RESUMO:
O presente artigo teve como objetivo lançar um olhar sobre a governança universitária à luz da teoria da Economia dos Custos de Transação (ECT). Para tanto, recorreu-se à fundamentação teórica abrangendo a ECT e estruturas de governança. Utilizou-se, ainda, a análise de documentos institucionais das universidades federais da Amazônia Legal no intuito de avaliar a composição de seus conselhos superiores de deliberação. Concluiu-se que há um longo caminho a ser percorrido no que diz respeito à organização de instâncias deliberativas democráticas que permitam aos atores internos e externos uma efetiva participação nas decisões da universidade.
Palavras-chave:
Economia dos custos de transação; Universidade; Estruturas de governança
ABSTRACT:
This article proposes an overview of university governance in the light of the theory of Transaction Cost Economics (ECT). To do so, a theoretical foundation covering ECT and governance structures was used. Analysis of institutional documents of federal universities in Legal Amazon was also carried out in order to evaluate the composition of superior councils of deliberation. Conclusion is that there is still a long way to go when it comes to organizing democratic deliberative bodies that allow an effective participation of internal and external actors in university decisions.
Keywords:
Economics of transaction costs; University; Governance structures
RÉSUMÉ:
Cet article vise à jeter un regard sur la gouvernance universitaire à la lumière de la théorie de l’Économie des Coûts de Transaction (ECT). À cette effet, on a recours à la base théorique couvrant ECT et les structures de gouvernance. S’est réalisée une analyse des documents institutionnels des universités fédérales de l’Amazonie afin d’évaluer la composition des équipes des conseils de délibération. Il est conclu qu’il reste encore un long chemin à parcourir en concernent l’organisation des instances délibératives démocratiques qui permettre aux parties internes et externes une participation effective aux décisions universitaires.
Mots-clés:
L’Économie de coûts de transaction; Université; Les structures de gouvernance
Introdução
O investimento em políticas educacionais como forma de expansão econômica é uma ideia conhecida e difundida amplamente em países desenvolvidos e em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, Coreia do Sul etc. A história nos indica que enriqueceram mais as nações que conseguiram criar um ambiente favorável à criação e à proliferação do conhecimento e de seu emprego na produção (SAGIORO, 2004SAGIORO, R. Conhecimento, inovação e crescimento econômico: uma aplicação do Modelo de Solow ao Brasil. In: ENCONTRO CIENTÍFICO DA CAMPANHA NACIONAL DAS ESCOLAS DA COMUNIDADE, 2., 2004. Anais... Varginha, 9-10 jul. 2004.; SOLOW, 1956SOLOW, R.A. Contribution to the Theory of Economic Growth. Quarterly Journal of Economics, v. 70, n. 1, p. 65-94, fev. 1956.). Nessa perspectiva, os estados brasileiros vêm passando por diferentes períodos de crescimento.
Regulamentado por meio do Decreto nº 35.600, em 9 de outubro de 1953, e pela Lei 5.173, de 27 de outubro de 1966, o território da Amazônia Legal desponta como uma das principais áreas cujas atenções encontram-se voltadas para ações focalizadas no desenvolvimento em suas diversas dimensões. Um dos componentes do desenvolvimento que mais tem recebido atenção é a Educação, entendida como um meio para aquisição e desenvolvimento de capacidades que ampliem as liberdades substantivas dos indivíduos, com reflexos nas sociedades, a partir da contribuição dos seus membros para melhora geral da qualidade de vida1 1. Conforme Smith (1996), o capital humano consistiria nas habilidades adquiridas e úteis dos habitantes ou membros da sociedade. Para o autor, a obtenção dos referidos talentos, por meio da educação, estudo ou aprendizagem, sempre carece de uma despesa real, que é capital fixo e realizado em uma pessoa. Tais talentos constituem sua fortuna, bem como a fortuna da sociedade à qual ela pertence. Sobre esse tema, Smith exemplifica, ainda, que a destreza aperfeiçoada de um funcionário pode ser comparada à de uma máquina ou de um instrumento de comércio, que, embora envolva custos, facilita o trabalho e reembolsa as despesas com o lucro. Também desenvolveram análises sobre a teoria do capital humano Schultz (1973) e Becker (1983). .
