Open-access POR UMA CULTURA RECONSTRUTIVA DOS SENTIDOS DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO*

For a reconstructive culture of the senses of technologies in education

Por una cultura reconstructiva de los sentidos de las tecnologías en la educación

RESUMO:

O artigo discute a reconstrução dos sentidos das tecnologias na educação, para pensá-las de forma crítica. O problema de pesquisa visa compreender a relação entre educação e tecnologia e seus entrelaçamentos pedagógicos, tendo por base os estudos de teóricos críticos sobre a filosofia da tecnologia, procurando elucidar as contradições formativas e como esse universo é apropriado nas práticas pedagógicas, tendo em vista que, muitas vezes, isso robotiza tais práticas. Nesse sentido, pergunta-se pelas alternativas contra-hegemônicas para fomentar diálogos e questionar a razão operacional das tecnologias na educação, cuja operacionalidade ainda serve de inspiração para resolver os problemas educacionais.

Palavras-chave: Tecnologias; Educação; Instrumentalidade técnica

ABSTRACT:

The article discusses the reconstruction of the meanings of technologies in education, to think critically. The research problem aims to understand the relationship between education and technology and its pedagogical interlacings, based on the studies of critical theorists about the philosophy of technology, seeking to elucidate the formative contradictions and how this universe is appropriate in pedagogical practices, considering that often this robotizes such practices. In this sense, one wonders about the counter-hegemonic alternatives to foment dialogues and question the operational reason for technologies in education, whose operability still serves as an inspiration to solve educational problems.

Keywords: Technologies; Education; Technical instrumentality

RESUMEN:

El artículo discute la reconstrucción de los sentidos de las tecnologías en la educación, para pensarlas de forma crítica. El problema de investigación busca comprender la relación entre educación y tecnología y sus entrelazamientos pedagógicos, teniendo como base los estudios de teóricos críticos sobre la filosofía de la tecnología, buscando elucidar las contradicciones formativas y cómo ese universo es apropiado en las prácticas pedagógicas, teniendo en cuenta que, muchas veces, esto robotiza tales prácticas. En ese sentido, se pregunta por las alternativas contrahegemónicas para fomentar diálogos y cuestionar la razón operacional de las tecnologías en la educación, cuya operacionalidad aún sirve de inspiración para resolver los problemas educativos.

Palabras clave: Tecnologías; Educación; Instrumentalidad técnica

Introdução

Este debate procura responder à demanda crescente da invasão das tecnologias na educação, tendo presentes as suas dificuldades de problematização com vistas a elucidar as contradições formativas do conhecimento tecnológico na leitura pedagógica, o que, muitas vezes, robotiza as práticas sociais de educar. Trata-se de promover, com base em Adorno, Horkheimer, Marcuse e Feenberg, um painel multifacetado o qual se constitui em uma espécie de terapia à razão operacional e sistêmica que se alojou no complexo da ciência, tecnologia e educação no mundo atual e passou a comandar nossas vidas desde os mínimos aos máximos detalhes. Além disso, o trabalho busca entrecruzar instâncias da discussão hermenêutica, filosofia da tecnologia e educação, apresentando perspectivas de resistência à visão reducionista, mercadológica e de neutralidade das tecnologias, para atualizar as questões relativas à formação pedagógica e a ampliação das pesquisas acerca de problemas teórico-práticos existentes.

Essa temática perpassa os estudos da teoria crítica e da hermenêutica, mostrando que precisa haver uma mudança de paradigma na compreensão sobre a apropriação das tecnologias pela educação, visto ser necessário aprofundar o porquê de a uniformização do ensino por meios tecnológicos produzir a dominação cultural e o empobrecimento do pensar, os quais fragilizam as experiências formativas. Partindo do pressuposto de que as tecnologias são parte constituinte nos processos que modelam a existência humana, essa iniciativa procura realizar um reagendamento da teoria crítica, tendo em vista os contextos sociais e educacionais, que se caracterizam pela presença das tecnologias digitais e demandam uma crítica das ideologias. Na verdade, a teoria crítica procura salvar ainda uma visão de totalidade social e pensa as suas influências na vida do indivíduo, preocupada com as contradições e com a práxis. Esse esforço se soma aqui à hermenêutica das tradições e do vivido, contribuindo de forma dialógica, reconstrutiva e crítica (DEVECHI; TREVISAN, 2010) à apropriação que a Escola de Frankfurt faz da filosofia da tecnologia. Sua relevância consiste em decidir que filosofia da tecnologia é importante associar à inserção do seu desenvolvimento na educação. Partimos da seguinte problematização: que alternativas contra-hegemônicas podemos lançar para ultrapassar os domínios técnicos da razão operacional de ensino e fomentar diálogos formativos com os conhecimentos tecnológicos? As tecnologias na educação seriam uma velha aspiração para resolver os complexos problemas socioeducacionais ou uma inspiração baseada na relação dialógica atravessada por tensões de uma educação intercultural do digital?

Para desvelar criticamente o cenário das tecnologias na educação, o caminho hermenêutico permite pensar as ações humanas no processo permanente de relação comunicativa, a fim de confrontar a visão passiva e a razão padronizada da automatização técnica no mundo contemporâneo (­HERMANN, 2002). As lacunas das tecnologias na formação cultural e educativa têm uma chance de superação por meio de uma racionalidade aprendente, de transformação hermenêutica, que se reflete no sentido histórico e inacabado da humanidade conduzido pelas relações com as diferentes formas de linguagem e visões de mundo.

Cabe destacar que neste texto a tecnologia é orientada pelo viés do diálogo, da alteridade, do valor da experiência enquanto totalidade de invenções humanas que constituem a chamada era da máquina. “É assim, ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação”, cujas transformações não são intrínsecas e automáticas (MARCUSE, 1999, p. 73). Há a necessidade de confrontar algumas certezas da educação conservadora e pedagogizada, lançando luz às ambiguidades de visões tecnológicas nesse terreno colonizado que não alcança o outro pela autonomização dos processos formativos, desde as suas origens, mediante provocações de bases reflexivas e críticas da tecnologia.

