RESUMO
A historiografia sobre os primeiros três séculos da história do Brasil tem sido vincada, nas últimas duas décadas, por um acirrado debate entre duas correntes de interpretação de nossa formação colonial, a saber, a do Antigo Sistema Colonial e a do Antigo Regime nos Trópicos. Além de indicar as principais linhas de formação historiográfica de cada uma dessas vertentes, o presente artigo enfatiza os aspectos de discordância entre ambas no que diz respeito à definição da dinâmica da sociedade e economia do Brasil colonial, sobretudo as críticas que a vertente Antigo Regime nos Trópicos consolidou. Desta forma, argumenta-se, aqui, que a divergência entre ambas se deve ao aprofundamento que a revisão e crítica dos argumentos do Antigo Sistema Colonial sofreram em razão da influência da Antropologia Econômica e do distanciamento do marxismo, levando à consolidação de uma interpretação em oposição àquela, baseando-se no conceito de arcaísmo.
Palavras-chave:
Historiografia; História do Brasil Colonial; Antropologia Econômica
ABSTRACT
The Historiography on the first three centuries of Brazil’s history has been marked, in the previous two decades, by an acute debate between two currents of analysis on our colonial background, namely, the one known as Old Colonial System and, the other, the Ancien Régime in the Tropics. Besides pointing out the main historiographic lines from which those currents stem, the article highlights the main divergences between these approaches, particularly concerning the definition of the dynamics of colonial Brazil’s economy and society. Thus, the argument goes, the wide divergence between those currents is due to the deepening observed in the revision and critics about Old Colonial System approach, which can be related to the influence of Economic Anthropology and the detachment of Marxism. This revisionism leads to the setting of an opposite line of approach, based on the concept of archaism.
Keywords:
Historiography; History of Brazil Colonial; Economic Anthropology
O artigo pretende apresentar, de forma sintética, as origens historiográficas da abordagem que vincula a formação nacional ao Antigo Sistema Colonial, apontando as principais características dessa vertente, seja nos aspectos propriamente históricos, seja nos teóricos. Em seguida, indicaremos, igualmente, as origens das críticas historiográficas àquela abordagem, apontando as suas mais influentes contribuições, bem como os seus pressupostos teóricos e os fatores que consideram relevantes na abordagem que, a partir do viés do Modo de Produção Colonial, veio dar na vertente conhecida por Antigo Regime nos Trópicos2 2 Desnecessário dizer (mas melhor dizer, mesmo assim) que não serão citadas ou discutidas todas as influências de cada uma dessas linhas de análise, o que não seria possível num artigo e que, mesmo num texto de mais fôlego, talvez não passasse de um inventário. . O foco incide no que se podem considerar as linhas mestras de cada uma destas vertentes historiográficas. Deste modo, o artigo pretende ser, por um lado, uma introdução à análise das duas mais relevantes correntes da historiografia econômica sobre o Brasil colonial (e, portanto, pode bem incorrer em obviedades) e, por outro, dar alguma contribuição ao debate, nem sempre bem informado, que as tem envolvido. Enfatize-se, de saída, que o foco incide sobre a história econômica e não sobre todos os temas e objetos da historiografia colonial (embora alguns deles serão mencionados de forma colateral ao tema central), o que me exime de abordar autores e debates importantes relacionados a essas duas vertentes.
Acompanhando essas duas trajetórias, pode-se perceber como divergências que, de início, cingiam-se a um campo comum de abordagem - já que se tratava de uma questão de ênfase nos elementos da interpretação marxista sobre as origens do capitalismo -, deram origem a um novo paradigma, devido, particularmente, à influência de outras perspectivas historiográficas e de outras vertentes de abordagens sócio-históricas. Argumentarei, além disso, que a transformação de uma divergência entre historiadores marxistas numa oposição radical entre um e outro paradigma está relacionada a uma mudança epistemológica, que não diz respeito apenas à disciplina ou ao tema aqui em análise.
Do(s) sentido(s) da colonização.
A formação de um paradigma: da sociedade patriarcal à economia colonial.
Antes da chamada geração de 30, o trabalho mais influente sobre a natureza da colonização portuguesa na América foi o de Oliveira Vianna, que estabeleceu o “clã patriarcal” como a base do tipo de sociedade que aqui se estabeleceu (VIANNA, 1925VIANNA, Francisco José de Oliveira. O Ocaso do Império. São Paulo: Melhoramentos, 1925.)3 3 Sobre sua obra: CARVALHO, 1993, p. 13-42; LEITE, 2002, p. 290-304. . Não obstante as críticas explícitas ou veladas que os autores da geração seguinte lhe fizeram, um elemento da análise de Oliveira Vianna aparece nos três principais autores dos anos 1930/1940: o papel central desempenhado pelo particularismo alicerçado no clã patriarcal. Como assinala Paulo Arantes, os autores das décadas de 1930 a 1950 têm em comum uma preocupação incisiva com a formação da sociedade brasileira4 4 Note-se que a palavra “formação” aparece nos títulos ou subtítulos de obras fundamentais, como as de Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, Celso Furtado, Raymundo Faoro e Antonio Candido. , o que lhes confere um “ar de família” (ARANTES, 1997ARANTES, Paulo Eduardo. Providências de um crítico literário na periferia do capitalismo. In: ARANTES, Paulo Eduardo; ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Sentido da formação: três estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Melo e Sousa e Lucio Costa, São Paulo, Paz e Terra, 1997, p. 11-63.). O predomínio dos interesses privados sobre os públicos (que, em alguns daqueles clássicos, consubstanciou-se pelo predomínio do clã patriarcal) no período colonial foi um aspecto central enfatizado por essa geração de autores.
Todavia, outra linha de renovação dos estudos sobre a história do Brasil seria mais influente na formação do paradigma do Antigo Sistema Colonial (ASC). A ênfase de Caio Prado no caráter extrovertido da economia colonial, no seu papel de fornecedora de gêneros tropicais para o mercado europeu, no qual ele identificou, visto à distância, o “sentido da colonização” (PRADO JÚNIOR, 1961PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. [1942]. 6ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961.), tornou-se um dos alicerces da historiografia mais destacada dessa vertente. Um aspecto seminal da análise de Caio Prado Jr. sobre o nosso passado colonial consiste na vinculação do escravismo à modernidade, tratando-o como um desdobramento do desenvolvimento econômico mercantil europeu (SCHWARZ, p. 94).
O outro pilar foi assentado por Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado, de que alguns elementos permearam as análises segundo a linha do Antigo Sistema Colonial. Fruto de uma análise keynesiana e estruturalista da economia colonial5 5 A qual, a despeito das mudanças políticas, Furtado considera como basicamente inalterada até a Primeira República. , o trabalho de Furtado apontava para o predomínio da produção exportadora como origem do multiplicador da economia da colônia, ou seja, como responsável pelo impulso que punha em movimento os demais setores produtivos. Enfatizou o caráter extrovertido de sua oferta e de sua demanda, isto é, a dependência econômica do mercado externo e, consequentemente, a tendência a transferir os impulsos de seu crescimento quantitativo para outras economias, quer dizer, aumentar as importações de manufaturados nos momentos de alta nas exportações. Essa característica, por sua vez, derivava do monopólio da renda por uma pequena elite que mimetizava os padrões de consumo de sociedades mais desenvolvidas (a partir do padrão do “fluxo de renda”; FURTADO, 1976FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 14ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 78-83)6 6 Uma análise sucinta, mas extremamente esclarecedora, da estrutura e do significado de Formação Econômica do Brasil encontra-se em BIELSCHOWSKI, 2004, p. 162-79. . Além da enorme influência no pensamento econômico brasileiro das três décadas seguintes, a “obra-prima do estruturalismo brasileiro” “criou uma metodologia estruturalista de análise da história de países periféricos” (BIELSCHOWSKY 2004, p. 163-4). Esses elementos foram retomados nas análises posteriores que enquadraram a colonização do Brasil no ASC.
No entanto, não podemos forçar demais esta relação entre as duas análises em tela. Podemos ter uma primeira aproximação de como Fernando Novais assimilou as lições da Formação de Furtado recorrendo ao que afirmou sobre o livro: “o mais recente esforço de análise do processo histórico de formação da economia brasileira, está destinado a se tornar desde logo um grande clássico, dado o alto nível de seu esquema explicativo e a riqueza de suas sugestões” (NOVAIS 2010 [1961], p. 273). Ao mesmo tempo em que lhe reconhece a importância, o autor aponta o que considera algumas insuficiências analíticas da obra, argumentando ser “impossível desvendar esse processo de constituição da economia capitalista no Brasil sem integrá-lo como um elemento do processo geral de formação e desenvolvimento do capitalismo moderno” (NOVAIS 2010 [1961], p. 275). Destarte, já se delineava a abordagem futura do autor sobre a economia colonial brasileira, revelando o que teria de tributária da análise furtadiana, mas, igualmente, no que dela divergia:
Não resta dúvida de que este livro traz uma notável contribuição no sentido de explicar as relações da economia brasileira com o mercado mundial nas várias fases de sua história, mas as vinculações sistemáticas se inserem num outro nível. Assim, seria preciso analisar a posição das economias escravistas coloniais, e a do Brasil entre elas, geradas dentro do sistema capitalista numa fase de sua formação (NOVAIS 2010 [1961], p. 274-5; grifo acrescentado).
O arremate deste argumento não poderia ser mais claro acerca do que o autor tinha em mente: “Pensamos, por exemplo, na penetrante análise de Eric Williams sobre a realização deste processo nas Antilhas inglesas” (NOVAIS 2010 [1961], p. 275). Acrescente-se que a Teoria da Dependência e as críticas cepalinas às trocas desiguais no mundo contemporâneo também permeiam sua abordagem7 7 Da CEPAL, seria apropriado o conceito empregado por Raul Prebisch e outros de “trocas desiguais” como fundante das relações entre o centro e a periferia, que constituem o par fundamental do pensamento cepalino (PREBISCH, 1949; BIELSCHOWSKY, 1998, p. 16). Uma vez que são temas muito conhecidos e debatidos, remeto, sobre a análise cepalina, a BIELSCHOWSKI, 2004, p. 13-29; e quanto à teoria da dependência, a GOLDENSTEIN, 1994 e MANTEGA, 1997. .
Vejamos, após esta breve exposição das influências da abordagem que examinamos, como elas podem ser percebidas na historiografia. Não esmiuçarei o principal trabalho da linha do Antigo Sistema Colonial, pois já é por demais conhecido. Pretendo indicar onde e como aparecem as influências mais fundamentais na obra. Esta vertente tem na tese de doutorado de Fernando Novais o texto que a consolidaria, como afirma um dos principais autores desta linha interpretativa: “A Caio Prado Júnior e, sobretudo, a Fernando Antônio Novais, deve-se a fixação dos paradigmas referenciais que conduziram à conceituação de um determinado sistema colonial da época moderna” (ARRUDA, 2000, p. 246).
Antes de tornar-se um livro, um trecho da tese de Novais apareceu como um dos Cadernos Cebrap, intitulado Estrutura e dinâmica do Antigo Sistema Colonial (1974). Os mesmos argumentos também foram apresentados em O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial8 8 In: DIAS; MOTA, 1971, p. 47-63. ([1971] 2005). Nesses trabalhos percebem-se, além das influências acima mencionadas, outras que não se restringem à historiografia nacional. Além de análises setecentistas (Reynal) e oitocentistas (Wakefield)9 9 Deste autor, já citado por Marx, tornou-se influente a tese da “fronteira aberta” como fator explicativo para o predomínio do trabalho compulsório na América colonial; um economista, Evsey Domar, mais recentemente, formulou tese análoga, acrescentando-lhe outras variáveis; sobre essa formulação e a defesa de sua validade para explicar a origem do escravismo colonial, cf. SOLOW, 1987, p. 56-7. , Novais demonstra seguir de perto análises clássicas da colonização moderna: uma delas consiste na abordagem da colonização moderna - em particular a inglesa - referida como Old Colonial System, que pode ser exemplarmente percebida na obra de George Beer (1912BEER, George. The Old Colonial System, Vol. 1. Nova York: The MacMilan Company, 1912.); a outra é tributária das teses de Eric Williams (1975WILLIAMS, Eric E. Capitalismo e Escravidão. (Trad.) Rio de Janeiro: Americana, 1975.).
George Beer foi responsável por popularizar a expressão Old Colonial System10 10 Ao que parece, o primeiro livro assim intitulado foi publicado em 1905: G. B. Hertz. The old colonial system. Manchester: University Press, 1905, mas seu tema não é o funcionamento do Antigo Sistema Colonial inglês, e sim a opinião pública contemporânea a respeito do mesmo. (SIOUSSAT 1906). em relação à expansão colonial inglesa na Idade Moderna, e suas proposições mostram similaridade com algumas do estudo de Novais. Se Novais concorda com Beer ao afirmar que “a legislação colonial, na realidade, o que procura é disciplinar as relações concretas, políticas e sobretudo econômicas” (NOVAIS 1979, p. 58), e quanto à função das colônias segundo o pensamento mercantilista (NOVAIS, p. 216 e ss) 11 11 Sem esquecer que Novais aponta as peculiaridades do mercantilismo português no período de crise do sistema. , ele vai além na relação da colonização com a economia moderna, como se verá mais à frente.