É nesse contexto que situamos sociologicamente a participação e as possibilidades de as universidades contribuírem para o desenvolvimento de uma região. Nessa linha de raciocínio, é possível perceber um quadro de intensos contrastes na base universitária brasileira ratificado pelos números oficiais. Os percentuais relativos aos estados da Amazônia Legal, em especial os da Região Norte, se comparados às outras regiões, ainda se mostram inferiores aos desejáveis. Nessa perspectiva, a sociedade amazônica tem demandado continuamente o protagonismo das universidades como promotoras do desenvolvimento regional por meio da formação de profissionais qualificados para atuarem em suas regiões2 2. Para ampliação dessas questões, ver: BRASIL, 1996; SEMESP, 2015. .
Paralelamente, é necessário compreender que a Nova Economia Institucional (NEI), impulsionada por Oliver Williamson, na década de 1970, se estabelece a partir da assunção de que a economia real opera de forma diversa da indicada no modelo neoclássico e enfatiza a importância do estudo sobre o papel das instituições em, essencialmente, dois eixos:
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o ambiente institucional, destacando o estudo da relação entre instituições e desenvolvimento econômico;
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as bases regulatórias de uma determinada transação, ou seja, as estruturas de governança.
Esse segundo eixo inclui a dimensão da NEI intitulada Economia dos Custos de Transação (ECT).
Partimos do pressuposto de que essa abordagem teórica permite uma maior compreensão sobre o ambiente institucional universitário, suas relações internas e externas, seus atores, custos, incentivos e características, bem como sobre as tensões que permeiam a relação entre universidade pública, Estado e sociedade. Assim, no presente artigo, lançamos um breve olhar sobre a universidade e sua interface com o desenvolvimento, com especial atenção para a ECT e as estruturas de governança universitárias.
A Economia dos Custos de Transação (ECT): mecanismos de governança e a universidade
Conforme elucida Williamson (1985WILLIAMSON, O.E. The economic institutions of capitalism. Nova York: The Free Press, 1985.), a unidade básica de análise da ECT é a transação, ou seja, o evento que acontece quando um agente adquire um bem, um serviço, ou estabelece uma interface com outro indivíduo. Esse evento é passível de estudo, uma vez que enseja uma relação contratual (formal ou informal) e envolve convenções entre seus participantes. Em um estudo clássico, Coase (1937COASE, R.H. The nature of the firm. Economica, v. 4, n. 16, p. 386-405, 1937.) considerou que a existência dos custos de transação decorre fundamentalmente de duas situações: gastos com coleta de informações; e negociação e confecção de contratos específicos para cada transação. Na atualidade, essa noção encontra-se ampliada - compreende-se que os custos de transação são os custos necessários para a utilização de qualquer forma organizacional. Desse modo, podemos dizer que a ECT se fundamenta na eficiência, seja definida a partir de critérios técnicos de combinação e uso eficiente dos recursos, seja pelos custos de transação e pelas instituições (MEIRELLES, 2010MEIRELLES, D.S. Teorias de mercado e regulação: por que os mercados e o governo falham? Cadernos EBAPE.BR, v. 8, n. 4, p. 644-660, dez. 2010.; MELO, 2013MELO, E.B. Assimetrias de informação, nova economia institucional e custos de transação: uma análise das convergências entre Stiglitz e Williamson. 112 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013.; PONDÉ, 1993PONDÉ, J.L. Coordenação, custos de transação e inovações institucionais. Texto para Discussão, Campinas, n. 38, 1993.).
Para a compreensão das transações, Williamson (1985WILLIAMSON, O.E. The economic institutions of capitalism. Nova York: The Free Press, 1985.) considera essenciais dois pressupostos comportamentais:
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o comportamento oportunista, que se constitui como a busca do autointeresse com malícia; e
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a racionalidade limitada, que se traduz em um planejamento incompleto da transação, uma vez que não é possível o conhecimento integral sobre o ambiente3 3. Segundo North (1990), a solução para viabilizar o crescimento reside na construção de uma matriz institucional que favoreça a acumulação de capital físico e humano. .