Por uma cultura reconstrutiva das tecnologias na educação

Os debates sobre as tecnologias digitais na educação podem esclarecer seus próprios condicionamentos e limites do saber quando dirigido por interesses e pela lógica programada. Em que pesem essas considerações, Adorno e Horkheimer (1985) lançam em suas análises críticas dirigidas aos processos educativos. Também, Feenberg (1991) faz uma crítica à filosofia da tecnologia de Adorno e Horkheimer, tecendo interlocuções com a questão da instrumentalidade técnica em contextos socioeconômicos e culturais que envolvem as tecnologias em suas interfaces educacionais. Como Feenberg (1991) segue as reflexões de Marcuse, tendo sido seu discípulo nos Estados Unidos, ele percebe a diferença de sua posição com relação à problemática levantada pelos pioneiros da Escola de Frankfurt:

Nesse aspecto, em A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional, ele se mostra menos influenciado pelo diagnóstico heideggeriano do que os seus colegas da Escola de Frankfurt, que acreditavam ser destino da humanidade viver sob a égide da técnica tal como o capitalismo a apresenta (ROSA; TREVISAN, 2016, p. 726).

Ou seja, Marcuse e Feenberg percebem que tanto Habermas quanto Adorno e Horkheimer recaíram no diagnóstico de Heidegger de que não havia outro caminho para a humanidade senão sucumbir ao modelo tradicional de produzir ciência e tecnologia que nos coloca na posição, enquanto sociedade, de simples consumidores desses aparatos. Nessa discussão, percebemos referências passageiras que servem de análise à educação, especialmente no que se refere às fontes de pesquisa acerca dos valores sociais e estéticos que as tecnologias conferem à prática educativa, em tempos de expansão das tecnologias e democratização na práxis cotidiana (ROSA; TREVISAN, 2016). Selwyn (2017, p. 87-88) esclarece:

Infelizmente, muito da discussão recente em torno da Educação e Tecnologia tem sido lamentavelmente frágil. A pesquisa acadêmica na área é frustrantemente pobre, e grande parte da evidência dos benefícios e riscos do uso da tecnologia carece de possibilidades de generalização e de rigor. Discussões tanto entre leigos quanto entre especialistas ainda tendem a ser desesperadamente otimistas ou distópicas. Discussões objetivas são frequentemente enfraquecidas por um desejo compreensível de educadores de melhorar a educação usando qualquer meio possível. O imperativo de reformar a educação para uma era de mudança tecnológica e demográfica (INSTITUTE OF DIRECTORS, 2016) é repetido ad infinitum por formuladores de políticas e empresários com pouca reflexão sobre porque esse deveria ser o caso, exatamente, ou o que poderia estar envolvido, precisamente.

Em linhas gerais, o uso linear, administrativo, inexpressivo e acrítico das tecnologias pode representar a dependência e a falta de uma manifestação pedagógica crítico-argumentativa, em função da mera informação, repercutindo em apropriações unívocas e vazias de sentido na esfera educativa. Para Selwyn (2017, p. 88, grifos do autor), “as únicas perguntas que tendem a ser propostas seriamente à educação e tecnologia são aquelas relacionadas a o que funciona? …ou, mais frequentemente, o que poderia funcionar”. Contudo, não se trata de resolver as questões de “efetividade ou melhor prática. Claramente, precisamos desafiar todas as hipóteses predominantes na área - mesmo que seja apenas para melhor nos informarmos sobre quais, exatamente, seriam os aspectos benéficos da tecnologia (e, consequentemente, quais não o seriam)” (SELWYN, 2017, p. 88, grifos do autor). Diante das incertezas e diferentes realidades socioeducacionais é preciso pensar e avaliar inteiramente as tecnologias e as suas consequências à educação, para além do aspecto técnico dos afazeres diários, ampliando a formação aprofundada por vieses que nos façam dialogar sobre os limites do tecnológico como possibilidade reconstrutiva e aprendente. Ao discutir sobre isso, Selwyn (2017, p. 88) reforça:

É preciso que a escrita, a pesquisa e o debate abordem o uso de tecnologia na educação como problemático. Tal perspectiva não significa assumir que a tecnologia é o problema, mas, sim, reconhecer a necessidade de interrogar seriamente o uso da tecnologia da educação. Isso envolve a produção de análises detalhadas e ricas em contexto, engajamento em avaliação objetiva, e dedicação de tempo para investigar qualquer situação em seus aspectos positivos, negativos e toda e qualquer nuance intermediária. Envolve, também, um posicionamento inerentemente cético, ainda que resistente à tentação de incorrer-se em um cinismo absoluto.

Posta a discussão da tecnologia e da educação nesse panorama, tal desafio é evidenciado na relação entre conhecimento, linguagem e mundo, bem como na dimensão humano-social e linguístico-expressiva, cujas ações não são isoladas dos enraizamentos históricos e sociais, como forma de projetar alternativas aos modos hegemônicos ou neotecnicistas de (re)produção na educação. Para superar as ambiguidades da automatização dos sentidos a um padrão fixo, Feenberg (2003) divide as teorias criadas na filosofia da tecnologia em três campos principais para se chegar à sua teoria crítica: instrumentalismo, substancialismo e determinismo. Tudo isso para mostrar o panorama a ser pensado e explorado sobre as tecnologias no campo filosófico. Feenberg denomina de instrumentalista o resultado dos entendimentos do senso comum, no século XIX e início do século XX. Nesse momento histórico, define o conceito de tecnologia moderna como uma forma neutra e submetida às vontades humanas reducionistas, por causa do avanço das bases industriais. De outra maneira, Feenberg (2003) apoia uma teoria substancialista a um conjunto de tecnologias definidas a partir da explicação sobre o poder desempenhado pelo ser humano, cujos autores dessa teorização são Martin Heidegger e Jacques Ellul. Nessa perspectiva, são as tecnologias que determinam o percurso do seu progresso, mas também são percebidas como forma de melhoria social, tomada de decisão, autocontrole, já que são elas mesmas quem delineiam as revoluções da humanidade, por meio do poder, da autodireção e da automotivação que mobiliza a existência humana.