Tal relação havia sido defendida pelo historiador trinidadiano Eric E. Williams. Em seu eminente trabalho, originalmente também uma tese de doutorado, Williams desenvolveu a análise histórica da acumulação primitiva de capital no seu aspecto relacionado à “colonização moderna”12 12 A referência clara do autor é K. Marx. No entanto, há indicações de que ele foi muito influenciado por outro autor: Wilson E. Williams, autor de Africa and the Rise of Capitalism (1938). Cf. MORGAN, 2000, p. 32-3. Segundo Peter Hoggs, “[Wilson E.] Williams argues that the development of England as a capitalism power was based mainly on the slave trade”. HOGGS, 1973, p. 105. Eric Williams já havia apresentado um resumo de seus argumentos num artigo: WILLIAMS, 1943, p. 67-85. E. Williams inscreve-se numa linha de abordagem que enfatiza o papel da “revolução comercial” no advento da industrialização inglesa; INIKORI, 2000, p. 51-6. . Destarte, procurou demonstrar a contribuição da colonização inglesa no Caribe para o desenvolvimento econômico daquele país, ou seja, a revolução industrial13 13 Recentemente, Joseph E. Inikori argumentou que esta é a tese secundária do livro, enquanto a principal é outra com ela relacionada: a de que a ascensão do capitalismo tornou o escravismo colonial um fardo para a Inglaterra, daí o abolicionismo. INIKORI, 2002, p. 5-6. .
No entanto, a partir da leitura daqueles autores, Novais apresentaria uma tese bem mais ampla. Em relação ao trabalho de Caio Prado, o autor ampliou sua perspectiva, ao incluir o “sentido da colonização” na formação da economia capitalista contemporânea, isto é, considerar que a função do Brasil (e demais colônias tropicais) ao fornecer bens demandados pelo mercado europeu era de contribuir para a consolidação do capitalismo como sistema emergente. Já em relação às abordagens daqueles outros dois autores, Novais também deu um passo à frente: em Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial, embora se concentrando na colonização portuguesa, considera-a uma das linhas da colonização moderna no Atlântico; da mesma forma, inclui o Brasil nas mesmas tendências que presidiram a colonização em toda a América (exceção feita à parte da América continental britânica)14 14 Em Beer, igualmente, as colônias inglesas continentais “nortistas”, a Nova Inglaterra, não se adequavam ao padrão das colônias ideais, por suas características produtivas; BEER, The Old Colonial System, p. 319-20. , ou seja, ampliou-se o escopo geográfico para incluir os dois lados do Atlântico como partes de uma única formação econômica15 15 Embora MORGAN (2000, p. 31) afirme que a originalidade de Eric Williams consista em sua abordagem de forma conjunta do desenvolvimento econômico de quatro continentes, Capitalismo e Escravidão restringe-se a analisar as relações entre a Inglaterra, o tráfico escravista e suas colônias americanas, pouco mencionando as demais colonizações. .
Para o autor, enfim, a expansão europeia moderna constituiu pré-condição do desenvolvimento de um sistema econômico que terminaria por englobá-la. Assim, as relações entre as partes e o todo são dialéticas (e não “dicotômicas” como afirmaram alguns autores), de pertencimento mútuo e de negação, como aponta Roberto Schwarz: “Contra o preceito corrente, que manda situar a história local no seu contexto mais amplo, cuja compreensão não está em jogo por sua vez, Novais busca ver os âmbitos um no outro e em movimento”16 16 SCHWARZ, 1999, p. 96. . Mencione-se que, assim como Williams, Novais parte da análise marxista da “acumulação primitiva de capital”, enfatizando o papel da exploração colonial, que considera “a principal alavanca do capitalismo moderno” (NOVAIS 1979, p. 70). Da mesma forma, vincula a colonização mercantilista à transição de feudalismo ao capitalismo, transição que é quase sinônimo de Idade Moderna, no que segue de perto os argumentos de Maurice Dobb (NOVAIS, 1979, p. 63-70) 17 17 O trabalho de Dobb, diversas vezes citado, é o clássico Studies in the Development of Capitalism [1946], cujo título foi mal traduzido como A Evolução do Capitalismo. A enorme influência desse trabalho entre os estudiosos da história econômica moderna compreende-se por ter sido ele o “first compreheensive study in English of a theme raised by Marx himself and by practitioners of economic history […] - the nature of the transition from feudalism to capitalism”. ATLEY; MCFARLANE, 2001, p. 64. Dele se disse, também, “Dobb’s work was not only theoretically pioneering, but in so far as Studies reinvigorated research and discussion on the genesis of capitalism, it was historically pioneering as well”. KAYE, 1995, p. 68. .
Saliente-se que o Antigo Regime também é considerado elemento fundamental na análise de Novais, dado que adota uma perspectiva marxista renovada (à época) em que a economia e a política são abordadas de forma integrada e não como se esta fosse mero reflexo daquela18 18 Sobre a contribuição de Maurice Dobb para esta renovação, cf. KAYE, 1995, p. 68. . Todavia, o que interessa ao autor nos aspectos políticos da Idade Moderna é indicar como o Antigo Regime constituiu o “quadro institucional que permitiu a formação e cristalização da etapa mercantil do capitalismo”19 19 NOVAIS, 1979, p. 13. - o que não significa reduzi-lo a epifenômeno da economia, mas introduzi-lo num todo que articula os vários níveis da realidade (NOVAIS 1979, p. 63). Em suma, ao incluir o Antigo Regime em seus argumentos, Novais ressalta, sobretudo, o seu viés moderno e de fautor do capitalismo em ascensão20 20 Novais continua uma senda clássica de abordagem da relação entre o “centro” do capitalismo e as economias menos desenvolvidas; como afirma François Chesnais, acerca das análises precursoras do Imperialismo (Hobson, Lênin, Luxemburgo, Hilferding, Trotsky, Bukhárin) todos concordam “num ponto metodológico fundamental: a unidade da economia mundial, no sentido de uma integração cada vez mais estreita de todas as suas partes, num sistema de relações moldado pelo capital e dominado pelos países capitalistas centrais”. CHESNAIS, 1996, p. 48. .
Essa corrente da historiografia do Brasil colonial, portanto, tem enfatizado as relações hierárquicas entre Portugal e o Brasil (como, de resto, entre as demais metrópoles e suas colônias), sendo bastante marcada pela conceituação cepalina das relações entre centro e periferia e o viés estruturalista da leitura de Celso Furtado. Um comentário de José Jobson Arruda sobre a historiografia colonial da primeira metade dos anos 1960 vem a propósito aqui: o autor afirma que, naquela conjuntura da história recente do Brasil, houve uma “identificação simbólica entre o antigo sistema colonial e o capitalismo periférico” (ARRUDA, 2001, p. 256).
Mesmo trabalhos não tão marcados por essa perspectiva, embora com matrizes conceituais em comum, enfatizam a escravidão como a forma dominante de relações sociais, à luz da qual todas as demais relações são compreendidas, como no trabalho extremamente influente de Stuart Schwartz (1988), cujo título original, observe-se de passagem, contém a palavra formação.
Dos novos sentidos e a historiografia revisionista.
Críticas à perspectiva do ASC e a genealogia do revisionismo: a internalização do sentido.
Uma renovação nas abordagens da historiografia colonial começou, em parte, com uma crítica apenas parcialmente contrária à perspectiva do ASC. Logo após a edição da tese de Novais, Ciro Flamarion Cardoso criticou o que considerava no autor (e em Immanuel Wallerstein) uma “preocupação excessiva com a extração do excedente”. Embora o autor não rejeitasse a relevância da subordinação colonial, uma vez que as sociedades da América Latina surgiram como “anexos complementares da economia europeia” (CARDOSO, 1982, p. 63), chamou a atenção para a importância de se estudarem os aspectos internos da economia colonial, “suas especificidades e seu funcionamento” (IBID.). Ao criticar a abordagem daquele autor, Cardoso apontava para as limitações que o enfoque trazia à compreensão da “racionalidade que aquele sistema apresentava para os homens que foram seus contemporâneos” (CARDOSO, BRIGNOLI, 1984, p. 71)21 21 Essas considerações são tão próximas das que estão no artigo de Cardoso de 1980 que é justo atribuí-las ao autor. .
Atendendo a essa sugestão foi que Jacob Gorender elaborou o Escravismo Colonial, numa leitura, até certo ponto, mais ortodoxa da formação colonial pelo viés marxista, ao considerar a economia colonial como um modo de produção (ou seja, com suas próprias leis internas)22 22 O que, já antes, fora criticado como teoricamente equivocado por GIANOTTI, 1976, p. 163-8. . O autor pretendia superar o que chamou de “enfoque unilateral de conhecida corrente historiográfica” (GORENDER, 2016GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016. [1983], p. 236). Assim, a colônia começava a ser pensada não apenas (pois permanece o fato colonial como pano de fundo) como tendo sua formação atrelada à dinâmica da economia ocidental (ou do capitalismo em formação), mas tendo uma dinâmica interna, embora ainda calcada no escravismo.
Deve-se, também, à influência de Maria Yedda Linhares o deslocamento do olhar historiográfico dos setores exportadores de commodities para a produção de subsistência e abastecimento interno. Há quatro décadas, a autora argumentava pela necessidade de pesquisar este último ramo, para “revelar a face oculta do Brasil” (LINHARES, 1979, p. 110). Assim, propunha uma agenda de pesquisa que revelasse as “diversas realidades locais comandadas por outros fatores que não o comércio internacional” (LINHARES, p. 122).
Saliente-se, por fim, que o debate ainda estava cingido à teoria marxista, pois havia uma discordância de ênfase nos fatores internos ou externos e na utilização de determinados conceitos marxistas para entender a sociedade e economia coloniais e seus vínculos com a economia europeia.
A corrente historiográfica crítica da abordagem do ASC, que viria, enfim, se desdobrar em novas abordagens que rejeitam essa perspectiva, constitui-se da convergência de tendências historiográficas distintas e, mesmo, independentes. Acima já mencionamos aquela que julgamos ser o seu ponto de partida, a saber, a do modo de produção colonial. No entanto, a esta influência vieram somar-se outras, que, inclusive, tinham por referência teórica tendências distintas ou opostas ao materialismo histórico23 23 Recentemente, Rafael Marquese sintetizou a trajetória que deu origem às novas abordagens historiográficas sobre a economia escravista no Brasil; portanto, limito minha abordagem deste tema e remeto ao artigo MARQUESE, 2013, 225-9. Concentro-me em aspectos que não foram foco do autor. .
Do ponto de vista mais amplo das mudanças observadas no campo das humanidades, em particular na História, nos anos 80, o revisionismo na historiografia colonial também se deve à crise dos paradigmas clássicos, em particular daquilo que se chamou de metanarrativa24 24 Cf. WOOD, 1999, p. 12-4. . A partir da crítica às teorias universalizantes ou totalizantes, a história voltou, por exemplo, a utilizar a narrativa, o que facilitou a adoção de temas e objetos cuja escala não se localizava mais nas grandes visadas da historiografia clássica sobre o Brasil colonial (HOBSBAWM, 1998HOBSBAWM, Eric J. A volta da narrativa. In: HOBSBAWM, Eric J. Sobre história. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 201-206., p. 201-206).
Outra influência veio de uma corrente bastante alheia aos temas correntes de nossa historiografia. Os estudos de história do Direito em Portugal, capitaneados pela obra seminal de António Manuel Hespanha (1994HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal - século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.), seguido de outros, como Pedro Cardim (1998), com sua ênfase no caráter tradicional da política do Antigo Regime (governo polisinodal, visão corporativa da sociedade, o papel central da “juridização” na política - tribunais, juntas), embora tivesse por objeto o reino de Portugal, acabou por influenciar a historiografia do ultramar. Isso redundou no abandono da concepção da Idade Moderna (ou do Antigo Regime) como de transição entre as formas medievais e as capitalistas, rejeitando, portanto, a noção contemporânea de Estado como inadequada para entender a política daquela época25 25 A questão está resumida em FRAGOSO, 2013, p. 26-7. . Embora este seja um dos elementos que levaram à crítica à perspectiva do ASC a se radicalizar (SOUZA, 2006SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra. São Paulo: Cia das Letras, 2006., p. 58), não me parece que ela tenha sido relevante nas mudanças que se observam no campo da história econômica do período colonial.
É nos estudos dentro desse campo que iremos encontrar as sementes da perspectiva que se construiu no embate com o ASC. Nas respectivas teses de João Luís Fragoso e Manolo Florentino, ainda estamos dentro do debate marxista, ao menos no uso dos conceitos e na terminologia, dado que o papel do capital mercantil (ainda que “residente”) é enfatizado como definidor do comércio colonial, e a análise das estruturas de produção do “agro fluminense” é feita à luz do conceito de formação econômico-social.26 26 A terminologia e a abordagem marxista são particularmente fortes em Homens de Grossa Aventura. Ainda que não negasse “que a economia colonial não fosse escravista e exportadora [...] nem que estivesse subjugada às conjunturas do mercado internacional”, Fragoso insistiu na autonomia da reprodução da economia escravista frente às conjunturas externas graças ao papel hegemônico do escravismo na formação econômico-social em que, segundo o autor, constituía-se a economia colonial, extraindo sobre-trabalho dos demais “modos de produção” que a constituíam (FRAGOSO, 1998FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de Grossa Aventura. Acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2ª. ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998., p. 25-6, citação na p. 25)27 27 Sobre o uso dessa categoria marxista, ver a longa introdução teórica de GORENDER, 2016, p. 49-81. .
