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DOSSIÊ: "SAÚDE E TRABALHO DOCENTE: ARTICULAÇÃO IMPRESCINDÍVEL"

Apresentação

Saúde e trabalho docente: articulação imprescindível

Este dossiê temático traz estudos de diferentes realidades educativas, inclusive de distintos contextos nacionais (Argentina, Chile, México e Brasil; no caso deste último, estudos centrados em diferentes regiões), tendo por base pesquisas que buscaram conhecer o perfil de morbidade dos grupos de professores e as evidências de associação entre as morbidades conhecidas e a exposição aos fatores ambientais.

As políticas educacionais têm se ocupado da organização do sistema escolar e do ensino centrado no saber e no desenvolvimento dos conteúdos, e, mais recentemente, do ensino centrado no desenvolvimento de competências e habilidades, com ênfase para o aprimoramento dos recursos pedagógicos, sem muitas vezes considerar o esforço empreendido pelos professores para compensar a ausência ou deficiência dos meios e de facilitadores necessários à realização de suas atividades.

Apesar da ênfase nas habilidades e competências individuais do docente, quando o debate gira em torno dos eventos nas escolas e de suas repercussões sobre os projetos educativos, os estudos recentes revelam inadequações entre os objetivos da educação para todos e as condições de trabalho existentes.

Os resultados das pesquisas que serão apresentadas são convergentes quanto às profundas mudanças experimentadas pelos professores durante as últimas décadas, em virtude das transformações socioculturais do capitalismo pós-industrial e da expansão dos objetivos e das funções da escola. A busca por qualificação e formação de profissionais para satisfazer as necessidades das empresas modifica os contextos de trabalho nas escolas e universidades, influindo na saúde dos docentes, conforme atesta o artigo de Tamez e Dominguez.

A abordagem dos ambientes escolares (físicos e organizacionais), em detrimento das análises fortemente centradas no desenvolvimento profissional docente ou nas competências dos professores, está presente nos estudos epidemiológicos cujos resultados evidenciam a existência de forte associação entre as queixas de saúde e as condições de trabalho. A fadiga e a frustração constantemente mencionadas pelos docentes podem estar associadas aos obstáculos relacionados ao volume de trabalho e à precariedade das condições existentes, mas também às altas demandas no trabalho, incluindo as demandas emocionais, junto com uma expectativa social de excelência, cujo limite é exigir do professor uma atuação capaz de reverter a situação na qual se encontra. Cada vez mais se assiste a campanhas promovidas por governos e organismos internacionais visando obter maior compromisso dos docentes para com a aprendizagem e a melhoria do desempenho dos alunos nos testes padronizados. Nesse contexto, diante das restrições e da ausência de facilitadores para as atividades docentes, tem-se registrado o sentimento de impotência e desinvestimento entre esses trabalhadores, o qual, por sua vez, está associado ao adoecimento, como pode ser constatado nos artigos apresentados.

As hipóteses de uma associação entre condições de trabalho e a saúde docente serão tratadas neste dossiê temático intitulado "Saúde e trabalho docente: articulação imprescindível", justamente por considerar que a discussão sobre a organização escolar não pode estar apartada do debate em torno das condições de trabalho e, consequentemente, de suas articulações com a saúde dos docentes.

Buscando contribuir no debate necessário sobre o que consideramos uma articulação imprescindível é que apresentamos este dossiê, composto por cinco artigos, resultados de pesquisas desenvolvidas no contexto educacional latino-americano, por pesquisadores que se dedicam aos estudos sobre saúde e trabalho docente.

O primeiro artigo, intitulado Intensificação do trabalho e saúde dos professores - de nossa autoria: Ada Ávila Assunção e Dalila Andrade Oliveira, professoras pesquisadoras do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da UFMG -, é resultado de pesquisas desenvolvidas nas redes públicas de ensino de Minas Gerais, nos últimos cinco anos. O artigo aborda a centralidade atribuída aos docentes nos processos de reformas educacionais e as novas exigências profissionais, com efeitos sobre a saúde desses trabalhadores. Busca ainda, com base nos resultados apontados na literatura epidemiológica e ergonômica, tecer relações entre o processo de intensificação do trabalho nas escolas e o tipo de adoecimento dos professores descrito nos estudos atuais.

O segundo artigo, de autoria dos professores e pesquisadores Silvia Tamez González e Josué Federico Pérez Dominguez, da Área Estado y Servicios de Salud, da Universidad Autónoma Metropolitana, no México, traz o título El trabajador universitario: entre el malestar y la lucha. O artigo discute como as mudanças no mundo do trabalho produzidas pela crise de acumulação capitalista têm transformado as condições de desenvolvimento da atividade docente, em especial aquela realizada na instituição universitária, atravessada por múltiplas e contraditórias exigências que se manifestam na saúde de seus trabalhadores.

Com o título Condiciones de trabajo y bienestar/malestar docente en profesores de enseñanza media de Santiago de Chile, o terceiro artigo é resultado de investigação realizada com professores de instrução secundária de Santiago, Chile, com a autoria de Rodrigo Cornejo, do Observatório de Políticas Educativas da Universidad de Chile. O artigo procura analisar as condições do trabalho educacional (materiais e psicossociais) e o bem-estar/mal-estar desses trabalhadores. O estudo, de caráter quantitativo, descreveu as frequências das respostas tendo em vista as variáveis de interesse e realizou análises estatísticas para verificar associações de acordo com as hipóteses anunciadas. Como resultado de pesquisa, o artigo demonstra que a percepção das condições do trabalho pelos próprios trabalhadores está marcada pela precariedade do trabalho e pelos altos níveis de exigência que lhes são apresentados.