Em relação ao determinismo, ele é justificado e encontra-se igualmente no instrumentalismo e no substancialismo, mas diferencia-se no entendimento das tecnologias como independentes e uma das possibilidades para o progresso humano, fazendo com que as tecnologias mostrem o percurso da evolução sociocultural. No entanto, essas reflexões sobre tecnologia para a melhoria da vida das pessoas estão sendo debatidas fortemente nos últimos anos. Rosa e Trevisan (2016) argumentam que a ciência e a tecnologia são resultados de uma modernidade que em sua natureza está sempre à procura do novo e da inovação permanente. Os autores problematizam que nas últimas décadas se tem colocado em dúvida o que de fato há nas inovações científicas e tecnológicas que são colocadas como novidades. “Ou se essa matriz não tem contribuído para a produção de catástrofes de toda ordem, como as guerras, a degradação ambiental e, mais recentemente, o aquecimento global” (ROSA; TREVISAN, 2016, p. 720).

Parece que a tecnologia ainda é usada na educação como forma de suprimir o diálogo pedagógico, o seu potencial democrático e a dimensão humana da experiência dos artefatos. Para Feenberg (2017, p. 178), “uma compreensão adequada da substância da nossa vida comum não pode continuar a ignorar a política da tecnologia”. Ou seja,

A eliminação de qualquer juízo de valor da estrutura da racionalidade tecnológica moderna, a neutralização da razão, conduz ao colapso da exclusividade, que é uma condição para a ação, no sentido correto da palavra. [...]. A racionalidade tecnológica prevalecente é, pois, deficiente, não só pela sua indiferença para com a vida, mas também na sua própria estrutura, subjacente a essa indiferença [da ciência, do mundo técnico, do valor social e vital]. (FEENBERG, 2017, p. 362-363).

A razão tecnológica aparece fortemente atrelada à questão da instrumentalidade e neutralidade técnica, visto que abandona outros problemas mais preocupantes veiculados às lutas por sobrevivência em relação aos recursos naturais, assim como as mudanças climáticas, o aquecimento global, ambos associados às produções humanas de compromisso social. Nesse sentido, essa dimensão precisa estar interligada e focalizada com a educação para o enfrentamento intensivo do descaso humano, “uma vez que, caso permanecermos na inércia frente a esse problema, acabaremos contribuindo para que prolifere certo cinismo tecno-pedagógico” (ROSA; TREVISAN, 2016, p. 733).

Nos atravessamentos com a educação, Feenberg (2003) destaca que são poucos os pensadores que legitimam uma educação automatizada e sem professor; entretanto, tal concepção vem ocupando espaço nos discursos sociais e acadêmicos devido aos avanços dos artefatos tecnológicos. Para Feenberg (2003, p. 8), “a ideia essencial é que em uma universidade virtual do futuro o êxito acadêmico não dependerá, então, das horas presenciais nem tampouco do contato com o professor”. Nessa perspectiva, Feenberg (2003) ressalta que no sistema automatizado de educação por meio das redes de comunicação continuamos perpetuando o antigo paradigma de educação com todos os seus defeitos, mas com novas roupagens, em vez de aproveitar o potencial dessas redes para uma ação formativa. Inclusive não ignora que “o ponto de vista determinista está sendo cada vez mais criticado nos estudos sobre tecnologia pelas explicações sociais do desenvolvimento tecnológico” (FEENBERG, 2003, p. 10). Por tudo isso, cabe aos próprios “estudantes e aos professores pôr na mesa algumas considerações nas quais se inclui o desejo de criar ferramentas que apoiem a interação humana” (FEENBERG, 2003, p. 10).

Feenberg (2003, p. 11) salienta que, quando o professor “se comprometeu por sua vocação como mestre; seu compromisso era encontrar novas formas atrativas de transmitir conhecimento e cultura [no entanto], agora, tudo se baseia na eficiência, e, em certo sentido, no dinheiro”. Os ganhos de eficiência e lucratividade definem os padrões hegemônicos dessa automatização competitiva. A intenção, embora não declarada, seria reduzir a importância da formação humana e pedagógica, que era basilar no processo anterior, visto que “os professores e os estudantes não são aliados, senão obstáculos que têm que ser escanteados pelo inevitável ímpeto do progresso” (FEENBERG, 2003, p. 11). A diferença entre as tecnologias educacionais e as necessidades de concorrência empresarial desenfreadas é relevante e influencia os sentidos depositados nas tecnologias, afetando todo o sistema de ensino. As dinâmicas de compra e venda de pacotes prontos pelas instituições invadem as formações educativas bem-sucedidas e “se os gestores querem isso, podem comprar instrumentos muito caros, com a esperança de que os professores simplesmente os adotem e os utilizem” (FEENBERG, 2003, p. 12).