Já no Arcaísmo como projeto, trabalho conjunto daqueles mesmos autores, verdadeiro ponto de partida de uma nova abordagem do período colonial, o campo conceitual é outro. No caminho que vai das referidas teses até a publicação do Arcaísmo, os autores tiveram um encontro com a antropologia econômica de Karl Polanyi e saíram dele transformados. Assinala-se neste trabalho uma influência da Antropologia sobre a compreensão do econômico no mundo pré-capitalista, claramente inspirada nas reflexões de Polanyi sobre a concepção “substantivista” da economia. Polanyi distinguiu entre uma abordagem “formal” e outra “substantiva” da economia. Àquela corresponde uma análise da economia segundo uma escolha racional entre meios e fins: “A ação racional é definida aqui como uma escolha de meios em relação aos fins” (POLANYI, 1992POLANY, K. The Economy as an instituted process. In: GRANOVETTER, Swedberg. The Sociology of Economic Life. Colorado: Westview Press, 1992, p. 29-52., p. 33)28 28 Rational action is here defined as choice of means in relation to ends. . O pressuposto dessa análise é que os meios são escassos e, portanto, uma escolha lógica é aquela induzida por essa situação (POLANYI 1957, p. 243-6), ou seja, opta pelo meio que proporcionará melhor rendimento dos fatores em relação aos fins.
A segunda concepção, da “economia substantiva” ou como “um processo instituído”, procura entender a lógica própria das economias não-capitalistas, analisando precisamente o que faz delas economias cuja lógica e racionalidade não se coadunam com o capitalismo, ou seja, economias nas quais o mercado não é o princípio integrador (POLANYI, 1957, p. 243-4; DALE, 2011, p. 110, 112-114). Polanyi insistiu na inadequação do sentido “formal” da economia para compreender as sociedades onde o mercado não era a instituição dominante: “Outside of a system of price-making markets economic analysis loses most of its relevance as a method of inquiry into the working of economy” (POLANYI, 1957, p. 247). Assim, o sentido “substantivo” seria o mais adequado à pesquisa das ciências sociais, em razão do que se segue:
A descoberta mais importante nas recentes pesquisas históricas e antropológicas é que a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações sociais. Ele não age desta forma para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens materiais, ele age assim para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais, seu patrimônio social (POLANYI [1944], p. 65).
Ao abordarem a economia colonial do Brasil, ainda que a partir de seu período tardio, Fragoso e Florentino incorporaram a perspectiva substantivista de Polanyi, deixando claro que tipo de história econômica tinham em mente:
Não se engane o leitor, imaginando que este livro possa ser confundido com uma análise “econômica” no sentido restrito do termo. Pois sua idéia central é a de que a natureza arcaica da formação colonial tardia impede que a economia possa ser apreendida por si mesma, i.e., sem levar em conta os aspectos não-econômicos que informavam seu funcionamento (FRAGOSO e FLORENTINO, 2001FRAGOSO, João Luís Ribeiro; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840. Rio de Janeiro: Record , 2001., p. 18).29 29 A primeira edição é de 1993; na edição seguinte, houve pequenas, mas significativas, modificações, como a introdução no subtítulo da expressão “economia colonial tardia”; houve alterações, também, no sumário; entre elas, a substituição da expressão “economia colonial autônoma” por “economia colonial tardia”.
Os autores entendem a economia do Brasil colonial como parte de uma sociedade “arcaica”, no sentido “polanyiano”, isto é, na qual as operações de produção e troca não visam ao ganho material em si, mas, por estarem “encravadas” (embedded)30 30 Sobre o conceito de embeddedness, cf. DALE, 2011, p. 92-4. BLOK, 2003, p. 276, 282-3. nas relações sociais, às quais se subordinam, têm por objetivo a reprodução da estrutura social, a despeito de mecanismos de mercado, tais como preços ou oferta e demanda. No entanto, no sentido substantivo, a economia é entendida como um conjunto de operações que, ainda que visem à manutenção do status quo e, assim, ao abastecimento das classes não-produtoras, visa também a garantir a subsistência dos produtores, livrando-os de dependerem do mercado para a sua reprodução (DALE, 2011, p. 114, 145, 148). Fragoso e Florentino parecem ater-se mais ao primeiro objetivo da economia em sociedades arcaicas, isto é, ao de mecanismo de reprodução da hierarquia social excludente, que consideram a marca da sociedade colonial e, mesmo, pós-colonial (FRAGOSO, 2002, p. 11 e ss.)31 31 Tais características relacionam-se, também, às marcas de construção da sociedade e do Estado lusitanos da Idade Moderna, igualmente vincados por uma mentalidade pré-moderna, a ponto de que a expansão ultramarina ibérica ser atribuída a “motivos que hoje chamamos de morais-religiosos”. FRAGOSO, 2013, p. 33 A afirmação é repetida literalmente em FRAGOSO. In: FRAGOSO; GOUVÊA, 2014, p. 19. . Essa linha de interpretação reitera o caráter “arcaico” das economias pré-industriais (incluindo a da América Portuguesa), onde o mercado “estava longe de ser regulado apenas pelas leis da oferta e da procura, pois se pautava também por relações políticas”32 32 GUEDES In: FRAGOSO; GUEDES; KRAUSE, 2013, p. 101. .
A abordagem substantivista da economia colonial levou os autores a desvincularem as vicissitudes daquela do mercado atlântico centrado na Europa. Uma vez que a produção colonial, incluindo a destinada à exportação, não visava, primordialmente, ao lucro, mas à reprodução do status dos senhores de homens e terras, a demanda europeia e, com ela, a variação dos preços, pouco ou nada influenciavam os ritmos coloniais (FRAGOSO e FLORENTINO, 2001FRAGOSO, J; GOUVEA, M. de F.; BICALHO, M. F. O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2001., p. 18-21). Trata-se, como reafirmado mais recentemente, de uma “economia exportadora esquisita, pois sua sobrevivência dependia de injunções políticas que a protegessem dos humores do capital mercantil”, marcada pela “absoluta indistinção entre as esferas da política e da economia [...]” (FRAGOSO; ALMEIDA; SAMPAIO, 2007, p. 20 e 22). Desta forma, os autores radicalizam a abordagem do modo de produção colonial, uma vez que argumentam que a dinâmica da economia colonial é, essencialmente, interna.
Tal como Polanyi insiste que o capitalismo ainda não havia se consolidado na Inglaterra até 1834, quando as leis Speenhamland foram abolidas pela nova “Lei dos Pobres” 33 33 Tornando, então, o trabalho numa mercadoria, embora “fictícia”; POLANYI, 104, 108, 118 et passim. , argumentou-se que, em pleno século XIX, no arranque da economia cafeeira no Vale do Paraíba, a produção cafeeira continuou a aumentar durante uma conjuntura de baixa que se segue a 1815, o que indicaria o caráter não mercantil dessa produção. Porém, essas conclusões, baseadas nos dados de produção, exportação e preços para alguns anos, foram contestadas, apontando-se o período de maturação dos cafezais como o principal fator a provocar a não sincronia, no curto prazo, entre produção e nível de preços (MARQUESE, TOMICH, 2009MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In.: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs). O Brasil Imperial: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009, p. 339-386. Volume 2., p. 343-4) 34 34 Deve-se ter em conta, também, que os preços nominais em mil-réis não podem ser tomados como um indicador isolado, havendo que se considerar o câmbio e o preço dos escravos, pelo menos, para saber se os preços do café eram remuneradores ou não. MARQUESE, TOMICH, 2009, 356-7; SLENES, 1986, p. 126-9; MARCONDES, 1994. Neste aspecto, há uma crítica feita à interpretação de Fragoso e Florentino sobre a relação entre produção açucareira e cafeeira e os preços externos, feita por MARIUTTI; NETO; NOGUERÓL, 2001, p. 369-93; uma síntese clara dos argumentos dos autores encontra-se em: MAGALHÃES. 2008, p. 142-44. .
Pressupostos teóricos e limites da abordagem substantivista aplicada ao Brasil colonial
A transição da história econômica clássica à antropologia econômica pelos autores citados é bastante engenhosa, inclusive por lançar mão de dados quantitativos do comércio colonial para argumentar contra a interpretação dada, usualmente, às relações entre economia colonial e economias metropolitanas35 35 Um exemplo clássico: ARRUDA, 1980. . A utilização pelos autores do arsenal teórico polanyiano para pensar o Brasil colonial, no entanto, parece-me esbarrar em alguns limites. Não por acaso, penso, os autores deixam de fora uma categoria polanyiana que acompanha o conceito de economia arcaica, o port of trade, ou seja, espaços litorâneos destinados ao comércio de bens de luxo importados, os quais não teriam relevância na reprodução dos produtores e da maioria da população, antes se destinando às elites (DALE, 2010, p. 144, 172-6; ARNOLD, 1976, p. 201-235) 36 36 Rosemary Arnold, discípula de Polanyi, aplicou o conceito à cidade de Uidá (Whydah em inglês, Ouidah em francês). Do ponto de vista geográfico, Uidá não é um porto, efetivamente, pois estava situada a 4 Km de uma das lagoas no litoral entre a foz do Níger e o rio Benin. Cf. LAW, 2004, p. 18. .
Nesse mesmo sentido, os “portos de comércio” eram constituídos de forma que as autoridades mantivessem o comércio com estrangeiros sem que estes tivessem qualquer influência sobre a sociedade local. Se seguirmos a lógica do argumento, poderíamos incluir na análise, segundo esta categoria, os principais portos de comércio do Brasil no período; assim, seriam eles ports of trade. Seriam os negócios de escravos, ferramentas e bens de capital (os cobres dos engenhos, por ex.) nos portos do Brasil setecentista comércio “administrado”, cingindo-se a certos bens (deixando estritamente de fora os alimentos produzidos e consumidos pela maioria da população, incluindo aí os grandes proprietários de terras e escravos) e com preços estabelecidos previamente; em suma, havia comércio, mas fora do mercado? Será que é possível enquadrar Salvador, Rio de Janeiro e Recife nessa categoria? Parece-me que tudo o que se sabe sobre as atividades mercantis nos portos da América portuguesa, incluindo suas relações com os produtores de açúcar ou de tabaco, não nos autoriza a pensar tal comércio como desvinculado da reprodução (simples ou ampliada) econômica agrícola do período37 37 Além dos próprios estudos de FRAGOSO (1998), veja-se CARRARA, 2007 e os diversos estudos incluídos em LUNA, COSTA, KLEIN, 2009. . Talvez venha a propósito lembrar que, ao contrário do que se passou no litoral africano, onde a formação das sociedades envolvidas no comércio atlântico de escravos precedeu o surgimento dos portos de comércio exterior38 38 Para as sociedades do Golfo de Benin ou Costa da Mina, cf. LAW, 2004; para a África Centro-Ocidental, VANSINA, 2010, p. 647-94. , no Brasil, é a partir dos portos que o povoamento e produção se desdobram, como o caso das três cidades acima citadas demonstra.39 39 Mesmo no caso do Recife, que surgiu como o porto de Olinda, núcleo da colonização, foi a sua posição mercantil que a elevou a centro político e econômico de Pernambuco. O isolamento da economia do Daomé das atividades de mercado que se processavam em Ajudá (ou Uidá), consequência lógica da aplicação do conceito de “port of trade” à cidade, foi contestada por um especialista na história daquele reino africano. Segundo o autor, há diversas evidências que mostram como as flutuações dos preços no mercado atingiram não apenas os bens de comércio exterior (escravos e manufaturas), mas os alimentos consumidos cotidianamente pelas populações sob o domínio daomeano. LAW, 1992. Outro especialista também sugeriu alguns limites à abordagem “substantivista” à história da África pré-colonial; cf. CURTIN, 1975, p. 235-7.
Igualmente, será que o conceito de sociedade arcaica, embora seja, no próprio Polanyi, um “termo guarda-chuva” (DALE, 2011, p. 136), seria tão elástico a ponto de incluir uma sociedade escravista colonial? Sociedades que nem são primitivas, nem capitalistas (ou, nos termos de um comentador de Polanyi, “sociedades em que o uso do dinheiro como um meio de troca já é comum”), nas quais se observa um “mercado arcaico”, consistem em “sociedades agrárias nas quais aqueles que dependem para a sua sobrevivência de rendimentos gerados através da compra e venda nos mercados eram enormemente superados pelos camponeses cuja autossuficiência isolava-os de qualquer dependência significativa do mercado” (DALE, 2011, p. 145)40 40 “[...] agrarian societies, in which those who depends for their livelihoods upon incomes generated through buying and selling on markets were greatly outnumbered by peasants whose selfsufficiency insulated them from any meaningful market dependence”. . Mesmo que as formulações dos autores incluam a afirmação da existência de camponeses no Brasil colonial (FRAGOSO 1998FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de Grossa Aventura. Acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2ª. ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998., p. 124, 132-4, 136-8; FRAGOSO e FLORENTINO, 2001), não suponho que chegariam a afirmar sua predominância na sociedade e economia de então41 41 Sobre a utilização do conceito de campesinato para qualificar os pequenos produtores no período colonial, cf. LOPES, 2012; ver, ainda, sobre os diversos usos do conceito: CARRARA, 2008; GRYNSZPAN, 2005. Sobre a lógica das sociedades camponesas, cf. CHAYANOV, 1985. .