O artigo de Tânia Maria de Araújo e Fernando Martins Carvalho, com o título Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos aborda as condições de saúde e trabalho de professores analisadas a partir de resultados de oito estudos epidemiológicos desenvolvidos no estado da Bahia. A análise conjunta desses estudos permitiu evidenciar que docentes com trabalhos envolvendo alta exigência também apresentavam prevalências mais elevadas de queixas de doença. Esses resultados apontam para a necessidade do estabelecimento de políticas voltadas para a prevenção e atenção à saúde dos docentes.

O artigo que fecha o dossiê é intitulado Dimensiones del trabajo docente: una propuesta de abordage del malestar y el sufrimiento psiquico de los docentes en la Argentina e tem a autoria dos pesquisadores argentinos Deolidia Martinez, Marité Collazo e Manuel Liss. O artigo baseia-se em estudos e trabalhos de campo realizados no âmbito do programa de pesquisa "Salud en la escuela" (Saúde na escola), do Instituto de Investigações Marina Vilte, da Confederação dos Trabalhadores em Educação da República Argentina (CTERA). Esse artigo se concentra no estudo teórico da análise do processo de trabalho docente e no acompanhamento das singulares manifestações do sofrimento psíquico nos professores.

O artigo de Martinez et al., que discorre sobre o imaginário social no tocante ao papel da escola e às vivências de sofrimento psíquico das professoras e os resultados da pesquisa realizada no Chile por Cornejo trazem elementos reforçadores da temática da intensificação do trabalho docente, objeto do artigo de Assunção e Oliveira. Confrontado com exigências excessivas da realidade externa e de seus próprios ideais, o docente, segundo explicam Martinez et al., elaboraria uma adaptação exagerada às exigências sem resistência nem reflexão. Esse tipo de adaptação estaria na gênese dos fatores de risco de adoecimento a que se reporta o artigo sobre intensificação.

Ainda na teia dos elementos que explicam a intensificação do trabalho, Tamez e Dominguez explicam que as cargas dos trabalhos acadêmicos se somam às cargas com que os professores universitários têm de lidar diariamente, para sustentar que os sujeitos ultrapassam suas capacidades de resistência física e psíquica.

O caráter público da educação também é mencionado para tecer as conexões entre saúde e trabalho, pois as demandas sociais que chegam às escolas públicas implicam responsabilidade social por parte dos professores. Estudos recentes focalizam os trabalhadores sociais,

Os resultados obtidos na pesquisa em Santiago são semelhantes aos dados trazidos por Araújo e Carvalho quanto à percepção de condições precárias e alto nível de demanda laboral entre os docentes estudados na Bahia.

A pesquisa realizada no Chile descreve as seguintes frequências para cada tipo de enfermidade investigada: bronquite (32,1%); cólon irritável (21,6%), disfonia (18,6%), tendinite (16,6%), estresse (13,9%), depressão (13,2%), hipertensão (11,5%). Esses dados não são divergentes dos oito estudos epidemiológicos desenvolvidos no estado da Bahia, de 1996 a 2007. Foram identificadas elevadas prevalências de queixas compatíveis com a disfonia (dor de garganta, rouquidão, perda temporária da voz); diagnóstico firmado pelo médico de LER/DORT (no Chile investigou-se tendinite) foi dado em 12,4% e em 53,6% dos professores atendidos, respectivamente em serviços da rede privada e pública. Nos estudos realizados no estado da Bahia, observou-se também prevalências elevadas de transtornos mentais comuns (que seriam de mesma natureza das enfermidades estresse e depressão verificadas no estudo do Chile), tendo sido encontrada prevalência global de 55,4%, numa população específica de professores.

O nível de bem-estar/desconforto apresentado pelos professores no ensino secundário de Santiago está associado ao sentido do trabalho e ao nível de carga laboral percebido. Em contrapartida, a revisão de algumas pesquisas realizadas no México permite identificar maneiras distintas de os docentes reagirem, desde a negação de seu estado de esgotamento até o "refúgio", nos dizeres de Tamez e Dominguez, ao consumo de álcool e outras drogas. Abre-se a perspectiva de aprofundamento das associações identificadas, visando compreender as confirmadas relações entre condições de trabalho e saúde.

Independentemente da região geográfica de onde foram trazidos, os resultados são homogêneos quanto ao aumento significativo dos problemas de saúde mental e desconforto na profissão docente, e quanto à forte relação entre as condições de trabalho e a saúde e o bem-estar dos professores.

O presente dossiê reúne assim, contribuições de autores que têm desenvolvido pesquisas sobre saúde e trabalho docente em distintos países e instituições na América Latina e que têm impulsionado o debate em torno desta temática no âmbito da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente (REDESTRADO).

Nota

DALILA ANDRADE OLIVEIRA

ADA ÁVILA ASSUNÇÃO

(Organizadoras)

Referências bibliográficas

  • 1 Cf. Takeda, The relationship of job type to burnout in social workers at social welfare offices. Journal Occupational Health, Tóquio, n. 47, p. 119-125, 2005.
  • 1
    assim denominados pelos autores, dado o conteúdo afetivo das tarefas em atender ao usuário, paciente, beneficiário da previdência ou de serviços sociais específicos, aluno etc. Identifica-se maior prevalência de sintomas mórbidos nesse grupo quando comparado com o grupo dos trabalhadores do setor público que não lida diretamente com o cidadão. Esses resultados de estudos epidemiológicos podem ser discutidos à luz do que explicam Martinez et al. quando afirmam existir uma carga diferenciada decorrente do valor simbólico específico e do peso social que recai sobre o trabalhador docente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
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