Dessa concepção, emerge a necessidade de organizar operações, como um mecanismo que visa a conter a racionalidade limitada e o resguardo contra os riscos do comportamento oportunista. Tendo esses elementos como ponto de partida, Williamson (1985WILLIAMSON, O.E. The economic institutions of capitalism. Nova York: The Free Press, 1985.) propõe o conceito de governança como a matriz institucional que permite que as transações sejam negociadas e executadas. É possível afirmar que a estrutura de governança é o mecanismo que busca reduzir os custos de transação ou, ainda, a maneira que uma instituição se organiza para oferecer o bem ou o serviço. Nesse sentido, a saída para a questão econômica estaria nas regras ou arranjos institucionais que favorecem ou dificultam atividades.
Dessa forma, compreende-se que a governança envolve as estruturas de influência e organização que se constituem em meio aos atores. Assim, o conceito de governança abrange diferentes formas de ajuste que podem ser:
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a regulação hierárquica;
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mecanismos de ajustamento mútuo;
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acordos produzidos por negociação;
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cooperações que articulam atores públicos e privados; e
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cooperações que articulam atores sociais independentes (WILLIAMSON, 1985WILLIAMSON, O.E. The economic institutions of capitalism. Nova York: The Free Press, 1985.).
Compreender o conceito de governança no setor público envolve necessariamente a reflexão sobre os atributos peculiares desse segmento, caracterizado por uma considerável dificuldade em determinar seus objetivos e as formas mais eficientes de alcançá-los, além de dificuldades em mensurar os resultados de suas políticas públicas. Ademais, é necessário entender seus complexos custos de transação, como:
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tempo de negociação entre atores;
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custo de agência - supervisão dos agentes; e
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problemas de compromisso de longo prazo - oportunismo político.
Essa configuração, somada às características da administração direta, de competição diminuída, fracos incentivos internos à motivação e direcionamento do comportamento da burocracia4 4. Para Weber (1982), a burocracia constitui uma ferramenta capaz de assegurar alta eficiência administrativa, sendo condição determinante para o desenvolvimento econômico em razão da predominância técnica em detrimento de outros tipos de organização. Evans (2004) acrescenta que a burocracia se constituiu como um conjunto de normas e estruturas que induzem à competência e salienta que a burocracia raramente é reconhecida por sua potencialidade, levando à reflexão de que a insuficiência da burocracia é que se torna de fato nociva ao desenvolvimento. , tende a levar esse tipo de organização a utilizar uma estrutura de governança do tipo hierárquica, ou seja, baseada na total internalização das atividades (DIXIT, 2002DIXIT, A. Incentives and organizations in the public sector: an interpretative review. The Journal of Human Resources, v. 37, n. 4, p. 696-727, 2002.; PERES, 2007PERES, U.D. Custos de transação e estrutura de governança no setor público. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v. 9, n. 24, 2007.).
A universidade federal caracteriza-se por ser um órgão público da administração direta, mas que possui uma série de especificidades - delineia-se como uma estrutura matricial na qual suas dinâmicas integrativas se organizam parcialmente tanto no interior quanto no exterior da instituição. Nesse sentido, Cohen et al. (1972COHEN, M.D.; MARCH, J.G.; OLSEN, J.P. A garbage can model of organizational choice. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 1, p. 1-25, mar. 1972.) ressaltam que a dinâmica deliberativa na universidade é marcada pela prática evidente da barganha5 5. Conforme Cohen et al. (1972), o ambiente universitário se configura na forma de uma anarquia organizada. Para os autores, essa dinâmica anárquica está presente tanto nos processos internos de interação como nas interações externas que a universidade estabelece. . Uma vez que a participação dos atores internos é restrita, as deliberações acontecem independentemente de haver uma ampla concordância entre os atores da universidade. Nesse cenário, a relação da universidade com o ambiente externo passa a depender da disposição e do envolvimento dos diversos atores internos.