A formação, na perspectiva crítico-reflexiva de Feenberg (2003, p. 15), implica em fornecer aos professores os meios de um pensamento autônomo na complexidade da existência humana, pois envolve relações entre empresários e professores, provocando ações contra-hegemônicas, tendo em vista que “a solução destas questões e a evolução da tecnologia educacional caminham juntas”. Esse enfoque centrado na competitividade e na operacionalidade prevalece na educação, com traços da expansão mercadológica que ameaça a dimensão crítica enquanto possibilidade de abertura de novos horizontes formativos e ressignificações da educação. Cabe agora questionar o determinismo tecnológico, percebendo a tecnologia não como um fim em si, mas como uma possibilidade para melhorar o processo de ensino e de aprendizagem. Mas, quando o professor se defronta com as tecnologias, compreende que elas estão inacabadas? “Na experiência real da educação on-line, a tecnologia não é uma coisa pré-determinada em absoluto, senão um entorno, um espaço vazio que o professor há de habitar e fazer viver” (FEENBERG, 2003, p. 12). O que gostaríamos de sublinhar, em termos de práticas pedagógicas, seguindo o raciocínio de Feenberg (2003, p. 12), é que “os grandes mercados para o ensino à distância irão emergir, sem dúvida, e isso será uma benção para os estudantes que não podem assistir às aulas nos campi”.

Os cânones modernos pouco dizem sobre os processos de educação automatizados e a desvalorização do pensar e agir humano em meio às disputas técnicas, uma vez que a causa dos graves problemas da sociedade não está “no desenvolvimento científico e tecnológico como tal, mas, sim, na unilateralidade dessa perspectiva como projeto humano, que deixa de lado a discussão sobre questões vitais em torno das quais uma sociedade decide o rumo da sua história” (­GONÇALVES, 1999, p. 130). Tudo indica que o trabalho humano tem racionalidade semelhante à da ciência e da técnica, portanto, uma função de ordenamento de meios para atingir os fins desejados, o que resulta na perda da visão de totalidade do trabalho docente, com o privilégio dos meios, em detrimento das conversações. Nesse meio, “a tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e coesão social” (MARCUSE, 1982, p. 18). Uma pedagogia com dimensão crítica não pode ignorar ou relegar a ciência e a técnica, pois elas expandem as oportunidades de organização social e trazem outros avanços em processos históricos interdependentes de aprimoramento tecnológico, cultural e institucional. Para Marcuse (1982, p. 152, grifo do autor), “sem dúvida, a racionalidade da ciência pura é livre de valores e não estipula quaisquer fins práticos, é neutra a quaisquer valores estranhos que lhe possam ser impostos”. Em contrapartida, a pedagogia crítica é radicalmente contrária à universalização da ciência e da técnica porque estas compõem uma ação vital de construção de si, como um ser em obra, no percurso de vida, em um sem-fim de relações do formar-se e educar-se.

Ao possibilitar o desenvolvimento e o aprimoramento das forças de produção, o conhecimento científico e técnico abastece um sistema capitalista de uma estrutura que garante sua subsistência totalitária. E, assim, autentica-se a incorporação das novas tecnologias e legitima-se, portanto, o desenvolvimento em sua essência, efetivando a função da ciência e da técnica para a legitimação da dominação instrumental. Marcuse (1982, p. 19) entende que o “universo tecnológico, a sociedade industrial desenvolvida é um universo político, a fase mais atual da realização de um projeto histórico específico - a saber, a experiência, a transformação e a organização da natureza como o mero material de dominação”.

Para Marcuse (1982), o que mantém presente o legado de Marx é a crítica à ideologia dominante; o autor lança a metáfora do aparato como uma dimensão política para o enfrentamento da neutralidade da tecnologia revelada numa tendência à sociedade unidimensional, de submissão total e acrítica aos padrões da eficiência, que exige unificação, além de simplificação cognitiva e dos modos de produção capitalista. Portanto, com a autonomização tecnológica, “a cultura, a política e a economia se fundem num sistema onipresente que engolfa ou rejeita todas as alternativas. O potencial de produtividade e crescimento desse sistema estabiliza a sociedade e contém o progresso técnico dentro da estrutura de dominação” (MARCUSE, 1982, p. 19).

Dessa racionalidade tecnocientífica que é política, em função da dominação da natureza e do próprio ser humano, a tecnologia se torna uma instância que comanda o sistema educativo sem contestação. Portanto, a racionalidade científico-tecnológica “revela o seu caráter político ao se tornar o grande veículo de melhor denominação, criando um universo verdadeiramente totalitário no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo” (MARCUSE, 1982, p. 37). Daí que a racionalidade tecnológica com o capitalismo gera uma aproximação insolúvel com a dominação política, ou, ainda, a ciência e a técnica estão submetidas aos projetos e interesses do capital humano. No entanto, admoestar os avanços não se constitui uma rejeição da técnica e uma volta à vida selvagem, mas incide no repensar sobre uma nova técnica e ciência que estejam voltadas à emancipação humana.

Em tempos em que ninguém educa ninguém (ROCHA, 2017), “os controles tecnológicos parecem ser a própria personificação da Razão para o bem de todos os grupos e interesses sociais - a tal ponto que toda contradição parece irracional e toda ação contrária parece impossível” (MARCUSE, 1982, p. 30). O caminho traçado afasta-se de ações crítico-transformadoras e de resistência ao instituído, pois “o processo da máquina (com processo social) exige obediência a um sistema de poderes anônimos - secularização e destruição de valores e instituições cuja dessantificação nem bem começou” (MARCUSE, 1982, p. 60-61). A hiperexploração voltada para a produção tornou-se também arquétipo para outras organizações, entre elas, as universidades, em que os docentes e outros profissionais têm uma sobrecarga de tarefas que seria inconcebível décadas atrás. Enfim, “vive-se num mundo de valores, e os valores retirados da realidade objetiva se tornam subjetivos” (MARCUSE, 1982, p. 145).

A rigor, não é possível negar a presença das tecnologias em nossas realidades educacionais, elas são parte constitutiva do agir pedagógico e dos processos de construção da cidadania nos contextos contemporâneos, exercendo um efeito semelhante ao do poder da comunicação, que pode ser dialógico ou não. Por isso, é preciso revisar constantemente os meios tecnológicos, uma vez que estão permeados de ideologias do capitalismo e, em vez de nos possibilitar uma formação humanizada e emancipada, podem nos conduzir a uma lógica alienante da ordem estabelecida e de coação de liberdade pela embriaguez perceptiva e pela estupidez globalizada de desrespeito recíproco. Tudo indica que projeto para o qual o sujeito se libertava da coação da era industrial agora se desdobra nas algemas pelo melhor desempenho, auto-otimização e autoexploração de si mesmo (HAN, 2017).