Deve-se ter em conta que mesmo um autor bastante simpático à análise de Polanyi sobre o “comércio, mercados e dinheiro em sociedades arcaicas” conclui, a par com outros críticos, que o método polanyiano “é mal adequado para mapear o desenvolvimento do comportamento e conceitos econômicos tanto das fases menos às mais comerciais da Antiguidade, quanto do mundo pré-capitalista ao capitalismo moderno” (DALE, 2011, p. 186; grifo acrescentado)42 42 “[...] is ill-suited to charting the development of economic behaviour and concepts both from less to more commercial phases of antiquity and from the pre-capitalist world to modern capitalism” Um estudo da formação do mercado de capitais na Inglaterra pós Revolução Gloriosa, com nítida inspiração polanyiana, também considera que não é possível compreender o desenvolvimento do mercado sem ter em consideração os mecanismos não econômicos que o envolviam; contudo, o autor não descarta os condicionantes capitalistas do processo de constituição daquele mercado; cf. CARRUTHERS, 1999, p. 3-21 (especialmente p. 20-1). . Esta “má adequação” da análise polanyiana ao período de transição para o capitalismo (particularmente, pode-se acrescentar, aos séculos XVIII e XIX) não pode deixar de ser pensada quanto ao mundo colonial que surgiu a partir desse processo43 43 Obviamente, nada impede que um olhar antropológico seja lançado, inclusive, sobre a sociedade contemporânea; não obstante, uma recente abordagem antropológica, com base em Mauss, sobre os EUA da atualidade é qualificada pelo autor como “a Marxized Mauss”, o que é bastante significativo. CARRIER, 1995, p. VII. .
Os debates e divergências entre essas perspectivas nos remetem a um debate análogo ao que se observou entre “primitivistas” e “modernistas”, cujo objeto era a Antiguidade. Um divisor de águas nesse debate foi a obra de Moses Finley sobre a “economia antiga”. Finley se opôs às análises modernistas, argumentando que, na Antiguidade greco-romana, os fenômenos econômicos estavam “encravados” de tal forma no interior de relações sócio-políticas que se torna ilegítimo considerar a existência de uma esfera econômica per si44 44 FINLEY, 1999, p. 17-20. .
As categorias utilizadas pelos pesquisadores da corrente “primitivista” são as da Antropologia, privilegiando, assim, a percepção coeva à Antiguidade sobre as atividades de troca e produção. Para os “modernistas”, que veem a economia antiga como um objeto de estudo legítimo, as categorias da Ciência Econômica podem ser utilizadas para compreender aqueles processos, uma vez que, tal qual nas economias contemporâneas, eles estariam sujeitos a dinâmicas independentes da consciência dos agentes (CARTLEDGE; COHEN; FOXHALL 2002)45 45 A polêmica também se instaurou nas abordagens da economia da baixa Idade Média (ou feudal). Ante a ênfase de alguns pesquisadores numa economia voltada para a autossuficiência e apartada do mercado, outro autor ressalta a importância do mercado já a partir do séc. XI, criticando a tendência a “primitivizar” os homens medievais. BOIS, 2001, p. 62, nota 92, que atribui tal tendência à influência da Antropologia. Para o autor, no séc. XII, deu-se “un cambio radical: la preocupación por el dinero se hizo presente en cada actor de la vida económica.” Ibidem. No entanto, parece “moderna” demais a qualificação que Bois atribui à economia da Baixa Idade Média: “uma economia monetária de produção”, expressão tomada de empréstimo a Keynes; p. 62, nota 93. .
Pode-se dizer, assim, que a abordagem encetada no Arcaísmo é claramente “primitivista” ou, ao menos, “substantivista” em sua análise da economia colonial. A interpretação desta vertente foi reafirmada uma década atrás num artigo de João Fragoso (2002). A influência da Antropologia, em particular de Marcel Mauss, e da “antropologia econômica” de Karl Polanyi na interpretação dos fenômenos socioeconômicos do período colonial, considerados como da mesma natureza do Antigo Regime no Velho Mundo, é colocada claramente (FRAGOSO, 2002, p. 4-5).
Chama a atenção no artigo que algumas das bases revisionistas desta vertente, tal como apontadas pelo autor, não sejam de molde a permitir afirmações peremptórias, as quais, portanto, devem ser tomadas cum grano sale. Fragoso aponta para um consenso entre os historiadores do Brasil sobre o caráter da economia colonial e sua inserção na economia moderna: “Desde há certo tempo, parece-me, ficou claro para a historiografia nacional que a América portuguesa não se resumia a uma grande plantation, cujo destino era satisfazer um capitalismo nascente” (FRAGOSO, 2002, p. 6; grifo acrescentado). Cabe uma questão: quem afirmou que o Brasil colonial poderia ser resumido “a uma grande plantation”? Certamente, não os historiadores do Antigo Sistema Colonial, pois desde Caio Prado Júnior se aponta a presença de uma produção voltada ao “consumo e à manutenção da própria colônia” (PRADO JÚNIOR, 1994 [1942], p. 157). A ênfase do autor, tributária dos estudos de Maria Yeda Linhares, foi importante para estimular as pesquisas sobre o tema, mas a afirmação de que “a economia [da América portuguesa] era mais que uma plantation exportadora” (FRAGOSO, 2010, p. 15) é quase um truísmo.
O autor atribui este bem-sucedido revisionismo - no que tange à relação economia colonial/formação do capitalismo - às influências acima citadas e à “historiografia internacional” que teria solapado “os marcos teóricos que, até então, serviam de anteparo para a análise das relações colônia-metrópole” (FRAGOSO, 2002, p. 7). De um lado, a historiografia que vem matizando a abordagem do Estado moderno como Absolutista. De outro, os estudos que contestam a importância econômica das colônias para a Revolução Industrial inglesa, tema que, aqui, nos interessa mais. Sobre este objeto, ele cita apenas um trabalho, a saber, um artigo de Patrick O’Brien (1982), no qual, efetivamente, este autor questiona a “contribuição das periferias”. No entanto, mesmo O’Brien (O’BRIEN; ENGERMAN, 1991) reviu sua posição posteriormente46 46 FRAGOSO (2002, p. 23, nota 2,) admite que aquele autor mudou sua abordagem em texto posterior, mas que, no essencial, ela continuaria a mesma, o que não me parece muito preciso. Fragoso reitera esse ponto, citando, mais uma vez, apenas O’Brien e Engerman, noutro artigo: FRAGOSO, 2002, P. 110-1. , levando uma autora a concluir que “O’Brien e Engerman atribuem ao comércio exterior (principalmente ao colonial) um papel independente na explicação do crescimento econômico e da mudança estrutural na economia britânica em industrialização do período 1688-1802” (SOLOW, 1991, p. 15)47 47 O’Brien and Engerman assign foreign (mostly colonial) trade an independent role in explaining economic growth and structural change in the industrializing British economy of the period 1688-1802. .
Não obstante, Fragoso afirma que se deu a “queda daqueles antigos paradigmas” (FRAGOSO, 2002, p. 7).48 48 Abordando as relações entre a colonização portuguesa do Brasil e a industrialização inglesa, após citar alguns autores europeus que adotam perspectivas revisionistas das origens da Revolução Industrial, outro autor conclui: “Em suma, seja de uma perspectiva teórica como empírica, há sérias dúvidas quanto à importância do comércio exterior para a industrialização europeia no século XVIII”; VILLELA, 2011, p. 15. Este artigo representa bem a disseminação do revisionimo entre os estudiosos da história do Brasil; apesar de o raciocínio apresentado ser muito bem elaborado, a síntese dos argumentos do Antigo Sistema Colonial é muito simplificada, assim como a dos argumentos relativos às origens da Revolução Industrial. . Ainda que possamos concordar com a afirmação de outro autor de que “[...] a insistência, entre os adeptos do ‘modelo’ [do Antigo Sistema Colonial], em que os lucros coloniais sejam ‘super’ parece derivar da crença de que só assim eles poderiam ter contribuído decisivamente para a industrialização europeia”49 49 VILLELA, 2011, p. 9. , há vários pesquisadores que defendem a contribuição essencial da colonização moderna para o desenvolvimento industrial inglês, sem que seja necessário comprovar que houve “superlucros” ou que os lucros do comércio atlântico colonial tenham ido parar nas manufaturas inglesas50 50 Ver, também, POMERANZ, 2013, 441 e ss. Outros autores, influenciados por Robert Brenner, mantêm a ênfase nos aspectos internos da formação do capitalismo inglês: ZMOLEK, especialmente as p. 165-214. .
Se não se pode negar o direito de pesquisadores acadêmicos, e os historiadores entre eles, de rejeitarem esta ou aquela abordagem teórica, nem que “o antigo paradigma” do Antigo Sistema Colonial tenha estado sobre ataque nas duas últimas décadas, a afirmação de que houve uma “queda dos paradigmas” não faz justiça ao debate, no Brasil e na “historiografia internacional”, que tais temas e paradigmas conflitantes têm suscitado. Vejamos a clássica relação economia colonial/ Revolução Industrial (ou formação do capitalismo, em certos autores).
As clássicas teses de Eric Williams (1949) foram frontalmente contestadas nos anos 1960-1980 (DRESCHER, 2010DRESCHER, Seymour. Econocide: British Slavery in the Era of Abolition. 2. ed. University of Carolina Press, 2010 [1977]. [1977]; ELTIS, 1987ELTIS, David. Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade. Nova York: Oxford University Press, 1987.). Todavia, as mesmas foram retomadas e utilizadas como ponto de partida para vários estudos que reafirmam a importância fundamental do mercado atlântico colonial para o desenvolvimento manufatureiro inglês (DAVIS, 1976; SOLOW, 1987SOLOW, Barbara L. Capitalism and Slavery in the Exceedingly Long Run. In: SOLOW, B; ENGERMAN, Stanley L. (org.). British capitalism and Caribbean Slavery. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. 51-77. e 1991; O’BRIEN e ENGERMAN, 1991; DARITY Jr., 1992; INIKORI 1987 e 2002; CUENCA ESTEBAN, 1997; BLACKBURN 2003BLACKBURN, Robin. A Construção do Escravismo no Novo Mundo. Do Barroco ao Moderno, 1492-1800. Rio de Janeiro: Record , 2003. [1997]). Tampouco se pode atribuir essa retomada apenas às abordagens supostamente “dependentistas”; numa obra das mais ricas em pesquisas de arquivo, Joseph Inikori revisita as teses de Williams, ampliando o escopo geográfico e cronológico de análise, mas recorrendo a teorias de desenvolvimento que nada têm de dependentistas ou marxistas, mas partem, fundamentalmente, de Adam Smith (INIKORI, 2002) e de estudos econômicos contemporâneos sobre o papel do comércio externo na industrialização por substituição de importações51 51 As referências para este tema, porém, não se relacionam à CEPAL, pois o autor considera, baseado em estudos econômicos, que os casos da América Latina não foram bem-sucedidos, se comparados aos casos do Sudeste asiático. . Portanto, a afirmação de Fragoso é, no mínimo, precipitada e pode induzir erroneamente aos leitores menos atualizados sobre tal historiografia, como se fosse possível - ou recomendável - fazer tabula rasa da historiografia clássica.
Mesmo um autor que saudou como bem-vindas as críticas à perspectiva do Antigo Sistema Colonial, considerando que “a organicidade do sistema colonial não pode ser entendida como uma mecânica funcional, apenas de ação e reação, de estímulos e respostas” [...], pensa que a “nova posição” que se volta “para a perspectiva da colônia [...] deve ser integrativa e não despolarizante [...]” (LAPA 1991, p. 27 e 32). Ao enfatizar a importância do “mercado interno” ainda no período colonial, mesmo que tardio, afirma ainda aquele autor: “Recobrar esta questão não significa tentar inverter o processo de conhecimento histórico ou desdenhar o caráter de subordinação da economia colonial” (LAPA 1991, p. 42).
Muito embora os revisionistas da historiografia do Brasil colonial subestimem o debate em torno dessas questões, não significa, diretamente, que as pesquisas orientadas por essa perspectiva sobre a economia e sociedade coloniais estejam equivocadas. Muito se avançou no conhecimento dos diversos circuitos produtivos e comerciais do Brasil setecentista e do período colonial tardio, o que, sem dúvida, enriqueceu sobremaneira a historiografia do período52 52 Por exemplo, sobre o comércio de escravos entre o Brasil e a África, RIBEIRO, 2009; XIMENES, 2012. Sobre os circuitos internos e os grupos mercantis: BORREGO, 2006; SANTOS, 2013. . Parece-me, todavia, que o que se ganhou no deslindamento desses detalhes e com a “vertebralização do saber histórico” (FRAGOSO; FLORENTINO, 1997FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. História Econômica. In: Ciro Flamarion Cardosoe Ronaldo Vainfas (Org.). Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 36 e ss., 36 e ss.) obscureceu a compreensão mais ampla desse período da história do Brasil, em boa medida por se dar por resolvidas questões absolutamente em aberto e por definitivas teses que não encontram consenso, nem aqui, nem alhures53 53 Cf. as críticas de Rafael Marquese ao “abandono do conceito de capitalismo” pela historiografia revisionista, aparente em sua recepção da influência de E. P. Thompson, mas que, afirma Marquese, “limou seu fundo historiográfico mais amplo, qual seja o do problema da formação do capitalismo na Inglaterra”, MARQUESE, 2013, p. 231. As críticas do autor referem-se às obras de Silvia Lara e Sidney Chalhoub. .