A compreensão do conceito de governança universitária envolve a percepção de que, diferentemente de outras instituições, a universidade se caracteriza por apresentar uma intensa concentração de autoridade e autonomia nas suas unidades básicas. Essa dicotomia faz com que os atores internos se inter-relacionem em parte com a estrutura de incentivos determinada pela instituição, em parte com a estrutura de incentivos determinada por seus nichos profissionais. Diante dessa questão, é preciso refletir sobre o fato de que o desenvolvimento da ciência tem ocorrido numa estreita relação de funcionalidade com o sistema econômico. Desse modo, seu processo de crescimento ocorre de modo semelhante ao processo de crescimento do próprio mercado, já que é demonstrado por meio de métricas de produtividade. Pode-se dizer que a repercussão de uma publicação, em determinado meio, representa, além de indicadores de produção científica, sítios de articulação e conexão. Em consequência, como já sinalizava Polanyi (1962POLANYI, M. The republic of science and its political and economic theory. Minerva, n. 1, p. 54-74, 1962.), grande parte das estruturas de recompensas que envolvem o trabalho dos docentes encontra-se sob o arbítrio de organizações externas à universidade.
Pode-se depreender desse cenário que as estruturas de governança das universidades não tendem à neutralidade, uma vez que as políticas e práticas universitárias encontram-se mediadas por ações interessadas de atores internos e externos. Essa mútua influência faz com que a práxis institucional se dissocie, em muitas situações, do tratamento igualitário e universal preconizado nos documentos institucionais. Em outras palavras, o conjunto das atividades institucionais encontra-se, por um lado, objetivado pelos valores e interesses dos atores internos e, por outro, pressionado pelos interesses da sociedade e do mercado de modo geral. Em decorrência disso, a gestão universitária é produto de um modus de governança no qual se articulam diversos microambientes institucionais, por meio de estruturas complexas de ajustamento que combinam lógicas hierárquicas, de ação individual e acordos mútuos (BARBOSA; AZEVEDO, 2016BARBOSA, T.; AZEVEDO, A.M.M. de. Governança, democracia e a universidade brasileira no século XXI: o caso da Universidade Federal do ABC. In: CONFERÊNCIA FORGES, 6., 2016. Anais... Campinas: Universidade Estadual de Campinas, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.aforges.org/wp-content/uploads/2016/11/24-Thiago-Sales-Barbosa-et-al_Governanca-democracia-e-a-universidade-brasileira.pdf
>. Acesso em: 20 jan. 2017.
http://www.aforges.org/wp-content/upload...
; CLARK, 1983CLARK, B.R. The higher education system: academic organization in a cross-national perspective. Berkeley: University of California Press, 1983.; BALBACHEVSKY et al., 2013BALBACHEVSKY, E.; KERBAUY, M.; FABIANO, N. L. A governança universitária em transformação: a experiência das universidades públicas brasileiras. Relatório NUPPS. São Paulo, 2013.).
Metodologia
Para compreender as estruturas de governança adotadas pelas 12 universidades federais no território da Amazônia Legal, optou-se pela análise documental dos estatutos das respectivas instituições, observando as atribuições e composição dos Órgãos Colegiados Superiores, também nominados Conselhos Superiores de Deliberação. Cabe a esses conselhos definir todas as ações e políticas institucionais, de modo que suas decisões orientem toda a atuação dos demais espaços acadêmicos e administrativos. Em todas as universidades federais da Região Norte, os conselhos, em suas respectivas áreas de atuação, ocupam lugar superior ao da reitoria na estrutura organizacional.
Buscou-se, dessa forma, definir os principais atores nas tomadas de decisão em relação às atividades das universidades, às regras e às arenas institucionais em que esse poder decisório é exercido. Examinaram-se, ainda, as configurações de integração dos atores externos. Para Balbachevsky et al. (2013BALBACHEVSKY, E.; KERBAUY, M.; FABIANO, N. L. A governança universitária em transformação: a experiência das universidades públicas brasileiras. Relatório NUPPS. São Paulo, 2013.), o conceito de governança, ao ser aplicado no contexto das instituições de ensino superior, deve levar em conta dois aspectos:
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os mecanismos de ajustamento internos à instituição; e
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as estruturas de cooperação que a universidade estabelece com atores externos.