Freire (1992, p. 133) encontra o ponto de referência para articular uma abertura às ações tecnológicas no desenvolvimento da vigilância pedagógica, ao afirmar: “o que me parece fundamental para nós, hoje, mecânicos ou físicos, pedagogos ou pedreiros, marceneiros ou biólogos é a assunção de uma posição crítica, vigilante, indagadora, em face da tecnologia”. Especialmente no que tange às questões da relação humano-computador, destaca-se a necessidade de não permanecermos no reducionismo abreviado a uma submissão técnica e metodológica, que evidencia modismos, a pedagogização despreparada e improvisada de ações educacionais. Se as tecnologias digitais abrem e fundam um mundo, elas não podem reduzir-se a um simples instrumento novo, mas precisam penetrar no mundo pedagógico e entrar em diálogo com outras perspectivas, o que nos obriga a modificá-la e aprofundá-la. Nesse sentido, Freire (2000, p. 101-102) chama a atenção para as questões éticas e políticas, de modo que “quanto maior vem sendo a importância da tecnologia hoje tanto mais se afirma a necessidade de rigorosa vigilância ética sobre ela. De uma ética a serviço das gentes, de sua vocação ontológica, a do ser mais e não de uma ética estreita e malvada, como a do lucro, a do mercado”.

A introdução das tecnologias na educação tem esbarrado em contingências e problemáticas comuns aos sistemas de ensino, como, por exemplo, a ausência de políticas formativas continuadas ou desarticuladas das necessidades que refletem sobre as práticas promovidas em diálogo com os professores sobre esses instrumentos culturais. A estrutura escolar também restringe o acesso às tecnologias (trancafiadas em laboratórios) e inviabiliza momentos de diálogo entre os profissionais sobre o agir pedagógico, desprezando a historicidade da práxis construída nos contextos e exigindo dos professores uma atuação com autonomia solitária, perpetuando a simples adoção de instrumentos, sem a intenção de problematizar um agir conjunto e coerente.

Como procuramos mostrar até aqui, o problema recai sobre a utilidade e as formas como nos apropriamos das tecnologias na educação, seus processos de produção, sistematização e transmissão, uma vez que são impostas pelo sistema escolar por modelos de governo, marcadamente de um pensamento computacional em pacotes inovadores, ignorando as experiências pedagógicas de imaginação criadora, reconstrução coletiva e emancipação (HABERMAS, 1987; FREIRE, 1996). Além disso, tais processos repercutem na univocidade de ações humanas mediadas pelas tecnologias sob o rótulo de coerência pedagógica operacional, resultando em despreparo, massificação, normalização e desumanização de professores.

Cabe notar que o conceito de tecnologia envolve múltiplas variáveis, a saber: fatores cognitivos, que dizem respeito aos conhecimentos inerentes a certo domínio técnico associado a competências e estilos de pensamento; aspectos motivacionais, aspirações e impulsos associados à orientação para realizar a tarefa educativa proposta; fatores de personalidade, capacidade de arriscar e desafiar a si e aos outros como sentido de realização tecnológica; fatores ambientais, que dão condições e apoiam os esforços criativos e técnicos (ZUIN; ZUIN, 2017; ADORNO, 2008; FEENBERG, 1991). Por conta disso, não basta nos colocarmos ante a essa realidade programada como espectadores fascinados (homo ­digitalis), mas a partir de uma pluralidade de discursos e classes sociais, desvelando as contradições com os imperativos sistêmicos e as diferenças, especialmente no que tange à dependência tecnológica, à hiperaceleração do trabalho e às expectativas de emancipação (HAN, 2017). Pensar a educação como um ato humano e político, por ser um campo da ação social, implica transformação de si, do outro e do mundo, superando o relativismo da instrumentalização técnica. Freire (1996) reconhecia que não podemos ser refratários nem negligenciar as tecnologias, mas restaurar a dimensão autônoma enquanto crítica do nosso tempo, mobilizando ações para outros mundos possíveis, para aprender a cultura humana e social, superando opressões consentidas por ignorância ou vulnerabilidade da condição humana.

A atualidade da teoria crítica e suas interfaces educacionais

Hoje, priorizam-se os modismos, as inovações facilitadoras e os prazeres em detrimento das exigências de esforço crítico. Essa lógica passou a ditar as tendências e os modos de pensar, ser visto e agir humano na vida em sociedade, provocando uma forma de normatização dos sujeitos, transmissão de seus interesses e reprodução de autômatos, a ponto de borrar as fronteiras entre intimidade e extimidade (SIBILIA, 2012). Assim, “ao manipular a máquina, o homem aprende que a obediência às instruções é o único meio de se obter resultados desejados. Ser bem-sucedido é o mesmo que adaptar-se ao aparato. Não há lugar para a autonomia” (MARCUSE, 1999, p. 80).

No tempo livre, “prolongam-se as formas de vida social organizada segundo o regime do lucro” (ADORNO, 1995, p. 73) e, por isso, as criações culturais são impostas em forma de serviços, cujos reflexos trazem as impressões do tempo da tecnicidade dos afazeres ilimitados dos professores. Com a histeria do trabalho e da produção, o acelerado mundo aprisiona as formas de percepção e ação, promovendo outras coerções e carências humanas, transformando o sujeito em um escravo do trabalho, sem ter tempo para conversar com o outro e experimentar o próprio mundo.

