RESUMO:
Este artigo procura explicar a posição que o governo brasileiro assumiu a respeito do tema das migrações e dos direitos fundamentais dos estrangeiros nos anos entre 1930 e 1945. Analisamos essa questão considerando não só as políticas interna e exterior, mas, também, verificando a influência de Organizações Não Governamentais de Alcance Transnacional (Ongat), como a Cruz Vermelha Internacional (CVI), enquanto elemento externo de pressão sobre o governo brasileiro. O projeto político varguista determinava a seleção de estrangeiros conforme critérios eugênicos, mas, ao mesmo tempo, buscava construir a imagem do Brasil como país sensível à causa humanitária. Neste sentido, a participação brasileira junto aos foros da CVI representava tanto a projeção no cenário mundial - com a demonstração de suas ações beneméritas, quanto o empecilho para a realização de sua proposta política autoritária e excludente, uma vez que o governo Vargas deveria cumprir as obrigações assumidas no plano internacional.
Palavras-chave
Cruz Vermelha; Direitos Humanos; Migrações; Ongat; Política Internacional; Vargas
ABSTRACT:
This article aims to explain the position of Brazilian government on the theme of migration and fundamental rights of foreigners between 1930 and 1945. We analyze this matter not only considering internal and external policies, but also checking out the influence of Non-Governmental Organizations with Transnational Activities (Ongat), such as the International Red Cross (IRC), as an external element of pressure on Brazilian government. Vargas’ political project determined the selection of foreign people according to eugenic criteria, yet trying to build up the image of a country sensitive to humanitarian causes. In this sense, Brazilian participation in IRC’s forums represented both the projection on the world scene, demonstrating meritorious actions, and the embarrassment to the realization of his authoritarian and excluding political proposal, since Vargas’ government should meet obligations at the international level.
Keywords
Red Cross; Human Rights; Migrations; Ongat; International Policy; Vargas
Entre os anos de 1930 e 1945, a posição ambígua do governo brasileiro frente ao tema das migrações e dos direitos fundamentais dos estrangeiros refletia o dilema existente entre a execução de seu projeto político nacionalista e xenófobo e o desejo de maior protagonismo do país no sistema internacional. No interior dessa questão é que se insere nossa reflexão a respeito da influência que a Cruz Vermelha Internacional (CVI)1 1 A partir desta nota adotaremos a sigla CVI para nos referirmos à Cruz Vermelha Internacional, constituída pelas seguintes entidades: a Conferência Internacional, a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha, as Sociedades nacionais e o Comitê Internacional. exerceu sobre a política adotada por Getúlio Vargas em relação aos estrangeiros. Se por um lado, a atuação da Sociedade da Cruz Vermelha Brasileira ou, apenas, Cruz Vermelha Brasileira (CVB) interessava ao governo porque contribuía para a construção da imagem do Brasil como país comprometido com o ideal humanitário e disposto a cooperar nesta matéria, por outro, a presença brasileira nas Conferências Internacionais forçava Vargas a adaptar sua política às recomendações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a cumprir as obrigações assumidas no plano externo. Neste sentido, a participação junto à CVI representava, ao mesmo tempo, a projeção no cenário internacional e o entrave para a realização de sua proposta política autoritária e excludente.
O dilema em que o Brasil se encontrava deve ser considerado não só do ponto de vista dos interesses das políticas interna e externa, mas, também, sob a órbita de influência de organismos internacionais tais como a CVI.2 2 Para Fábio Koifman, a política migratória adotada por Vargas levou o governo a viver o paradoxo de desejar atrair “boas” levas de imigrantes (selecionadas do ponto de vista eugênico) e, ao mesmo tempo, restringir ao máximo a entrada de “indesejáveis” (2012, p. 25-45). Tal entidade, com matriz em Genebra, e suas congêneres sediadas nos países signatários do Pacto da Sociedade das Nações e da Convenção sobre a criação da União Internacional de Socorros, de 12 de julho de 1927, estabeleceram redes transnacionais que permitiam, em certa medida, exercer influência sobre a política migratória dos Estados membros daquela organização. Não pretendemos aqui tratar o tema de modo comparativo, muito embora consideremos o uso dessa metodologia como instrumento importante para revelar os graus e as diferentes formas de ação da CVI sobre seus membros, e, dessa forma, auxiliar a elucidar as especificidades do caso brasileiro. Entretanto, investigação nessa direção exigiria localizar outras fontes primárias diplomáticas que nem sempre estão acessíveis ao público.
Dessa forma, restringimo-nos à análise da documentação disponível, qual seja, a correspondência entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) e a Cruz Vermelha Internacional e a Sociedade de Cruz Vermelha Brasileira3 3 Apesar dos esforços, não pudemos consultar o Acervo da Cruz Vermelha Brasileira do Estado de São Paulo, cuja autorização foi solicitada em 21 de novembro de 2011, e para a qual não obtivemos resposta até o momento. do período entre 1930 e 1945 - constituída por ofícios, notas, telegramas e relatórios, localizados nos maços temáticos do Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro,4 4 A documentação relativa à Sociedade da Cruz Vermelha Brasileira e à Cruz Vermelha Internacional, sob a guarda do Arquivo Histórico-Diplomático do Itamaraty no Rio de Janeiro, está composta por maços temáticos que tratam a respeito de suas Convenções e reuniões, além de ofícios enviados por aquelas entidades ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Esta documentação está fragmentada e, frequentemente, faz menção à existência de anexos (cartas e relatórios) que não estão acostados aos ofícios. Em razão da confidencialidade de determinados temas, o MRE proibia a reprodução e restringia a circulação de ofícios ou telegramas secretos, que estavam reservados ao conhecimento de poucos funcionários, normalmente os chefes de seção. Lamentavelmente, ainda não pudemos ter acesso aos maços sobre a Cruz Vermelha Internacional que estavam considerados como secretos (Proc. nº 09200000309201260 instaurado em 1 de outubro de 2012 junto ao SIC – Serviço de Informação ao Cidadão, que foi implantado nos termos da Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12527 de 18 de novembro de 2011, regulamentada pelo Decreto nº7724 de 15 de maio de 2012). bem como os registros policiais das investigações efetuadas a respeito das atividades das Sociedades de Cruz Vermelha estrangeiras estabelecidas no Brasil - tais como a espanhola, a russa, a alemã e a grega, que foram armazenadas nos prontuários do Fundo DEOPS - Departamento de Ordem Política e Social, sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Primeiramente, situamos o tema das migrações dentro do projeto político interno varguista. Em seguida, verificamos a posição e a importância desse assunto na agenda da política externa brasileira nos anos de 1930 e de 1940. E, por último, avaliamos qual o papel que a CVI exerceu para a (re)orientação da política migratória no Brasil, bem como para a proteção dos direitos fundamentais dos estrangeiros nesse país. Cabe ressaltar que a historiografia contemporânea silenciou sobre esta questão. Pouco se sabe a respeito da dimensão da atuação no Brasil da CVI e de sua congênere, a CVB. Alguns trabalhos mencionam a ação pontual desses organismos em prol da defesa dos direitos individuais, como, por exemplo, em favor daqueles que estiveram confinados em campos de internamento no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial,5 5 Sobre essa questão, Priscila Ferreira Perazzo demonstra que a Cruz Vermelha Internacional, por meio de seus delegados, fiscalizou as condições dos campos de internamento destinados aos alemães, italianos e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, bem como o tratamento dado a esses indivíduos, exigindo das autoridades brasileiras o respeito às normas do Direito Humanitário (2009, p. 77-96, 277-310). Outros trabalhos fazem referência à repressão àqueles indivíduos, mas não mencionam a atuação da Cruz Vermelha. Sobre a ação do governo Vargas contra italianos, citamos aqui as obras de Amado Luiz Cervo (2011, p. 234-237) e João Fábio Bertonha (2001, p. 260-267). E, de Ricardo Seitenfus a respeito do confisco de bens a título de indenização em razão dos ataques do Eixo contra navios brasileiros (2003, p. 296-301). ou que buscavam refúgio ante a perseguição promovida por regimes nazifascistas.6 6 Conforme Maria Luiza Tucci Carneiro, em 1944, o governo Vargas promoveu o lançamento do filme Refúgio, com a presença de samaritanas da Cruz Vermelha Brasileira que angariaram donativos aos refugiados na Europa. De acordo com a autora, a iniciativa do governo tinha finalidade política uma vez que pretendia confirmar o alinhamento brasileiro à causa Aliada (2010, p.289-292).
As Organizações Não Governamentais de Alcance Transnacional (Ongat), dentre estas, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, agem em razão da inércia de representantes governamentais que, na maioria das vezes, aduzem falta de meios para isso, sejam recursos humanos ou materiais. Estão reconhecidas formalmente pelas Nações Unidas como “especialistas técnicas, conselheiras e consultoras”, devido à pressão exercida pelo Rotary Clube e pelo CICV à época da elaboração da Carta de São Francisco (art. 71). Diferentemente de outras Ongat, o CICV necessita estar a convite do Estado que autoriza sua ação, e, tradicionalmente, defende os princípios de neutralidade, ausência de julgamento moral, ético ou político, protegendo a todos indistintamente (autores de abusos ou vítimas) e discrição.
Conforme Ricardo Seitenfus, as Ongat podem interferir diretamente nas negociações internacionais ao realizarem a interface entre a sociedade civil e os governos, seja para propor temas para discussão, seja para contestar a posição de determinado governo, como exemplos. O autor ressalta que a influência desses atores privados nas Relações Internacionais pode ser observável, mas é difusa e de quantificação difícil, havendo necessidade, na atualidade, da produção de trabalhos que se proponham a investigar seu alcance, eficácia e limites (2013, p. 102-117). Nessa direção, nosso artigo tenciona contribuir para a reflexão sobre o papel dessas entidades enquanto elemento externo de pressão sobre a política interna. Ao verificarmos se a CVI pode ter influído sobre a política migratória varguista nos anos de 1930 e de 1945, e sobre o tratamento dado aos estrangeiros, pretendemos fornecer subsídios para mensurar, na atualidade, a ação de organizações dessa natureza tanto com relação ao respeito aos direitos fundamentais daqueles indivíduos no país, quanto para a modificação de políticas migratórias no Brasil e da legislação principal sobre o tema, o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6815/1980), ainda em vigor.7 7 Quando este artigo foi submetido à avaliação, e, aprovado, o Estatuto do Estrangeiro estava em plena vigência. Mas, atualmente, essa legislação está revogada (conforme o inciso II, do art. 124 Lei de Migração, de 24 de maio de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm>. Acesso em 1 fev.2018)
Migrações para o desenvolvimento: a proposta política nacionalista
A política migratória do governo Vargas estava atrelada à ideia de desenvolvimento. A crise econômica mundial de 1929 havia atingido as importações e exportações brasileiras, e, para garantir maior autonomia em relação ao exterior, o governo defendia que a industrialização - com a criação de um complexo siderúrgico - levaria o Brasil aos rumos da modernização e do desenvolvimento econômico. Dirigida à colonização, aquela política incentivava a entrada de determinadas categorias de indivíduos que, segundo o discurso oficial, pudessem contribuir para a economia do país trabalhando, especialmente, na agricultura. Buscavam-se os imigrantes “ideais” - indivíduos brancos, católicos, saudáveis e que não se envolvessem em questões de política interna (RIBEIRO, 2012RIBEIRO, Mariana Cardoso dos Santos. Venha o decreto de expulsão: a legitimação da ordem autoritária no governo Vargas (1930-1945). São Paulo: Humanitas; Fapesp, 2012., p. 39-61; KOIFMAN, 2012KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012., p. 283-373).
A seleção de imigrantes - fundada nas ideias eugênicas - era feita em razão da nacionalidade, da etnia, da religião, das condições de saúde e da ideologia.8 8 Esse critério de seleção encontrava amparo nas leis de expulsão. Sobre essa questão, conferir: Anor Butler Maciel (1953). O estrangeiro estava submetido a um sistema de controle rigoroso que tinha início já no seu país de origem quando procurava obter o visto no consulado brasileiro. Nesse momento, precisava ser aprovado nos requisitos de capacidade (de assimilação) e de idoneidade (moral). Ao chegar ao Brasil, enfrentava ainda a inspeção das autoridades de imigração. No país, suas atividades estavam sob vigilância e controle por um órgão especial - o Serviço de Registro de Estrangeiros, setor da polícia que cadastrava todos os estrangeiros que estavam no país em caráter permanente ou temporário (KOIFMAN, 2012KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012., p. 157-172).9 9 Cf. Decreto-lei n. 406, de 4 de maio de 1938. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12803&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016; e Decreto n. 3082, de 28 de fevereiro de 1941. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3082-28-fevereiro-1941-413024-norma-pe.html>. Acesso em: 10 ago. 2016.
Cabe recordar que desde os anos de 1920, intelectuais brasileiros - influenciados por ideias nacionalistas, posicionavam-se contrariamente à imigração e defendiam medidas para a proteção do trabalhador nacional. Anos depois, muitos desses intelectuais seriam cooptados pelo Estado varguista, fornecendo o substrato ideológico para o regime e fazendo parte do seu quadro de funcionários - como os casos de Artur Helh Neiva e de Francisco Campos (GOMES, 1982GOMES, Angela de Castro. A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi et alii. Estado Novo, ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 151-165., p. 151-165; VELOSO, 1982VELOSO, Mônica Pimenta. Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi et alii. Estado Novo, ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 71-108., p. 71-108).
O discurso contra a entrada de estrangeiros “indesejáveis” foi incorporado ao projeto político nacionalista de Vargas nos anos de 1930 e atingiu seu apogeu após o golpe de Estado que instituiu a ditadura em 1937, quando as normas sobre estrangeiros ganharam nova roupagem e tornaram-se ainda mais restritivas e excludentes. Durante seu governo, a questão imigratória tomou assento constitucional, em 1934 e 1937, para estabelecer restrições à vinda ao Brasil de indivíduos que, segundo a versão oficial, não poderiam ser assimilados, como, por exemplo, os asiáticos (japoneses) e os germânicos (alemães).10 10 Essas normas fundamentais estabeleciam o sistema de cotas por nacionalidade para entrar no país. Permitia-se o ingresso de até 2% sobre o total dos indivíduos de determinada nacionalidade fixados no país nos últimos cinquenta anos. Cf. parágrafo 6º do artigo 121 da Constituição Federal de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=93950&tipoDocumento=COF&tipoTexto=PUB10>. Acesso em: 10 ago. 2016; e artigo 151 da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=94882&tipoDocumento=COF&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016.
A imigração era vista como problema para a implementação da proposta política de cunho xenófobo e racista, que propunha o “abrasileiramento” enquanto política de governo - tese defendida por Oliveira Viana, um dos ideólogos do Estado Novo. Por essa razão é que o governo Vargas se reservou o direito de limitar ou suspender a entrada dos imigrantes e proibiu o ensino e a circulação de jornais e revistas em língua estrangeira, salvo mediante autorização do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Muitas escolas foram impedidas de ensinar os idiomas estrangeiros e obrigadas a adotar os símbolos e datas comemorativas nacionais brasileiras, especialmente as alemãs, as japonesas e as italianas. Todas essas medidas ajustavam-se à campanha de nacionalização do ensino e da cultura (OLIVEIRA, 1982OLIVEIRA, Lúcia Lippi et alii. Estado Novo, ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982., p. 7-70).
A política nacionalista atingia diretamente os estrangeiros ao limitar seus direitos e garantias fundamentais, cuja restrição alcançava também os brasileiros naturalizados, a quem o Estado recusava a paridade de tratamento frente aos nacionais. O fantasma do “perigo” estrangeiro pairava sobre esses indivíduos não nascidos no país. Após a naturalização, ainda permaneciam com o “sangue” estrangeiro e a qualquer momento poderiam mudar de lado e trair a Pátria que os acolhera. Por esse motivo, não poderiam exercer determinadas atividades e nem ocupar certos cargos na administração pública (RIBEIRO, 2008RIBEIRO, Mariana Cardoso dos Santos. Expulsão de estrangeiros: o mito da nocividade no Brasil (1937-1945). 2008. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humansas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008., p. 68-73).
Argumento comum defendido por internacionalistas brasileiros foi o de que a condição de estrangeiro desautorizava atitudes de intromissão nos assuntos internos do Brasil.11 11 Vários juristas brasileiros se posicionaram nesse sentido, entre eles: Hidelbrando Accioly (1958, p. 118); Clóvis Bevilácqua (1906, p. 119); Francisco de Paula Lacerda de Almeida (1907, p. 8); José Tavares Bastos (1924, p. 26-27); e Antonio Bento de Faria (1929, p. 26-27). Enquanto hóspede no país que o acolhia, esse indivíduo não teria o direito de participar direta ou indiretamente de atividade política e nem de opinar sobre determinados temas. Nesse sentido, foram restringidos os direitos de associação e o direito à liberdade de expressão do pensamento por meio da imprensa, por manifestações orais ao público (conferências, discursos em comícios) ou em público. Centenas de estrangeiros foram presos porque participaram de greves e de reivindicações por melhorias nas condições de vida e de trabalho. Toda crítica à política do governo foi considerada ato de subversão e classificada indistintamente como atividade comunista. Não se considerava o comunismo como ideologia nacional, e, automaticamente, associavam-no ao estrangeiro que foi responsabilizado por sua introdução no país (DUTRA, 1997DUTRA, Eliana de Freitas. O ardil totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Rio de Janeiro; Belo Horizonte: Editora UFRJ; Editora UFMG, 1997., p. 33-88; PINHEIRO, 1991, p. 117-131).
As medidas adotadas contra os estrangeiros acarretaram o cerceamento e a anulação de seus direitos fundamentais, cuja desproteção absoluta pode ser constatada nos efeitos irreversíveis dos atos de expulsão fundados no arbítrio do presidente da República e expedidos ao arrepio da lei. Determinou-se a saída compulsória de indivíduos radicados havia muitos anos no país - e que o ordenamento jurídico, em razão da longa residência, reconheceu o direito a permanecer em território nacional, ou, em muitos casos, concedeu a nacionalidade brasileira, fato impeditivo para a decretação da medida compulsória.
Como já demonstrado pela historiografia contemporânea, a prática da expulsão foi uma solução “cirúrgica” para livrar o país de indivíduos que pudessem comprometer sua integridade étnica, social, econômica e política.12 12 Sobre a expulsão de estrangeiros durante a Primeira República, ver: Lená Medeiros de Menezes (1996). Era muito comum aos discursos político e jurídico associar o estrangeiro a um vírus que contaminava o país. O apelo à metáfora da nação enquanto corpo doente, que necessitava da ação urgente do Estado para livrá-la das chagas causadas por indivíduos indesejáveis, já era entoado desde o início da República, no final do século XIX (SONTAG, 1984SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Trad. Márcio Ramalho. Rio de Janeiro: Graal, 1984.; ALMEIDA, 1907ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. O decreto n. 1641 de 7 de janeiro de 1907 sobre a expulsão de estrangeiros do território nacional. Rio de Janeiro: Tipografia da Revista dos Tribunais, 1907., p. 72-73).
Essas ações de Vargas contra os estrangeiros apoiavam-se nas leis de imigração e de expulsão, cujos dispositivos assentavam-se nos princípios da defesa e da conservação do Estado - defendidos por internacionalistas brasileiros e europeus desde o início do século XIX. Apesar da faculdade conferida pela lei ao presidente da República para expulsar indesejáveis, durante a Era Vargas (1930-1945) o número oficial de expulsões (671)13 13 Deste total estão excluídas as expulsões clandestinas e outros métodos de exclusão do estrangeiro do Brasil que foram apresentados em nossa tese de Doutorado (FFLCH, 2008). foi ínfimo quando comparado ao volume de prisões de estrangeiros e de prontuários elaborados pela polícia política paulista - Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS/SP). Sobre essa questão, demonstramos que ante a impossibilidade de expulsar estrangeiros, o Estado brasileiro valeu-se de outros mecanismos de eliminação dos indesejáveis, tais como a manutenção em cárcere em condições desumanas, o encaminhamento a zonas inóspitas e de difícil sobrevivência ou a envio clandestino de indivíduos por meio das fronteiras brasileiras com países da América do Sul (RIBEIRO, 2008RIBEIRO, Mariana Cardoso dos Santos. Expulsão de estrangeiros: o mito da nocividade no Brasil (1937-1945). 2008. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humansas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008., p. 176-224).
Defendemos a hipótese de que a opção por utilizar outros instrumentos de exclusão pode estar relacionada às consequências que as medidas oficiais de expulsão acarretariam para a política externa varguista. A historiografia brasileira já demonstrou que, em algumas ocasiões, o Brasil atuou sob influência de pressões externas ao reprimir determinadas categorias de “indesejáveis”, como no caso do internamento de alemães, a partir de 1942 - medida que reafirmava a adesão do Brasil à causa Aliada e conferia ao país novo status no panorama internacional (PERAZZO, 2009PERAZZO, Priscila Ferreira. Prisioneiros de guerra: os ‘súditos do Eixo’ nos campos de concentração brasileiros (1942-1945). São Paulo: Humanitas/Fapesp, 2009., p. 77-95).
As decisões em política externa tiveram, necessariamente, implicações para a ordem interna do país. Nesse sentido, se por um lado o governo brasileiro permitia apenas a corrente imigratória selecionada de acordo com critérios eugênicos - formada por técnicos ou agricultores - visando, conforme o discurso oficial, o desenvolvimento econômico do país; por outro, deveria compatibilizar essa política com os interesses das Nações com as quais estava alinhado. Nesse contexto, a postura do governo Vargas frente aos estrangeiros e à proteção de seus direitos fundamentais foi marcada pela busca constante do equilíbrio entre a política de conveniências (imigração mais conveniente ao país) e a de aparências (manter a imagem de comprometimento com o ideal humanitário), visando maior projeção do país no sistema internacional.14 14 Utilizamos aqui a tese defendida por Maria Luiza Tucci Carneiro, segundo a qual a postura dúbia das autoridades brasileiras frente à questão dos refugiados judeus pode ser explicada em razão da necessidade de compatibilizar a política imigratória mais “conveniente” ao desenvolvimento do Brasil com a imagem de país que estava integrado ao projeto humanitário, cuja liderança estaria a cargo dos Estados Unidos (2010, p. 111-146).
Alianças estratégicas: entre a conveniência e a falsa aparência
Ao pretender transformar o Estado brasileiro num país moderno e industrializado, o governo Vargas aproximou-se das nações desenvolvidas a fim de obter recursos para seu projeto econômico - a implantação da indústria de base. Com muita habilidade, procurou tirar o maior proveito da rivalidade entre os blocos antagônicos que dividiram o mundo a partir dos anos de 1930 e negociou seu alinhamento aos alemães e aos norte-americanos. Apesar de aproximar-se da Alemanha, entre 1934 e 1938, por questões comerciais e afinidades ideológicas, também preservou os laços de amizade e de cooperação com os Estados Unidos com vistas a garantir recursos financeiros necessários ao desenvolvimento da siderurgia, ao reaparelhamento militar, ao reconhecimento do Brasil como potência associada e ao apoio político para tornar o país sexto membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas (SEITENFUS, 2003SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. O Brasil vai à guerra: o processo de envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial. 3.ed. São Paulo: Manole, 2003., p. 17-24, 135-150).15 15 Sobre a pretensão brasileira a fim de obter o assento permanente, ver: Eugenio Vargas Garcia (2011, p. 101-120). Nessa direção, estabelecia alianças que oscilavam conforme os rumos das relações internacionais e que influenciavam a política migratória e o tratamento a ser dado aos estrangeiros no país.
No plano externo, o desenvolvimento econômico passou a ser o vetor da política exterior do governo Vargas. A crise do capitalismo e as transformações sociais e políticas operadas com a Revolução de 1930 foram fatores determinantes para a mudança na perspectiva do Itamaraty e na adoção de novo paradigma de inserção internacional - o desenvolvimentista - rompendo com o modelo liberal-conservador vigente no Brasil desde o início do século XIX. A política externa baseava-se, especialmente, na ideia de que o processo decisório deveria nutrir-se de percepções adequadas dos interesses nacionais, na superação das desigualdades entre as nações, no uso da negociação para obter ganhos recíprocos nas relações internacionais, e na cooperação enquanto meio para realização mútua de interesses entre os Estados (CERVO, 2008CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: a formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008., p. 43-46). Nessa direção, abandonou-se a diplomacia tradicional que estava voltada para a participação nas conferências interamericanas, para a mediação dos conflitos sul-americanos a fim de manter o equilíbrio das forças e o status quo territorial na Bacia do Prata, e que, inclusive, garantia ao Brasil uma posição confortável - a de mero observador no sistema internacional.
A oposição entre as grandes potências - provocada pela luta entre as democracias liberais e os totalitarismos - conduziu autoridades e intelectuais brasileiros ao debate, especialmente, à tomada de posição diante de temas que haviam ganhado projeção além das fronteiras de um único país, tais como as migrações, o refúgio e os direitos dos prisioneiros de guerra. Se, até aquele momento, essas questões para as autoridades brasileiras estavam adstritas, em última instância, à ordem interna de um país - que por razões de soberania nacional poderia decidir livremente sobre a condição jurídica dos estrangeiros em seu território, durante o governo Vargas, essa concepção soberanista se tornaria flexível, abrindo espaço às decisões que levavam também em consideração a preservação de alianças estratégicas para garantir não só vantagens econômicas, como também maior protagonismo brasileiro no cenário mundial. Nesse contexto é que a “conveniência” cedia lugar à falsa aparência.
Convinha ao Brasil não somente incentivar a entrada de “boas” correntes imigratórias, evitando a entrada das “indesejáveis”, mas, também, participar do debate a respeito desse assunto em nível internacional e demonstrar sua posição na defesa dos direitos humanos, ainda que por aparência. Tal postura se explica pelo fato de que a partir dos anos de 193016 16 Em 1929, Augusto Vianna do Castelo, Ministro da Justiça, recusou o convite para enviar representante de seu Ministério à Conferência sobre o Tratamento dado aos Estrangeiros, promovida pela Liga das Nações. Aduziu não dispor de recursos para isso, e, também, que a legislação brasileira já havia incorporado a maior parte das medidas que seriam debatidas naquela conferência, sendo desnecessária a representação brasileira naquele foro internacional. Cf. Ofício n. 849 de Vianna do Castelo, Ministro da Justiça ao Ministro das Relações Exteriores. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1929. 352/5310. AHI/RJ. a questão das migrações havia ganhado importância no cenário mundial em razão da quantidade de indivíduos que fugiam da perseguição promovida por governos nazifascistas na Europa Oriental e Meridional, e, que, após 1939, se tornaria muito maior em razão dos deslocamentos provocados pela eclosão da Segunda Guerra.17 17 Entre 1939 e 1947, cerca de 53 milhões de pessoas. O número total foi muito superior à quantidade de refugiados no pós-Primeira Guerra (ANDRADE, 2005, p. 60-95).
O tema passou a ser relevante para o Brasil não do ponto de vista do “risco” que a entrada de determinadas categorias de indivíduos poderia causar ao país, como alertavam alguns diplomatas, mas, especialmente, em razão da oportunidade de marcar a presença brasileira nas discussões de grandes temas internacionais. Por esse motivo, o governo Vargas enviou seus representantes às conferências internacionais sobre refúgio, tais como a de Evian, ainda que não desejasse receber certos refugiados, por exemplo, comunistas ou judeus.18 18 Sobre a participação do Brasil na Conferência de Evian, ver: Maria Luiza Tucci Carneiro (2010, p. 87-110).
Ainda que tivesse se retirado da Sociedade das Nações em 1926, decisão confirmada definitivamente em 1928, o Brasil não se afastou totalmente das atividades da Liga. A delegação permanente em Genebra foi fechada, mas o país continuou acompanhando conferências ocasionais e trabalhos de áreas técnicas subordinadas ou de alguma forma vinculadas àquela organização, tais como na Organização Internacional do Trabalho, na Corte Permanente de Arbitragem em Haia e na Cruz Vermelha Internacional. Dessa forma, pretendia-se demonstrar que o Brasil colaborava nas matérias de interesse social e humanitário, tais como saúde e higiene, combate ao ópio e outras drogas, repressão ao tráfico de mulheres e crianças e migrações - muito embora estivesse desligado dos compromissos oriundos do Pacto da Sociedade das Nações (GARCIA, 2011GARCIA, Eugenio Vargas. O sexto membro permanente: o Brasil e a criação da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011., p. 82-83).
A participação brasileira nesses foros internacionais apontava para posição favorável ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos que se constituíra a partir da segunda metade do século XIX - inicialmente composto por normas a respeito da proteção de soldados prisioneiros, doentes e feridos e populações civis atingidas por conflito bélico (regras que formaram o Direito Humanitário),19 19 O primeiro documento normativo de caráter internacional foi a Convenção de Genebra de 1864, a partir da qual foi fundada a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, em 1880. Os princípios desta Convenção foram estendidos aos conflitos marítimos em 1927, e aos prisioneiros de guerra, em 1929 (COMPARATO, 2006, p.55-56). do combate à escravidão e da regulamentação dos direitos do trabalhador assalariado.
Nos anos de 1930, à exceção da norma sobre a proibição do trabalho forçado,20 20 Cf. NAÇÕES UNIDAS. Organização Internacional do Trabalho. Convenção n. 29, de 1930. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 5 ago. 2016. o Brasil já havia ratificado convenções que tratavam das leis e dos costumes de guerra (Convenções de Haia de 1907 e de Genebra de 1929), da criação da Comissão Internacional da Cruz Vermelha (1880), das Sociedades Nacionais de Cruz Vermelha e da Organização Internacional do Trabalho - OIT (1919). Entretanto, em diversos momentos, a postura de autoridades varguistas se revelava ambígua: que o governo não estava disposto a ver limitada sua soberania para decidir livremente sobre migrações, refúgio ou a condição jurídica de estrangeiros no território nacional, e que sacrificaria direitos e garantias fundamentais desses indivíduos em prol da execução de seu projeto nacionalista.
Como exemplo, citamos a regulamentação do trabalho. Enquanto membro da OIT, o Brasil acompanhava as reuniões e comprometia-se a incorporar suas disposições ao direito interno, mas, desde que estivessem de acordo com as necessidades brasileiras e não contrariassem as especificidades do trabalho nacional. Por meio dessas expressões genéricas - “necessidades” e “especificidades” -, pretendia-se garantir ao Brasil a possibilidade de aceitar ou não as normas trabalhistas oriundas da OIT, uma vez que por não apresentarem sentido unívoco, aqueles vocábulos davam margem a qualquer interpretação (GARCIA, 2011GARCIA, Eugenio Vargas. O sexto membro permanente: o Brasil e a criação da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.).
No período entre 1919 e 1936, o Brasil ratificou apenas oito do total de 49 convenções da OIT. Ignorou normas que versavam sobre a proteção dos direitos de estrangeiros por parte de autoridades de fiscalização das fronteiras,21 21 Por exemplo, a que determinava ao inspetor oficial velar pelo respeito aos direitos do imigrante no momento da fiscalização para a entrada num país. Cf. art. 5º, n. 1, da Convenção n. 21 sobre a inspeção aos emigrantes, de 5 de junho de 1926. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312166:NO>. Acesso em: 10 ago. 2016. Também a que recomendava a presença de oficial (mulher) para prestar assistência moral e material às mulheres imigrantes que pretendessem desembarcar num país. Cf. NAÇÕES UNIDAS. Organização Internacional do Trabalho. Recomendação n. 26 sobre a proteção das emigrantes a bordo de vapores, de 5 de junho de 1926. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312364:NO>. Acesso em: 10 ago. 2016. sobre a paridade de tratamento com relação aos nacionais quanto às condições de trabalho e remuneração, aos direitos de afiliação sindical, impostos, direitos e contribuições em razão do trabalho, e às ações judiciais relativas aos contratos de trabalho.22 22 Essas normas foram promulgadas no Brasil apenas em 1957, por Decreto n. 41721, de 25 de junho (COMPARATO, 2006, p. 56).
Interesses internos e pressão internacional: a atuação da Cruz Vermelha
A participação brasileira nas conferências da Cruz Vermelha Internacional deve ser interpretada à luz do modelo desenvolvimentista de inserção internacional adotado pelo Brasil nos anos de 1930. Apesar de avesso aos princípios23 23 São sete princípios que regem a Cruz Vermelha Internacional, a saber: humanidade, imparcialidade, neutralidade, independência, voluntariado, unidade e universalidade. que regiam aquela entidade - tais como a humanidade, a imparcialidade, a neutralidade e a independência -, o governo Vargas mantinha-se presente naqueles foros internacionais porque isso auxiliava a construção da imagem do Brasil como país sensível às questões humanitárias e disposto a cooperar com os demais nessa matéria; dessa forma, buscava maior projeção no cenário mundial.
A Sociedade da Cruz Vermelha Brasileira, ou, apenas Cruz Vermelha Brasileira, foi criada em dezembro de 1910 e, a exemplo da Cruz Vermelha Internacional, deveria ser entidade neutra, com atuação independente do governo do Estado onde estivesse instalada.24 24 A Sociedade da Cruz Vermelha Brasileira - criada pelo Decreto n. 2.380, de 31 de dezembro de 1910, com prescrições da Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893 - havia sido reconhecida oficialmente pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e acreditada junto aos Comitês Centrais de outras nações. Sobre o regime jurídico da Cruz Vermelha, ver: Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1946, p. 236-243). A localização desse artigo, bem como sua cópia digitalizada foram realizadas por funcionários da Biblioteca do Senado Federal. No entanto, no Brasil, seus dirigentes estavam comprometidos ideologicamente com o regime varguista. O Conselho Diretor estava integrado por membros indicados pelos Ministérios e pela prefeitura do Distrito Federal, bem como por sete representantes de associações ou sociedades civis, que deveriam ser designados pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores por solicitação do Ministro da Guerra.25 25 Cf. art. 1º do Decreto n. 23482 de 21 de novembro de 1933. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39920&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016.
Em 1933, a CVB foi atingida pelas medidas de nacionalização e centralização administrativa do governo Vargas. As vozes oficiais sustentavam que as filiais da CVB - espalhadas pelos Estados - e outras congêneres não tinham caráter nacional e representavam no país os interesses de potências estrangeiras - fato que explica a existência de prontuários produzidos pela polícia política do Estado de São Paulo para vigiar a atuação de Sociedades de Cruz Vermelha,26 26 Há prontuário sobre a CV Alemã, no qual consta apenas a informação a respeito da censura postal realizada, em 1943, sobre carta remetida por aquela entidade à Estação Experimental de Produção Animal em Pindamonhangaba (que funcionou como campo de internamento durante a Segunda Guerra Mundial). Cf. Pront. n. 51639 – Cruz Vermelha Alemã. DEOSP/DAESP. E, também, prontuário sobre a CV Grega, junto ao qual está a solicitação de autorização para realizar a venda de fotografias da guarda do Palácio Real a fim de angariar recursos para as vítimas da guerra. Cf. Pront. n. 56162 – Comitê Pró Cruz Vermelha Helênica. DEOPS/DAESP. como a russa (impedida de funcionar),27 27 Consta no prontuário policial da CV Russa informação a respeito da investigação que seria realizada sobre o “Fundo Mrs. Churchill Pró-Auxílio à Cruz Vermelha Russa”, que, em 1943, teria sido autorizado pela Cruz Vermelha Brasileira a realizar festival em prol das vítimas de guerra (a pedido da CV Britânica já que a CV Russa não havia sido reconhecida pela CV Brasileira). Cf. Relatório n. 182 de Carlos Marques, Sub-Chefe de Ordem Social ao Delegado Adjunto à Seção de Investigação da Ordem Social. Departamento de Ordem Política e Social. São Paulo, 2 de julho de 1943. Cf. Pront. n. 48369 – Cruz Vermelha Russa. DEOPS/DAESP. e promover a vigilância sobre indivíduos acusados de auxiliar a propagação de ideias comunistas no Brasil, sob o pretexto de colaborar com a Cruz Vermelha. Como exemplo, citamos o caso de Ary de Carvalho, que, segundo a versão policial, auxiliava a difusão das ideias republicanas no Brasil, alegando colaborar com a Cruz Vermelha Espanhola para prestar auxílio às vítimas da guerra civil na Espanha.28 28 Ary de Carvalho era diretor de empresa de radiodifusão. Em 1938, foi acusado pela polícia política paulista de envolvimento com republicanos espanhóis para facilitar a propaganda do comunismo no Brasil, sob pretexto de auxiliar a Cruz Vermelha Espanhola. Cf. Informação n. 1669/75 de Marcial Macias, Chefe do Arquivo Geral. Departamento Estadual de Ordem Política e Social. São Paulo, 22 de outubro de 1975. Pront. n. 72914 - Ary de Carvalho. DEOPS/DAESP.
Por meio de decreto,29 29 Decreto n. 23482 de 21 de novembro de 1933. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39920&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016. a matriz da CVB, localizada no Rio de Janeiro, foi declarada como órgão central autorizado a fiscalizar, reestruturar ou extinguir todas essas entidades. Aquela norma estabelecia a subordinação das Cruzes Vermelhas Estaduais à do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em observância ao sistema federativo. A concentração de poder na esfera federal tinha por finalidade garantir o controle e o cumprimento das diretrizes ditadas pela matriz, e que, teoricamente, deveriam estar em consonância com a orientação da Cruz Vermelha Internacional. Com aquela modificação, pretendia-se uniformizar a ação da Sociedade de Cruz Vermelha Brasileira, que não esteve livre de tensões em razão de divergências de opinião e de conduta entre seus membros, como, por exemplo, no caso da prestação de auxílio às vítimas polonesas durante a Segunda Guerra.
Em setembro de 1939, formou-se o Comitê de Socorro às Vítimas da Guerra na Polônia, sob a presidência de Fernando de Mello Viana. Na ocasião, a imprensa brasileira divulgou a campanha da CVB para arrecadar dinheiro, roupas, medicamentos e mantimentos em benefício das vítimas da guerra. Este comunicado havia sido submetido à censura oficial antes de ser publicado.30 30 Ofício de Fernando de Mello Viana, Presidente do Comitê de Socorro às Vítimas de Guerra na Polônia, ao General Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, 13 de novembro de 1939, p. 1-2. 112/4/13. AHI/RJ.
Apesar da orientação da matriz, João Moreira Garcez, presidente da filial da CVB no Estado do Paraná, recusou-se a contribuir para essa campanha sob a alegação de que ato como esse desrespeitava frontalmente a declaração da neutralidade brasileira, e proferiu a seguinte decisão:
[...] reuni a Diretoria desta Filial, e após a apreciação do caso ficou resolvido, responder aos interessados dizendo que a Cruz Vermelha no Paraná teria especial agrado em receber e encaminhar aos respectivos destinos todo e qualquer donativo enviado às vítimas de guerra, respeitados os sadios princípios da neutralidade. Não podia, por isso, patrocinar este ou aquele Comitê, nem amparar qualquer iniciativa que se destinasse a beneficiar vítimas de determinadas nacionalidades [...].31 31 Ofício de João Moreira Garcez, Presidente da Filial da Cruz Vermelha no Estado do Paraná, ao General Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, 9 de novembro de 1939, p. 1-2. 112/4/13. AHI/RJ.
Para Moreira Garcez, a prestação de ajuda humanitária neste caso significava beneficiar uma nacionalidade em particular - a polonesa. À sua revelia, criou-se em Curitiba a Divisão Paranaense daquele Comitê. Paralelamente a esses acontecimentos, o Itamaraty recebia os protestos do III Reich, que ameaçava suspender sua cooperação com a Cruz Vermelha caso o Brasil não tomasse as devidas providências para reprimir as injúrias contra os nazistas publicadas na imprensa brasileira - mas cuja existência não puderam comprovar. Sobre esses fatos, Mello Viana pronunciou-se e negou ter divulgado qualquer ofensa aos nazistas. Defendeu, também, a importância da formação e do trabalho do Comitê, que inclusive estava respaldado pela missão humanitária da CVB.32 32 Ofício de João Moreira Garcez, Presidente da Filial da Cruz Vermelha no Estado do Paraná, ao General Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, 9 de novembro de 1939, p. 1-2. 112/4/13. AHI/RJ; e, Ofício do Ministro das Relações Exteriores ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1939. 112/4/15. AHI/RJ.
A documentação diplomática não informa qual o destino dado ao Comitê, e se a filial de Curitiba manteve seu posicionamento, e ainda, se os donativos angariados foram encaminhados às vítimas polonesas. Certo é que devido à reclamação da embaixada alemã, publicou-se imediatamente na imprensa local a declaração expressa da neutralidade da CVB.
Por meio da atuação da CVB, o governo Vargas garantiu sua presença nas Conferências Internacionais da Cruz Vermelha Internacional em Bruxelas (1930), em Tóquio (1934) e em Londres (1938), além de sediar a III Conferência Pan-Americana da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro, em 1935. Os relatórios produzidos pela CVB exaltavam a participação das delegações brasileiras nesses foros e procuravam demonstrar que o Brasil cooperava com as demais Sociedades da Cruz Vermelha para a prestação da ajuda humanitária às vítimas de guerra ou de calamidades públicas, nas questões de política migratória e de preservação dos direitos dos estrangeiros no país.
Exemplo dessa realidade foi a avaliação da participação da delegação brasileira na XVI Conferência da CVI, reunida em Londres, em 1938. Durante esse encontro, tratou-se da colaboração entre as Sociedades Nacionais e os poderes públicos, da revisão da Convenção de Genebra para permitir sua aplicação às populações civis atingidas pelas guerras e estender seus princípios à guerra marítima, da ação da Cruz Vermelha durante guerras civis e calamidades, bem como a ação educativa da entidade visando à formação da Cruz Vermelha Juvenil, entre outros assuntos.33 33 Sobre essa questão, conferir: Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira, Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1938, p. 2-3, 682/9999. AHI/RJ. De acordo com a CVB, o desempenho brasileiro nessa conferência havia sido excelente. Durante os trabalhos, a delegação brasileira havia demonstrado cooperar de forma tão eficiente em relação às propostas da reunião que seu presidente, Daniel de Carvalho, foi designado para compor a Comissão de Relatores:
[...] em telegrama de Londres de 24 corrente, dia do encerramento da Conferência, publicado nos jornais desta Capital, tivemos a notícia de que ‘as comunicações apresentadas pelos delegados brasileiros durante os trabalhos da Conferência da Cruz Vermelha que acaba de encerrar-se, são postas em destaque pelos círculos interessados. De fato, a cooperação brasileira em todos os assuntos debatidos foi a mais eficiente e alcançou o mais completo êxito, como demonstra a designação do Dr. Daniel de Carvalho, Chefe da Delegação do Brasil, para fazer parte da Comissão de Relatores, composta de 4 membros apenas, escolhidos entre os delegados de 54 nações representadas no congresso [...].34 34 Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira, Rio de Janeiro, 30 de junho de 1938, p.1. 112/4/13. AHI/RJ.
Cabe ressaltar que, anos mais tarde, em 1942, quando o Brasil rompe relações diplomáticas com países do Eixo, as autoridades varguistas resistiriam a respeitar os direitos dos prisioneiros de guerra, garantidos pela Convenção de Genebra de 1929, e, também, a estender a aplicação dos termos daquela convenção aos internos civis detidos nos campos de internamento brasileiros - o que contrariava a recomendação35 35 Relatorio del Comité Internacional de la Cruz Roja y de la Agencia Central de Prisioneros de Guerra (1 de septiembre de 1939 al 31 de diciembre de 1941 (extraído de una publicación en francés del Comité Internacional de la Cruz Roja en Ginebra). Comité International de la Croix Rouge. Delegation en Amérique Latine. s/l, octubre, 1942, p. 10-11. 1894/36294. AHI/RJ. do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV):
El CICR ha efectuado numerosas gestiones a fin de mejorar la suerte de estos civiles que no están protegidos todavía por ninguna convención, especialmente para aquellos que han sido internados. Así consiguió felizmente obtener la asimilación de los internados a los prisioneros de guerra, sobre la base de la Convención de 1929. Desde entonces, la Agencia Central ha podido ocuparse de los internados tal como lo hace para los prisioneros de guerra.36 36 Relatorio del Comité Internacional de la Cruz Roja y de la Agencia Central de Prisioneros de Guerra (1 de septiembre de 1939 al 31 de diciembre de 1941 (extraído de una publicación en francés del Comité Internacional de la Cruz Roja en Ginebra). Comité International de la Croix Rouge. Delegation en Amérique Latine. s/l, octubre, 1942, p. 5. 1894/36294. AHI/RJ.
Inclusive, desde a ruptura diplomática com países do Eixo, o CICV mantinha-se em contato com o governo Vargas porque desejava funcionar como intermediário neutro na representação dos interesses dos prisioneiros de guerra. Durante meses, o Brasil recusou sua intervenção afirmando que não havia no país prisioneiros daquela categoria, quando, na realidade, estes estavam sendo detidos desde janeiro de 1942.37 37 Memorandum para o Chefe do Setor de Atos, Congressos e Conferências Internacionais. Secretaria de Estado das Relações Internacionais. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1942. 1894/36294. AHI/RJ; Memorandum para o Chefe da Divisão do Cerimonial. Secretaria de Estado das Relações Internacionais. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 16 de abril de 1942. 1894/36294. AHI/RJ e Ofício n. 319 de Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira a Mauricio de Nabuco, Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1942. 112/4/13. AHI/RJ. Conforme Priscila Ferreira Perazzo, os alemães estavam sendo presos desde a ruptura das relações diplomáticas do Brasil com países do Eixo (2009, p. 99-104). Meses depois, o reconhecimento do estado de beligerância frente aos países do Eixo precipitou os fatos: em agosto de 1942, chegou ao país o enviado especial do CICV, Eric Haegler, que o governo brasileiro reconheceu oficialmente somente após três meses:
Bastante constrangido, devo declarar a Vossa Excelência que até hoje não me foi ainda possível visitar qualquer campo de internados, e isso - conforme soube pelo Senhor Consul Pedro Soares, atualmente adido a esse Ministério - devido a não se ter ainda pronunciado o Ministério da Justiça quanto à minha nomeação para o cargo de Delegado no Brasil do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, com sede em Genebra. Tomo, pois, a liberdade, no interesse dos próprios internados brasileiros e dos internados e prisioneiros de guerra aliados, de solicitar de Vossa Excelência o obséquio de insistir junto ao Ministério da Justiça a fim de que me seja facultado exercer minhas funções, de acordo com as instruções bem detalhadas que aquela benemérita instituição envia a todos os seus delegados.38 38 Ofício de Eric Haegler, Delegado do Comitê Internacional da Cruz Vermelha a Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores. Comité International de la Croix Rouge. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1942, p. 2. 112/4/13. AHI/RJ.
O papel a ser desempenhado por Haegler no Brasil consistia em garantir comunicações entre os indivíduos detidos e as representações consulares e diplomáticas de seus países de origem, verificar as condições dos prisioneiros nos campos de internamento, e, assim, fiscalizar o cumprimento estrito da Convenção de Genebra por meio de seus relatórios remetidos à CVI.
Outra demonstração de adesão do Brasil aos princípios humanitários foi a contribuição pecuniária ao orçamento da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha para 1937 e 1938. O auxílio brasileiro foi avaliado como exemplo de generosidade capaz de estimular atos similares por parte de outras nações do continente americano:
[...] a Liga ressalta a significação do gesto magnânimo da Cruz Vermelha Brasileira que, apesar das múltiplas obrigações a que tem de fazer face e as dificuldades e exigências do momento atual, não vacilou em acudir ao apelo da Liga, prestando seu mais decidido apoio, e alentando com a generosidade do seu exemplo, as demais sociedades do continente. ‘Para a Liga esta nova demonstração de generosidade e afeto da Cruz Vermelha Brasileira constitui um estímulo que lhe permitirá prosseguir com maior fé e entusiasmo no trabalho em que se tem empenhado’[...].39 39 Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira, Rio de Janeiro, 30 de março de 1938, p. 2. 682/999. AHI/RJ.
A conduta brasileira considerada generosa decorreu de acordo particular entre o subsecretário da Liga da CVI e o Secretário do Serviço Internacional da CVB:
[...] aproveitando a visita a esta Sociedade do Sr. Larrosa fizemos com ele, em caráter particular, um exame desta questão, de acordo com as nossas possibilidades, tendo ficado combinado que seria preferível que a Cruz Vermelha Brasileira concorresse com uma quantia maior para o ano de 1938, em vez de enviar uma parcela menor para este ano, que já está quase a terminar e para o qual o atual orçamento da Liga satisfaz as suas necessidades. Nestas condições não será tão necessário mandar-nos, ainda este ano a contribuição habitual para a Liga, sendo preferível juntar essa contribuição com o aumento que nos fosse possível fazer para 1937, e então, reunido tudo com a contribuição que for fixada para 1938, e enviaríamos para o ano uma quota maior, o que será mais interessante para a Liga [...].40 40 Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1937, p. 5. 113/4/3. AHI/RJ.
Os auxílios financeiros prestados pelas Sociedades da Cruz Vermelha deveriam ser calculados de acordo com a atuação da entidade (grau de seu desenvolvimento) e com a importância do país a que pertencia. No caso mencionado, o Brasil direcionou o valor referente a 1937 para o ano seguinte, 1938, dando-se a impressão de que a contribuição havia sido vultosa.
A colaboração com a Cruz Vermelha Espanhola também simbolizou o apoio do Brasil ao trabalho humanitário em prol das vítimas da guerra civil na Espanha. Em março de 1938, Georges Patry, membro do CICV, teria agradecido à CVB e ao governo brasileiro por meio de uma carta na qual manifestava
[...] a gratidão particular do Comitê, pela contribuição que a Cruz Vermelha Brasileira obteve do seu governo para ação de socorros na Espanha, desenvolvida pelo mesmo Comitê, prova de simpático interesse pela sua obra humanitária, o que constitui para o Comitê um precioso encorajamento [...].41 41 Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 30 de março de 1938, p. 2. 682/999. AHI/RJ.
A ajuda brasileira consistiu no envio de cinquenta sacos de café, em 1937, ao governo nacionalista, sediado na cidade de Burgos. Essa remessa foi recebida pelo CICV e dividida entre a Cruz Vermelha Nacional e o Auxílio Social para ser distribuída aos dispensários, hospitais e cozinhas populares.42 42 O Brasil obteve porte livre do produto até Lisboa. Dessa localidade até a fronteira com a Espanha, o transporte foi realizado pela Cruz Vermelha Portuguesa, às custas do governo brasileiro. No território espanhol, a Cruz Vermelha Espanhola custeou a remessa dos sacos de café até Burgos. Apesar de enviado à Espanha em 1937, o café chegou ao seu destino final apenas no ano seguinte, em 1938. E, somente em 11 de março desse ano que o CICV confirmou a distribuição de 25 sacos para a Cruz Vermelha Nacional e de 25 sacos para o Auxílio Social. Na mesma oportunidade, o CICV teria lamentado o extravio do produto durante tanto tempo e explicado que somente foi localizado graças à ação do Delegado do CICV e da Cruz Vermelha de Burgos. Cf. Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 29 de abril de 1938, p. 3-5. 682/999. AHI/RJ. Conforme o historiador Ángel Viñas Martín, parte da fortuna do ditador espanhol Francisco Franco foi constituída com a venda de grãos de café (600 mil quilos) que haviam sido recebidos por doação de Getúlio Vargas, em 1939. O produto foi vendido à Comisaría de Abastecimientos y Transportes (CAT), por meio de esquema denominado por Viñas como “Operação Café”. O valor da transação (7.536.140,80 pesetas – que correspondem a cerca de 85,6 milhes de euros de 2010) deveria ter sido depositado na conta “Donativos procedentes do Brasil” a fim de ser utilizado em obras de caráter social e beneficente. Entretanto, a importância foi diretamente para uma das contas de Franco (MARTÍN, 2015). Cabe ressaltar que na documentação consultada para a elaboração deste artigo não encontramos outras referências sobre doações de café à Espanha por intermédio da Cruz Vermelha Brasileira - questão que poderá ser elucidada a partir de pesquisas futuras. Paralelamente a essa ação benemérita, também, em 1937, Vargas encaminhava às tropas nacionalistas, que já haviam tomado a cidade de Vigo, dezenas de espanhóis acusados da prática de comunismo no Brasil. Ciente desse fato e de suas consequências irreversíveis para a vida desses indivíduos, Andrés Rodriguez Barbeito, Vice-Cônsul espanhol na cidade de Santos (SP), interveio em favor de vinte e sete espanhóis para evitar que fossem fuzilados ao desembarcarem em Vigo e decidiu que o consulado deveria arcar com o valor referente às passagens para a França (Marselha).43 43 Por este fato, e, também, em razão de seu posicionamento em favor da República, Barbeito foi expulso do Brasil em 4 de outubro de 1938. Cf. Pront. 4817 – Andrés Rodrigues Barbeito. DEOPS/DAESP. Na Espanha, respondeu a processo administrativo instaurado junto ao Ministério de Assuntos Exteriores (MAE).
O governo Vargas silenciou diante das ações de extermínio praticadas pelos nacionalistas durante a Guerra Civil espanhola e após a instauração do regime franquista, em abril de 1939. No território brasileiro, não eliminou fisicamente os espanhóis acusados de comunismo, mas, ao enviá-los de volta à Espanha, contribuiu para que o fizessem naquele país. O Estado brasileiro foi responsável pelo desaparecimento daqueles indivíduos, bem como pela interrupção à força de muitas Histórias de vida44 44 Recordo aqui o caso do espanhol José Maria Alvarez Perez, expulso em março de 1938, e, que, pelas circunstâncias, foi obrigado a deixar o Brasil. Desde aquela ocasião, sua filha, que hoje conta com 88 anos de idade, espera notícias sobre o paradeiro de seu pai. Apesar dos inúmeros esforços empreendidos por esta autora junto aos Arquivos brasileiros e espanhóis, ainda não foi possível esclarecer o que ocorreu a José Maria ao regressar à Europa, se foi ou não capturado pelas forças nacionalistas, ou se faleceu em combate ao se incorporar ao Exército Republicano. (doc.1).
Ficha de identificação e qualificação de José Maria Alvarez Perez, expulso em 15 de março de 1938. São Paulo, 7 de dezembro de 1937. Gabinete de Investigações. Pront. 4973 – José Maria Alvarez Perez, DEOPS/SP, DAESP.
Em 16 de agosto de 1939, a Sociedad de Socorro Mútuos de Mendoza (AR) pediu ao presidente Vargas, assim como a todos os governos latino-americanos, que interviesse junto ao governo franquista para fazer cessar os fuzilamentos ordenados diariamente (doc.2).45 45 Carta de S. Alonso, Presidente, e José Prieto H., Secretário, ao Presidente da República do Brasil. Sociedad Española de Socorro Mutuos. Mendoza, 16 de agosto de 1939. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 200. ANRJ. A essa carta, o então Ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, respondeu que o Itamaraty desconhecia a prática de atos dessa natureza na Espanha (doc.3).46 46 Ofício de Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores, a Getúlio Vargas, Presidente da República. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1939. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 200. ANRJ. Três anos mais tarde, em 1942, Aranha sugeriu a Vargas não interferir na decisão sobre a extradição do Coronel Cipriano Mera, oficial espanhol, que teria lutado ao lado dos republicanos para a defesa de Madri. Ainda que essa intervenção fosse recomendável do ponto de vista humanitário, Aranha desaconselhava a ação do presidente nesse sentido porque o caso não estava relacionado entre aqueles que justificassem a benevolência do Chefe de Estado (como as medidas de graça e de indulto), e também porque poderia abrir precedente aos casos análogos, já que havia muitos outros oficiais na mesma situação (doc.4).47 47 Parecer de Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores, a Getúlio Vargas, Presidente da República. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1942. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 341. ANRJ.
Carta de S. Alonso, Presidente, e José Prieto H., Secretário, ao Presidente da República do Brasil. Sociedad Española de Socorro Mutuos. Mendoza, 16 de agosto de 1939. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 200. ANRJ.
Ofício de Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores à Getúlio Vargas, Presidente da República. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1939. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 200. ANRJ.
Parecer de Osvaldo Aranha. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1942. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 341. AHI/RJ.
Com esse parecer, Aranha considerava que o humanitarismo deveria ser a exceção, e não a regra para os atos do presidente. O Brasil até poderia interceder em favor de Mera, mas em caráter excepcional, e, nesse caso, a excepcionalidade poderia tornar-se regra e obrigar Vargas a defender a proteção dos direitos à vida e às liberdades públicas, por exemplo, a de expressão do pensamento.
A documentação não informa qual a decisão de Vargas sobre esse caso, mas certo é que tanto o presidente como determinadas autoridades diplomáticas não se pautavam por sentimentos de humanidade e de solidariedade ao tratar-se de indivíduo que professava ideologia de esquerda ou que simplesmente opunha-se ao fascismo. A simpatia de Vargas pelos nacionalistas espanhóis, e, depois, pelo franquismo, já havia sido expressada bem antes do reconhecimento oficial do governo de Burgos por parte do Brasil. Como exemplo, citamos as medidas de repressão adotadas pela polícia política brasileira contra indivíduos - espanhóis ou de outras nacionalidades - que defendessem a causa republicana.48 48 Quando estrangeiros, esses indivíduos foram expulsos do Brasil como os casos do português Alfredo Augusto e do polonês Alexandre Dymeck (RIBEIRO, 2012, p. 251-255).
Os relatórios produzidos pela CVB buscavam comprovar que o Brasil cooperava com a CVI em relação às questões de política migratória e de defesa dos direitos dos estrangeiros no país - é o que demonstram, por exemplo, os resultados da reunião entre Larrosa, subsecretário da Liga da CVI, e Carlos Eugênio Guimarães, Secretário da Seção de Serviços Internacionais da CVB. Nesse encontro, que ocorreu em novembro de 1937, quando Larrosa, na qualidade de enviado especial para assuntos da América Latina, solicitou pessoalmente a colaboração da CVB com as diretrizes do Serviço Internacional de Auxílio ao Emigrante (SIAE). Esse serviço havia sido criado em 1921 para oferecer ajuda às famílias separadas pela imigração, e, no Brasil e na Argentina, encontrava dificuldades para realizar suas atividades adequadamente por razões financeiras.49 49 Relatório do mês de novembro de 1937, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1937, p. 4. 112/4/13. AHI/RJ. Sobre essa questão, a CVB tentou demonstrar que a Secretaria Geral dessa entidade procurava prestar informações sobre imigrantes.50 50 Relatório do mês de novembro de 1937, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1937, p. 4. 112/4/13. AHI/RJ; e, Relatório do mês de novembro de 1938, de Arthur de Alcântara, Técnico Adjunto dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1938, p. 1. 682/9999. AHI/RJ.
O Subsecretário da Liga requereu que o governo brasileiro esclarecesse sobre o funcionamento do recém-criado Secretariado de Informação Privada, os objetivos de sua política migratória (quais as medidas que foram tomadas frente a esse tema), e, que remetesse ao SIAE a legislação sobre o assunto.51 51 Relatório do mês de fevereiro de 1938, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1938, p. 4. 682/9999. AHI/RJ. Guimarães atendeu prontamente o pedido e se propôs a intermediar o diálogo entre funcionários do SIAE e do Departamento Nacional de Povoamento do Ministério do Trabalho, e a entrar em contato com seu diretor, Dulphe Pinheiro Machado, para que prestasse as informações solicitadas.52 52 Relatório do mês de fevereiro de 1938, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1938, p. 4. 682/9999. AHI/RJ. Não é possível saber o conteúdo da resposta dada por Machado porque seu relatório não está anexado à documentação diplomática acessível ao público,53 53 Na documentação, há somente a indicação de que Dulphe Pinheiro Machado encaminhou à Cruz Vermelha Brasileira a legislação sobre a entrada de estrangeiros e o prontuário sob o título “Legislação imigratória brasileira e informações úteis aos estrangeiros, decisões úteis aos estrangeiros, decisões e jurisprudência”. Cf. Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1938, p. 2. 112/4/13. AHI/RJ. mas não resta dúvida que o governo brasileiro ocultou regras não oficiais sobre seleção de estrangeiros para o Brasil que circulavam nos bastidores do poder e eram aplicadas aos casos concretos - como, por exemplo, as circulares secretas editadas desde 1933 contra a entrada de judeus no país.54 54 Sobre as circulares secretas, ver: Maria Luiza Tucci Carneiro (2011, p. 124-143).
Considerações finais
As migrações e os direitos fundamentais dos estrangeiros foram temas presentes na agenda brasileira durante o varguismo (1930-1945). As decisões de autoridades diplomáticas sobre o assunto necessitaram equilibrar-se entre os objetivos das políticas externa e interna, as vicissitudes do contexto internacional e as pressões exercidas por organismos como a Cruz Vermelha Internacional, que procurou orientar práticas a respeito do tratamento dado a estrangeiros no território nacional e impedir violações de direitos.
Em âmbito doméstico, o projeto nacionalista e xenófobo defendido pelo governo Vargas pautava-se por critérios de seleção de indivíduos amparados por questões étnicas, ideológicas, religiosas e sociais. Os estrangeiros eram escolhidos de acordo com a “utilidade” que representavam para o desenvolvimento do Brasil, segundo as vozes oficiais. Entretanto, fazia-se necessário compatibilizar os anseios da construção de uma nação “moderna e civilizada”, conforme parâmetros eugênicos, com maior protagonismo brasileiro no sistema internacional. Esse dilema será enfrentado pelas autoridades varguistas que procuraram nos foros internacionais sobre a questão migratória manter suas ações entre a política de conveniências (imigração “desejável”) e a política de aparências (alinhamento à causa humanitária).
O governo brasileiro marcou presença nas reuniões sobre as migrações em razão do lugar que esse tema ocupou nas preocupações da comunidade mundial nas décadas de 1930 e de 1940 - tanto no que diz respeito aos refugiados quanto aos deslocados. Dada a importância daquela temática, as autoridades varguistas aproveitaram a oportunidade para marcar lugar nos debates sobre temas internacionais de destaque, dando provas de afinidade com o humanitarismo. Nesse sentido, a presença brasileira nos foros internacionais da CVI convinha ao governo Vargas porque se tornava plataforma para divulgação de suas ações beneméritas. Entretanto, os documentos levantados para este artigo demonstram que essa participação forçava o governo Vargas a respeitar as obrigações assumidas internacionalmente, uma vez que necessitava prestar contas de suas atitudes. Assim, cooperar com a CVI representou, ao mesmo tempo, maior projeção internacional, e, também, empecilho para executar seu projeto político autoritário e xenófobo.
No Brasil, a discussão sobre os direitos dos estrangeiros ganhou destaque com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, em 1942, devido à aplicação no país de um instrumento internacional de proteção - a Convenção de Genebra de 1929, que regulamentava o tratamento a ser dado aos prisioneiros de guerra. Por meio de seus representantes, o CICV exigia do Brasil respeito aos termos da norma que ratificara, observando o tratamento humanitário previsto no Direito de Genebra. Entre os detidos no Brasil, havia dezenas de civis presos em razão de sua nacionalidade, e a orientação do CICV era estender os benefícios daquela convenção aos internos civis, de acordo com a Convenção de Tóquio (1934), visto inexistir regulamentação específica para o caso.
A documentação aqui analisada sugere que a atuação da CVI foi bem mais ampla, uma vez que não esteve adstrita a fiscalizar o cumprimento da Convenção de Genebra de 1929 por parte das autoridades varguistas com relação ao tratamento dado aos “súditos do Eixo”, mas, também, abrangeu a proteção de outros direitos, tais como aqueles previstos nas normas sobre imigração (sobre entrada, permanência e regulamentação do trabalho), bem como o auxílio que, desde o início da década de 1920, vinha sendo prestado pela Cruz Vermelha para proporcionar a comunicação entre estrangeiros residentes no Brasil e seus familiares do outro lado do Atlântico (por meio do serviço de comunicação).
Apesar de a atuação da Cruz Vermelha Internacional não ter sido capaz de modificar leis e de impedir práticas xenófobas no Brasil, sua ação deve ser considerada como um instrumento importante de pressão sobre a política adotada pelo governo Vargas em relação aos estrangeiros. A avaliação do grau dessa influência sobre as decisões em política interna a respeito do tema dependerá da localização de outros documentos, ainda inacessíveis ao público. Referimo-nos aos dossiês temáticos sobre essa entidade e sobre expulsão de estrangeiros que, uma vez disponibilizados à consulta nos Arquivos do Itamaraty, poderiam ser instrumentos valiosos para medir o grau de interferência que as ações dos representantes da Cruz Vermelha Internacional exerceram sobre a política de Vargas.
Certo é que a participação brasileira nas conferências internacionais obrigou o Brasil a dar visibilidade às suas regras sobre imigração bem como a explicar os fundamentos para sua aplicação, chamou a atenção tanto para a condição quanto para o tratamento dado aos estrangeiros no país, permitindo contestar as decisões das autoridades varguistas, com fundamento nas recomendações do CICV e nas normas internacionais de proteção. Em certa medida, isso possibilitou a defesa dos direitos e garantias fundamentais desses indivíduos, além de permitir o controle externo sobre as ações de Vargas, que, em 1942, foram fiscalizadas in loco por um observador internacional, Eric Haegler.
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Notas
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*
Este trabalho recebeu o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Proc. nº 08/57134-0) e foi elaborado a partir da comunicação apresentada no XV Encontro de Latino-americanistas Espanhóis (Madri, dezembro de 2012), sob o título “Migrações e direitos humanos: o Brasil diante do sistema internacional humanitário.
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1
A partir desta nota adotaremos a sigla CVI para nos referirmos à Cruz Vermelha Internacional, constituída pelas seguintes entidades: a Conferência Internacional, a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha, as Sociedades nacionais e o Comitê Internacional.
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2
Para Fábio Koifman, a política migratória adotada por Vargas levou o governo a viver o paradoxo de desejar atrair “boas” levas de imigrantes (selecionadas do ponto de vista eugênico) e, ao mesmo tempo, restringir ao máximo a entrada de “indesejáveis” (2012, p. 25-45).
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3
Apesar dos esforços, não pudemos consultar o Acervo da Cruz Vermelha Brasileira do Estado de São Paulo, cuja autorização foi solicitada em 21 de novembro de 2011, e para a qual não obtivemos resposta até o momento.
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4
A documentação relativa à Sociedade da Cruz Vermelha Brasileira e à Cruz Vermelha Internacional, sob a guarda do Arquivo Histórico-Diplomático do Itamaraty no Rio de Janeiro, está composta por maços temáticos que tratam a respeito de suas Convenções e reuniões, além de ofícios enviados por aquelas entidades ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Esta documentação está fragmentada e, frequentemente, faz menção à existência de anexos (cartas e relatórios) que não estão acostados aos ofícios. Em razão da confidencialidade de determinados temas, o MRE proibia a reprodução e restringia a circulação de ofícios ou telegramas secretos, que estavam reservados ao conhecimento de poucos funcionários, normalmente os chefes de seção. Lamentavelmente, ainda não pudemos ter acesso aos maços sobre a Cruz Vermelha Internacional que estavam considerados como secretos (Proc. nº 09200000309201260 instaurado em 1 de outubro de 2012 junto ao SIC – Serviço de Informação ao Cidadão, que foi implantado nos termos da Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12527 de 18 de novembro de 2011, regulamentada pelo Decreto nº7724 de 15 de maio de 2012).
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5
Sobre essa questão, Priscila Ferreira Perazzo demonstra que a Cruz Vermelha Internacional, por meio de seus delegados, fiscalizou as condições dos campos de internamento destinados aos alemães, italianos e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, bem como o tratamento dado a esses indivíduos, exigindo das autoridades brasileiras o respeito às normas do Direito Humanitário (2009, p. 77-96, 277-310). Outros trabalhos fazem referência à repressão àqueles indivíduos, mas não mencionam a atuação da Cruz Vermelha. Sobre a ação do governo Vargas contra italianos, citamos aqui as obras de Amado Luiz Cervo (2011, p. 234-237) e João Fábio Bertonha (2001, p. 260-267). E, de Ricardo Seitenfus a respeito do confisco de bens a título de indenização em razão dos ataques do Eixo contra navios brasileiros (2003, p. 296-301).
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6
Conforme Maria Luiza Tucci Carneiro, em 1944, o governo Vargas promoveu o lançamento do filme Refúgio, com a presença de samaritanas da Cruz Vermelha Brasileira que angariaram donativos aos refugiados na Europa. De acordo com a autora, a iniciativa do governo tinha finalidade política uma vez que pretendia confirmar o alinhamento brasileiro à causa Aliada (2010, p.289-292).
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7
Quando este artigo foi submetido à avaliação, e, aprovado, o Estatuto do Estrangeiro estava em plena vigência. Mas, atualmente, essa legislação está revogada (conforme o inciso II, do art. 124 Lei de Migração, de 24 de maio de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm>. Acesso em 1 fev.2018)
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8
Esse critério de seleção encontrava amparo nas leis de expulsão. Sobre essa questão, conferir: Anor Butler Maciel (1953).
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9
Cf. Decreto-lei n. 406, de 4 de maio de 1938. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=12803&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016; e Decreto n. 3082, de 28 de fevereiro de 1941. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3082-28-fevereiro-1941-413024-norma-pe.html>. Acesso em: 10 ago. 2016.
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10
Essas normas fundamentais estabeleciam o sistema de cotas por nacionalidade para entrar no país. Permitia-se o ingresso de até 2% sobre o total dos indivíduos de determinada nacionalidade fixados no país nos últimos cinquenta anos. Cf. parágrafo 6º do artigo 121 da Constituição Federal de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=93950&tipoDocumento=COF&tipoTexto=PUB10>. Acesso em: 10 ago. 2016; e artigo 151 da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=94882&tipoDocumento=COF&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016.
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11
Vários juristas brasileiros se posicionaram nesse sentido, entre eles: Hidelbrando Accioly (1958, p. 118); Clóvis Bevilácqua (1906, p. 119); Francisco de Paula Lacerda de Almeida (1907, p. 8); José Tavares Bastos (1924, p. 26-27); e Antonio Bento de Faria (1929, p. 26-27).
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12
Sobre a expulsão de estrangeiros durante a Primeira República, ver: Lená Medeiros de Menezes (1996).
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13
Deste total estão excluídas as expulsões clandestinas e outros métodos de exclusão do estrangeiro do Brasil que foram apresentados em nossa tese de Doutorado (FFLCH, 2008).
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14
Utilizamos aqui a tese defendida por Maria Luiza Tucci Carneiro, segundo a qual a postura dúbia das autoridades brasileiras frente à questão dos refugiados judeus pode ser explicada em razão da necessidade de compatibilizar a política imigratória mais “conveniente” ao desenvolvimento do Brasil com a imagem de país que estava integrado ao projeto humanitário, cuja liderança estaria a cargo dos Estados Unidos (2010, p. 111-146).
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15
Sobre a pretensão brasileira a fim de obter o assento permanente, ver: Eugenio Vargas Garcia (2011, p. 101-120).
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16
Em 1929, Augusto Vianna do Castelo, Ministro da Justiça, recusou o convite para enviar representante de seu Ministério à Conferência sobre o Tratamento dado aos Estrangeiros, promovida pela Liga das Nações. Aduziu não dispor de recursos para isso, e, também, que a legislação brasileira já havia incorporado a maior parte das medidas que seriam debatidas naquela conferência, sendo desnecessária a representação brasileira naquele foro internacional. Cf. Ofício n. 849 de Vianna do Castelo, Ministro da Justiça ao Ministro das Relações Exteriores. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1929. 352/5310. AHI/RJ.
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17
Entre 1939 e 1947, cerca de 53 milhões de pessoas. O número total foi muito superior à quantidade de refugiados no pós-Primeira Guerra (ANDRADE, 2005, p. 60-95).
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18
Sobre a participação do Brasil na Conferência de Evian, ver: Maria Luiza Tucci Carneiro (2010, p. 87-110).
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19
O primeiro documento normativo de caráter internacional foi a Convenção de Genebra de 1864, a partir da qual foi fundada a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, em 1880. Os princípios desta Convenção foram estendidos aos conflitos marítimos em 1927, e aos prisioneiros de guerra, em 1929 (COMPARATO, 2006, p.55-56).
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20
Cf. NAÇÕES UNIDAS. Organização Internacional do Trabalho. Convenção n. 29, de 1930. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 5 ago. 2016.
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21
Por exemplo, a que determinava ao inspetor oficial velar pelo respeito aos direitos do imigrante no momento da fiscalização para a entrada num país. Cf. art. 5º, n. 1, da Convenção n. 21 sobre a inspeção aos emigrantes, de 5 de junho de 1926. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312166:NO>. Acesso em: 10 ago. 2016. Também a que recomendava a presença de oficial (mulher) para prestar assistência moral e material às mulheres imigrantes que pretendessem desembarcar num país. Cf. NAÇÕES UNIDAS. Organização Internacional do Trabalho. Recomendação n. 26 sobre a proteção das emigrantes a bordo de vapores, de 5 de junho de 1926. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312364:NO>. Acesso em: 10 ago. 2016.
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22
Essas normas foram promulgadas no Brasil apenas em 1957, por Decreto n. 41721, de 25 de junho (COMPARATO, 2006, p. 56).
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23
São sete princípios que regem a Cruz Vermelha Internacional, a saber: humanidade, imparcialidade, neutralidade, independência, voluntariado, unidade e universalidade.
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24
A Sociedade da Cruz Vermelha Brasileira - criada pelo Decreto n. 2.380, de 31 de dezembro de 1910, com prescrições da Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893 - havia sido reconhecida oficialmente pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e acreditada junto aos Comitês Centrais de outras nações. Sobre o regime jurídico da Cruz Vermelha, ver: Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1946, p. 236-243). A localização desse artigo, bem como sua cópia digitalizada foram realizadas por funcionários da Biblioteca do Senado Federal.
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25
Cf. art. 1º do Decreto n. 23482 de 21 de novembro de 1933. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39920&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016.
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26
Há prontuário sobre a CV Alemã, no qual consta apenas a informação a respeito da censura postal realizada, em 1943, sobre carta remetida por aquela entidade à Estação Experimental de Produção Animal em Pindamonhangaba (que funcionou como campo de internamento durante a Segunda Guerra Mundial). Cf. Pront. n. 51639 – Cruz Vermelha Alemã. DEOSP/DAESP. E, também, prontuário sobre a CV Grega, junto ao qual está a solicitação de autorização para realizar a venda de fotografias da guarda do Palácio Real a fim de angariar recursos para as vítimas da guerra. Cf. Pront. n. 56162 – Comitê Pró Cruz Vermelha Helênica. DEOPS/DAESP.
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27
Consta no prontuário policial da CV Russa informação a respeito da investigação que seria realizada sobre o “Fundo Mrs. Churchill Pró-Auxílio à Cruz Vermelha Russa”, que, em 1943, teria sido autorizado pela Cruz Vermelha Brasileira a realizar festival em prol das vítimas de guerra (a pedido da CV Britânica já que a CV Russa não havia sido reconhecida pela CV Brasileira). Cf. Relatório n. 182 de Carlos Marques, Sub-Chefe de Ordem Social ao Delegado Adjunto à Seção de Investigação da Ordem Social. Departamento de Ordem Política e Social. São Paulo, 2 de julho de 1943. Cf. Pront. n. 48369 – Cruz Vermelha Russa. DEOPS/DAESP.
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28
Ary de Carvalho era diretor de empresa de radiodifusão. Em 1938, foi acusado pela polícia política paulista de envolvimento com republicanos espanhóis para facilitar a propaganda do comunismo no Brasil, sob pretexto de auxiliar a Cruz Vermelha Espanhola. Cf. Informação n. 1669/75 de Marcial Macias, Chefe do Arquivo Geral. Departamento Estadual de Ordem Política e Social. São Paulo, 22 de outubro de 1975. Pront. n. 72914 - Ary de Carvalho. DEOPS/DAESP.
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29
Decreto n. 23482 de 21 de novembro de 1933. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39920&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 10 ago. 2016.
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30
Ofício de Fernando de Mello Viana, Presidente do Comitê de Socorro às Vítimas de Guerra na Polônia, ao General Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, 13 de novembro de 1939, p. 1-2. 112/4/13. AHI/RJ.
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31
Ofício de João Moreira Garcez, Presidente da Filial da Cruz Vermelha no Estado do Paraná, ao General Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, 9 de novembro de 1939, p. 1-2. 112/4/13. AHI/RJ.
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32
Ofício de João Moreira Garcez, Presidente da Filial da Cruz Vermelha no Estado do Paraná, ao General Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, 9 de novembro de 1939, p. 1-2. 112/4/13. AHI/RJ; e, Ofício do Ministro das Relações Exteriores ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1939. 112/4/15. AHI/RJ.
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Sobre essa questão, conferir: Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira, Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1938, p. 2-3, 682/9999. AHI/RJ.
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34
Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira, Rio de Janeiro, 30 de junho de 1938, p.1. 112/4/13. AHI/RJ.
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Relatorio del Comité Internacional de la Cruz Roja y de la Agencia Central de Prisioneros de Guerra (1 de septiembre de 1939 al 31 de diciembre de 1941 (extraído de una publicación en francés del Comité Internacional de la Cruz Roja en Ginebra). Comité International de la Croix Rouge. Delegation en Amérique Latine. s/l, octubre, 1942, p. 10-11. 1894/36294. AHI/RJ.
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Relatorio del Comité Internacional de la Cruz Roja y de la Agencia Central de Prisioneros de Guerra (1 de septiembre de 1939 al 31 de diciembre de 1941 (extraído de una publicación en francés del Comité Internacional de la Cruz Roja en Ginebra). Comité International de la Croix Rouge. Delegation en Amérique Latine. s/l, octubre, 1942, p. 5. 1894/36294. AHI/RJ.
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Memorandum para o Chefe do Setor de Atos, Congressos e Conferências Internacionais. Secretaria de Estado das Relações Internacionais. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1942. 1894/36294. AHI/RJ; Memorandum para o Chefe da Divisão do Cerimonial. Secretaria de Estado das Relações Internacionais. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 16 de abril de 1942. 1894/36294. AHI/RJ e Ofício n. 319 de Álvaro Carlos Tourinho, Presidente da Cruz Vermelha Brasileira a Mauricio de Nabuco, Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1942. 112/4/13. AHI/RJ. Conforme Priscila Ferreira Perazzo, os alemães estavam sendo presos desde a ruptura das relações diplomáticas do Brasil com países do Eixo (2009, p. 99-104).
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Ofício de Eric Haegler, Delegado do Comitê Internacional da Cruz Vermelha a Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores. Comité International de la Croix Rouge. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1942, p. 2. 112/4/13. AHI/RJ.
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Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira, Rio de Janeiro, 30 de março de 1938, p. 2. 682/999. AHI/RJ.
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Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1937, p. 5. 113/4/3. AHI/RJ.
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Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 30 de março de 1938, p. 2. 682/999. AHI/RJ.
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42
O Brasil obteve porte livre do produto até Lisboa. Dessa localidade até a fronteira com a Espanha, o transporte foi realizado pela Cruz Vermelha Portuguesa, às custas do governo brasileiro. No território espanhol, a Cruz Vermelha Espanhola custeou a remessa dos sacos de café até Burgos. Apesar de enviado à Espanha em 1937, o café chegou ao seu destino final apenas no ano seguinte, em 1938. E, somente em 11 de março desse ano que o CICV confirmou a distribuição de 25 sacos para a Cruz Vermelha Nacional e de 25 sacos para o Auxílio Social. Na mesma oportunidade, o CICV teria lamentado o extravio do produto durante tanto tempo e explicado que somente foi localizado graças à ação do Delegado do CICV e da Cruz Vermelha de Burgos. Cf. Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 29 de abril de 1938, p. 3-5. 682/999. AHI/RJ. Conforme o historiador Ángel Viñas Martín, parte da fortuna do ditador espanhol Francisco Franco foi constituída com a venda de grãos de café (600 mil quilos) que haviam sido recebidos por doação de Getúlio Vargas, em 1939. O produto foi vendido à Comisaría de Abastecimientos y Transportes (CAT), por meio de esquema denominado por Viñas como “Operação Café”. O valor da transação (7.536.140,80 pesetas – que correspondem a cerca de 85,6 milhes de euros de 2010) deveria ter sido depositado na conta “Donativos procedentes do Brasil” a fim de ser utilizado em obras de caráter social e beneficente. Entretanto, a importância foi diretamente para uma das contas de Franco (MARTÍN, 2015). Cabe ressaltar que na documentação consultada para a elaboração deste artigo não encontramos outras referências sobre doações de café à Espanha por intermédio da Cruz Vermelha Brasileira - questão que poderá ser elucidada a partir de pesquisas futuras.
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Por este fato, e, também, em razão de seu posicionamento em favor da República, Barbeito foi expulso do Brasil em 4 de outubro de 1938. Cf. Pront. 4817 – Andrés Rodrigues Barbeito. DEOPS/DAESP. Na Espanha, respondeu a processo administrativo instaurado junto ao Ministério de Assuntos Exteriores (MAE).
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Recordo aqui o caso do espanhol José Maria Alvarez Perez, expulso em março de 1938, e, que, pelas circunstâncias, foi obrigado a deixar o Brasil. Desde aquela ocasião, sua filha, que hoje conta com 88 anos de idade, espera notícias sobre o paradeiro de seu pai. Apesar dos inúmeros esforços empreendidos por esta autora junto aos Arquivos brasileiros e espanhóis, ainda não foi possível esclarecer o que ocorreu a José Maria ao regressar à Europa, se foi ou não capturado pelas forças nacionalistas, ou se faleceu em combate ao se incorporar ao Exército Republicano.
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Carta de S. Alonso, Presidente, e José Prieto H., Secretário, ao Presidente da República do Brasil. Sociedad Española de Socorro Mutuos. Mendoza, 16 de agosto de 1939. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 200. ANRJ.
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Ofício de Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores, a Getúlio Vargas, Presidente da República. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1939. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 200. ANRJ.
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Parecer de Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores, a Getúlio Vargas, Presidente da República. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1942. Gabinete Civil da Presidência da República/MRE, lata 341. ANRJ.
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Quando estrangeiros, esses indivíduos foram expulsos do Brasil como os casos do português Alfredo Augusto e do polonês Alexandre Dymeck (RIBEIRO, 2012, p. 251-255).
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Relatório do mês de novembro de 1937, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1937, p. 4. 112/4/13. AHI/RJ.
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50
Relatório do mês de novembro de 1937, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1937, p. 4. 112/4/13. AHI/RJ; e, Relatório do mês de novembro de 1938, de Arthur de Alcântara, Técnico Adjunto dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1938, p. 1. 682/9999. AHI/RJ.
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Relatório do mês de fevereiro de 1938, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1938, p. 4. 682/9999. AHI/RJ.
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Relatório do mês de fevereiro de 1938, de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1938, p. 4. 682/9999. AHI/RJ.
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53
Na documentação, há somente a indicação de que Dulphe Pinheiro Machado encaminhou à Cruz Vermelha Brasileira a legislação sobre a entrada de estrangeiros e o prontuário sob o título “Legislação imigratória brasileira e informações úteis aos estrangeiros, decisões úteis aos estrangeiros, decisões e jurisprudência”. Cf. Relatório de Carlos Eugênio Guimarães, Secretário dos Serviços Internacionais ao Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Seção de Serviços Internacionais. Cruz Vermelha Brasileira. Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1938, p. 2. 112/4/13. AHI/RJ.
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54
Sobre as circulares secretas, ver: Maria Luiza Tucci Carneiro (2011, p. 124-143).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2018
Histórico
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Recebido
17 Ago 2016 -
Aceito
15 Abr 2017