De modo complementar, foi utilizado o modelo tipológico proposto por Olsen e Maassen (2007OLSEN, J.P.; MAASSEN, P. European debates on the knowledge institution: the modernization of the university at the European level. In: MAASSEN, P.; OLSEN, J.P.; University dynamics and European integration. Dordrecht: Springer, 2007. p. 3-22.) aplicado à governança interna universitária. Como pode ser observado no Quadro 1, esse modelo distingue as instituições universitárias de acordo com dois aspectos:
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o nível de convergência da visão da comunidade acadêmica a respeito das normas e objetivos institucionais; e
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o nível de importância dos fatores externos à instituição na determinação de suas ações.
Resultados e discussões
As 12 universidades pesquisadas apresentaram um mínimo de duas e o máximo de quatro instâncias de deliberação, sendo que o Conselho Universitário constitui a esfera máxima de deliberação em todos os casos. Os outros conselhos tendem a se definir por área de atuação e encontram-se no mesmo nível hierárquico, sem interferir nos demais (Quadro 2). Um ponto interessante para esta análise é a configuração desses conselhos, formados por membros da gestão universitária e por representantes da comunidade universitária: docentes (70%), discentes (15%) e servidores técnico-administrativos (15%) - atendendo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), sendo que os dois últimos possuem como parâmetro a composição docente.
Cabe enfatizar que essa composição tem como base a evolução histórica da estrutura da universidade pública brasileira. Grosso modo, pode-se dizer que ela resulta de um processo de afastamento das relações com o governo federal, possibilitando maior autonomia universitária, enquanto se aproxima de uma tendência à centralização nas relações internas. Esse processo veio reforçar a necessidade de consolidar a democracia nas relações e instâncias de poder dentro da universidade, visando à participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica nas diversas instâncias, inclusive nas de deliberação (PEIXOTO, 2007PEIXOTO, M.C.L. Relações de poder na universidade pública brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 78, n. 188-190, 1997.).
Nesse sentido, é possível compreender que, ainda que essa participação na deliberação universitária ocorra de forma distinta em cada instituição, para cada categoria ela cria novos centros de poder, alterando as relações e as dinâmicas institucionais.
De um modo geral, percebe-se que, nas instâncias decisórias das universidades federais na Amazônia Legal, há uma predominante presença de ocupantes dos cargos da gestão nos conselhos, o que pode conduzir a decisões essencialmente políticas - e uma possível reeleição tende a ser um incentivo forte, podendo induzir ao oportunismo. Soma-se a essa questão a presença prevalente de docentes nos quadros de gestão em relação às demais categorias da comunidade universitária. Em situações de coalizão interna, tal predomínio constitui um forte mecanismo orientador de decisões políticas, atreladas a estruturas de recompensa externas à universidade e relacionadas aos campos profissionais desses atores internos. Esse fato não significa, entretanto, que os docentes reinem isolados no interior das estruturas de governança da universidade. A ocupação de técnicos administrativos em determinados cargos junto à gestão universitária tem sido amplamente negociada em troca de apoio político quando das eleições universitárias. Em ambos os casos, as estratégias postas em prática pelos grupos de interesses seguem a mesma racionalidade.
Embora para Cohen et al. (1972COHEN, M.D.; MARCH, J.G.; OLSEN, J.P. A garbage can model of organizational choice. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 1, p. 1-25, mar. 1972.) a universidade seja definida por modelos fluidos de participação, conforme o exposto no Quadro 1, a estrutura de governança das universidades tende a se enquadrar predominantemente no Tipo 3, em que a governança universitária atua no sentido de representar os diversos interesses que atuam na organização. Nesse modelo de governança, os mecanismos de representação ocupam lugar de destaque, logo, o processo eleitoral da gestão ocorre com a participação dos diversos segmentos da comunidade acadêmica. Nesse tipo de estrutura, o reconhecimento das diferenças e a negociação são imprescindíveis e, em razão disso, as políticas e ações da instituição se estabelecem essencialmente em resposta às demandas dos diferentes segmentos internos da instituição (OLSEN; MAASSEN, 2007OLSEN, J.P.; MAASSEN, P. European debates on the knowledge institution: the modernization of the university at the European level. In: MAASSEN, P.; OLSEN, J.P.; University dynamics and European integration. Dordrecht: Springer, 2007. p. 3-22.).