Numa espécie de revisão dos argumentos dessa tendência, ainda que para reafirmá-la, os organizadores da coletânea Conquistadores e Negociantes54 54 Que tem no subtítulo o Antigo Regime nos Trópicos e cuja apresentação é de António Manuel Hespanha. matizaram um pouco a abordagem que tende a igualar a sociedade reinol e a do ultramar dentro da categoria de império. Embora iniciem por criticar o que chamam de “raciocínio binário” e coloquem a “absoluta indistinção entre política e economia” como central à compreensão do mundo colonial, fazem algumas concessões sobre as particularidades dessa sociedade.
Primeiro, ao afirmarem que as elites coloniais constituíram “uma nobreza sem estatuto aristocrático dado pela monarquia”, que nunca as reconheceu em pé de igualdade com a nobreza de corte. Dizem os autores que as elites coloniais tiveram que reinventar o conceito de nobreza, acabando por serem assim reconhecidos, mas apenas na América portuguesa, ou seja, como “nobreza da terra”. Da mesma forma, a centralidade da escravidão e a dependência do capital mercantil para a formação (ou decadência) dessas elites são, segundo os autores, outros elementos a limitarem, parcialmente, o paralelo entre a Europa e a América portuguesa, visível, sobretudo, na ascendência econômica dos reinóis que chegam à colônia e do Estado no século XVIII, fonte de conflitos, nos quais a coroa apoia o grupo dos forasteiros (FRAGOSO; ALMEIDA; SAMPAIO, 2007FRAGOSO, João Luís Ribeiro; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de (Org.). Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos Trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 22-23)55 55 Não cabe aqui discutir com mais detalhes, mas são duvidosas as tentativas de enquadrar os escravos da sociedade colonial na mesma condição dos indivíduos subalterno nas sociedades do Velho Continente, como fazem MATTOS, 2001, e HESPANHA, 2007, p. 65. Vejam-se os argumentos de Meillasoux sobre a radical descontinuidade entre a condição dos subalternos, mas livres, e a dos escravos. MEILLASOUX, 1995, p. 12 e ss. .
Para concluir: yeomanry tropical ou trobriandenses coloniais?
Os contornos que a crítica à perspectiva do Antigo Sistema Colonial assumiu nos anos 1990, bem como sua difusão nos meios acadêmicos, refletem transformações mais amplas, não apenas no âmbito das Ciências Humanas, mas da sociedade. A rejeição à análise das relações coloniais nos moldes que haviam sido elaborados desde Caio Prado Jr. pode ser incluída numa postura que atravessou a sociedade (nomeadamente a política, a economia), bem como o pensamento social em escala mundial:
A partir de meados da década de 1980, mas sobretudo na primeira metade da década de 1990, assistimos à marginalização de conceitos tais como “dependência”, “centro-periferia”, “imperialismo” e outros que marcaram as ciências sociais por várias décadas. O argumento central deste ataque era de que tais conceitos haviam perdido sua operacionalidade, que não prestavam para descrever a nova realidade econômica (BEINSTEIN, 2001BEINSTEIN, Jorge. Capitalismo Senil: a grande crise da economia global. Trad. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 42-3).
À tal postura no âmbito político-econômico, onde as teses cepalinas (e as chamadas “terceiro-mundistas”)56 56 Elemento constitutivo de abordagens totalizantes elaboradas nos anos 1970, como a dos sistemas-mundo de Wallerstein; cf. GOLDFRANK, 2000, p. 160. passaram por desacreditadas, pode-se acrescentar uma outra crise correlata, a do marxismo, também em escala ampla, como assinalou Roberto Schwarz: “O marxismo está em baixa e passa por ser uma ladainha” (SCHWARZ, 1999SCHWARZ, Roberto. Um seminário de Marx. In: SCHWARZ, Roberto. Seqüências Brasileiras. Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras , 1999.. p. 86). No entanto, o autor ressaltou a importância desta corrente para o pensamento social brasileiro:
Há muito de positivo, e mesmo necessário, na ênfase que os autores da interpretação segundo o capital residente e o Antigo Regime nos Trópicos põem nas especificidades da sociedade e da economia pré ou antecapitalista, particularmente da sociedade escravista colonial. Parece-me, todavia, que, se de um lado ganhou-se com o aprofundamento do conhecimento do peso da mentalidade não-capitalista nessas sociedades e economias, perde-se a especificidade do mundo colonial, um espaço que é
diverso mas não alheio; [...] diverso porque a colonização não criava sociedades semelhantes às metrópoles, nem a ulterior divisão internacional do trabalho igualava as nações. Mas é um espaço de mesma ordem, porque também ele é comandado pela dinâmica abrangente do capital, cujos desdobramentos lhes dão a regra e definem a pauta (SCHWARZ, P. 95; grifos no original).
Não deixa de ser curioso que se tenha lançado mão da economia substantiva de Polanyi como contraposição à análise marxista, uma vez que o intento dos marxistas que estudaram as economias que antecederam ao capitalismo (MARX, 2000MARX, Karl. Formas que precedem a produção capitalista. In: GIANNOTI, José Arthur (org.). Marx: Vida e Obra. Porto Alegre: L&PM, 2000, p. 113-82.; HOBSBAWM, 1977HOBSBAWM, Eric J. Introdução. In: MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 13-62, p. 16-32) e os de Polanyi e seus seguidores eram os mesmos, isto é, indicar o caráter histórico do capitalismo e sua radical diferença em relação às sociedades pré-capitalistas57 57 WOOD, 2001, p. 29-35. A autora, embora considere Polanyi uma “exceção” às versões convencionais da história econômica do capitalismo, faz algumas reservas à abordagem de Polanyi, considerando que este vê o “progresso” técnico como o motor das transformações sociais que se observaram na Europa dos séculos XVI ao XIX e não como resultado das alterações das relações sociais, o que defende como uma abordagem marxista desse processo. . Não precisamos, porém, nos cingir aos marxistas para encontrarmos críticas à perspectiva que iguala a lógica (ou a dinâmica, se se preferir) das sociedades ocidentais da Idade Moderna às demais sociedades não-capitalistas. Fernand Braudel certamente concordaria com Polanyi quanto à asserção de que “os mercados não são instituições que funcionam principalmente dentro de uma economia, mas fora dela” (POLANYI, 2000POLANYI, Karl. A Grande Transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus , 2000., [1944], p. 78). Não obstante, ele faz sérias ressalvas à perspectiva “substantivista” quando aplicada à economia-mundo europeia:
Por certo nada proíbe que se introduza numa discussão sobre ‘a grande transformação’ do século XIX o potlatch ou o kula (em vez da organização mercantil muito diversificada dos séculos XVII e XVIII). É o mesmo que recorrer, a propósito das regras do casamento na Inglaterra no tempo da rainha Vitória, às explicações de Lévi-Strauss sobre os laços de parentesco. Com efeito, não se fez nenhum esforço para abordar a realidade concreta e diversificada da história e depois partir daí. Nem uma referência a Ernest Labrousse, ou Wilhelm Abel, ou aos numerosos trabalhos clássicos sobre a história dos preços. Vinte linhas, e está resolvida a questão do mercado na chamada época ‘mercantilista’ (BRAUDEL, 1998BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo. Vol. 2. São Paulo: Martins Fontes, 1998., p. 195)58 58 Braudel refere-se, especificamente, ao capítulo de Walter C. Neale na obra organizada por POLANYI; ARENSBERG; PEARSON, 1976 [1957], p. 405-424. .
Parece-me que o mesmo se pode questionar da relação de boa parte da historiografia revisionista do Brasil colonial com os estudos clássicos acerca dos três primeiros séculos de formação do Brasil. Uma posição mais equilibrada pode ser encontrada no trabalho de Luiz Felipe de Alencastro, quem também assinalou a tendência a que as atividades econômicas dos colonizadores fossem enredadas pelas instituições sociais dos diferentes espaços do império ultramarino português. Todavia, o autor argumenta que foi a conjugação das exportações de escravos por Angola com o seu consumo pelo Brasil, reservando a cada uma das colônias um papel na “divisão colonial do trabalho”, que promoveu o “desencravamento” de suas economias e, assim, atou-as umbilicalmente ao mercado atlântico59 59 ALENCASTRO, 2000, p. 12-29. .
Parece-me claro que a voga revisionista, da qual Fragoso e Florentino são, sem dúvida, os principais autores, é sintomática do fenômeno mais amplo da crise das abordagens estruturalistas nas Ciências Sociais. Se em Homens de Grossa Aventura, de Fragoso, as categorias de modo-de-produção e formação econômico-social são fundamentais, não por acaso n’O Arcaísmo como Projeto os conceitos marxistas estão praticamente ausentes60 60 Embora os autores utilizem a formulação marxista de “lucro pela alienação”, não é a abordagem marxista que fundamenta a obra; FRAGOSO e FLORENTINO, 2001, p. 117. . Agora que se torna claro que os estruturalismos deixaram a posição defensiva, abre-se a possibilidade de um debate mais atento no âmbito da historiografia do Brasil colônia, que não rejeite argumentos contrários a priori, apenas por sua suposta filiação marxista, dependentista ou qualquer que seja.
Diga-se, aliás, que qualificar a abordagem do Antigo Sistema Colonial como dependentista é insuficiente. Sobre essa vertente, afirmou Stuart B. Schwartz: “Fortemente influenciado por abordagens e um vocabulário de cunho marxista ou neodependentista, o estudo do Brasil colonial tem se concentrado em temas de estrutura econômica, classe e raça”61 61 SCHWARTZ, 1999, p. 129. Afirma ainda Schwartz: “Uma visão marxista ou estruturalista do Brasil anterior a 1808, com uma economia baseada na [importação] de escravos, vinculada ao desenvolvimento de um capitalismo mercantil de uma Europa em plena expansão, é o paradigma que domina o pensamento histórico sobre o Brasil desde a década de 1930” (SCHWARTZ 2009, p. 180). A tradução do artigo equivoca-se, escrevendo “exportação de escravos”. . Há que se distinguir mais claramente de que influência teórica se trata: refere-se às teses cepalinas ou à “teoria da dependência”, cuja origem está associada ao estruturalismo cepalino, mas, fundamentalmente, à tendência marxista heterodoxa consolidada com o livro de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto? Se observarmos a ênfase nos condicionantes externos da história econômica do Brasil característica da primeira dessas abordagens, ela é menos dependentista do que parece, no sentido de que a “teoria da dependência” constituiu, precisamente, uma crítica às teses cepalinas. Assim é que a distingue Guido Mantega:
Assim, classificarei como dependentistas aqueles pensadores que fizeram um esforço de superação das teses cepalinas, estagnacionistas e neomarxistas e conseguiram desenvolver uma nova abordagem do capitalismo retardatário brasileiro, baseada na estrutura de dominação, na luta de classes, enfim nos seus determinantes internos (MANTEGA, 1997MANTEGA, Guido. “Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico”. Relatório de Pesquisa, n. 27, Rio de Janeiro: FGV , 1997., p. 28; grifo acrescentado).
Pode parecer, aliás, que a análise do Antigo Regime nos Trópicos estaria mais próxima da dependência, mas não é o caso, pois mesmo a Teoria da Dependência não descarta o caráter subordinado da economia do Brasil. Não se pense, contudo, que essa abordagem não se coaduna com as marxistas do gênero que Mantega chamou de “nova esquerda”62 62 A consideração da Teoria da Dependência como uma nova fase do pensamento econômico latino-americano, que parte da crítica marxista de algumas formulações da CEPAL - mas sem ser uma ruptura com as tradições estruturalistas - também é enfatizada por LOVE, 1990, p. 157-9, 166-7. , cuja ênfase recai sobre a formação do capitalismo periférico, sem descartar a possibilidade de seu desenvolvimento, mesmo dentro da subordinação:
Foi assim que eles desenvolveram as ferramentas que possibilitariam a elaboração de análises de classes da sociedade brasileira, vale dizer abordagens que privilegiavam as relações e as forças internas na determinação da dinâmica social ou a maneira pela qual as forças externas aqui se materializavam e interagiam com as internas (MANTEGA, 1997MANTEGA, Guido. “Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico”. Relatório de Pesquisa, n. 27, Rio de Janeiro: FGV , 1997., p. 37).