É perceptível o quanto as tecnologias digitais provocam um envolvimento inconsciente dos sujeitos, em virtude da qualidade técnica que fascina e distrai por longo tempo. Adorno (2002, p. 312) afirma que o “sentido reside naquilo que é aberto e não fechado em si”, o que desperta possibilidades plurais de experiências. Nesses termos, Adorno (1995) explica que experimentamos fascinação e rejeição ao mesmo tempo, pois, mesmo que a indústria cultural não tenha significado vital, ela produz um encantamento aprisionante da atenção quando o produto novo é anunciado.

As inovações culturais são vistas com suspeita pelos intelectuais transformadores da cultura, porque as novidades tornam-se onipresentes, assim como os conteúdos são “teimosamente repetidos, ocos e já em parte abandonados”, mantendo o encantamento para que os sujeitos continuem estimulados para suportar o próprio vazio (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 112). ­Adorno (1996) destaca que a conjuntura é problemática e a experiência artística torna-se manipulada e coercitiva pelas formas de exibição deformadas. As artes tornaram-se entediantes porque foram desfiguradas pelo fetichismo da indústria cultural, como a música, que passa a servir ao capital. A mecanicidade das relações empobrece as relações humanas revelando a sua compreensibilidade opaca, em um tempo sem possibilidades de interrupções ou folga temporal, para (­des/­re)aprender algo, pois vivemos a repressão e desaprendizagem dos elementos comunicativos do mundo vital frente ao avanço da ideologia tecnocrática. O futuro se encurta em uma atualidade prolongada, o que não permite olhar, escutar e falar com o outro.

A tradição cultural está perdendo suas próprias raízes de sentido, pois perdemos o interesse pelos detalhes e pelos motivos da existência humana, e tudo parece ser entediante quando é solicitado um pouco de memória e concentração. Contudo, a questão originária “não é a incultura, a burrice e a impolidez nua e crua”, mas a produção desenfreada de um tempo verticalizado, imediato, funcionalista, alienador e monótono da sociedade pela indústria cultural, que sacrifica a individualidade pelo agir instrumental da consciência fragmentada (solidão sem linguagem), isolando os valores ideológicos da vigilância epistemológica - instância construída pela (auto)crítica nas estruturas do agir comunicativo (­ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 112; SVENDSEN, 2006). Cria-se um sistema capitalista vinculado a uma barbárie que bloqueia as possibilidades de transcender a própria cultura, prejudicando a autonomia da cultura. Talvez seja a hora de transformar e transcender essa sociedade tediosa e semiformada por causa da incessante massificação, que invade o terreno da educação em pacotes fechados de prestação de serviços (HAN, 2017).

Nesse vazio existencial de sentido formativo, fruto da organização das forças sujeitadas deixado pela semiculturalização do mundo, progride a banalização da vida e da educação, pela profunda pressão social que tudo vê e nada capta, só o óbvio no plano da representação. Os professores e estudantes são afetados pelas propagandas midiáticas e nelas encontram referências à construção da própria identidade cultural, moldando-se de acordo com os modismos subjacentes. As pessoas são atraídas pelo ciberespaço, que dispõe de fantasias virtuais e audiovisuais de excitação constante dos sentidos, o que as afasta da capacidade de dialogar e assimilar as experiências cotidianas, pois não conseguem refletir, imaginar e reconhecer situações para relacionar com a globalidade e as diferenças. Parece quase impensável a separação das tecnologias digitais do existir cotidiano, tendo em vista que “é cada vez mais comum a sensação de que esquecer o telefone móvel em casa significa algo como que se separar de um braço ou de uma perna, como se fosse um membro biônico, tamanha a sua importância nas relações cotidianamente estabelecidas” (ZUIN; ZUIN, 2018, p. 421).

O consumo do choque audiovisual se constitui em uma desorientação, conforme Türcke (2010, p. 266-267), pois “a tela, o grande recheio do tempo livre, penetrou profundamente, por meio do computador, no mundo do trabalho; a coordenação de processos inteiros de produção e administração perpassa por ela, de tal modo que se apresenta como o ensino do futuro”. Se, “ao que tudo indica, esse ensino do futuro já se tornou imageticamente presente na tela ubíqua do aparelho celular”, então o uso das mídias digitais na educação mobiliza alguns perigos e vulnerabilidades humanas, o que exige uma avaliação prévia do professor e problematização desses meios eletrônicos (ZUIN; ZUIN, 2018, p. 424).

Nas táticas ideológicas, Adorno e Horkheimer (1985) identificaram a realização de formas de manipulação psicológicas implantadas, por meio da cultura da diversão, da manipulação retroativa e da expropriação do esquematismo. Sob essa perspectiva, a própria inter-relação humana, seguindo as comunicações eletrônicas, só se torna possível por meio de relações instrumentais e objetivadas com o outro mediante distorções da comunicação, que tornam os diálogos vazios, narcísicos e egoístas. Por essa razão, “a experiência [...] fica substituída por um estado informativo pontual, desconectado, intercambiável e efêmero, e que se sabe que ficará borrado no próximo instante por outras informações” (­ADORNO, 2010, p. 33). Segundo Zuin (2013, p. 144),

a tecnologia passou de modus operandi à condição de modus vivendi. Ou seja, ele não pode mais se restringir a um somatório de técnicas, pois, o modo como as relações de produção e as forças produtivas se desenvolvem transformou-se numa forma de produção da vida, uma vez que reconfigura tecnologicamente as identidades humanas nas suas mais recônditas formas de manifestação.

Com efeito, Boaventura Santos (1991, p. 6) corrobora a discussão ao afirmar que o automatismo tecnológico regula a liberdade humana “atribuindo-lhe espaços por ele delimitados, sejam eles o espaço da ciência-estado ou o espaço da ciência-mercado”, e que, nessas limitações, a liberdade vira uma espécie de agente cego da sua própria regulação. Estamos distantes do exercício da solidariedade e do conhecimento para a emancipação do sujeito, pois a perspectiva da razão instrumental gera um imperialismo científico que exclui outros saberes. Mas, com a crise do próprio agir pedagógico, será que as escolas estão caminhando para construir ações emancipatórias ou trabalhando para nutrir esse sistema em que a escola é um agente duplamente cego?