No Quadro 3, é possível observar a participação externa na composição dos Conselhos Superiores de Deliberação nas 12 universidades federais que se distribuem pelo território da Amazônia Legal. É importante ressaltar que, das 34 instâncias deliberativas pesquisadas, 44% não possuem representantes da comunidade externa à universidade. Nas instâncias deliberativas nas quais os representantes da comunidade externa se fazem presentes, essa participação se mostra no mínimo insuficiente. Outro ponto a se avaliar é que, embora o sistema de Conselhos Deliberativos das universidades se mostre muito similar entre uma instituição e outra, isso não ocorre em relação à participação de representantes da comunidade externa. Não há convergência nas formas de escolha desses participantes e, em algumas instituições, eles representam diretamente o interesse de outros poderes políticos ou de ação individual.
Considerando que a estrutura de governança das universidades se enquadra no Tipo 3 do modelo proposto no Quadro 1, a análise do Quadro 3 confirma que, nesse modelo, a participação do ambiente externo no desenvolvimento da organização ainda é incipiente. Isso porque, ainda que seja possível notar a participação dos atores externos em 56% das universidades pesquisadas, tal participação tende a acontecer em uma proporção irrisória se a compararmos com a participação dos membros internos e dentro de uma agenda negociada no interior da própria organização, com base nos interesses de seus agentes internos (OLSEN; MAASSEN, 2007OLSEN, J.P.; MAASSEN, P. European debates on the knowledge institution: the modernization of the university at the European level. In: MAASSEN, P.; OLSEN, J.P.; University dynamics and European integration. Dordrecht: Springer, 2007. p. 3-22.).
Nesse sentido, ressalta-se, como Santos e Almeida Filho (2008SANTOS, B.S.; ALMEIDA FILHO, N. A universidade no século XXI: por uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008.) assinalam, a importância da participação externa nos mecanismos decisórios das universidades para garantir a transparência e a regulação das instituições. Segundo os autores, essa participação deve ser equivalente às tensões sociais que cercam a universidade, aproximando os conselhos dos grupos e dos interesses sociais que se encontram afastados. De acordo com essa visão, a participação da sociedade nas instâncias deliberativas universitárias poderia levar a uma redução nos custos de transação das instituições, como menor tempo de negociação entre os atores, supervisão dos agentes e redução do oportunismo político. Evans (2003EVANS, P. Além da “monocultura institucional”: instituições, capacidades e o desenvolvimento deliberativo. Sociologias, ano 5, n. 9, p. 20-62, 2003.) reforça igualmente a necessidade de uma efetiva participação externa nos processos de deliberação dos órgãos da administração pública, a fim de que sejam ampliadas as capacidades dos cidadãos em monitorar a alocação e os resultados das despesas públicas.
Considerações finais
As universidades federais na Amazônia Legal são reconhecidas por sua competência técnica, capacidade inovadora e potencial de articulação, desempenhando um papel singular para o desenvolvimento tanto local como regional. Pelo presente estudo é possível observar a importância de se lançar um olhar sobre a universidade pela perspectiva da teoria da ECT, com destaque para a relevância da análise sobre as estruturas de governança, uma vez que estas caracterizam a maneira como a universidade se organiza para oferecer seus serviços à sociedade. Nesse sentido, as estruturas de governança refletem diretamente nos custos de transação da universidade e, consequentemente, na qualidade dos serviços prestados.
Assim, o presente trabalho buscou destacar as características singulares evidenciadas pelas estruturas de governança universitária, marcada pela autonomia, por influências internas e externas, além de seus complexos custos de transação como:
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tempo de negociação entre atores;
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custo de agência; e oportunismo político.
Observou-se que tal configuração, atrelada aos incentivos externos e internos fracos, tendem a levar as universidades a funcionar com estruturas complexas de ajustamento, combinando lógicas hierárquicas de ação individual e acordos mútuos.
Nesse sentido, deve-se considerar que a forma como as estruturas de governança se organizam nas universidades pode contribuir para a presença de comportamento oportunista e para o aumento do nível de centralização administrativa. Constata-se que, no modelo atual, as políticas e práticas da universidade tendem a acompanhar o posicionamento dos atores internos mais ativos. Nesse cenário, a participação dos atores externos em geral também se vincula aos interesses dos atores internos. Desse modo, é possível observar a dinâmica universitária como consequência dos processos essencialmente políticos de deliberação.
Os resultados obtidos indicam a necessidade de se ampliarem espaços que permitam à sociedade participar constantemente das decisões, das ações e das políticas da instituição, visando a uma melhor avaliação e orientação da atuação acadêmica e administrativa da universidade. Revelam também que essa participação externa não deve ser condicionada unicamente à agenda e aos interesses dos agentes internos.
Este estudo não aponta em que proporção se deve definir a composição dos conselhos de deliberação universitários, por outro lado, mostra que ainda há um longo caminho a ser percorrido no que concerne à organização de instâncias deliberativas democráticas que permitam aos atores internos e externos uma efetiva participação nas decisões da universidade.
Referências
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Este artigo é resultado do projeto de pesquisa intitulado: “Gestão de políticas públicas no Tocantins: dinâmicas institucionais”, que conta com apoio financeiro da Fundação de Apoio Científico e Tecnológico do Tocantins (FAPTO).
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1.
Conforme Smith (1996SMITH, A. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. 2.), o capital humano consistiria nas habilidades adquiridas e úteis dos habitantes ou membros da sociedade. Para o autor, a obtenção dos referidos talentos, por meio da educação, estudo ou aprendizagem, sempre carece de uma despesa real, que é capital fixo e realizado em uma pessoa. Tais talentos constituem sua fortuna, bem como a fortuna da sociedade à qual ela pertence. Sobre esse tema, Smith exemplifica, ainda, que a destreza aperfeiçoada de um funcionário pode ser comparada à de uma máquina ou de um instrumento de comércio, que, embora envolva custos, facilita o trabalho e reembolsa as despesas com o lucro. Também desenvolveram análises sobre a teoria do capital humano Schultz (1973SCHULTZ, T. Capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.) e Becker (1983BECKER, G.S. El capital humano. Madri: Alianza, 1983.).
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2.
Para ampliação dessas questões, ver: BRASIL, 1996BRASIL. Ministério da Educação. Discussão da pós-graduação brasileira. Brasília: Capes, 1996. v. 1.; SEMESP, 2015SINDICATO DAS ENTIDADES MANTENEDORAS DE ESTABELECIMENTOS DE ENSINO SUPERIOR NO ESTADO DE SÃO PAULO (SEMESP). Mapa do Ensino Superior 2015. São Paulo: SEMESP, 2015..
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3.
Segundo North (1990NORTH, D. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.), a solução para viabilizar o crescimento reside na construção de uma matriz institucional que favoreça a acumulação de capital físico e humano.
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4.
Para Weber (1982WEBER, M. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.), a burocracia constitui uma ferramenta capaz de assegurar alta eficiência administrativa, sendo condição determinante para o desenvolvimento econômico em razão da predominância técnica em detrimento de outros tipos de organização. Evans (2004EVANS, P. Autonomia e parceria: estados e transformação industrial. Tradução de Christina Bastos Tigre. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2004.) acrescenta que a burocracia se constituiu como um conjunto de normas e estruturas que induzem à competência e salienta que a burocracia raramente é reconhecida por sua potencialidade, levando à reflexão de que a insuficiência da burocracia é que se torna de fato nociva ao desenvolvimento.
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5.
Conforme Cohen et al. (1972COHEN, M.D.; MARCH, J.G.; OLSEN, J.P. A garbage can model of organizational choice. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 1, p. 1-25, mar. 1972.), o ambiente universitário se configura na forma de uma anarquia organizada. Para os autores, essa dinâmica anárquica está presente tanto nos processos internos de interação como nas interações externas que a universidade estabelece.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Fev 2018 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2018
Histórico
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Recebido
24 Abr 2017 -
Aceito
18 Out 2017