chave: Transtornos alimentares, tratamento, adolescência.
ABSTRACT
The particular aspects of eating disordes in adolescents are reviwed. This article presents the multidisciplinary approach used in this population.
Keywords: Eating disorders, treatment adolescense.
Introdução
Os transtornos alimentares constituem patologias graves, complexas e com alto grau de morbidade, sobretudo na adolescência, quando freqüentemente iniciam e afetam ampla e severamente o desenvolvimento do indivíduo. Apresentam prognóstico reservado e, caracteristicamente, envolvem a família. O tratamento-padrão deve ser multidisciplinar. Os melhores resultados parecem ocorrer naqueles casos de intervenção precoce durante a adolescência, evitando as formas crônicas e imutáveis das doenças alimentares (Lock et al., 2001). Bryan Lask enfatiza que o sucesso de um programa de atendimento integrado e completo depende de uma equipe multiprofissional e do emprego simultâneo de várias estratégias (Lask e Bryant-Waugh, 2000). Treasure, Todd e Szmukler enfatizam que nenhuma modalidade de tratamento pode ser indicada como única ou isoladamente melhor (Szmukler et al., 1995).
Tais pressupostos embasaram a formação do PROTAD, em funcionamento desde novembro de 2001. Representa a primeira experiência brasileira de um serviço multidisciplinar voltado para o tratamento especializado de adolescentes com transtornos alimentares. Sua equipe é formada por psiquiatras, nutricionistas, psicólogos, psicopedagogos e endocrinologistas. Funciona em uma instituição pública, de caráter eminentemente acadêmico, tendo como população-alvo as classes sociais menos favorecidas, e seus profissionais integrantes são todos voluntários.
O presente artigo tem como objetivo compartilhar com a comunidade científica em geral a rotina de atendimento e as abordagens empregadas com o suporte teórico que as norteia.
Estrutura de atendimento do PROTAD
Atendimento familiar
Em um estudo de revisão de literatura nas últimas três décadas, um dado é colocado como único e inquestionável: a maior eficácia da terapia familiar para pacientes jovens no início da doença dentre todas as outras abordagens terapêuticas (Kaplan, 2002). A maioria dos trabalhos publicados concorda que a terapia familiar, assim como o aconselhamento para pais, constituem o método mais eficaz no tratamento dos pacientes dessa faixa etária (Eisler et al., 2000; Geist et al., 2000; Robin et al., 2001).
No PROTAD, esse trabalho é realizado através de três tipos de intervenção. As entrevistas familiares são feitas por terapeuta familiar com todas as famílias de pacientes de forma individualizada, com o objetivo de diagnóstico familiar e para manejos pontuais, quando necessários. O grupo de mães é realizado quinzenalmente também por terapeuta familiar e possui como foco de trabalho psicodinâmico a relação mãe-filho ou mãe-filha. O grupo psicoeducativo multifamiliar, conduzido por terapeuta cognitivo-comportamental, visa a oferecer informações sobre os transtornos alimentares, o tratamento e outros assuntos igualmente relevantes, como a adolescência.
Atendimento cognitivo-comportamental
No modelo cognitivo-comportamental, as alterações na cognição, levando a sentimentos de angústia e resultando em comportamento anormal, são o foco dos transtornos alimentares (Garfinkel e Garner, 1982). A perda de peso pode ser vista como alívio para a angústia e inquietação da adolescência, podendo constituir uma tentativa de controle sobre os outros e sobre si mesmo. No tratamento com adolescentes, o método cognitivo-comportamental ajuda a fazer a ligação entre pensamentos e sentimentos e facilita a expressão das emoções (White e Freeman, 2003).
Em nosso serviço, o atendimento é feito em grupo por terapeuta cognitivo-comportamental, reunindo pacientes com diferentes diagnósticos alimentares. Tem periodicidade semanal e duração de uma hora. Há reforço de que a auto-avaliação positiva possa desenvolver-se do sucesso em pequenas atividades e conquistas pessoais. É fundamental que os pacientes entendam a interação entre pensamentos, sentimentos e disfunções de comportamentos. Observam que o peso não é o problema real, mas que outros problemas mais importantes estão dirigindo e mantendo o transtorno alimentar.
Atendimento nutricional
A "terapia nutricional" para os transtornos alimentares deve ser um processo integrado, no qual o nutricionista e a equipe trabalham juntos para modificar os comportamentos relacionados ao peso e à alimentação (Ednos, 1984; Ednos, 2001). Além disso, a família tem papel fundamental no seguimento do plano alimentar.
No PROTAD, o tratamento nutricional é feito por nutricionista, a qual avalia o peso e a alimentação atual do paciente, passando conceitos sobre uma alimentação adequada, a fim de desmistificar falsos mitos e crenças. A realimentação é feita de forma gradativa envolvendo diretamente o paciente e seus responsáveis. As combinações são avaliadas pelas informações trazidas no diário alimentar, juntamente com o peso de cada atendimento e através de discussões com a equipe multidisciplinar.
Atendimento psicodinâmico
Os artigos apontam a importância da inclusão do tratamento psicodinâmico no intuito de ajudar o paciente com transtorno alimentar a entender o significado dos sintomas manifestados (Zerbe, 2001). Tratando-se de adolescentes, a maioria dos autores elege a psicoterapia grupal como procedimento de escolha "por corresponder à natural inclinação dos adolescentes de procurar, no grupo de iguais, a caixa de ressonância ou continente para suas ansiedades existenciais" (Osório, 2000 pg.79). Porém, ainda são poucos os estudos sobre o tratamento de adolescentes com transtornos alimentares em grupos psicodinâmicos.
Os grupos, em nosso serviço, são orientados por psicanalistas e co-orientados por psicólogos, reúnem pacientes com diferentes tipos de doença alimentar, ocorrem semanalmente e têm duração de uma hora.
Atendimento médico
A consulta médica oportuniza a identificação e manejo dos sintomas através de técnicas cognitivo-comportamentais de forma individualizada e a avaliação da necessidade de medicação.
Abordagens cognitivo-comportamentais adequadas para jovens com transtornos alimentares vêm sendo desenvolvidas progressivamente. Uma das mais consagradas é o diário alimentar (Hawton, 1989).
Em nosso serviço, o diário alimentar integra todos os atendimentos psiquiátricos. Ele permite ao profissional e ao paciente conhecer e manejar as peculiaridades da doença.
Outro aspecto relevante do atendimento psiquiátrico diz respeito às medicações; os antidepressivos são as que possuem maior aplicabilidade (Casper, 2002). No tratamento da anorexia nervosa, o enfoque medicamentoso, mais freqüentemente, dá-se depois do peso restabelecido.
Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina são comumente considerados naqueles pacientes com transtorno psiquiátrico comórbido (Crow e Brown, 2003). Na bulimia nervosa, o emprego desses fármacos visa a diminuir tanto compulsões e vômitos muito intensos e resistentes à abordagem psicoterápica, quanto os quadros psiquiátricos associados. A fluoxetina tem sido a medicação de escolha (Kotler e Wash, 2000).
Considerações finais
A diversidade de fatores envolvidos nos quadros alimentares na adolescência, a necessidade de equipes multidisciplinares com profissionais distintos e a utilização de diferentes métodos terapêuticos facilitam desacordos quanto às abordagens mais relevantes a serem empregadas no tratamento dos quadros alimentares. Daí, a necessidade de uma equipe que consiga conviver e valorizar as diferenças e compartilhe dos mesmos princípios. Desde o início do PROTAD, observou-se que contribuem para a formação e manutenção de um trabalho com tais características uma rotina de reuniões semanais com a participação de todos os membros da equipe, decisões conjuntas, discussão periódica dos casos e continência das experiências vividas pela equipe.
A realização desse trabalho numa instituição acadêmica e financiada por recursos públicos exige a utilização de técnicas que reúnam capacidade terapêutica e atenção a um maior número possível de indivíduos. As intervenções em grupo, amplamente usadas nesse serviço, são um excelente exemplo dessa união.
Cientes da necessidade de validação científica de nosso trabalho, a análise do impacto do tratamento oferecido pelo PROTAD deverá ser o foco de futuras publicações.
Recebido: 02/09/2004 - Aceito: 15/09/2004
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Dez 2004 -
Data do Fascículo
2004
Histórico
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Recebido
02 Set 2004 -
Aceito
15 Set 2004