Diante isso, talvez a interculturalidade seria um processo dinâmico de relação, intercâmbio e diálogo entre as diferentes culturas, que valoriza e respeita a complexidade do humano, trazendo uma perspectiva contra-hegemônica de construção sociopolítica e educacional, atravessada por desafios e tensões das diferentes práticas sociais, enquanto condição da experiência de alteridade. As tecnologias digitais têm se reproduzido nos debates atuais, o que confirma também a nossa preocupação em tratar acerca da temática dos instrumentos culturais pelos professores e estudantes que estão intensamente mergulhados em excitações e reprogramações constantes. Dessa forma, urge revitalizar as ideias de Adorno e Horkheimer neste cenário tecnológico digital de forma dialógica e reconstrutiva (DEVECHI; TREVISAN, 2010), pois na sociedade do capitalismo podemos perceber que “se afirma uma nova ontologia e, portanto, novas formas de subjetividade: a de que ser significa ser midiática e eletronicamente percebido” (ZUIN, 2013, p. 2013).

Abordar investigações sobre as tecnologias digitais na educação é examinar a experiência humana de apropriação dessa linguagem no cotidiano em que todos estamos imersos, em termos de percepções, estilos de vida, (des)educação, (des)prazer, (in)sensibilidades e usos das múltiplas linguagens tecnológicas. Essa problemática é tratada por Silva (2013, p. 21) quando “evidencia que a concepção de educação que orienta as práticas de letramento digital de professores e alunos [...] encontra-se subsidiada por pressupostos contra-hegemônicos que possibilitam visões críticas e transformadoras da realidade social”. Nesse contexto, toda relação de contra-hegemonia é necessariamente uma relação dialógica, pedagógica e crítica das práticas sociais de educar, um sistema de valores culturais, técnicos e ideológicos, que penetra e se expande, socializa e integra a vida em sociedade.

Considerações finais

Concluímos que é imprescindível um olhar autocrítico diante da cultura hiperconectada e desorientada, no sentido de compreender como os instrumentos culturais trabalham para termos uma visão de totalidade de tais processos, que não seja simplificadores dessa realidade na educação. A perspectiva reconstrutiva das tecnologias digitais na educação pressupõe que existe uma tradição da investigação humana que pode nos aproximar e sustentar a liberdade - quando nos possibilita convertê-la e atualizá-la para os processos contemporâneos, ou simplesmente nos constranger a fazer interpretações de modelos fixos. A reavaliação e superação de unidimensionalismos coloca em jogo o agir, o perceber e o conceber pedagógico, trazendo projeções políticas do mundo que são ambíguas em relação aos processos formativos, pois tanto geram apatia e insensibilidade quanto mobilizam o (re)conhecimento da linguagem como arte do encontro. Se, por um lado, as tecnologias saíram do monopólio de especialistas e passaram a integrar de modo flexível e aberto o mundo social, por intermédio de instrumentos capazes de pôr em movimento operações complexas e múltiplas conversações, por outro, experimentamos continuamente dificuldades na renovação dos sentidos da experiência humana que envolve as múltiplas linguagens, porque obscurece e ignora o caráter contextual das tecnologias socioculturais.

A tecnologia não é uma solução mágica para os problemas da educação, mas, quando aliada à prática social e à interação humana, pode contribuir para a (re)construção coletiva de conhecimentos. Contudo, os resultados obtidos até aqui podem ser aproveitados para desenvolver uma reavaliação crítica da pluralidade cultural e do recurso à problematização contextual sobre o uso das tecnologias nas escolas e universidades, em que a filosofia da tecnologia seja compreendida como eixo da prática pedagógica. A cultura reconstrutiva dos sentidos das tecnologias na educação faz pensar e mobiliza o diálogo inesgotado com o acontecer da tradição cultural inerente à construção do saber técnico-científico e pedagógico.

Parafraseando Sibilia (2012), a escola, em tempos de dispersão, pode criar redes ou paredes, ainda não sabemos como continuará a aventura de sermos contemporâneos de uma cultura digital, tamanha a velocidade com que se expande, bem como a real interface comunicacional em relação ao processo formativo. Na verdade, é necessário compreender a importância da reflexão e ação sobre os limites das tecnologias que espontaneamente se estabelecem entre os sujeitos, para reconfigurar os trabalhos pedagógicos de estímulo à conversação e às diversas experiências de (re)construção nos processos de ensino. Cabe lembrar que a prática social de educar implica uma dimensão humana, moral, estética, ética e política que não é redutível ao progresso técnico-científico (FREIRE, 1996).

Conforme apontam os estudos de Castro e Zuin (2018), os aparatos usados na educação para qualificar as ações pedagógicas acentuam a falta de concentração e o desinteresse de professores e estudantes. A dependência digital gera síndromes da hiperaceleração do trabalho profissional, como a depressão, ansiedade, irritabilidade, dispersão, baixa autoestima e a fadiga da informação (­tecnoestresse), que é uma enfermidade psíquica causada pelo excesso de informação, da crise das capacidades analíticas, de déficits de atenção, de inquietude generalizada ou de incapacidade de tomar responsabilidades (HAN, 2017). Tais dissonâncias cognitivas e emocionais são comuns quando tomadas na intransparência da argumentação por visões simplificadoras dos processos pedagógicos, da aceleração sem limites do ensino, esvaziando o sentido formativo da educação nas veredas da imaginação criadora, das relações humanas e experiências estéticas, em nome de uma cultura unilateral da vida administrada pelo melhor desempenho. Ao considerar as ressonâncias das políticas de tecnologia em curso, o artigo pode respaldar questionamentos diversos e cumprir a função de fazer um enfrentamento da tendência atual de substituição tecnológica do trabalho docente, seja ela total ou parcial (CONTE; HABOWSKI; RIOS, 2019).