Com essa abordagem, os autores, incluindo Cardoso e Faletto (mas também Caio Prado Jr. e outros) procuraram ir além do esquema centro-periferia:
Em outras palavras, devesse considerar sobretudo a estrutura social e política desses países, ou as forças sociais e políticas que constituem suas estruturas de dominação, aí compreendidas as forças externas do capital estrangeiro ou do imperialismo, que podem ser vistas pelas suas repercussões internas, pelo menos naqueles países onde “a produção é controlada nacionalmente”, e portanto já há uma dinâmica interna de acumulação de capital. Nesse caso, a prioridade deve recair numa teoria do desenvolvimento dos países periféricos (MANTEGA, 1997MANTEGA, Guido. “Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico”. Relatório de Pesquisa, n. 27, Rio de Janeiro: FGV , 1997., p. 44).
Deve-se notar que Mantega inclui um dos trabalhos de Fernando Novais entre os “pontos de partida” para um “avanço considerável em direção a um modelo endógeno de acumulação”63 63 Ele cita “Sistema Colonial, Industrialização e Etapas do Desenvolvimento”, de 1973. . Para ele, junto com Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado, o trabalho de Novais esteve nas origens da abordagem do “capitalismo tardio” de João Manuel Cardoso de Mello e os trabalhos que se seguiram da “escola da UNICAMP” (MANTEGA, 1997MANTEGA, Guido. “Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico”. Relatório de Pesquisa, n. 27, Rio de Janeiro: FGV , 1997., p. 65).
Curiosamente, em sua crítica ao que julgam ser uma visão dependentista das relações dentro do império português (já que este parece bastar como escopo da análise), os revisionistas isolam o Brasil da economia europeia e atlântica, voltando a religá-lo à Europa e África, mas pelo predomínio de categorias da cultura. Se, em Novais, o Antigo Regime é o “quadro institucional” em meio ao qual se desenvolveu o capitalismo comercial (Novais: p. 13-4), este sim elemento explicador da colonização e, ao mesmo tempo, insuflado por ela, no Arcaísmo e no ART, o Ancién Regime torna-se o todo do qual a colônia não é uma parte, mas uma extensão.
Finalmente, que tipo de dinâmica social estaria subjacente à economia do Brasil dos sécs. XVI a XVIII? Seriam os portugueses radicados na América trobriandenses coloniais, isto é, uma sociedade em que o comércio e a produção não estavam subordinados a considerações econômicas?64 64 Refiro-me ao Kula, um sistema de trocas praticado nas Ilhas Trobriand estudado por MALINOWSKI, 2002 [1922], p. 62 e ss. MALINOWSKI, 1993, p. 52, 87. Os estudos de Malinowski estão entre os que influenciaram as formulações de Polanyi; ver POLANYI, 2000, p. 66, 310. Ou devemos, por outro lado, considerar os colonos/colonizadores como uma yeomanry tropical, maximizadora e calculista?65 65 A definição da yeomanry inglesa dos sécs. XVI-XVII não é tão simples, mas refiro-me aqui às considerações de MOORE, 1983, p. 18-20. Ver também Wallerstein, que afirma que a “força econômica [da yeomanry] residia no fato de possuírem todos os incentivos para se tornarem «empreendedores». Procuravam a riqueza e a mobilidade ascendente: o caminho para o êxito passava pela eficiência econômica”. WALLENSTEIN, 1990, p. 119. Esse papel também é atribuído, em parte, a gentry, como um segmento de proprietários de terra que ascenderam no período mencionado, tanto pela acumulação de terras como pelo seu manejo mais capitalista; cf. STONE, 2000, p. 72-85, 138-40. No primeiro caso, teríamos que compreendê-los como análogos aos membros de um grupo tribal, cujas trocas são destituídas de valor monetário, sendo a reprodução do grupo baseada na reciprocidade e redistribuição, onde, portanto, “[...], o sistema econômico será dirigido por motivações não-econômicas”66 66 POLANYI, 2000, p. 65, 67. Embora Polanyi enfatize que essa constatação não se restringe aos grupos socialmente homogêneos, podendo ser observado historicamente em sociedades estratificadas, os casos que lhe servem de exemplos são os de grupos como os trobiandenses da Melanésia Ocidental (baseados nos célebres estudos de Bronislaw Malinowski) ou o antigo Egito, o que não surpreende, dado que o autor afirma que os princípios que regiam essas sociedades (simetria e centralidade, domesticidade e reciprocidade) predominaram até o fim do feudalismo; POLANYI, 2000, p. 67-75. . Embora Fragoso destaque o papel do “mercado imperial” na reprodução social das diversas elites espalhadas no império português, ele enfatiza a reciprocidade e a formação de clientelas como fenômeno do Antigo Regime a vincular as diversas partes do “mar lusitano” (FRAGOSO, 2002, p. 113). No segundo caso, “na figura do plantador emerge o empresário” (GORENDER, 2016GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016., [1978], p. 51), ou seja, seria fazer dos senhores de engenho aquilo que eles não queriam ser, mas que, no entanto, poderiam ser pressionados, pelo seu envolvimento no mercado atlântico, a se aproximar de ser (BLACKBURN, 2003BLACKBURN, Robin. A Construção do Escravismo no Novo Mundo. Do Barroco ao Moderno, 1492-1800. Rio de Janeiro: Record , 2003., p. 456-58).
Não proponho uma resposta original ao impasse - se me concederem que haja -, mas voltar a considerar algumas formulações clássicas que, não obstante o extraordinário avanço da historiografia econômica e social do período colonial, ainda têm o que dizer. Florestan Fernandes percebeu claramente as dificuldades em analisar a sociedade colonial com as categorias formuladas a partir da realidade europeia, precisamente porque a “formidável tentativa de preservação e adaptação de todo um corpo de instituições e de padrões organizatórios-chaves, com vistas à criação de um “novo Portugal [...]” esbarraram nas condicionantes próprias da sociedade e economia coloniais, que “introduziram interferências que não puderam ser eliminadas ou superadas dentro de uma estratificação estamental” (FERNANDES, 1977FERNANDES, Florestan. A Sociedade Escravista no Brasil. In: Fernandes, Florestan. Circuito Fechado. São Paulo: Hucitec, 1977., p. 31-2). O senhor de engenho queria-se um nobre, senhor de homens e terras, homólogo do nobre em Portugal, mas a sua condição de colonizador nos trópicos, onde o peso do capital mercantil foi incontornável, dificultava a homologia:
Assim como tinha de participar do circuito comercial para negociar seus produtos, o senhor precisava incorporar-se a esse circuito para comprar (ou vender) escravos. Apesar de o grosso dessas atividades envolverem operações de crédito e pagamentos em espécie, elas eram estimadas em termos monetários e requeriam um envolvimento de plantação e da mineração (bem como de certas formas de produção subsidiárias) no âmago do circuito do capital mercantil (FERNANDES, 1977FERNANDES, Florestan. A Sociedade Escravista no Brasil. In: Fernandes, Florestan. Circuito Fechado. São Paulo: Hucitec, 1977., p. 17).
Em suma, a condição de senhor no Brasil colonial passava pelo mercado e dependia deste para sua reprodução67 67 Da mesma forma, a afirmação de que o acesso a uma oferta elástica de escravos e barata de alimentos sem a intervenção do capital mercantil português (ou europeu) não se sustenta quanto aos escravos, uma vez que a concepção de um comércio estritamente bipolar entre o Brasil e Angola deriva de uma interpretação equivocada ou incompleta dos dados para o tráfico de escravos do séc. XVIII; cf. MENZ, 2012. Aliás, Joseph Miller já o tinha demonstrado, mesmo sem a riqueza de detalhes do artigo citado, inspirado em Miller; cf. MILLER, 1988, p. 299-300; MILLER, 1984, p. 1-56. . Mais uma vez, não precisamos nos restringir aos marxistas da Escola de Sociologia de São Paulo para fundamentar essas afirmações. A instabilidade dos senhores de engenho enquanto estamento consiste, precisamente, num dos argumentos de estudos magistrais de Evaldo Cabral de Mello, para quem as vicissitudes próprias do mercado açucareiro interagiam com as pretensões da açucarocracia pernambucana68 68 Aliás, o autor demonstrou cabalmente que houve uma considerável renovação do grupo de proprietários de engenhos na passagem do séc. XVI ao XVII, pois as dificuldades no mercado europeu (com o início da crise do XVII) fizeram com que a maioria das propriedades mudasse de mãos. MELLO, 2007, p. 57-8. Ou seja, a possibilidade de falência ou de perda dos engenhos (por dívidas) indicaria o grau de mercantilização da produção açucareira colonial. . Mello sintetiza sua interpretação da seguinte forma:
Não há dúvida de que a açucarocracia de finais do século XVII continha em si elementos fundamentais da noção de classe (inclusive o seu lugar específico no processo de produção), mas pensava-se, e era pensada pelos demais estratos, não como uma classe mas como uma ordem, a nobreza da terra, cuja mentalidade, transplante metropolitano adaptado à sua experiência local, é tão indispensável conhecer, a fim de compreendê-la na sua atuação histórica, como sua condição de classe (MELLO, 2003MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2003., p. 18; grifo acrescentado).
Espero que, ao ter indicado as principais filiações teóricas de cada uma das vertentes discutidas nas páginas acima, tenha contribuído para demonstrar que as discordâncias entre elas não são meramente de ênfase ou de interpretação dos dados. As primeiras críticas suscitadas pelas teses centradas no Antigo Sistema Colonial partilhavam de um campo comum de argumentação, com diferenças de ênfase ou na utilização dos conceitos marxistas (modo de produção, formação econômico-social). As críticas que tiveram início com a ênfase no capital residente e desaguaram na perspectiva do Antigo Regime nos Trópicos significaram uma ruptura com aquele campo, ao privilegiarem os condicionantes socioculturais como elementos definidores do devir da sociedade surgida a partir da formação da América portuguesa. João Fragoso parece ter razão em afirmar que “a guerra acabou” neste campo historiográfico (FRAGOSO, 2014FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Brasil Colonial (1443-1580). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2014., p. 7), mas, felizmente, o debate deve continuar.
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- ZMOLEK, Michael Andrew. Rethinking the Industrial Revolution. Five Centuries of Transition from Agrarian to Industrial Capitalism in England. Leiden; Boston: Brill, 2013.
Notas
-
1
Agradeço ao prof. Rafael Marquese e à profa. Suely Almeida pela leitura crítica que fizeram das primeiras versões, dispensando-os, obviamente, de qualquer responsabilidade do resultado final.
-
2
Desnecessário dizer (mas melhor dizer, mesmo assim) que não serão citadas ou discutidas todas as influências de cada uma dessas linhas de análise, o que não seria possível num artigo e que, mesmo num texto de mais fôlego, talvez não passasse de um inventário.
-
3
Sobre sua obra: CARVALHO, 1993CARVALHO, José Murilo de. A utopia de Oliveira Vianna in BASTOS, Élide R. e MORAES, João Q. (Orgs.). O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: UNICAMP, 1993, p. 13-42., p. 13-42; LEITE, 2002LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. 7a. ed. São Paulo: UNESP, 2002., p. 290-304.
-
4
Note-se que a palavra “formação” aparece nos títulos ou subtítulos de obras fundamentais, como as de Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, Celso Furtado, Raymundo Faoro e Antonio Candido.
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5
A qual, a despeito das mudanças políticas, Furtado considera como basicamente inalterada até a Primeira República.
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6
Uma análise sucinta, mas extremamente esclarecedora, da estrutura e do significado de Formação Econômica do Brasil encontra-se em BIELSCHOWSKI, 2004BIELSCHOWSKI, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro. O ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004., p. 162-79.
-
7
Da CEPAL, seria apropriado o conceito empregado por Raul Prebisch e outros de “trocas desiguais” como fundante das relações entre o centro e a periferia, que constituem o par fundamental do pensamento cepalino (PREBISCH, 1949; BIELSCHOWSKY, 1998, p. 16). Uma vez que são temas muito conhecidos e debatidos, remeto, sobre a análise cepalina, a BIELSCHOWSKI, 2004BIELSCHOWSKI, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro. O ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004., p. 13-29; e quanto à teoria da dependência, a GOLDENSTEIN, 1994GOLDENSTEIN, Lídia. Repensando a Dependência. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1994. e MANTEGA, 1997MANTEGA, Guido. “Teoria da Dependência Revisitada - um Balanço Crítico”. Relatório de Pesquisa, n. 27, Rio de Janeiro: FGV , 1997..
-
8
In: DIAS; MOTA, 1971, p. 47-63.
-
9
Deste autor, já citado por Marx, tornou-se influente a tese da “fronteira aberta” como fator explicativo para o predomínio do trabalho compulsório na América colonial; um economista, Evsey Domar, mais recentemente, formulou tese análoga, acrescentando-lhe outras variáveis; sobre essa formulação e a defesa de sua validade para explicar a origem do escravismo colonial, cf. SOLOW, 1987SOLOW, Barbara L. Capitalism and Slavery in the Exceedingly Long Run. In: SOLOW, B; ENGERMAN, Stanley L. (org.). British capitalism and Caribbean Slavery. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. 51-77., p. 56-7.
-
10
Ao que parece, o primeiro livro assim intitulado foi publicado em 1905: G. B. Hertz. The old colonial system. Manchester: University Press, 1905, mas seu tema não é o funcionamento do Antigo Sistema Colonial inglês, e sim a opinião pública contemporânea a respeito do mesmo. (SIOUSSAT 1906).
-
11
Sem esquecer que NovaisNOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: HUCITEC, 1978. aponta as peculiaridades do mercantilismo português no período de crise do sistema.
-
12
A referência clara do autor é K. Marx. No entanto, há indicações de que ele foi muito influenciado por outro autor: Wilson E. Williams, autor de Africa and the Rise of Capitalism (1938). Cf. MORGAN, 2000MORGAN, Kenneth. Slavery, Atlantic Trade and the British Economy. Cambridge: Cambridge UP, 2000., p. 32-3. Segundo Peter Hoggs, “[Wilson E.] Williams argues that the development of England as a capitalism power was based mainly on the slave trade”. HOGGS, 1973HOGG, Peter C. . The African slave trade and its suppression: a classified and annotated bibliography of books, pamphlets and Periodical articles. Londres: Frank Cass, 1973., p. 105. Eric Williams já havia apresentado um resumo de seus argumentos num artigo: WILLIAMS, 1943WILLIAMS, Eric E. “Laissez Faire, Sugar and Slavery”. Political Science Quarterly, Vol. 58, No. 1 (Mar., 1943), p. 67-85., p. 67-85. E. Williams inscreve-se numa linha de abordagem que enfatiza o papel da “revolução comercial” no advento da industrialização inglesa; INIKORI, 2000INIKORI, Joseph. E. Capitalism and Slavery, Fifty Years Later: Eric Williams and the changing explanations of the Industrial Revolution. In: Capitalism and Slavery Fifty Years Later: Eric Eustace Williams - A Reassessment of the Man and His Work. New York: Peter Lang Publishing Incorporated, 2000, p. 51-80., p. 51-6.
-
13
Recentemente, Joseph E. Inikori argumentou que esta é a tese secundária do livro, enquanto a principal é outra com ela relacionada: a de que a ascensão do capitalismo tornou o escravismo colonial um fardo para a Inglaterra, daí o abolicionismo. INIKORI, 2002INIKORI, Joseph E. Africans and the Industrial Revolution in England. Londres: Cambridge UP, 2002., p. 5-6.
-
14
Em Beer, igualmente, as colônias inglesas continentais “nortistas”, a Nova Inglaterra, não se adequavam ao padrão das colônias ideais, por suas características produtivas; BEER, The Old Colonial System, p. 319-20.
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15
Embora MORGAN (2000MORGAN, Kenneth. Slavery, Atlantic Trade and the British Economy. Cambridge: Cambridge UP, 2000., p. 31) afirme que a originalidade de Eric Williams consista em sua abordagem de forma conjunta do desenvolvimento econômico de quatro continentes, Capitalismo e Escravidão restringe-se a analisar as relações entre a Inglaterra, o tráfico escravista e suas colônias americanas, pouco mencionando as demais colonizações.
-
16
SCHWARZ, 1999SCHWARZ, Roberto. Um seminário de Marx. In: SCHWARZ, Roberto. Seqüências Brasileiras. Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras , 1999., p. 96.
-
17
O trabalho de DobbDOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1971., diversas vezes citado, é o clássico Studies in the Development of Capitalism [1946], cujo título foi mal traduzido como A Evolução do Capitalismo. A enorme influência desse trabalho entre os estudiosos da história econômica moderna compreende-se por ter sido ele o “first compreheensive study in English of a theme raised by Marx himself and by practitioners of economic history […] - the nature of the transition from feudalism to capitalism”. ATLEY; MCFARLANE, 2001ATLEY, Tony; MCFARLANE, Bruce. Maurice Dobb, Historical Materialism, and Economic Thought. In: MEDEMA, Steven G.; SAMUELS, Warren J. Historians of economics and economic thought: the construction of Disciplinary Memory. Londres: Routledge, 2001, p. 63-92., p. 64. Dele se disse, também, “Dobb’s work was not only theoretically pioneering, but in so far as Studies reinvigorated research and discussion on the genesis of capitalism, it was historically pioneering as well”. KAYE, 1995KAYE, Harvey J. The British Marxist historians: an introductory analysis. 2nd ed. Virginia: Palgrave Macmillan, 1995., p. 68.
-
18
Sobre a contribuição de Maurice Dobb para esta renovação, cf. KAYE, 1995KAYE, Harvey J. The British Marxist historians: an introductory analysis. 2nd ed. Virginia: Palgrave Macmillan, 1995., p. 68.
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19
NOVAIS, 1979, p. 13.
-
20
Novais continua uma senda clássica de abordagem da relação entre o “centro” do capitalismo e as economias menos desenvolvidas; como afirma François Chesnais, acerca das análises precursoras do Imperialismo (Hobson, Lênin, Luxemburgo, Hilferding, Trotsky, Bukhárin) todos concordam “num ponto metodológico fundamental: a unidade da economia mundial, no sentido de uma integração cada vez mais estreita de todas as suas partes, num sistema de relações moldado pelo capital e dominado pelos países capitalistas centrais”. CHESNAIS, 1996, p. 48.
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21
Essas considerações são tão próximas das que estão no artigo de Cardoso de 1980 que é justo atribuí-las ao autor.
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22
O que, já antes, fora criticado como teoricamente equivocado por GIANOTTI, 1976GIANOTTI, José Arthur, “Notas sobre a categoria ‘modo de produção’ para uso e abuso dos sociólogos”. Estudos Cebrap, São Paulo, n. 17, jul./set. 1976, p. 161-8., p. 163-8.
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23
Recentemente, Rafael Marquese sintetizou a trajetória que deu origem às novas abordagens historiográficas sobre a economia escravista no Brasil; portanto, limito minha abordagem deste tema e remeto ao artigo MARQUESE, 2013MARQUESE, Rafael de Bivar, “As Desventuras de um Conceito: Capitalismo Histórico e a Historiografia sobre a Escravidão Brasileira”, Revista de História, São Paulo, 169, p. 223-53, Julho/Dezembro 2013., 225-9. Concentro-me em aspectos que não foram foco do autor.
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24
Cf. WOOD, 1999WOOD, Ellen M. O que é a agenda “pós-moderna”? In: E. M. Wood e John Bellamy Foster (Org.). Em Defesa da História. Marxismo e Pós-Modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999, p. 7-22., p. 12-4.
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25
A questão está resumida em FRAGOSO, 2013FRAGOSO, João Luís; GUEDES, Roberto; KRAUSE, Thiago Nascimento. A América portuguesa e os sistemas atlânticos na Época Moderna: Monarquia pluricontinental e Antigo Regime. São Paulo: FGV, 2013., p. 26-7.
-
26
A terminologia e a abordagem marxista são particularmente fortes em Homens de Grossa Aventura.
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27
Sobre o uso dessa categoria marxista, ver a longa introdução teórica de GORENDER, 2016GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Expressão Popular, 2016., p. 49-81.
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28
Rational action is here defined as choice of means in relation to ends.
-
29
A primeira edição é de 1993; na edição seguinte, houve pequenas, mas significativas, modificações, como a introdução no subtítulo da expressão “economia colonial tardia”; houve alterações, também, no sumário; entre elas, a substituição da expressão “economia colonial autônoma” por “economia colonial tardia”.
-
30
Sobre o conceito de embeddedness, cf. DALE, 2011, p. 92-4. BLOK, 2003BLOK, Fred. “Karl Polanyi and the writing of The Great Transformation”, Theory and Society, 32: 2003, p. 275-306. , p. 276, 282-3.
-
31
Tais características relacionam-se, também, às marcas de construção da sociedade e do Estado lusitanos da Idade Moderna, igualmente vincados por uma mentalidade pré-moderna, a ponto de que a expansão ultramarina ibérica ser atribuída a “motivos que hoje chamamos de morais-religiosos”. FRAGOSO, 2013FRAGOSO, João. O “sentido da historiografia” sobre a chamada economia colonial no início do século XXI. In: FRAGOSO, J.; GUEDES, Roberto; KRAUSE, Thiago. A América Portuguesa e os sistemas atlânticos na Época Moderna. Rio de Janeiro: FGV, 2013,, p. 33 A afirmação é repetida literalmente em FRAGOSO. In: FRAGOSO; GOUVÊA, 2014, p. 19.
-
32
GUEDES In: FRAGOSO; GUEDES; KRAUSE, 2013FRAGOSO, João Luís; GUEDES, Roberto; KRAUSE, Thiago Nascimento. A América portuguesa e os sistemas atlânticos na Época Moderna: Monarquia pluricontinental e Antigo Regime. São Paulo: FGV, 2013., p. 101.
-
33
Tornando, então, o trabalho numa mercadoria, embora “fictícia”; POLANYI, 104, 108, 118 et passim.
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34
Deve-se ter em conta, também, que os preços nominais em mil-réis não podem ser tomados como um indicador isolado, havendo que se considerar o câmbio e o preço dos escravos, pelo menos, para saber se os preços do café eram remuneradores ou não. MARQUESE, TOMICH, 2009MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In.: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs). O Brasil Imperial: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009, p. 339-386. Volume 2., 356-7; SLENES, 1986SLENES, Robert W. Slenes, Grandeza ou decadência? O mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio de Janeiro, 1850-1888. In: I. Del Ner Costa. Brasil: História Econômica e Demográfica, Brasília; IPEA, 1986, p. 126-9; MARCONDES, 1994MARCONDES, Renato Leite Marcondes. Resenha de Homens de Grossa Aventura, disponível em Resenha Bibliográfica. Estudos Econômicos, v. 23, n. 3, p. 175-178, jan-mar 1994.. Neste aspecto, há uma crítica feita à interpretação de Fragoso e Florentino sobre a relação entre produção açucareira e cafeeira e os preços externos, feita por MARIUTTI; NETO; NOGUERÓL, 2001MARIUTTI, Eduardo B.; Mário NETO & Luiz PauloNOGUERÓL, “Mercado interno colonial e grau de autonomia: críticas às propostas de João Luís Fragoso e Manolo Florentino”. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 31, n. 2, 2001, p. 369-93., p. 369-93; uma síntese clara dos argumentos dos autores encontra-se em: MAGALHÃES. 2008MAGALHÃES, Diogo Franco. O Reinventar da Colônia: um balanço das interpretações sobre a Economia Colonial Brasileira. Dissertação de Mestrado (Economia). Campinas, Instituto de Economia, 2008., p. 142-44.
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35
Um exemplo clássico: ARRUDA, 1980ARRUDA, José Jobson de A. O Brasil no Comércio Colonial. São Paulo: Ática, 1980..
-
36
Rosemary Arnold, discípula de Polanyi, aplicou o conceito à cidade de Uidá (Whydah em inglês, Ouidah em francês). Do ponto de vista geográfico, Uidá não é um porto, efetivamente, pois estava situada a 4 Km de uma das lagoas no litoral entre a foz do Níger e o rio Benin. Cf. LAW, 2004, p. 18.
-
37
Além dos próprios estudos de FRAGOSO (1998FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de Grossa Aventura. Acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2ª. ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.), veja-se CARRARA, 2007 e os diversos estudos incluídos em LUNA, COSTA, KLEIN, 2009.
-
38
Para as sociedades do Golfo de Benin ou Costa da Mina, cf. LAW, 2004; para a África Centro-Ocidental, VANSINA, 2010VANSINA, -. O Reino do Congo e os seus vizinhos. In: OGOT, Bethwell A. História Geral da África, vol. 5. Brasília: UNESCO, 2010, p. 647-94., p. 647-94.
-
39
Mesmo no caso do Recife, que surgiu como o porto de Olinda, núcleo da colonização, foi a sua posição mercantil que a elevou a centro político e econômico de Pernambuco. O isolamento da economia do Daomé das atividades de mercado que se processavam em Ajudá (ou Uidá), consequência lógica da aplicação do conceito de “port of trade” à cidade, foi contestada por um especialista na história daquele reino africano. Segundo o autor, há diversas evidências que mostram como as flutuações dos preços no mercado atingiram não apenas os bens de comércio exterior (escravos e manufaturas), mas os alimentos consumidos cotidianamente pelas populações sob o domínio daomeano. LAW, 1992. Outro especialista também sugeriu alguns limites à abordagem “substantivista” à história da África pré-colonial; cf. CURTIN, 1975CURTIN, Philip D. Economic Change in Precolonial Africa: Senegambia in the Era of the Slave Trade. Madison: University of Winsconsin Press, 1975., p. 235-7.
-
40
“[...] agrarian societies, in which those who depends for their livelihoods upon incomes generated through buying and selling on markets were greatly outnumbered by peasants whose selfsufficiency insulated them from any meaningful market dependence”.
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41
Sobre a utilização do conceito de campesinato para qualificar os pequenos produtores no período colonial, cf. LOPES, 2012; ver, ainda, sobre os diversos usos do conceito: CARRARA, 2008; GRYNSZPAN, 2005. Sobre a lógica das sociedades camponesas, cf. CHAYANOV, 1985CHAYANOV, Alexander V. La organización de la unidad económica campesina. Trad. Buenos Aires: Nueva Visión, 1985.
-
42
“[...] is ill-suited to charting the development of economic behaviour and concepts both from less to more commercial phases of antiquity and from the pre-capitalist world to modern capitalism” Um estudo da formação do mercado de capitais na Inglaterra pós Revolução Gloriosa, com nítida inspiração polanyiana, também considera que não é possível compreender o desenvolvimento do mercado sem ter em consideração os mecanismos não econômicos que o envolviam; contudo, o autor não descarta os condicionantes capitalistas do processo de constituição daquele mercado; cf. CARRUTHERS, 1999, p. 3-21CARRUTHERS, Bruce G. City of Capital. Nova Jersey: Princeton UP, 1996. (especialmente p. 20-1).
-
43
Obviamente, nada impede que um olhar antropológico seja lançado, inclusive, sobre a sociedade contemporânea; não obstante, uma recente abordagem antropológica, com base em Mauss, sobre os EUA da atualidade é qualificada pelo autor como “a Marxized Mauss”, o que é bastante significativo. CARRIER, 1995CARRIER, James G. Gifts and Commodities. Exchange and Western Capitalism since 1700. Londres; Nova York: Routledge, 1995., p. VII.
-
44
FINLEY, 1999FINLEY, Moses. The Ancient Economy. Berkeley: University of California Press, 1999, p. 17-20.
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45
A polêmica também se instaurou nas abordagens da economia da baixa Idade Média (ou feudal). Ante a ênfase de alguns pesquisadores numa economia voltada para a autossuficiência e apartada do mercado, outro autor ressalta a importância do mercado já a partir do séc. XI, criticando a tendência a “primitivizar” os homens medievais. BOIS, 2001BOIS, Guy. La Gran Depressión Medieval: siglos XIV-XV. Madrid: Biblioteca Nueva, 2001., p. 62, nota 92, que atribui tal tendência à influência da Antropologia. Para o autor, no séc. XII, deu-se “un cambio radical: la preocupación por el dinero se hizo presente en cada actor de la vida económica.” Ibidem. No entanto, parece “moderna” demais a qualificação que Bois atribui à economia da Baixa Idade Média: “uma economia monetária de produção”, expressão tomada de empréstimo a Keynes; p. 62, nota 93.
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46
FRAGOSO (2002, p. 23, nota 2,) admite que aquele autor mudou sua abordagem em texto posterior, mas que, no essencial, ela continuaria a mesma, o que não me parece muito preciso. Fragoso reitera esse ponto, citando, mais uma vez, apenas O’Brien e Engerman, noutro artigo: FRAGOSO, 2002, P. 110-1.
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47
O’Brien and Engerman assign foreign (mostly colonial) trade an independent role in explaining economic growth and structural change in the industrializing British economy of the period 1688-1802.
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48
Abordando as relações entre a colonização portuguesa do Brasil e a industrialização inglesa, após citar alguns autores europeus que adotam perspectivas revisionistas das origens da Revolução Industrial, outro autor conclui: “Em suma, seja de uma perspectiva teórica como empírica, há sérias dúvidas quanto à importância do comércio exterior para a industrialização europeia no século XVIII”; VILLELA, 2011VILLELA, André Arruda. “Exclusivo metropolitano, “superlucros” e acumulação primitiva na Europa pré-industrial”. Topoi, Vol. 12, n. 23, 2011, p. 15, p. 15. Este artigo representa bem a disseminação do revisionimo entre os estudiosos da história do Brasil; apesar de o raciocínio apresentado ser muito bem elaborado, a síntese dos argumentos do Antigo Sistema Colonial é muito simplificada, assim como a dos argumentos relativos às origens da Revolução Industrial.
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49
VILLELA, 2011VILLELA, André Arruda. “Exclusivo metropolitano, “superlucros” e acumulação primitiva na Europa pré-industrial”. Topoi, Vol. 12, n. 23, 2011, p. 15, p. 9.
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50
Ver, também, POMERANZ, 2013, 441 e ss. Outros autores, influenciados por Robert Brenner, mantêm a ênfase nos aspectos internos da formação do capitalismo inglês: ZMOLEKZMOLEK, Michael Andrew. Rethinking the Industrial Revolution. Five Centuries of Transition from Agrarian to Industrial Capitalism in England. Leiden; Boston: Brill, 2013., especialmente as p. 165-214.
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51
As referências para este tema, porém, não se relacionam à CEPAL, pois o autor considera, baseado em estudos econômicos, que os casos da América Latina não foram bem-sucedidos, se comparados aos casos do Sudeste asiático.
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52
Por exemplo, sobre o comércio de escravos entre o Brasil e a África, RIBEIRO, 2009RIBEIRO, Alexandre Vieira. A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos, grupo mercantil (c.1750 - c.1800). Tese de Doutorado (História). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009; XIMENES, 2012XIMENES, Cristiana Ferreira L. Bahia e Angola: redes comerciais e o tráfico de escravos (1750 - 1808). Tese de Doutorado (História). Niterói: UFF , 2012.. Sobre os circuitos internos e os grupos mercantis: BORREGO, 2006BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A Teia Mercantil. Negócios e poderes em São Paulo colonial (1711-1765). Tese de Doutorado (História). São Paulo: USP, 2006. ; SANTOS, 2013SANTOS, Raphael Freitas. Minas com Bahia. Mercados e Negócios em um circuito mercantil setecentista. Tese de Doutorado (História). Niterói: UFF, 2013..
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53
Cf. as críticas de Rafael Marquese ao “abandono do conceito de capitalismo” pela historiografia revisionista, aparente em sua recepção da influência de E. P. Thompson, mas que, afirma Marquese, “limou seu fundo historiográfico mais amplo, qual seja o do problema da formação do capitalismo na Inglaterra”, MARQUESE, 2013MARQUESE, Rafael de Bivar, “As Desventuras de um Conceito: Capitalismo Histórico e a Historiografia sobre a Escravidão Brasileira”, Revista de História, São Paulo, 169, p. 223-53, Julho/Dezembro 2013., p. 231. As críticas do autor referem-se às obras de Silvia Lara e Sidney Chalhoub.
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54
Que tem no subtítulo o Antigo Regime nos Trópicos e cuja apresentação é de António Manuel Hespanha.
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55
Não cabe aqui discutir com mais detalhes, mas são duvidosas as tentativas de enquadrar os escravos da sociedade colonial na mesma condição dos indivíduos subalterno nas sociedades do Velho Continente, como fazem MATTOS, 2001MATTOS, Hebe Maria. A escravidão moderna nos quadros do Império português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, J; GOUVEA, M. de F.; BICALHO, M. F. O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2001, p. 141-162., e HESPANHA, 2007HESPANHA, Antônio Manuel. “Depois do Leviathan”, Almanack Braziliense, São Paulo, n. 5, maio de 2007, p. 55-66., p. 65. Vejam-se os argumentos de Meillasoux sobre a radical descontinuidade entre a condição dos subalternos, mas livres, e a dos escravos. MEILLASOUX, 1995, p. 12 e ss.
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56
Elemento constitutivo de abordagens totalizantes elaboradas nos anos 1970, como a dos sistemas-mundo de Wallerstein; cf. GOLDFRANK, 2000, p. 160.
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57
WOOD, 2001WOOD, Ellen Meiksins. A Origem do Capitalismo. Trad. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001., p. 29-35. A autora, embora considere Polanyi uma “exceção” às versões convencionais da história econômica do capitalismo, faz algumas reservas à abordagem de Polanyi, considerando que este vê o “progresso” técnico como o motor das transformações sociais que se observaram na Europa dos séculos XVI ao XIX e não como resultado das alterações das relações sociais, o que defende como uma abordagem marxista desse processo.
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Braudel refere-se, especificamente, ao capítulo de Walter C. Neale na obra organizada por POLANYI; ARENSBERG; PEARSON, 1976POLANYI, Karl; ARENSBERG, Conrad M.; PEARSON, Harry W. Comércio y Mercado en los Impérios Antiguos. Barcelona: Labor, 1976 [1957]. [1957], p. 405-424.
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ALENCASTRO, 2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 12-29.
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Embora os autores utilizem a formulação marxista de “lucro pela alienação”, não é a abordagem marxista que fundamenta a obra; FRAGOSO e FLORENTINO, 2001FRAGOSO, J; GOUVEA, M. de F.; BICALHO, M. F. O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2001., p. 117.
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SCHWARTZ, 1999, p. 129. Afirma ainda Schwartz: “Uma visão marxista ou estruturalista do Brasil anterior a 1808, com uma economia baseada na [importação] de escravos, vinculada ao desenvolvimento de um capitalismo mercantil de uma Europa em plena expansão, é o paradigma que domina o pensamento histórico sobre o Brasil desde a década de 1930” (SCHWARTZ 2009, p. 180). A tradução do artigo equivoca-se, escrevendo “exportação de escravos”.
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A consideração da Teoria da Dependência como uma nova fase do pensamento econômico latino-americano, que parte da crítica marxista de algumas formulações da CEPAL - mas sem ser uma ruptura com as tradições estruturalistas - também é enfatizada por LOVE, 1990LOVE, Joseph L., “The Origins of Dependency Analysis”. Journal of Latin American Studies, Vol. 22, N 1-2, Março 1990., p. 157-9, 166-7.
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Ele cita “Sistema Colonial, Industrialização e Etapas do Desenvolvimento”, de 1973.
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Refiro-me ao Kula, um sistema de trocas praticado nas Ilhas Trobriand estudado por MALINOWSKI, 2002MALINOWSKI, Bronislaw Malinowski. Argonauts of the Western Pacific. Londres: Routledge , 2002 [1922], p. 62 e ss. [1922], p. 62 e ss. MALINOWSKI, 1993MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciencia y Religión. Buenos Aires: Planeta Agostini, 1993., p. 52, 87. Os estudos de Malinowski estão entre os que influenciaram as formulações de Polanyi; ver POLANYI, 2000POLANYI, Karl. A Grande Transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus , 2000., p. 66, 310.
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A definição da yeomanry inglesa dos sécs. XVI-XVII não é tão simples, mas refiro-me aqui às considerações de MOORE, 1983MOORE, Barrington, Jr. As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes , 1983., p. 18-20. Ver também Wallerstein, que afirma que a “força econômica [da yeomanry] residia no fato de possuírem todos os incentivos para se tornarem «empreendedores». Procuravam a riqueza e a mobilidade ascendente: o caminho para o êxito passava pela eficiência econômica”. WALLENSTEIN, 1990WALLENSTEIN, Immanuel. O Sistema Mundial Moderno. Vol. I. (Trad.). Lisboa: Afrontamento, 1990., p. 119. Esse papel também é atribuído, em parte, a gentry, como um segmento de proprietários de terra que ascenderam no período mencionado, tanto pela acumulação de terras como pelo seu manejo mais capitalista; cf. STONE, 2000STONE, Lawrence. Causas da Revolução Inglesa, 1529-1642. Bauru, SP: EDUSC, 2000., p. 72-85, 138-40.
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POLANYI, 2000POLANYI, Karl. A Grande Transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus , 2000., p. 65, 67. Embora Polanyi enfatize que essa constatação não se restringe aos grupos socialmente homogêneos, podendo ser observado historicamente em sociedades estratificadas, os casos que lhe servem de exemplos são os de grupos como os trobiandenses da Melanésia Ocidental (baseados nos célebres estudos de Bronislaw Malinowski) ou o antigo Egito, o que não surpreende, dado que o autor afirma que os princípios que regiam essas sociedades (simetria e centralidade, domesticidade e reciprocidade) predominaram até o fim do feudalismo; POLANYI, 2000, p. 67-75.
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Da mesma forma, a afirmação de que o acesso a uma oferta elástica de escravos e barata de alimentos sem a intervenção do capital mercantil português (ou europeu) não se sustenta quanto aos escravos, uma vez que a concepção de um comércio estritamente bipolar entre o Brasil e Angola deriva de uma interpretação equivocada ou incompleta dos dados para o tráfico de escravos do séc. XVIII; cf. MENZ, 2012MENZ, Maximiliano M., “As ‘Geometrias’ do Tráfico: o comércio metropolitano e o tráfico de escravos em Angola (1796-1807)”, Revista de História, São Paulo, n. 166, p. 185-222, jan./jun. 2012.. Aliás, Joseph Miller já o tinha demonstrado, mesmo sem a riqueza de detalhes do artigo citado, inspirado em Miller; cf. MILLER, 1988MILLER, Joseph. Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade, 1780-1830. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin, 1988., p. 299-300; MILLER, 1984, p. 1-56MILLER, Joseph. “Capitalism and Slaving: The Financial and Commercial Organization of the Angolan Slave Trade, according to the Accounts of Antonio Coelho Guerreiro (1684-1692)”. The International Journal of African Historical Studies, Vol. 17, No. 1. (1984), p. 1-56..
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Aliás, o autor demonstrou cabalmente que houve uma considerável renovação do grupo de proprietários de engenhos na passagem do séc. XVI ao XVII, pois as dificuldades no mercado europeu (com o início da crise do XVII) fizeram com que a maioria das propriedades mudasse de mãos. MELLO, 2007MELLO, E. C. de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630/1654. São Paulo: Editora 34 , 2007., p. 57-8. Ou seja, a possibilidade de falência ou de perda dos engenhos (por dívidas) indicaria o grau de mercantilização da produção açucareira colonial.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Jul 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
05 Mar 2018 -
Aceito
15 Dez 2018