Referências

  • ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
  • ADORNO, T. W. Indústria cultural e sociedade. Trad. Julia Elisabeth Levy. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
  • ADORNO, T. W. Teoria da semicultura. Trad. Newton Ramos-de-Oliveira, Bruno Pucci e Claudia B. Moura Abreu. Educação & Sociedade, Campinas, v. 17, n. 56, p. 388-411, dez. 1996.
  • ADORNO, T. W. Teoria da semiformação. Trad. Newton Ramos-de-Oliveira. In: PUCCI, B.; ZUIN, A. A. S.; LASTÓRIA, L. A. C. N. (orgs.). Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 7-40.
  • ADORNO, T. W. Teoria estética. Trad. Arthur Morão. Lisboa: Edições 70, 2008.
  • ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
  • CASTRO, C. S.; ZUIN, A. A. S. Indústria Cultural e distração concentrada: as plataformas digitais e o ensino personalizado. Comunicações, Piracicaba, v. 25, n. 2, p. 79-94, maio/ago. 2018. http://dx.doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v25n2p79-94
    » http://dx.doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v25n2p79-94
  • CONTE, E.; HABOWSKI, A. C.; RIOS, M. B. Ressonâncias das tecnologias digitais na educação. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. 1, p. 31-45, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/viewFile/11110/7869 >. Acesso em: 8 jan. 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21723/riaee.v14i1.11110 31
    » http://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/viewFile/11110/7869» http://dx.doi.org/10.21723/riaee.v14i1.11110 31
  • DEVECHI, C. P. V.; TREVISAN, A. L. Sobre a proximidade do senso comum das pesquisas qualitativas em educação: positividade ou simples decadência? Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 43, p. 148-161, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n43/a10v15n43.pdf >. Acesso em: 8 jan. 2019.
    » http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n43/a10v15n43.pdf
  • FEENBERG, A. Critical theory of technology. Nova York: Oxford University Press, 1991.
  • FEENBERG, A. Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade. Tradução de Eduardo Beira; Cristiano Cruz e Ricardo Neder. Portugal: MIT Press, 2017.
  • FEENBERG, A. La enseñanza ‘online’ y las opciones de Modernidade. Pensamiento Digit@l - Humanidades y Tecnologías de la Información, p. 115-133, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.sfu.ca/~andrewf/pensamiento.pdf >. Acesso em: 17 dez. 2018.
    » http://www.sfu.ca/~andrewf/pensamiento.pdf
  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra , 1996.
  • FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1992.
  • FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
  • GONÇALVES, M. A. S. Teoria da ação comunicativa de Habermas: Possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 66, p. 125-140, abr. 1999. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73301999000100007
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73301999000100007
  • HABERMAS, J. Dialética e Hermenêutica. Trad. Álvaro L. M. Valls. Porto Alegre: L&PM, 1987.
  • HAN, B-C. Sociedade do cansaço. Trad. Ênio Paulo Giachini. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2017.
  • HERMANN, N. Hermenêutica e Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
  • MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Trad. Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
  • MARCUSE, H. Tecnologia, Guerra e Fascismo. Trad. Maria Cristina Vidal Borba. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.
  • ROCHA, R. Quando ninguém educa: questionando Paulo Freire. São Paulo: Contexto, 2017.
  • ROSA, G. A.; TREVISAN, A. L. Filosofia da tecnologia e educação: conservação ou crítica inovadora da modernidade? Avaliação, Campinas, v. 21, n. 3, p. 719-738, ­ago./­nov. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772016000300004
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772016000300004
  • SANTOS, B. S. A transição paradigmática da regulação a emancipação. Oficina, Coimbra, n. 25, 1991.
  • SELWYN, N. Educação e Tecnologia: questões críticas. In: FERREIRA, G. M. S.; ROSADO, L. A. S.; CARVALHO, J. S. (orgs.). Educação e Tecnologia: abordagens críticas. Rosado; Carvalho. Rio de Janeiro: SESES, 2017. p. 85-103.
  • SIBILIA, P. A escola no mundo hiperconectado: Redes em vez de muros? Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 195-211, jan./jun. 2012.
  • SILVA, E. M. Letramento digital e pressupostos teórico-pedagógicos: neotecnicismo pedagógico? 2013. 197 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
  • SVENDSEN, L. Filosofia do tédio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006.
  • TÜRCKE, C. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.
  • ZUIN, A. A. S. Copiar, colar e deletar: a Internet e a atualidade da semiformação. ­Pro-Posições, Campinas, v. 24, n. 3, p. 139-159, set./dez. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73072013000300009
  • ZUIN, A. A. S.; ZUIN, V. G. Lembrar para elaborar: reflexões sobre a alfabetização crítica da mídia digital. Pro-Posições, Campinas, v. 28, n. 1, p. 213-234, jan./abr. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/1980-6248-2016-0055
    » http://dx.doi.org/10.1590/1980-6248-2016-0055
  • ZUIN, V. G.; ZUIN, A. A. S. O celular na escola e o fim pedagógico. Educação e Sociedade, Campinas, v. 39, n. 143, p. 419-435, abr.-jun. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302018191881
    » http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302018191881
  • *
    O artigo está vinculado ao projeto de pesquisa As tecnologias na educação: desafios e enfrentamentos à tradição instrumental. Esta pesquisa conta com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2018
  • Aceito
    20 Fev 2019
location_on
Centro de Estudos Educação e Sociedade - Cedes Av. Berttrand Russel, 801 - Fac. de Educação - Anexo II - 1 andar - sala 2, CEP: 13083-865, +55 12 99162 5609, Fone / Fax: + 55 19 3521-6710 / 6708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revistas.cedes@linceu.com.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro