Resumo
Pouco tempo depois dos cercos de 1570-1571 ao Estado da Índia, o arcebispo de Goa, Gaspar de Leão, publicava seu último tratado, o Desengano de perdidos (1573), no qual profetizava o fim do Islã e censurava as tentações da Índia. Este artigo propõe a análise da publicação do arcebispo como uma leitura atenta do contexto político e confessional do Índico, peça fundamental para a reflexão sobre seu trabalho pastoral e sobre o tipo de cristandade que tencionava construir. Primeiramente, o texto se concentrará sobre suas expectativas de uma cristandade global que assinalavam o poderio islâmico como principal empecilho à plena cristianização da Ásia. Em um segundo momento, a análise será direcionada aos vícios que, na obra, aparecem como desencadeados ou reforçados pela constituição do império português na Ásia.
Palavras-chave:
Império português; profecia; evangelização
Abstract
Shortly after the 1570-1571 sieges to the State of Índia, the archbishop of Goa, Gaspar de Leão, published his last treatise, entitled Desengano de perdidos (1573), in which he prophesied the end of Islam and censured India’s temptations. This paper proposes an analysis of the archbishop´s publication as an attentive reading of the political and confessional context of the Indian, a fundamental piece for reflection on his pastoral work and on the kind of Christianity he intended to build. First, the text will focus on his expectations of a global Christianity that highlighted islamic power as the main obstacle to the full Christianization of Asia. In a second step, the analysis will be directed to the vices that, in the publication, appear as triggered or reinforced by the constitution of the Portuguese empire in Asia.
Keywords:
Portuguese Empire; prophecy; evangelization
A figura do arcebispo D. Gaspar de Leão, a despeito de sua menor fama quando comparada à notoriedade de tantos missionários que atuaram na Ásia, pode ser considerada um dos baluartes do projeto de consolidação da cristandade no Estado da Índia, à frente da mitra de Goa em dois períodos distintos - o primeiro de 1558 a 1567 e o segundo entre 1572 e 1576. Gaspar de Leão, Gaspar (de Leão) Pereira, ou ainda Gaspar de Santa Maria, epíteto religioso por ele adotado, nasceu no Algarve. De família nobre, obteve o grau de licenciado em Cânones na Universidade de Salamanca, em 1536, inserindo-se, portanto, nos debates teológicos de Salamanca que mobilizaram os dominicanos ibéricos. Em Portugal, ocupou os postos de cônego em Évora e capelão de D. Henrique a partir de 1551 e arcediago do báculo e esmoler-mor da diocese a partir de 1557 (VENTURA, 2005VENTURA, R. D. Gaspar de Leão e o Desengano de perdidos: estudo histórico-cultural. 2005. 287 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Românicos) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.; XAVIER, 2014XAVIER, A. Gaspar de Leão e a recepção do Concílio de Trento no Estado da Índia. In: BARBOSA, D.; GOUVEIA, A.; PAIVA, J. P. O Concílio de Trento em Portugal e suas conquistas: olhares novos. Lisboa: CEHR , 2014. p. 133-156.). Segundo Valdo D’Arienzo (1987)ARIENZO, V. La missione di um mistico: Dom Gaspar de Leão primo arcivescovo di Goa. Studi e Ricerche sull' Oriente Cristiano, Roma, ano X, fasc. 1, p. 19- 36, 1987., durante o período eborense, acompanhava D. Henrique no exercício de suas funções pastorais, como as visitas. O papel de Évora como metrópole da teologia mística ganha relevo nas análises sobre a trajetória de Leão, situando-o no círculo de religiosos criado em torno do cardeal e do colégio inaciano de Évora por ele fomentado, questão já destacada por Asensio e Ventura. Para Arienzo (1987, p. 23)ARIENZO, V. La missione di um mistico: Dom Gaspar de Leão primo arcivescovo di Goa. Studi e Ricerche sull' Oriente Cristiano, Roma, ano X, fasc. 1, p. 19- 36, 1987., a atmosfera religiosa de Évora como metrópole espiritual lusitana impulsionara a inclinação à contemplação e à mística franciscana, característica mais marcante de sua personalidade e apostolado. É possível, portanto, que entre Salamanca e Évora os caminhos de Gaspar de Leão tenham se cruzado com os de grandes teólogos ibéricos como Francisco de Vitória, Domingo de Soto, Luis de Granada e Bartolomeu dos Mártires, cujos nomes figurariam em debates sobre a política religiosa da coroa.
Sua prelatura foi de fundamental importância no projeto de construção de uma cristandade na Ásia. À altura de sua chegada, os esforços dos missionários - primeiramente, os franciscanos, seguidos por jesuítas e dominicanos - para a cristianização dos nativos haviam alcançado algum sucesso e enraizamento em diversos pontos do subcontinente. Sob o reinado de D. João III, a partir da década de 1540, medidas mais virulentas começavam a ser tomadas em prol do batismo dos não-cristãos, como a concessão de privilégios aos cristãos, a destruição de templos e imagens e a separação de órfãos autóctones de parentes não-cristãos (FARIA, 2008FARIA, P. S. de. A conversão das almas no Oriente: franciscanos, poder e catolicismo em Goa: séculos XVI e XVII. 2008. 296 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.; MANSO, 2011MANSO, M. Contexto histórico-cultural das missões na Índia: séc. XVI-XVII. História Unisinos, v. 15, n. 3, p. 406-416, 2011.; NEILL, 1985NEILL, S. A history of christianity in India 1707-1858. Londres: Cambridge University Press, 1985. 600 p.; TAVARES, 2002TAVARES, C. A cristandade insular: Jesuítas e inquisidores em Goa (1540-1682). 2002. 318 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. Disponível em: Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/17072 . Acesso em: 18 nov. 2019.
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; XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003.). A insatisfação missionária com as práticas dos novamente convertidos, todavia, impulsionou o estabelecimento de instituições que tencionavam ampliar os resultados de tal empresa, fosse pela mediação, como no caso do cargo de Pai dos cristãos (FARIA, 2020FARIA, P. S. de. O Pai dos Cristãos e as populações escravas em Goa: zelo e controle dos cativos convertidos (séculos XVI e XVII). História, São Paulo, v. 39, e2020001, 2020.), fosse pela vigilância mais estrita. Destacava-se também nas cidades de Goa, Cochim e Ormuz a presença de comunidades judaicas, junto a cristãos-novos diaspóricos ao menos até fins da década de 1550, quando tiveram início os inquéritos contra os cristãos-novos e a subsequente instalação do Tribunal do Santo Ofício em Goa (CUNHA, 1995CUNHA, A. A Inquisição no Estado da Índia: origens (1539-1560). Lisboa: DGA/Torre do Tombo, 1995. 326 p.; MARCOCCI; PAIVA, 2013MARCOCCI, G.; PAIVA, J. P. História da Inquisição Portuguesa (1536-1821). Lisboa: Esfera dos Livros, 2013. 607 p.; TAVARES, 2002TAVARES, C. A cristandade insular: Jesuítas e inquisidores em Goa (1540-1682). 2002. 318 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. Disponível em: Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/17072 . Acesso em: 18 nov. 2019.
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; TAVIM, 2020TAVIM, J. A. The jews in sixteenth - and seventeenth - century goa. In: WEIL, S. The Jews of Goa. Deli: Primus Books, 2020. p. 173-199.). Cabe mencionar, ainda, a presença no sul do subcontinente e na costa do Malabar dos cristãos de São Tomé, de rito siro-malabar, aos quais, a partir da segunda metade do século XVI, como parte deste esforço de normalização e expansão da cristandade, tentou-se impor o rito católico romano. A difícil empresa de cristianização de populações tão heterogêneas resumia-se, por assim dizer, a territórios fronteiriços a domínios muçulmanos, e a presença de adeptos deste credo, tão valiosos para os portugueses como agentes comerciais no Índico, cruzando permanentemente os limites do Estado da Índia, em contato com os cristãos e novamente convertidos, descontentava o clero goês (FARIA, 2008FARIA, P. S. de. A conversão das almas no Oriente: franciscanos, poder e catolicismo em Goa: séculos XVI e XVII. 2008. 296 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.; MANSO, 2009MANSO, M. A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): actividades religiosas, poderes e contactos culturais. Macau/Évora: Universidade de Macau/Universidade de Évora, 2009.; TAVARES, 2002TAVARES, C. A cristandade insular: Jesuítas e inquisidores em Goa (1540-1682). 2002. 318 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. Disponível em: Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/17072 . Acesso em: 18 nov. 2019.
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).
Com Gaspar de Leão, Goa voltava a ter um prelado residente após longo período de sede vacante. De 1514 até 1534, os territórios asiáticos em que se destacava a presença portuguesa estiveram sob a jurisdição da diocese do Funchal, período em que a direção da Igreja goesa esteve a cargo dos vigários-gerais, contando ainda com a presença dos bispos de anel1 1 Título honorífico, sem jurisdição territorial. Os bispos de anel eram geralmente nomeados para dioceses inativas. para o exercício de determinados ministérios, como a ordenação de clérigos, necessidade que se apresentava de forma cada vez mais pujante. Estabelecida em 1534, a mitra de Goa foi regida por frei Juan de Albuquerque, que ali chegou em 1539, até seu falecimento, em 1553, prelatura sobre a qual vem lançando luz José Pedro Paiva (2019)PAIVA, J. P. O primeiro bispo católico a governar uma diocese na Ásia: D. Juan de Albuquerque, bispo de Goa (1537-1553). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2019.. A elevação a arquidiocese em 1557, junto à criação das dioceses de Cochim e Malaca, fortalecia a posição lusitana na Ásia, em permanente reconfiguração. Levando em conta o curto intervalo em que a residência episcopal foi cumprida, a ausência de um corpus documental normativo e a pouca maturidade das estruturas eclesiásticas, Xavier caracterizou a vida religiosa na Índia até a chegada do arcebispo em dezembro de 1560 como dotada de “certa ligeireza institucional” (XAVIER, 2014, p. 137XAVIER, A. Gaspar de Leão e a recepção do Concílio de Trento no Estado da Índia. In: BARBOSA, D.; GOUVEIA, A.; PAIVA, J. P. O Concílio de Trento em Portugal e suas conquistas: olhares novos. Lisboa: CEHR , 2014. p. 133-156.). Uma atuação crucial, portanto, no longo processo do que a autora denominou A invenção de Goa, a fim de dar corpo à Goa imaginada. Embora, como bem destaca, as “traças para conversão” já estivessem essencialmente colocadas desde a década de 1530 pela atuação franciscana, ainda há muito que ser desvelado sobre os pilares deste projeto imperial, como a própria espiritualidade do arcebispo criador da primeira normativa e fundador do Convento da Madre de Deus, tão próximo às tradições franciscanas (XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003.). A composição da estrutura diocesana a partir de 1534 marcara o que Catarina Madeira chamou de segunda capitalização de Goa, evidenciando a centralidade eclesiástica da cidade no Índico, para além da capitalidade política, e a prelatura de Leão foi parte sensível deste investimento (SANTOS, 1999SANTOS, C. ‘Goa é a chave de toda a Índia’: perfil político da capital do Estado da Índia. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. 376 p.).
A Gaspar de Leão foram dedicados estudos diversos, focados tanto em sua atuação pastoral mais direta, como no estabelecimento de uma legislação diocesana ou em suas relações com os regulares presentes no território, quanto em seus escritos pastorais, além de panoramas sobre sua prelatura (FARIA, 2009FARIA, P. S. de. Reforma e profecia: a ação do arcebispo de Goa e místico D. Gaspar de Leão. História, Franca, v. 28, n. 1, p. 145-167, 2009.; VENTURA, 2005VENTURA, R. D. Gaspar de Leão e o Desengano de perdidos: estudo histórico-cultural. 2005. 287 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Românicos) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.; XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003., 2014XAVIER, A. Gaspar de Leão e a recepção do Concílio de Trento no Estado da Índia. In: BARBOSA, D.; GOUVEIA, A.; PAIVA, J. P. O Concílio de Trento em Portugal e suas conquistas: olhares novos. Lisboa: CEHR , 2014. p. 133-156.). O Desengano de perdidos, objeto deste estudo, foi largamente analisado por Ricardo Ventura (2005)VENTURA, R. D. Gaspar de Leão e o Desengano de perdidos: estudo histórico-cultural. 2005. 287 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Românicos) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005., concedendo ênfase à retórica pedagógica adotada por Leão, apoiada na alegoria como ferramenta catequética e na tensão entre pares antitéticos (como cruzada e conversão pacífica, escolástica e humanismo, ou rigor doutrinal e utopia da via unitiva), sinal da diversidade de possibilidades para as estratégias de conversão nos múltiplos espaços em que se inseriram os portugueses. Ventura insistiu, ainda, sobre a particularidade da visão positiva - embora com um tom de crítica moral - de Leão sobre a expansão, coroada pela alegoria da galé espiritual na última parte do texto. O tratado era veículo de uma justificativa sobre a missionação e a ordem social que a sustentava, que por sua vez conferiam sentido providencial à expansão portuguesa. Segundo Faria (2009)FARIA, P. S. de. Reforma e profecia: a ação do arcebispo de Goa e místico D. Gaspar de Leão. História, Franca, v. 28, n. 1, p. 145-167, 2009., o tratado articulava sua apropriação do profetismo franciscano a uma leitura histórica otimista do contexto político do império português e da cristandade. Para Xavier (2014)XAVIER, A. Gaspar de Leão e a recepção do Concílio de Trento no Estado da Índia. In: BARBOSA, D.; GOUVEIA, A.; PAIVA, J. P. O Concílio de Trento em Portugal e suas conquistas: olhares novos. Lisboa: CEHR , 2014. p. 133-156., a obra era parte de sua tríade pastoral. Evidenciando um “pessimismo antropológico” que convidava à rejeição aos sentidos para a salvação, especialmente na Índia, onde as sensações eram por demais atraentes, o tratado apontava como a percepção de infidelidade do arcebispo seguia ainda os valores peninsulares, voltando-se para os mouros e judeus. A libertação pela via do amor unitivo estava, no entanto, aberta a todos que desejassem alcançar a perfeição cristã. Županov (2010)ŽUPANOV, I. “The Wheel of Torments”: mobility and redemption in Portuguese colonial India (sixteenth century). In: GREENBLATT, S. Cultural mobility: a manifesto, edição de Stephen Greenblatt. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 24-74., em análise que conecta o Desengano de perdidos ao tratado de Garcia de Orta, observa como o primeiro dirigia-se tanto aos muçulmanos quanto aos cristãos para convocá-los para a batalha contra os sentidos, na figura das sereias, domesticadas nas representações da Velha Goa, e neles despertar a razão natural, que para o muçulmano corresponde à conversão.
Isso posto, pretendo analisar o Desengano de perdidos como uma leitura atenta do contexto político e confessional do Índico pelo arcebispo, peça fundamental para a reflexão sobre seu trabalho pastoral e sobre o tipo de cristandade que desejava erigir. Primeiramente, o texto se concentrará sobre suas expectativas de um orbe cristão, no âmbito do projeto de cristianização global impulsionado por Roma e pelas monarquias ibéricas, que assinalavam o poderio islâmico como principal empecilho à plena cristianização da Ásia. Em um segundo momento, a análise será direcionada aos vícios que, na obra, aparecem como desencadeados ou reforçados pela constituição do império português na Ásia.
Islã, o inimigo a ser eliminado
A nau que transportara Gaspar de Leão pode ser considerada, para fins do projeto de domínio português sobre a Ásia, como tão importante quanto aquelas que realizaram as primeiras expedições: junto com ele, viajavam D. Jorge Temudo e D. Jorge de Santa Luzia, nomeados bispos de Cochim e Malaca, os dois inquisidores que fundariam o Tribunal de Goa, com jurisdição sobre toda a parte asiática do império e, não menos importante, os tipógrafos que publicariam seus livros na Índia portuguesa.
Foi da tipografia de Quinquênio e Endem que vieram à luz os tratados escritos pelo arcebispo durante sua prelatura. A publicação de obras de caráter confessional, muitas delas ligadas à teologia mística, escritas por religiosos que frequentavam o círculo de D. Henrique, era uma marca da tipografia que funcionava em Lisboa pertencente a João Blávio, natural de Colônia, que seria o proprietário daquela em que trabalharam Quinquênio e Endem. Com a morte de Quinquênio, Endem aparentemente assumiu sozinho o negócio. De sua tipografia saíram todos os tratados de Gaspar de Leão publicados em Goa, além das constituições do arcebispado.2 2 Informações sobre os tipógrafos disponíveis no dicionário elaborado pela Cátedra Alberto Benveniste: https://www.catedra-alberto-benveniste.org/dic-italianos.asp?id=328. Acesso em 19. mar. 2020. Restam hoje pouquíssimas cópias dos tratados escritos pelo arcebispo, segundo inventário de Boxer (1975)BOXER, C. A tentative check‐list of Indo ‐Portuguese imprints. Arquivos do Centro Cultural Português, Paris, v. 9, p. 567-599, 1975..3 3 Se eram publicados com uma tiragem menor por ausência de um grande público leitor, ou se simplesmente se perderam (e no caso do Desengano de perdidos, deve-se levar em consideração sua entrada no Index de 1581), não se sabe. Maria Teresa de Carvalho (2012) chama a atenção para o grande número de cópias do tratado de Orta (também proibido) sobreviventes, concluindo daí que os escritos pelo arcebispo teriam menor difusão.
A edição utilizada para esta análise é uma reprodução do impresso encontrado por Asensio na Biblioteca Nacional de Madrid, composto por: licença, carta ao rei, proêmio, errata, prólogo, sumário e 189 fólios de texto, divididos em três partes. Asensio assinalou que o tratado se destinava a um público muito amplo (mercadores, sacerdotes, funcionários do Estado da Índia, novamente convertidos), o que vem ao encontro da leitura aqui desenvolvida.
O último tratado de Leão apresenta-se como um diálogo entre um cristão e um turco que compartilhavam uma jornada de viagem, ocasião para a conversão deste do islamismo ao catolicismo. Sua adesão à Igreja tem dois aspectos, impossíveis de serem separados: manifestação da graça divina na dimensão individual, apresentando ao turco um mestre para orientá-lo pelo reto caminho da fé, ao mesmo tempo que simbolizaria o vaticínio sobre o iminente fim do Islã e vitória do catolicismo.4 4 Ventura (2005) indicou um plano bélico e um plano da conversão. A articulação entre um plano individual e outro global permite, todavia, pensar a graça e a conversão como objetivos confessionais - no âmbito da política e da fé - indissociáveis. O arcebispo dirigia-se a sua grei, primeiramente para garantir-lhes o fim dos infiéis que ameaçavam a presença portuguesa e católica na Ásia, para, em seguida, ensinar a esta comunidade cristã que ele marcava como estendida, incluindo já os conversos, sob a simples condição de que nela desejassem seguir, as vias da perfectibilidade em uma terra em que as oportunidades de engano e pecado saltavam aos sentidos.
Saído à luz no cenário de temor e carestia que se seguiu ao cerco de 1570 a Goa, o tratado deve ser analisado no contexto das tensões geopolíticas e confessionais da segunda metade do século XVI. A escrita do arcebispo chama a cristandade asiática à esperança e à confiança no favor divino, do qual a vitória da Santa Liga em Lepanto e o sucesso dos portugueses em manterem seus postos seriam sinais. O sensível predomínio islâmico na Índia, acentuado com a vitória dos sultanatos do Decão sobre Vijayanagar em princípios de 1565, encaminhou a aliança que pretendia expulsar os portugueses. O acordo de paz entre Bijapur e Ahmadnagar após os conflitos de 1569 permitiu a concentração de forças em um coordenado plano de anexação dos territórios do derrotado império hindu e de expansão contra os incômodos portugueses - que rapidamente avançaram também sobre os antigos domínios de Vijayanagar - fazendo frente ainda ao crescente Império Mogol. Bijapur, Ahmadnagar, Calecute, Achém, Sitavaka, Johor e Japará aderiram à liga que orquestrou os cercos simultâneos ao Estado da Índia, de dezembro de 1570 até meados de 1571 (CAMPOS, 2013CAMPOS, N. A Casa de Atouguia, os Últimos Avis e o Império: dinâmicas entrecruzadas na carreira de D. Luís de Ataíde (1516-1581). 2013. 456 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2013. , p. 148-154; THOMAZ, 1995THOMAZ, L. F. A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia. Mar e Liberum, Lisboa, v. 9, p. 481-519, 1995.).
Enquanto isso, um pouco a Oeste, Selim II levava à frente seus planos de conquista de Chipre, entreposto militar e comercial estratégico, mobilizando a união da Santa Liga em socorro a Veneza e à salvaguarda dos interesses europeus no Mediterrâneo. Para Portugal e seu Estado da Índia, apesar da influência que exerciam otomanos e safávidas nas disputas internas ao subcontinente indiano, na segunda metade do século XVI os otomanos dificilmente eram percebidos como muito empenhados em interferir na região. A expansão otomana esteve longe, por exemplo, de representar para Portugal a ameaça que constituía os interesses Habsburgo no Mediterrâneo e no Norte da África.5 5 É preciso considerar como a necessidade de recompor as tropas após a derrota de Lepanto impossibilitou que Selim II enviasse contingentes do Mar Vermelho como haviam requisitado Ali Adil Shah e Murtaza Nizam Shah já em 1571 (CAMPOS, op. cit., p. 182). Para Subrahmanyam (2012, p. 161-168)SUBRAHMANYAM, S. Impérios em concorrência: histórias conectadas nos séculos XVI e XVII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012. 361 p., é possível afirmar que a ideia de uma ameaça otomana permanente não poderia ser demonstrada, e após a conquista de Bassorá em 1546 e o declínio da política expansionista de Süleyman, as atenções da Sublime Porta dirigiram-se à vigilância do Golfo Pérsico, e as esparsas intervenções que poderiam intimidar os portugueses foram fruto de pressões externas e condicionadas a um mínimo desgaste militar. A partir da década de 1570, com a anexação de Guzerate e Bengala, maior ameaça pareceria constituir o Império Mogol em expansão, pressionando o Estado da Índia nas zonas de contato e fronteiras terrestres e nos mares. Segundo Jorge Flores (2018)FLORES, J. Unwanted neighbours: the mughals, the portuguese, and their frontier zones. Oxford: Oxford University Press, 2018. 288 p., os mogóis eram vistos pelos portugueses como recém-chegados, vizinhos indesejáveis, fonte de potencial conflito nos três pontos sobre os quais o Império Mogol ia, aos poucos, avançando (Guzerate, Bengala e Decão), demandando, em cada um, diferentes estratégias para manter distante a ameaça. Não obstante, a imagem do Islã empregada no tratado deve muito ao medo dos otomanos, que assolava a Europa Ocidental, mesclada ao mouro da imaginação ibérica e a suas observações sobre os grupos muçulmanos que rodeavam a Goa portuguesa, uma espécie de híbrido turco-mouro, como destacara Ganho (2000GANHO, M. de L. A obra desengano de perdidos de D. Gaspar de Leão. In: GONÇALVES, N. A Companhia de Jesus e a missionação no Oriente. Lisboa: Brotéria/Fundação Oriente, 2000. p. 325-334.), ao qual acrescenta-se o muçulmano asiático. O Islã era entidade política e econômica organizada em múltiplas formas que tinha como motor o império otomano, cuja destruição assinalava um novo mundo.
No xadrez geopolítico indiano, não faltavam riscos aos interesses portugueses, e a investida coordenada de 1570 exigiu um plano de defesa em diversos fronts. Vale destacar que a estratégia do vice-rei Ataíde de defender a praça de Chaul, apesar das opiniões do Conselho de capitães de que ela devia ser abandonada para que se focasse na defesa de Goa, teria levantado oposições das autoridades eclesiásticas. O próprio Gaspar de Leão teria pressionado fortemente Ataíde para que abandonasse Chaul, assim como o faria ainda o inquisidor Aleixo Dias Falcão, dando voz ao então arcebispo D. Jorge Temudo (CAMPOS, 2013CAMPOS, N. A Casa de Atouguia, os Últimos Avis e o Império: dinâmicas entrecruzadas na carreira de D. Luís de Ataíde (1516-1581). 2013. 456 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2013. , p. 175), muito embora a memória da atuação da Ordem dos Pregadores na Ásia de Frei João dos Santos fosse a do favor divino emulado pelo apoio de frei Jorge de Santa Luzia (SANTOS, 1609SANTOS, J. dos. Ethiopia Oriental, e varia história de cousas notaveis do Oriente, II. Évora, Convento de São Domingos: Manoel de Lira, 1609. Disponível em: Disponível em: https://archive.org/details/ethiopiaoriental00sant . Acesso em: 11 abr. 2020.
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, p. 46).
O tom profético do texto que prometia o fim do Islã para aplacar as inseguranças de um projeto global de cristandade - projeto antigo, como se verá adiante, reinventado à luz do cenário de Goa -era já indicado na dedicatória, louvando D. Sebastião como o príncipe desejado pelo reino e dado por Deus, “desenganador mor”, do qual se esperava o cumprimento do desengano de seu próprio povo e de outros maus governantes. O elogio ao rei e a promessa de grandes feitos, características da prática da dedicatória, assinalavam o apoio ao espírito cruzadístico do jovem monarca, e a seu empenho na luta contra o Islã e encorajavam o investimento na região, em momento de reorganização do aparato institucional e administrativo do Estado da Índia, empresa à qual a coroa dedicou-se consideravelmente no ano de 1572. As palavras dirigidas ao rei evocavam, porém, as expectativas do arcebispo quanto à empreitada de cristianização da Ásia: pela mão forte do monarca, contando com o favor divino, era possível converter e salvar gentios e infiéis, desde que ultrapassado o empecilho que constituía a lei de Maomé. Ao exercício da bondade régia cabia “amoestar, e desenganar os ignorantes, castigar aos perturbadores da república, remediar os males presentes, e prover nos futuros, e premiar os beneméritos da república” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 5). D. Sebastião era, ao mesmo tempo, difusor da palavra e da espada, destinado a desterrar os vícios de todo o orbe por ambas as vias, dando início a um novo tempo, livre do Islã. Um novo mundo, anunciado pela visão profética atribuída a João, de um império global católico. Um apelo a uma atuação firme do monarca na necessária empreitada contra os seguidores de Maomé na parte asiática do império, reforçando o esforço de catequese bem como o bélico.
A confirmação de seu grandioso destino aparecia aos olhos do arcebispo na forma de duas notícias chegadas do Reino em 1572. O Desejado não estava destinado a reinar só; a seu lado estaria Marguerite de Valois. O arcebispo admitia no tratado sua grande preocupação com o fato de que o monarca manifestava não desejar se casar, atribuída a maus conselhos regidos por interesses particulares, referindo-se provavelmente aos irmãos Câmara ou a Felipe II (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 8).6
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Sobre a posição de D. Sebastião e a indisposição com Felipe II, ver: PISSURNO, 2018.
A mudança de conduta do rei, considerando a união, era apresentada como fruto da providência divina. A negociação corria entrelaçada à investida papal para o que seria o segundo sinal divino: a luta da Santa Liga contra os turco-otomanos. Os pedidos de Pio V a D. Sebastião para que participasse da Liga remontam ao início de 1570, quando o monarca, concentrado na conservação de seu império no Índico, optou por não participar da frente católica. O papa, no entanto, ia além, colocando-se como mediador da união matrimonial entre Avis e Valois, desejoso de incluir ambos os reinos em sua investida contra os otomanos e de reafirmar o catolicismo na França. Pio V falhara nos dois objetivos. As notícias sobre a vitória da Liga em Lepanto7
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Embora a vitória em Lepanto tenha tido um impacto muito menor do que os reinos europeus poderiam desejar em termos políticos e militares para os otomanos, que definitivamente se consolidaram em Chipre, assinando a paz com Veneza em março de 1573, a batalha fortaleceu os ânimos católicos, quebrando o mito da invencibilidade otomana.
soaram para o arcebispo como início da destruição do Islã; já as novas sobre o possível matrimônio chegaram a Goa atrasadas: em princípios de 1571, sem maiores avanços na aliança com Portugal, a casa francesa movimentava as negociações matrimoniais com Henrique de Navarra. As ações diplomáticas portuguesas de setembro-outubro de 1571 foram conduzidas, talvez, tarde demais, e a intermediação papal, com visita do cardeal Alexandrino à corte lusa em fins do mesmo ano, insistindo ainda na participação de Portugal na Liga - que, após Lepanto, arrefeceu - mostrou-se uma cartada vazia, apesar da mudança de ânimo do monarca, que finalmente aceitava desposar a princesa Valois (PISSURNO, 2018, p. 96-99PISSURNO, F. O carrossel matrimonial de D. Sebastião: um estudo dos projetos nupciais do penúltimo rei na dinastia de Avis. 2018. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: Disponível em: https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&doc_number=000875860&local_base=UFR01 . Acesso em; 29 mar. 2020.
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). A partir de 1572, as negociações para o casamento em Navarra, que se mostrava mais vantajoso como possibilidade de aplacar as dissidências confessionais internas, caminhou a passos largos, realizando-se a cerimônia em agosto. A profecia de Gaspar de Leão era falha já em sua concepção.
A possibilidade do matrimônio e a vitória em Lepanto veiculavam, então, a promessa da destruição do inimigo que dificultava a estabilização da cristandade na Ásia, perspectiva de longa data que fundamentou o ideário imperial de D. Manuel e seria posteriormente revivida no intento cruzadístico de D. Sebastião no norte da África (THOMAZ, 2008THOMAZ, L. F. A ideia imperial manuelina. In: DORÉ, A.; LIMA, L. F.; SILVA, G. Facetas do Império na história: conceitos e métodos. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008. p. 39-104.; HERMANN, 1998HERMANN, J. No reino do desejado: a construção do sebastianismo em Portugal (séculos XVI e XVII). São Paulo: Companhia das Letras , 1998. 382p.). A eliminação do Islã consistia na linha mestra do projeto imperial messiânico manuelino, o quinto império profetizado por Daniel, a idade do Espírito Santo de Joaquim da Fiore, um império universal cristão. O plano da coroa de monopólio sobre o comércio das especiarias, que tinha como objetivo sufocar o Império Mameluco, tornando a rota do Cabo economicamente mais viável ao inflacionar o preço das mercadorias em Lisboa, era impulsionado também pela lógica econômica, mas essa não seria suficiente para explicá-lo.8 8 Subrahmanyam (2012, p. 168-174) avançou sobre a questão das rotas comerciais, afirmando como a rivalidade entre a rota do Mar Vermelho e a rota do Cabo tem sido mal compreendida pela historiografia recente, percebendo tal concorrência como meramente econômica ou afirmando que as duas rotas não poderiam coexistir. O estrangulamento da rota do Mar Vermelho teria objetivos políticos, minando o poder dos mamelucos e posteriormente dos otomanos. Ambas sobreviveram, abastecendo regiões diferentes, e com a primeira constantemente suprindo a baixa oferta da segunda. Da intervenção no Marrocos à política oriental, plano que culminaria com a queda de Jerusalém, o propósito de D. Manuel compreende-se por seu ideal cruzadístico e profético, que tomava forma na certeza de que o infiel seria extirpado. O triunfo cristão era lido no Apocalipse e reverberava nos textos que difundiam o messianismo manuelino, como o Gesta proxime, identificando a Babilônia ao mundo islâmico e o falso profeta a Maomé, como faria Leão. Triunfo este, cabe enfatizar, em que os franciscanos, que gozavam da afeição do monarca, teriam um papel de destaque, abrindo caminho para a cristandade a leste e enraizando posições de onde partiriam as investidas contra o Islã (THOMAZ, 2008THOMAZ, L. F. A ideia imperial manuelina. In: DORÉ, A.; LIMA, L. F.; SILVA, G. Facetas do Império na história: conceitos e métodos. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008. p. 39-104.). A luta contra o Islã estava mesmo nas origens do enraizamento português em Goa, tomada a Bijapur. Se a permissividade a outros credos marcou o início da instalação em Goa, os tempos de abertura haviam acabado (SANTOS, 1999SANTOS, C. ‘Goa é a chave de toda a Índia’: perfil político da capital do Estado da Índia. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. 376 p.).
Objetivo de um projeto global de conquista de territórios e de almas, a eliminação do Islã mostrava-se solução para problemas que atormentavam particularmente os interesses de disciplinamento religioso no Índico. A atração exercida pelos territórios submetidos ao poderio do Islã como possibilidade de fuga para aqueles que não desejavam seguir sujeitos ao catolicismo após o batismo e ainda para os gentios, sujeitos a uma série de restrições a suas crenças, ritos e hábitos, era motivo de preocupação por parte da Coroa e, é claro, pelo arcebispo, vendo a cristandade portuguesa na Índia claudicar. As notícias de casos de apostasia por nativos indianos que saíam dos domínios portugueses e posteriormente retornavam, desejando a reintegração, havia muito preocupavam as autoridades eclesiásticas e os agentes do Santo Ofício em Goa, resultando mesmo em modos de proceder mais brandos e adequados à realidade do Estado por parte do Tribunal, como a moderação da austeridade em um primeiro processo, a publicação de éditos de graça, ou a estratégia de deixar a causa sem uma sentença final, culminando na requisição de autorização papal para que se pudesse oferecer, nesses casos, uma segunda reconciliação formal aos relapsos, concedida por breve papal em janeiro de 1599 (FEITLER, 2016FEITLER, B. A Inquisição de Goa e os nativos: achegas às originalidades da ação inquisitorial no Oriente. In: FURTADO, J. et al. Justiças, governo e bem comum na administração dos impérios ibéricos de Antigo Regime. Curitiba: Prismas, 2016. p. 95-116.).
Os conflitos de 1570-1571 parecem ter deixado exposta esta preocupação com a permeabilidade das fronteiras confessionais, e a questão era levantada nas lembranças escritas pouco depois dos eventos. A memória sobre os cercos a Goa e Chaul9
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Segundo Andréa Doré (2010, p. 246-248), os relatos de cercos objetivavam ressaltar os feitos gloriosos dos portugueses, tendo ainda uma função pedagógica ou servindo como pagamento de promessas.
, elaborada por Antonio de Castilho, evidenciava os perigos da proximidade ao Islã, ao pontuar que nas ilhas de Bardez e Salsete, a despeito das muitas almas conquistadas pela ação jesuítica, não foram poucos os que rapidamente passaram para o lado de Bijapur (CASTILHO, 1573CASTILHO, A. de. Commentário do cerco de Goa, e Chaul. Lisboa: Antõnio Gonçalves, 1573. Disponível em: Disponível em: http://purl.pt/14441 . Acesso em: 14 abr. 2020.
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, p. 5r-v). O próprio arcebispo acionou o argumento, cuja constatação certamente lhe era familiar, para apresentar suas certezas sobre o futuro de um mundo sem muçulmanos:
Chegadas pois as naus, e ainda com menos do que ordinariamente trazem cada ano, a gente da terra novamente convertida, e gente fraca desmaiaram em alguma maneira, por desarmarem em vão as esperanças, que tinham concebido: e desconsolados, diziam, Está bom fazer Cristão, e entregar a Mouros? (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 10).
Anunciava-se, assim, a vitória sobre o inimigo que, por sua mera presença, e como ponto de atração, assediava o pequeno mundo cristão asiático.
O fato de que os domínios islâmicos constituíam polos de atração para o retorno às chamadas gentilidades contribuía para o acirramento da vigilância inquisitorial sobre práticas cripto-islâmicas na região, como fica claro na análise da atividade do Tribunal. Essas foram as causas de uma quantidade considerável de processos nas primeiras décadas de seu funcionamento, alcançando a faixa de 37% dos processos entre 1561 e 1570, e a de 33% de 1581 a 1590, chegando a ultrapassar as cifras dos demais delitos, mesmo o de práticas judaicas, apontado em alguns trabalhos como razão primordial para o estabelecimento do Tribunal no Índico (CUNHA, 1995CUNHA, A. A Inquisição no Estado da Índia: origens (1539-1560). Lisboa: DGA/Torre do Tombo, 1995. 326 p.), e o de gentilidades, que com o passar do tempo se firmaria como a mais expressiva preocupação dos inquisidores naquele espaço e teve, nas últimas décadas, ampla atenção da historiografia indiana, relegando pouca visibilidade à perseguição inquisitorial ao islamismo. A queda nestes percentuais a partir de fins do século XVI pode ser mesmo reflexo de medidas que visavam a facilitar o retorno dos que apostasiavam ao catolicismo e manter nos domínios portugueses os comerciantes da região. Dentre elas, cabe citar o perdão de 1598, dirigido especialmente aos que retornaram ao islamismo, mas que abrangia todos os cristãos que passavam a outros territórios e ali caíam em apostasia ou heresia, e o “Ofício acerca do perdão concedido aos que se fizerem mouros”, datado de janeiro de 1607, ambos do Conselho Geral. Cabe sinalizar como a maior parte dos processados por práticas islâmicas era composta por indivíduos escravizados, originários de diversas regiões da África e da Ásia, batizados cristãos nas mais diversas condições e com variado grau de conhecimento da doutrina (SILVA, 2018SILVA, L. A Inquisição e mestiçagem cultural no Estado da Índia (1560-1623). 2018. 187 f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018. Disponível em: Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/13412 . Acesso em: 15 maio 2020.
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). Um dado comum aos processos que correram pela mesma causa no tribunal lisboeta, como sinalizou Ribas (2004)RIBAS, R. Filhos de Mafoma: mouriscos, cripto-islamismo e Inquisição no Portugal. 2004. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Lisboa, Lisboa, 2004., mas muito mais expressivo em Goa. A análise das trajetórias destes sujeitos diaspóricos, que atravessavam fronteiras entre o mundo islâmico e o catolicismo movidos pela esperança de melhores condições de vida, “entre o estatuto de homens ‘livres’ e a dependência”, como indicou Faria (2016)FARIA, P. S. de. Cruzando fronteiras: conversão e mobilidades culturais de escravos no império asiático português (séculos XVI e XVII). Anais de História de Além-Mar, Lisboa, n. XVII, p. 147-177, 2016., só pode ser levada a cabo considerando-se a complexidade e a permeabilidade das fronteiras confessionais e territoriais no Índico.
Da mesma forma que o avanço militar sobre o Islã era tomado como sinal de seu fim, a empresa de conversão dos não-cristãos, exaltada em sucesso e grandiosidade, era, além do ponto final que se alcançaria com a eliminação do inimigo, também sintoma de que a vitória da Igreja de Roma se aproximava. Imerso, portanto, em uma leitura milenarista da expansão portuguesa que via a ampliação da fé católica como mais um sinal de sua vitória, serviu-lhe bem a autoridade de Isaías sobre a conversão dos gentios de longas distâncias:
Diz o profeta no cap. 60. Quem são estes, que como nuvens voam, e como pombas nas janelas do seu pombal? As ilhas esperarão por mim, e as naus do mar no princípio, para que eu traga teus filhos de longe, sua prata e seu ouro com eles ao nome do Senhor teu Deus, que te glorificou. Declaram, como disse, esta autoridade da geral conversão dos gentios, e entrada da Igreja Católica, interpretando a comparação das nuvens, e pombas à presteza, que as gentes tiveram no receber da fé: porém se eles viram o que nós vemos, doutra maneira se houveram na exposição. Vemos que de todas as ilhas, e arquipélagos oriental, de Ceilão, até os Japões, Java, Maluco, com todo seu arquipélago, vem cada ano as naus carregadas das drogas, ouro, e prata, e todos os mais bens daquelas ilhas e juntamente com esta fazenda os insulados gentios, e recebem a fé. E daqui vão as naus do reino carregadas das mesmas fazendas, e muitos naturais daquelas partes. O mesmo vemos do Brasil, e de todas as Antilhas. Quem isto vê, claramente entende, que esta profecia se cumpre em nossos tempos ao pé da letra, e não como os antigos. (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 13).10 10 Todas as citações foram atualizadas para o português moderno.
Os gentios adentravam a fé católica junto às riquezas mundanas, à vaidade e à opulência de um império, condenáveis como vícios e tentações demoníacas, mas não censuradas como parte do esforço de construção de um orbe cristão, como veículo de difusão da graça e expansão da fé, do Brasil ao Japão. Quase como se Gaspar de Leão pudesse separar o fato de que as naus que transportam as gentes e as mercadorias carregavam também o pecado, crítica que atravessa em inúmeras passagens a obra, e que permitiu a ele uma leitura de Isaías voltada para seu próprio tempo e para suas expectativas acerca da presença portuguesa em diversos espaços. Os gentios trazidos pelas naus para o grêmio católico não eram mais aqueles do mar Mediterrâneo, mas “os filhos do mar Oceano tão remotos: juntamente com eles virá seu ouro, prata e fazenda ao nome do Senhor teu Deus” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 14).11 11 Para esta leitura, o arcebispo apoiava-se nos comentários a Isaías do dominicano Francisco Foreiro (1563, p. 214v-215r), que sinalizou como os novos convertidos viriam de muito longe em grandes navios de carga que traziam o lucro mais que qualquer outra coisa. Como pregador de D. João III e um dos responsáveis pela educação de D. Antônio, é provável que os contatos entre os dois fossem de longa data.
O vaticínio apresentado pelo arcebispo deve ser lido, portanto, em sua chave política e, mais que isso, imperial, como expressão das ambições do pleno domínio português e católico sobre a Ásia. Os milenarismos seguiram e fomentaram ideologicamente os processos de expansão europeia. Fenômenos tão observáveis em escala global na Época Moderna, foram operados conectando espaços alargados e explicitando particularidades locais.12 12 Para Clossey (2008), percebe-se o impacto do milenarismo franciscano nos escritos missionários jesuíticos e em seu discurso sobre o avanço satânico sobre o mundo terreno, acelerando a atividade missionária em espaços diversos em prol da salvação das almas. O milenarismo de Leão, fermentado durante sua permanência no convento franciscano de Goa durante o hiato em que Temudo conservava a mitra, bebia da tradição franciscana joaquimita13 13 Joaquim de Fiore prenunciou o devir da humanidade em três tempos, sendo o último o da religião monástica, em que a paz e o Espírito reinariam no mundo (DELUMEAU, 1997, p. 40-46). e dos ideais messiânicos manuelinos, mas não se deve esquecer sua proximidade física à fortíssima expectativa milenarista do mundo islâmico com a aproximação do primeiro milênio da Hégira, que impeliu os projetos imperiais de otomanos, safávidas e mogóis (SUBRAHMANYAM, 2012, p. 113-152SUBRAHMANYAM, S. Impérios em concorrência: histórias conectadas nos séculos XVI e XVII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012. 361 p.). No mundo cristão, também se fizeram sentir em toda parte os anseios por um novo tempo anunciado pela ampliação da fé aos gentios havia tanto perdidos. É possível traçar um paralelo com os anseios milenaristas de Colombo, orientado pela tradição joaquimita franciscana, da evangelização dos gentios distantes como universalização da cristandade e definitiva instauração do paraíso terreno (PHELAN, 1970PHELAN, J. The Millennial Kingdom of the Franciscans in the New World. Berkeley: University of California Press, 1970. 192 p.). Paralelamente à construção profética de um oriente cristão pelo arcebispo, o furor milenarista franciscano se acendeu com a expectativa da (re)conversão de uma América edênica - leitura entusiasta da esperança de uma cristandade soberana impulsionada pela atividade missionária, reconfigurada ainda em tempos de incerteza e espera, palco do impacto do milenarismo joaquimita nas leituras proféticas das trovas de Bandarra e da construção de uma imagem salvífica de D. Sebastião que perseverou por longas décadas como um dos fermentos do sebastianismo (HERMANN, 1998HERMANN, J. No reino do desejado: a construção do sebastianismo em Portugal (séculos XVI e XVII). São Paulo: Companhia das Letras , 1998. 382p.; LIMA, 2010LIMA, L. F. O império dos sonhos: narrativas proféticas, sebastianismo e messianismo brigantino. São Paulo: Alameda , 2010. 382 p., p. 181-182).
Os sinais que marcariam a referência do Apocalipse à iminente destruição do Islã discriminavam o momento de concretização da profecia e as grandes personagens de seu sucesso. Gaspar de Leão identificava nas figuras míticas apocalípticas os grandes nomes da luta do catolicismo tridentino contra hereges e infiéis, distanciando-se, como observou Patrícia de Faria (2009, p. 161)FARIA, P. S. de. Reforma e profecia: a ação do arcebispo de Goa e místico D. Gaspar de Leão. História, Franca, v. 28, n. 1, p. 145-167, 2009., da forma antirromana mais crua do joaquimismo, uma leitura adequada à Reforma Católica e ao projeto imperial luso. O falso profeta anunciado no Apocalipse seria o próprio Maomé, que João “pintou com todas as suas cores e condições, em o capítulo treze por essas palavras, Besta com cornos semelhantes aos cornos do cordeiro, falador como o dragão em Babilônia grande pública rameira” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 60), marcado assim para assemelhá-lo ao estereótipo da figura demoníaca cristã e para designar a bestialidade do credo islâmico, louvor dos deleites terrenos. Os cornos, que o faziam passar-se por Cristo, assinalavam a sua hipocrisia e falsidade, enquanto o dragão em Babilônia e sua arte do falar indicavam as mentiras e sedução das palavras de Maomé e dos erros contra as leis divinas e humanas. Tal qual as mulheres, demonizadas na tradição cristã, enfeitiçaram os homens, desviando-os da retidão. A destruição de seu reino mundano teria se iniciado em outubro de 1570, de vitória cristã contra o Turco. A queda da Babilônia descrita no Apocalipse, purgada pela morte e pelo fogo do abuso das riquezas que por ela circulavam, o fim de seus mercadores, príncipes da terra que carregaram ao erro todas as gentes, era a alegoria da destruição do Islã.
Outro sinal de que o Apocalipse seria prenúncio do fim do Islã era o reconhecimento de Pio V como o anjo que anuncia a queda da Babilônia-Islã (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 67). A ele teria sido concedida a inspiração para pôr fim ao infiel. Chefe de toda a república cristã, sob seu pontificado se concluiu a obra do Concílio de Trento, guia da Igreja reformada, e se reuniu, sob sua iniciativa, a Santa Liga, peça fundamental no anúncio do novo tempo que o arcebispo vislumbrava.
A conclamação aos “mouros predestinados” a abandonarem o credo e a lei islâmica apresentava-se pela segunda voz do capítulo 18, alegoria do convite à admoestação e à salvação em múltiplos sentidos. Primeiro, expressão sagrada da inspiração divina como toque de Deus no coração daqueles que viriam a integrar seu povo; segundo, clamor do pontífice aos reinos cristãos sob domínio turco que conservassem esperança de libertação; por fim, a voz da mão terrena de D. Sebastião que conduziria pela espada a vitória sobre os infiéis que entravam no caminho da conversão dos gentios e se constituiria em guia deste renovado reino de Cristo na terra (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 69-72).
A profecia do arcebispo de Goa tinha, portanto, suas raízes fincadas nos anseios expansionistas cristão e português. Ao identificar as cabeças do reino e da Igreja às mais emblemáticas passagens do Apocalipse, alertando sobre a derrota da infidelidade e convidando ao livramento, apresentava uma solução profética para o que considerava desafio ao império global católico. A infusão da graça aos de bom intento que não desejassem a condenação era reforçada pelas máximas autoridades do espiritual e temporal. Tinham viajado consigo as noções reinóis de infidelidade, heresia, coesão social e religiosa, mas essas não ficaram totalmente imunes a seu cotidiano no Índico; o trânsito o apresentou a uma realidade completamente distinta, em que seu diminuto rebanho, que albergava cristãos dos mais diversos estatutos e proveniências, com níveis de adesão e conhecimento da fé muito distintos entre si, dispondo de um parco aparato institucional, sofria os achaques da permeabilidade das fronteiras territoriais e confessionais. Embora seu principal “outro” seguisse sendo os judeus e muçulmanos, como sublinhou Xavier (2014, p. 141)XAVIER, A. Gaspar de Leão e a recepção do Concílio de Trento no Estado da Índia. In: BARBOSA, D.; GOUVEIA, A.; PAIVA, J. P. O Concílio de Trento em Portugal e suas conquistas: olhares novos. Lisboa: CEHR , 2014. p. 133-156., seus anseios proféticos acabaram por expressar elaborada consciência das diferenças entre os dois cenários. Pensar a conversão dos não-cristãos e a formação e condução da grei no Estado da Índia significava pensar também o perigo da fronteira com o Islã. Seu projeto de cristandade universal portuguesa mobilizava as tópicas políticas e teológicas que lhe eram comuns, confrontadas com anos de experiência como arcebispo de Goa, a favor de solucionar os dilemas da presença portuguesa na Ásia.
O Desengano de perdidos e a literatura de polêmica anti-islâmica
Segundo Tolan (2001)TOLAN, J. Réactions chrétiennes aux conquêtes musulmanes: etude comparée des auteurs chrétiens de Syrie et d'Espagne. Cahiers de Civilisation Médiévale, n. 176, p. 349-367, 2001., em análise sobre os escritos cristãos após a conquista do Islã sobre a Síria e a Península Ibérica, se estes retratavam os mouros inicialmente como mais uma leva, “destrutiva mas passageira”, de conquistadores que assolavam a cristandade como punição divina, sem que os pormenores de tal infidelidade tivessem necessariamente relevância, com a consolidação da dominação islâmica, aos seguidores de Maomé se imputava importante papel nos temores e expectativas escatológicas. A figura de Maomé ganhava destaque, colocado como precursor do anticristo, ou como personificação do próprio. Em um terceiro momento, o enraizamento do Islã nesses territórios e os fluxos de conversões de cristãos impulsionaram outros argumentos na retórica católica, apresentando o Islã como uma heresia cristã, ao privarem Cristo de sua divindade. Os argumentos acionados para desacreditar o Corão eram a sensualidade do Islã, expressos pela poligamia e a permissão para o divórcio, e os diversos casamentos do próprio Maomé. A circuncisão e a permissividade com o álcool estavam também presentes na literatura de polêmica14 14 João Francisco Marques (2000) diferencia a apologética da polêmica pelo tom combativo e virulento desta última nos confrontos confessionais. anti-islâmica. Maomé, além de anticristo, aparecia como heresiarca e pseudo-profeta, “trapaceiro, ambicioso, luxurioso, violento”. O início do século IX marcaria, com o espelho de Théodore Abu Qurrah, a defesa da religião cristã a partir do reconhecimento do islamismo como uma lei distinta e do diálogo.
Para François Berriot (1986)BERRIOT, F. Remarques sur la découverte de l'Islam par l'Occident, à la fin du Moyen-Age et à la Renaissance. Bulletin de l'Association d'étude sur l'humanisme, la réforme et la renaissance, n°22, p. 11-25, 1986., a relativa abertura ao Islã trazia a necessidade da refutação pelo apostolado e pelo diálogo, tendência manifesta até fins do século XVI. O autor destaca como mesmo as peças que convidavam a algum nível de diálogo desconheciam a teologia islâmica. Seria a partir do século XII que a ideia de que era necessário conhecer melhor a doutrina que se desejava refutar, em prol de uma apologética mais eficaz, fez-se presente na polêmica anti-islâmica, mudança marcada pelos diálogos de Pierre Alphonse. A ideia de um maior conhecimento do Corão para um eficiente proselitismo assentado na força da palavra e não na das armas ganhava espaço com as obras de Bernardo de Claraval e Alain de Lille. Punha-se esse conhecimento a serviço de denunciar o Corão como má seita que convida à má vida, com uma noção profana de paraíso e com o convite a uma vida luxuriosa. Seria n’O Livro do gentio e dos três sábios de Ramon Lull que a apresentação do Islã caminharia para sua imagem mais positiva, chegando-se ao argumento da ignorância de Maomé com Nicolau de Cusa. A partir do século XVII, no entanto, tal abertura dava lugar a um novo olhar muito mais severo, proclamando o Islã como um grande artifício político para fundar uma teocracia.
No contexto mais específico da Península Ibérica, os textos produzidos pouco após a conquista qualificavam o novo elemento na chave da infidelidade, da barbaridade, abrindo espaço às expectativas apocalípticas, com uma leitura do Islã na chave da profecia de Ezequiel. Começava já a se fazer presente a imagem da crueldade e da luxúria sobre os povos do Islã. Nas crônicas do período da Reconquista, tomadas de um caráter triunfalista, desviava-se do tom mais ameno, consolidando os muçulmanos, de quaisquer origens, como bárbaros, e o Islã como demoníaco. Foi a partir do século XII que floresceu ali uma literatura de polêmica, tendo em seus principais expoentes Raimundo Martí, cujo Tractatus contra Machumetum fazia uso das suratas para afirmar a verdade da fé cristã, Ramon Lull, com sua insistência na conversão pelo diálogo e pela persuasão, e Juan de Segóvia, com sua empresa catequética. Em Portugal, todavia, a polêmica demorou a se acender, reforçada pelos desígnios imperiais que conduziam os portugueses à Índia e ao norte da África. De acordo com Ribas (2004)RIBAS, R. Filhos de Mafoma: mouriscos, cripto-islamismo e Inquisição no Portugal. 2004. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Lisboa, Lisboa, 2004.: “Numa palavra, se o problema mourisco na Espanha, agigantado no século XVI, era filho da Reconquista peninsular, no caso português era filho da expansão para o ultramar”. Da mesma forma que nos reinos vizinhos, a polêmica oscilava entre a detração e a assimilação pelo convencimento, tom do Desengano do arcebispo de Goa.
Em sua introdução à publicação do Desengano de perdidos, Asensio recupera os traços da tradição de polêmica anti-islâmica que se entreveem no tratado de Leão. Para além da mais óbvia autoridade de Lull, que se faz presente já pela escolha da forma do texto, apresentado como um diálogo, Asensio destaca o Antialcorano do erasmista Bernardo Pérez de Chinchón. O fio que liga tais obras é o apelo à conversão espontânea advinda da iluminação interior e decorrente desejo de salvação e do ensino sobre a fé católica, característico da literatura anti-islâmica.
O Antialcorano, publicado em Valencia em 1532, concebido como um conjunto de 26 sermões, foi dedicado a D. Guillén Desprats, vigário geral e inquisidor ordinário naquele arcebispado, com um prólogo dirigido a todas as autoridades eclesiásticas de Valencia, Aragão e Granada, espaços em que a população mourisca havia se perpetuado. O tratado convidava-as à aproximação e a uma prática persuasiva tanto para a conversão dos mouros quanto para instrução dos conversos, das quais serviria como instrumento.15 15 É de se recordar que a sugestão de uma correção pastoral nestes espaços havia sido já levantada nos primórdios do estabelecimento da Inquisição (PASTORE, 2009). Seguindo o destino do Desengano de perididos, o Antialcorano foi proibido pelo Index de 1583, não sem antes seu autor ter caído em esquecimento. Sobre este aspecto e ainda sobre o caráter pacifista, persuasivo e assimilacionista do tratado, acentuando ao se considerar a ascendência mourisca de seu autor, que carregava nas tintas da detração, ver EL ALAOUI, 2020. Pérez de Chinchón clamava, reproduzindo as tópicas dos espelhos de bispos dos séculos XV e XVI, pelo trabalho de catequese a ser exercido pelo clero, atalaias e guias de seus rebanhos - um trabalho a ser realizado a partir dos fundamentos da doutrina. Marcando Maomé como falso profeta e enganador, afirmava a expansão de sua lei pela ignorância e bestialidade dos árabes e pela imposição da força da espada com que promoveu seu império. A saída da ignorância seria a razão natural, por meio da qual se chegaria às verdades primordiais sobre a fé. A obra procura contestar o credo islâmico como mentira, comprovando o engano confrontando-o com a razão natural e os princípios básicos da doutrina cristã. O retrato da cobiça e da carnalidade como os vícios mais escandalosos e mantenedores do engano é outro dos pontos que se reflete no tratado do arcebispo de Goa. Todavia, as semelhanças entre as publicações não vão adiante. Os sentidos, demonizados por Gaspar de Leão como portas de entrada dos vícios, são louvados no Antialcorano como ferramenta para o aprendizado sobre a verdadeira fé. As implicações políticas dessa via pedagógica em que segue Chinchón o encaminham para uma defesa do pacifismo, passando quase ao largo da noção de guerra justa. A guerra seria consequência indesejada (PÉREZ DE CHINCHÓN, 1532PÉREZ DE CHINCHÓN, B. Libro llamado Antialcorano que quere dezir contra el alcoran de mahoma. Valencia: Juan Joffre, 1532. Biblioteca Nacional de Portugal, RES. 1234//1 P.).
O atestado de um plano de expansão imperial católica se apresenta, parece, em outra obra, a que Gaspar de Leão pode ter tido acesso. Embora tenha permanecido manuscrito por longos anos, sem autorização imediata para ser publicado, é possível pensar que o conteúdo do manuscrito tenha alcançado alguma circulação, especialmente em Évora e entre o círculo do cardeal D. Henrique.16 16 Como se sabe, textos em diversos formatos, como o manuscrito, podiam alcançar circulação ampla ou mesmo restrita entre pares, sendo inclusive a forma manuscrita mais propícia para aqueles conteúdos passíveis de suspeita pela censura religiosa (BOUZA, 2001; CHARTIER, 2012). Apesar de majoritariamente voltado para os conversos do judaísmo, o Espelho de cristãos-novos, de Francisco Machado, apresentava em seu manuscrito original em português, de 1541, um apêndice dedicado aos chamados mouros, datado do ano seguinte. O Espelho veio a público, com modificações e em uma versão latina, apenas em 1567. Um tratado que pode ser pensado como parte de uma literatura de polêmicana na qual se podem incluir os tratados publicados pelo arcebispo de Goa, que insistia na ignorância dos infiéis e hereges como razão de seus erros e preconizava a conversão espontânea pela persuasão e pelo ensino. (RIBAS, 2004RIBAS, R. Filhos de Mafoma: mouriscos, cripto-islamismo e Inquisição no Portugal. 2004. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Lisboa, Lisboa, 2004.).
No capítulo sobre os mouros (BNP, COD. 6747, ff. 65r-69rBiblioteca Nacional de Portugal, COD. 6747, f. 65r-69r.), Machado apontava como Maomé, por sua eloquência e práticas falsas, auxiliado por hereges cristãos inimigos da Igreja, começou a espalhar sua lei, valendo-se da simplicidade e luxúria dos árabes, “lavradores sem leis e sem modo de viver”, dando-lhes uma lei carnal, “de seu contentamento e gosto” (BNP, COD. 6747, f. 68vBiblioteca Nacional de Portugal, COD. 6747, f. 65r-69r.). Condenava, da mesma forma, a expansão islâmica admitindo a livre vontade como condição para a conversão. Mas, apesar da condenação à conversão forçada, o poder da coroa e da espada foram louvados para expandir a fé cristã no norte da África, onde Portugal enfrentava potências bélicas islâmicas. O curto texto afirma a necessidade de derrotá-las para que os mouros soubessem de seu engano, no qual não poderiam ser salvos, fazendo de Portugal e África um reino unido na fé cristã. Vê-se aqui, como no Desengano, uma ode ao exercício da expansão portuguesa de avanço sobre o poderio islâmico.
À época em que Leão escrevia seu Desengano, consolidava-se entre os teólogos portugueses a tendência à afirmação, ao lado do valor da palavra, da guerra justa, admitindo a possibilidade de se pegar em armas como forma de desterrar ritos e costumes considerados contra a natureza. Após as críticas de Las Casas, que movimentaram o debate no reino vizinho, em Portugal caminhava-se para uma regulação das amplas possibilidades de se proceder à conquista que satisfizesse as aspirações imperiais, eliminando os incômodos da consciência (MARCOCCI, 2012, p. 281-333MARCOCCI, G. A consciência de um império: Portugal e o seu mundo (sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012. 533 p.). O arcebispo apresentava, portanto, a eliminação do Islã como justificável e necessária, inserindo o direito cristão de se pegar em armas contra os seguidores de Maomé, e a conversão (espontânea) é a linha que costura seus argumentos - afinal, não eram quaisquer mazelas a inflamar o desejo de salvação do turco no diálogo, mas os infortúnios da guerra, pecaminosa só quando se luta do lado errado. É em nome desta razão da fé que as batalhas travadas pelos portugueses diferem daquelas travadas pelos infiéis. No Desengano, a cristandade lutava somente nos casos previstos como guerra justa, dando sempre preferência à disputa verbal, passando à guerra quando esgotadas as tentativas diplomáticas. Defendendo a honra e a verdade das batalhas em nome da fé católica, o arcebispo, nas palavras do cristão, evocava o direito e a necessidade de se combater os infiéis que atravessavam seus interesses.
No entanto, a entrada do muçulmano no seio da Igreja não deveria se dar pela violência. Apresentada a certeza sobre o iminente fim de sua fé e império, a conversão do turco ilustrava sua forma ideal. Se a guerra justa era apresentada como argumento para o enfrentamento do Islã como sistema político, econômico e religioso de forma impessoal, o tratado convidava à conversão na dimensão individual, como potencializador da graça divina. A fé de Cristo deveria ser apresentada àqueles chegados à razão que buscassem a salvação de suas almas. É apenas sob tal condição que o cristão apresentava ao turco a mundanidade da lei em que vivia, anunciando-lhe o fim de sua religião e império, e uma possibilidade de salvação: “Não sou tão bárbaro que não entenda o que sabem os meninos, que pela tua lei, teu rei e pátria pelejarás e não te perderás. Mas como meu principal respeito não era este senão honra mundana, bem creio que então me perdera, e ora espero de me salvar” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 26). A mais grave enfermidade seria não querer ser são (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 27). Ultrapassado, portanto, o estado da infância que marca na literatura sobre o batismo dos ditos infiéis o ponto a partir do qual é necessário se buscar viver de acordo com a razão natural e aspirar à salvação, a consciência do estado de pecado infunde a graça para a conversão. A iniciativa, nota-se, deve vir daquele que deseja ser batizado, ainda que por temor das penas eternas, incitado pela palavra de algum mestre que possibilite o acesso à doutrina.
É pela gramática negativa de falsidade, de falta, que conduzem ao comportamento belicoso, vicioso e indigno, que se dá a conversão do turco. O islamismo era caracterizado como uma lei carnal, “fundada toda sob mentiras e enganos” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 26), da qual os valores da justiça, lealdade e da civilidade estariam ausentes, “essa mesma lei é dos animais que disputam com unhas, dentes, cornos, peçonha, e de todas as mais armas com que a natureza os armou para sua conservação, comendo uns aos outros” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 27), em contraposição à lei cristã, da verdade e da razão. A identificação das crenças, práticas e ritos de não-cristãos como falsa religião, idolatria, expressão de bestialidade ou ausência de razão, e consequentemente, como associação ao demônio, constituía o aparato conceitual da separação entre a cristandade e todos aqueles que nela não se enquadravam. A imaginação política portuguesa era orientada pela questão judaica, agregando em uma espécie de continuidade semântica judeus, muçulmanos e os ditos gentios, e recorria à experiência com seu “outro” interno para estabelecer os parâmetros das relações entre cristãos, cristãos-novos e novamente convertidos (XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003., p. 79-126). E o islamismo era retratado na obra como desprovido de tudo aquilo que caracterizava os cristãos como homens bons, racionais, capazes de reconhecer e lutar contra os vícios, praticantes da guerra somente quando justa.
Os pecados da Índia e as tentações do império
Adentrando a segunda parte do diálogo, o discurso torna-se mais abrangente, mudando o foco da profecia para o perigo da sedução dos sentidos, o desengano de todos os perdidos nos deleites da mundanidade, em que caberiam todos os cristãos em pecado, retratados como piores que os muçulmanos, pois, conhecendo a verdade da fé, as verdadeiras alegrias espirituais, abandonam-nas pelos prazeres terrenos (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 131). A obra estabelecia diferentes graus de engano e pecado, recorrendo à comparação entre os não-cristãos, mas que acabava por apresentar severas críticas à cristandade asiática.
Gaspar de Leão afirmava a dubiedade e malícia dos muçulmanos como herdada do judaísmo, aproximando os conceitos de heresia e infidelidade que trazia consigo de Portugal, como já colocado. Leis em que a razão e a justiça sempre pendiam para o lado que mais convinha, corrompendo os direitos divino e humano, subvertendo a verdade. É interessante a comparação utilizada para tratar a perversão da justiça, acusando os próprios agentes da governabilidade portuguesa na Ásia:
Sois como alguns nossos governadores da Índia, que quando o que querem é conforme aos bons regimentos do seu rei, abraçam-se com eles, e quando querem o que não devem, contra os tais regimentos fazem leis, passam provisões cheias de mentiras, vertidas de aparente razão para enganar o povo, mas não a Deus, e a quem os entende. (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 93).
A corrupção e o pecado dos agentes do governo do Estado da Índia, sucumbindo às tentações de seus desejos pessoais em busca de glória e influência, eram insulto a Deus pela malícia de seus pecados e por não almejarem o bem do povo, exercendo com vontade tirânica o poder. Em seu desejo de desenganar os mal-encaminhados com seu diálogo, o arcebispo não poupava a elite governativa de críticas. As tentações dos sentidos tinham os muçulmanos completamente enganados em sua lei, mas perpetradores deste engano seriam também muitos dos mesmos que conduziam a vitória da cristandade asiática.
A permanência no mundo do engano ou o abandono da lei de Maomé, mediante todos os sinais enviados pela divina majestade, prenunciados nas Escrituras, era, entretanto, escolha da vontade. Esta era marcada como livre e dela dependeria a constituição de qualquer obra em pecado. Por meio do argumento da vontade como causa, é possível estabelecer uma relação entre a publicação precedente do arcebispo e o Desengano de perdidos. Na carta pastoral que precedia o Tratado que fez mestre Jerônimo..., sua segunda publicação em Goa, voltada para a questão da vigilância sobre os cristãos-novos na Ásia, argumentava que os dois pilares que sustentam a alma seriam vontade e entendimento.17 17 Reproduzia, neste ponto, a autoridade de Santo Agostinho, que definiu como os pilares da alma a vontade, o entendimento e a memória. A dita cegueira judaica era fruto da ausência de entendimento, e não de vontade, uma vez que os rabis enganavam deliberadamente seu povo e seriam os verdadeiros culpados (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014.).18 18 Ângela Xavier (2003, p. 87) chama a atenção para a possibilidade de o arcebispo pensar a situação dos indianos como similar à dos judeus, de engano por seus líderes. Assim, considerando os dois pilares da alma enunciados pelo arcebispo, enquanto a carta pastoral centrava-se no engano, o Desengano de perdidos centrava-se na vontade.
Afirmava a desordenada vontade como a primeira das três causas interiores do pecado, e a única que a ele conduzia diretamente, sendo as demais causas indiretas e dela oriundas. A segunda seria o entendimento, sem o qual a causa do pecado em caráter acidental seria a ignorância, privação da ciência que purifica e molda a razão. Por fim, a terceira seria o apetite sensitivo, impulsionado pelas paixões e pela tentação a que estas abrem a porta. Das três causas se delimitariam os três tipos de pecado: da malícia, da ignorância e da fraqueza (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 83). Já as causas extrínsecas do pecado seriam o demônio e suas sugestões e o homem e suas persuasões. Da mesma maneira que fez com as causas interiores, afirmou as exteriores como ordenadas: o demônio seria apenas causa acidental, visto que não pode mover a vontade dos homens por si só - suas sugestões agiriam sobre a corrompida vontade. Já no âmbito humano, em suas relações interpessoais os homens poderiam ser considerados causa direta do pecado de outro, quando o persuadem ao erro, aparecendo como causa indireta quando, com conhecimento sobre o pecado, não o impedem. A lógica desenhada pelo arcebispo respeitava a ideia de livre-arbítrio humano, vontade que não pode ser externamente determinada (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., pp. 83-85), mas apenas inclinada por causas externas. Não haveria diferença entre bons e maus, a não ser por suas escolhas, na forma como governam a si mesmos: os primeiros pela lei do espírito, e os segundos pelas leis da terra (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 108). Tal ordenação da vontade tem, portanto, valor primordial no tratado como sustentáculo da alma e abertura de salvação a todos. Em meio a tantas tentações, ela tinha função primordial.
O Islã seria regido pela trindade da vontade deturpada: o demônio, o mundo e a carne:
E juntos estes três em Babilônia, e confusão de tantas maldades, compuseram um volume muitas vezes pior que o Talmud Babilônico, e publicaram aos filhos de Adão suas leis dizendo: manifestas sejam aos homens as nossas obras e leis, que são fornicação, imundice, desonestidade, luxúria, idolatria, feitiçaria, inimicicias, discórdias, perseguições, ira, brigas, dissenções, seitas e divisões, invejas, homicídios, bebedices, gula, mentiras, enganos e todas as coisas semelhantes. Finalmente, diz o pregão, porque nossas leis são infinitas, neste sumário vos declaramos por onde vos haveis de reger. Tudo quanto vosso coração e apetites desejar cumprireis, e a vontade lhe fareis, quer seja soberba da vida, quer quanto os olhos virem, quer quanto a carne desejar. Vês aqui as leis dos filhos de Babilônia, que são as leis da terra, e os homens que por estas se governam se chamam reis da terra, por guardarem o regimento deste volume, que quer dizer que todas vão para o lume, porque levam seus observantes às penas e fogo infernal. (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 110).
O islamismo era marcado então como lei erigida sobre a corrupção da vontade e, portanto, do espírito, sedutora porque oferecia plenamente a realização de todos os desejos e baixos impulsos. Expressão máxima da vontade corrompida pelas tentações era o perfil dos muçulmanos traçado na obra, piores que os judeus, seguidores do Talmud, como totalmente entregues aos prazeres terrenos, afiliados a um credo que teria como ponto de partida a deliberada adesão dos homens aos prazeres e gozos passageiros da vida terrena e ao pendor a todo tipo de sedição, característico dos detratores da autoridade divina.
Justificando as então recentes perdas da Igreja, a primeira das mundanidades atacadas por Gaspar de Leão foi a prosperidade, sinal de bem-aventurança para os muçulmanos e estado de deleite terreno para aqueles que dela desfrutam (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 45-55). Nesse sentido, coadunando com o entendimento do Islã como força política a ser combatida para um maior enraizamento do poderio português católico na Ásia, a mundanidade dos seguidores da lei de Maomé expressava-se primordialmente por sua presença massiva nas transações comerciais entre África e Ásia,19 19 Na costa ocidental do subcontinente indiano, era sensível a predominância de grupos muçulmanos nas transações comerciais, fossem eles nativos (mappilas) ou estrangeiros (paradesis) (SUBRAHMANYAM, 1993). negociando mercadorias que provocavam os sentidos em busca de glória e fazenda para o sustento de suas vidas luxuosas e luxuriosas, alimentadas pelo lucro do trato das especiarias e objetos que aguçavam as tentações:
Dado que o profeta ajuntou muitas fazendas diferentes, nem por isso quis dizer que vem de um só lugar: porque as drogas odoríferas, as pedras preciosas, e roupas brancas e pintadas vêm da Índia, o marfim da costa de Moçambique, que tudo vem pelo Estreito de Meca, os cavalos da Arábia, o azeite e vinho de muitas partes, o trigo de Egito, e assim cada província acode com o que tem. Porém todas estas veniagas são levadas aos portos do mar: porque com melhor expediente se derramam por todas as partes: e os mercadores e navegantes mais facilmente se enriquecem. E esta parece a tenção do propheta. (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 98-99).
Tomavam, compravam e vendiam, atentos às riquezas e às demandas de cada porto, assim como faziam os portugueses, à diferença que os últimos se atribuíam o dever de espalhar a fé católica pelas quatro partes do mundo. A circulação de mercadoria era ensejo de transporte da principal fazenda em movimento: as coisas espirituais. A atividade comercial praticada pelos seguidores da lei de Maomé, “filhos do mundo”, conferia aos objetos inanimados transportados por eles para o sustento de suas vidas desregradas a qualidade de veículos potencializadores dos vícios, pecados, e apetites desordenados (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 112-113), ao passo que o mesmo tipo de atividade por parte dos justos - e não dos portugueses - espalhava pelo mundo as virtudes e obras meritórias. Os desdobramentos do comércio e da circulação de bens, objetos e pessoas, nem essencialmente ruim nem boa, dependiam, em suma, da qualidade daqueles que os conduziam, o que indica uma acusação contra os muçulmanos, que se destacavam nesta empresa, mas não deixava de fora também os cristãos de comportamentos viciosos.
A condenação à busca pela riqueza e ao louvor à prosperidade segue no argumento sobre a avareza, acusando a falsa sensação de prazer oferecida pela matéria:
zombaria é a moléstia da tua romaria da casa de Meca por teu Mafamede, em comparação das imensas angústias, que por o Ídolo das riquezas padecem. Na terra se tornam aves de Oriente, para Ocidente: no mar, peixes, e nele fazem caminhos, rodeando toda a terra para ajuntar as riquezas, e juntas as adorar, e nelas se deleitar, buscando todas as invenções de contentamento. Porque como a necessidade dos bens temporais é mestra de remédios, assim a abundância deles é grande inventora de deleites: e em tanto estes idólatras exaltam seu Deus, que absolutamente afirmam, que como no céu a só Júpiter todos os Deuses obedecem, assim na terra todos se rendem, e são prostrados dante do Pagode das riquezas. (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 145).
A identificação da riqueza como divindade receptora de culto reforça a materialidade e o caráter supersticioso que caracterizavam o islamismo como infidelidade que se aproximava das gentilidades, não apenas geográfica, mas também confessionalmente. Nota-se como a repreensão à opulência identificava claramente os seguidores de Maomé como aqueles que não veriam limites entre mares e terras em busca de fortuna, mas as alegorias utilizadas para repreendê-los manejavam elementos da idolatria sempre presente a suas vistas. Aproximava-se a condenação ao apego à matéria do infiel à percepção das práticas consideradas gentílicas dos povos autóctones, expressando o desejo de eliminar toda e qualquer crença e rito que fugissem ao catolicismo, manifestos, dentre outras coisas, pelos perversos vícios da avareza e da soberba. Os arroubos de uma cristandade vitoriosa significavam o fim daqueles que tencionavam espalhar seus pecados pelo mundo, mas também a conversão daqueles que, sob tutela católica, com a queda da principal barreira que se colocava a este fim, a lei de Maomé, poderiam finalmente ser conduzidos sem empecilhos à fé do império. O discurso entrelaçava os embates confessionais. Percepções e referências às crenças islâmicas e hindus imiscuíam-se enquanto o arcebispo criticava o culto a um ídolo que teria a capacidade de prover para aqueles que lhe prestassem deferência, amolecendo o coração das mulheres, trazendo ouro, terra e demais metais, por mais difícil que seja o negócio, desequilibrando a favor dos idólatras-infiéis a balança dos bens materiais (LEÃO, 2014LEÃO, G. de. Tratado que fez mestre Jerónimo, médico do papa Bento XIII, contra os Judeus, em que prova o Messias da lei ser vindo [ Goa: João Endem, 1565]. Edição de Moisés Orfali. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2014., p. 146).
Os sentidos assumiam, portanto, na obra do arcebispo, um papel central como portas de entrada dos vícios, como decodificadores de todos os pecados que potencialmente suscitavam os curiosos artigos em deslocamento. Para abordar sua periculosidade, Gaspar de Leão recorre à alegoria das sereias e Ulisses.20 20 Sobre as leituras cristãos do mito de Ulisses, ver: Ventura (2005, p. 175-178). Como sinalizado anteriormente, Županov (2010)ŽUPANOV, I. “The Wheel of Torments”: mobility and redemption in Portuguese colonial India (sixteenth century). In: GREENBLATT, S. Cultural mobility: a manifesto, edição de Stephen Greenblatt. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 24-74. atentou para a centralidade da figura das sereias no Desengano enquanto instrumento heurístico que expõe a marca dos ritos e credos indianos na cultura cristã, como produtos da tradução cultural que mesclava as nagini à imaginação europeia em movimento. Com sua beleza e palavras, levam os homens à perdição. Sua natureza se revelaria em suas formas: metade exuberância humana, mas dando indícios de vaidade e desonestidade com pente e espelho nas mãos; a outra metade, animal, revelava sua bestialidade. Aparência que simulava a de mulheres honestas para despertar o fogo do deleite carnal (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , 138-143).
Base de todos os deleites dos sentidos seria a luxúria, vício pelo qual as sereias transformam os homens em bestas (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 151). Levariam os prazeres do olfato a todos os cantos do mundo a seduzir os homens, movendo também os cheiros das Índias, das pastilhas e unguentos. Tais quais os mercadores muçulmanos no cenário do comércio global, as sereias aparecem como alegoria do espraiamento dos deleites sensuais, levando as tentações da Ásia para a cristandade:
Este gênero de deleites e delícias, antigamente somente se achava nos orientais, e já agora corre esta peste por todo o mundo. Teve muita razão aquele nobre sábio romano chorar o mal de sua República, e vendo as delícias que os romanos levavam de oriente, depois que foram senhores de Ásia, lamentava dizendo: os orientes nos roubaram nossas virtudes, e nós herdamos seus vícios e delícias. (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 148).
Mais uma vez, o arcebispo indicava a própria condição expansionista e o contato com a Ásia como raiz da perdição de tantos cristãos, mesmo aqueles geograficamente distantes do grande centro oriental das tentações. Grandeza fundada no movimento, tal qual a do império romano,21 21 Xavier (2003) analisou a importância das referências à glória do império romano para a construção da imaginação imperial lusitana no período de D. João III. a conexão entre Europa e Ásia estabelecida pelos portugueses indica a parte dos próprios cristãos enquanto agentes da dispersão dos vícios pelo Ocidente.
Calíope, mãe das sereias, símbolo da carne, e suas sequazes atraem com palavras meigas os homens, lançando-os na danação. À sua figura se conferiram os atributos que marcavam a demonização do gênero feminino. Metade besta e metade mulher-princípio de todos os pecados, as sereias herdavam do pai dos vícios a arte do engano e da sedução, e constituíam alegoria funcional para abordar o pecado como estado ao qual se convidam os fracos, mas não se aproximam os cristãos firmes na fé e no exercício da perfeição, uma vez que este depende sempre da vontade deliberada:
Como o pecado consiste na vontade, sem o consentimento da qual não pode haver mal de culpa, a nenhuma força a pode mover, usa o Demônio de jeitos e modos, para com arte derrubar o que não pode com força. Estas artes são enganos, encobrindo a dureza do anzol com a brandura, e gosto da isca. Como não há pecado que engula o ferro nu, assim não há vontade que arremeta aos vícios, descoberta sua malícia. O Demônio confeiteiro mor encobre o mal dos vícios com capa de açúcar, com brandas palavras, com razões convenientes à condição de sua mulher, que é a carne, a qual de sua natureza e condição é branda, e amiga de branduras, com as quais te abraça, e tudo o que é áspero aborrece, e rechaça, como coisa tão desproporcionada à sua condição: a qual para enganar a vontade, que lhe não meta em casa asperezas de penitência, e maltratamento do corpo, sai com seus enganos naturais [...]. (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 157-158).
A queda do homem ao mundo sensual jamais seria, na obra, o descarte consciente da salvação. Enveredar pelo caminho dos vícios era um deslize, fruto da sedução, da escolha fácil e abundante aos olhos pelo doce, pela satisfação, o alegre abandono do que é desagradável ao corpo carnal, tentação ocasionada por tudo a que se conferia um sentido negativo: pelo demônio, pela carne, pela mulher, pela exposição constante aos agrados aos sentidos (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 171-172). O homem virtuoso, tal qual Ulisses, deve passar às cegas pelas tentações.
Uma vez que as tentações dos apetites sensuais careceriam de fazenda para se sustentarem (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 159), luxúria e fortuna material aparecem necessariamente associadas. Se as sereias apareciam como a personificação dos deleites carnais, as figuras representativas da vaidade e da soberba eram os bens da terra e a glória de chamar-lhes seus. Retomando ideia já indicada na parte inicial da obra, o pecado capital da vaidade se acha, portanto, na constituição dos impérios:
[...] são tantas as invenções da vaidade, que eles [os soberbos] chamam pertenças a seus estados, que entrando em suas casas, pasmarás de ver não um campo verde, mas todo o Universo, não pintado, mas de feito. Ali verás todos os mármores, e edifícios tão suntuosos, e de tal maneira lavrados, que facilmente julgarás, o feito sobrepujar a matéria: ali verás o Oriente com todos os brincos das Índias, e pedras preciosas, ali verás o Ocidente com seu ouro, prata e metais, ali verás o Setentrião com sua tapeçaria e Martas, ali verás o meridional com seus dentes de elefantes, e com novidades de África, ali como disse, verás os bens do mundo todo [...]. (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 144).
Assim, em sua concepção sobre os vícios, condenava o Islã em sua face comercial e voltada para o lucro, patrocinadora dos deleites terrenos, mas seu argumento suscitava a inclusão dos próprios cristãos e do Estado da Índia nesta condenação à posse, ao consumo, à cobiça, à luxúria, e à própria expansão imperial. Os soberbos, acumuladores das riquezas do mundo, não existiam apenas dentre os seguidores de Maomé. E mais, todos eles dividiam a culpa de levarem os vícios de um lado a outro do mundo. Contaminada pelo contato com as delícias e curiosidades vindas da Ásia, nas quais caíam por incitação do demônio e seus sequazes, a cristandade que vitoriosamente se ampliava em partes tão remotas, sinal da bem-aventurança de Portugal e da Igreja, condutores de todo o orbe a um novo tempo em que estaria eliminado todo tipo de infidelidade, precisava purgar seus erros e orientar-se em direção à pureza e perfeição originais. O abundante convite aos vícios que tantos conduzia à perdição havia sido instaurado pelos próprios cristãos ao adentrarem o mar das tentações, conectando sistematicamente as distantes partes do globo em seu desejo - pecaminoso - de fazer-se império. Embora a expansão levasse a fé católica aos que a desconheciam e fosse sinal do advento de um novo mundo, como facilitadora da difusão do convite demoníaco, era também condenável. Assim como os objetos e novidades que circulavam de um lado a outro, não era em si mesma ruim nem boa, e Gaspar de Leão acentuava no tratado todo seu potencial positivo, convidando a um olhar atento a seus perigos e prejuízos e apontando um caminho para saná-los perpetuamente, reforçando, também na dimensão particular, a vitória da retidão católica.
Leão marcava, portanto, sua prelatura como aquela que, não apenas no termo das normas, atentava às particularidades de seu território e gentes e aprofundava-se na organização e encaminhamento desta cristandade tão sui generis, que demandava cuidados especiais. O prelado registrava sua preocupação com toda a sua grei e com tudo aquilo que a cercava, fixando por meio de seus escritos o tipo de zelo pastoral que a ela devia. Realizava, assim, aos olhos de seus pares, a tarefa que declarava como obrigação do clero: preocupar-se não somente com o cumprimento mínimo de suas obrigações e realização de cerimônias exteriores, mas com a ampliação e perfeição do rebanho (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 204-205).
Do desengano à perfeição
No prólogo à obra, Leão afirmou que esa terceira parte do texto havia sido escrita antes das duas primeiras no Convento da Madre de Deus, como lição para os noviços. Sua convicção sobre o advento do fim do Islã e percepção sobre o rebanho multifacetado que deveria pastorear teriam dado, no entanto, nova forma e novo uso a esta terceira parte e à totalidade da publicação: “Assim foi, que aparelhando um pequeno bocado, para consolação dos fracos na fé, representou-se-me que era necessário os Mouros participarem também deste bocado, desenganando-os com a profecia Apostólica” (LEÃO, 1958LEÃO, G. de. Desengano de Perdidos [1573. Goa: João Endem]. Edição e introdução de Eugenio Asensio. Atlântida: Coimbra, 1958. , p. 11). Embora as crônicas franciscanas tenham se dedicado à disputa entre os ramos da Ordem ao tratar do Convento da Madre de Deus, é possível encontrar indícios sobre a sua relação com a figura do arcebispo. Seu conhecido desejo de fundar uma casa de recoletos em Goa teria sido importante para o estabelecimento do convento em 1569 (momento em que já era arcebispo Temudo), fundado por um arrábido e ligado à Mais Estreita Observância. Gaspar de Leão viveu ali ao modo dos frades, dedicado à oração, à contemplação e aos exercícios espirituais, bem como à preparação de diversos textos. A perspectiva do recolhimento parecia agradar ao arcebispo, que para lá retornou após sua segunda dispensa da mitra (PIEDADE, 1728PIEDADE, A. Espelho de Penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, I. Lisboa: Joseph da Silva, 1728. Disponível em: Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=3uI5MJMW7UkC&printsec=frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false . Acesso em: 27. out. 2021.
https://books.google.com.br/books?id=3uI...
, p. 462-470). Lugar onde, livre das obrigações pastorais, dedicava-se a alcançar a união com o divino e, assim, continuava colaborando para a ampliação da cristandade, acelerando o alcance da graça a todos os corações. A este ponto, cabem algumas considerações acerca da espiritualidade franciscana e sua concepção de missão, de acordo com a qual a vontade se sobrepõe ao entendimento e a graça ao esforço pedagógico de evangelização (XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003.). Este é o fio que costura as três partes do diálogo: se, por um lado, os ensinamentos sobre a via unitiva sublinham sua preocupação com a ortodoxia e vida espiritual de sua grei, por outro, os exercícios que proporcionam a união com o Altíssimo animavam a iluminação dos gentios e infiéis, convidando à conversão e apressurando a plena vitória cristã.
A conversão do turco ao fim da segunda parte do tratado - que acaba por se apresentar como retorno à fé - o colocava, entretanto, em situação de igualdade à enorme maioria de seus irmãos: um cristão desejoso de alcançar o caminho da pureza e da salvação que se vê atormentado pelos impulsos dos sentidos. O arcebispo assinalava que se dirigia em uníssono a um público - não aos infiéis, não aos gentios, mas aos cristãos que desejavam o aprimoramento, que necessitavam de direcionamento na condução de sua galé espiritual, outra alegoria didática acionada para ensinar aos que desejassem o caminho das virtudes, “pela navegação, e caminho da perfeição entrar no porto da bem-aventurança” (XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003., p. 177). Seu casco, a fundação da galé, seria a vontade, explicada em seus quatro graus remontando à autoridade de São Bernardo: a vontade reta para o principiantes, a forte para os que iam vencendo a repugnância da carne, a devotada, para os espíritos já inclinados a Deus, e finalmente a perfeita, dos bem-aventurados que a domesticaram para a vida eterna.
O apelo ao viver corretamente aos fracos na fé na parte final do tratado dá o tom do tipo de cristandade que o arcebispo assinalava trabalhar para construir, indicativa da abrangência do público que o tratado, por fim, cobria. O rebanho a ser instruído nas vias da perfectibilidade abarcava cristãos de todos os estatutos. Seriam capazes de alcançar a plena união com o sagrado e de ser perfeitos em virtudes mesmo aqueles que adentrassem o catolicismo vindo de diferentes credos, desenganados de seus erros. Cristãos-velhos portugueses, conversos, novamente convertidos; no projeto de uma cristandade unida e capaz de superar qualquer vício ou tentação, havendo vontade, qualquer cristão batizado teria as mesmas possibilidades e deveres. No convite ao amor unitivo, Gaspar de Leão transpunha o caráter marginal a que estavam alijados conversos e novamente convertidos no Império português.22 22 Sobre as relações entre essas categorias, ver: XAVIER, 2006.
Os grandes inimigos desta cristandade ampliada passavam a ser então os vícios a que todos que não procuram o caminho da perfeição estão sujeitos - portanto não apenas aqueles que vivem nos enganos dos sentidos e nas sensualidades, mas também os que se contentam com a obediência aos mandamentos. Vícios que se apresentavam de forma muito mais sedutora quanto mais distantes da retidão da cabeça lisboeta do império encontravam-se os indivíduos. Um mundo em que as cores, os cheiros, os gostos e a tentação da carne não poupavam não-cristãos ou cristãos, da terra ou vindos do reino. A antiga e as novas cristandades eram bombardeadas com as maravilhas das Índias, que então chegavam a todas as partes. Lugar do pecado, do engano e da mundanidade por excelência, onde as agulhas que guiavam as naus do mundo e a galé da alma erravam de direção, navegando em mares plenos de vícios, dos quais a justiça está ausente:
É verdade que o mar da Índia tem esta fama mais que outros, onde nordesteia tanto a justiça, que por maravilha acharás contrato, e venda justa, e os mais beneméritos da Republica são os menos galardoados, e de asnos albardados fazem cavalos ricamente jaezados, só para passear: é tanto o nordestear, que perde a justiça o seu ser, e nome tomando as fazendas alheias, e cargos a quem são devidos, do norte fazem sul, do leste fazem oeste, sua vontade é sua agulha. (XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003., p. 185).
O peso do convite aos deleites mundanos no espaço asiático demandava dos cristãos não só uma postura muito mais atenta, mas o exercício de perfectibilidade que alçasse o rebanho do arcebispo aos mais retos moldes de comportamento, acelerando a aproximação da vitória da cristandade sob a liderança portuguesa e definindo o arquétipo do fiel que o prelado exaltava. A mortificação como ferramenta para afastar qualquer vício era então direcionada de imediato para os vícios trabalhados no tratado como os mais perniciosos, porque afirmados como comuns ao cotidiano no Oriente: a desordenada afeição pelos bens temporais, pelo amor mundano, que conduz à busca por honra e fama; e os apetites das sensualidades, que consistiriam no deleite do tato, do pensamento e das relações humanas, na vaidade e na curiosidade. O arcebispo propunha, portanto, desterrar os vícios potencializados e difundidos pela expansão.
Convidando à mortificação, à meditação, à devoção, à oração (especialmente a mental) e à contemplação, Gaspar de Leão ensinava a via para a união com Deus, seguindo o Espelho de perfeição de Herp. Obra proibida em Espanha, como recorda Asensio, assim como tantas outras que convidavam à vida contemplativa, ao gosto dos círculos condenados por alumbradismo pelo Santo Ofício espanhol. Contudo, em Portugal, a mística, tão cara ao círculo do inquisidor-geral D. Henrique, seguia fora das proibições (XAVIER, 2003XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003., p. 100-200; BUJANDA, 1995BUJANDA, J. M. de. Index de L’Inquisition Portugaise. 1547, 1551, 1561, 1564, 1581. Index des livres interdits, IV. Sherbrooke: Université de Sherbrooke, 1995., p. 117). A ascensão Habsburgo à coroa portuguesa ajuda a entender como o Desengano de perdidos acabou por constar no Index de 1581, resultado do alinhamento das atividades dos dois Tribunais. Bujanda alertou para as similaridades entre o Index português de 1581 e aquele espanhol de 1583, salientando que o Consejo de la Suprema enviara a lista portuguesa para ser examinada e acrescida pelos professores de Salamanca e Alcalá. Caíam, assim, nas malhas da Inquisição lusa as palavras que moviam os inquisidores de Castela (BUJANDA, 1995BUJANDA, J. M. de. Index de L’Inquisition Portugaise. 1547, 1551, 1561, 1564, 1581. Index des livres interdits, IV. Sherbrooke: Université de Sherbrooke, 1995., p. 111). Mas, além da própria censura a uma espiritualidade que conversava com ideias heterodoxas, a condenação do tratado faria desaparecer uma obra que exaltava D. Sebastião como o grande imperador de um reino mítico, voz de Deus sobre um orbe finalmente cristão.23 23 Ana Isabel López-Salazar (2011, p. 331) argumenta como a censura a obras impressas foi uma das múltiplas formas de colaboração do Santo Ofício com os Felipes para aplacar dissidências políticas. Ventura (2005) expressou leitura similar a respeito da proibição da obra.
Considerações finais
O último tratado do arcebispo de Goa anunciava o advento de um novo tempo, expressando seu desígnio de um orbe cristão liderado por Portugal, na figura de D. Sebastião, que levaria a cruz por meio da espada aos infiéis. O batismo de não-cristãos entre Ásia e América seria ao mesmo tempo prenúncio e consequência deste renovado obre cristão em uma leitura profética de um tempo de vitórias que parecia se apresentar colada à sua realidade no Índico. Gaspar de Leão bem percebia que, para que tal vitória se concretizasse, seria necessário eliminar aquele que, depois de anos à frente da mitra, lhe parecia o maior inimigo de uma plena cristianização e conquista da Ásia. O prelado identificava na já conhecida infidelidade islâmica um inimigo da consolidação do projeto imperial português, da retidão dos fiéis sob sua tutela e da possibilidade de ampliação da Igreja goesa. Inimigo bestial que devia ser superado.
Filiado à via pedagógica da produção literária anti-islâmica, as escolhas do arcebispo - tanto em termos das autoridades que acionava, da forma dialógica em que o texto se apresenta, das alegorias didáticas das quais lançou mão - marcam a conversão como escolha, como desengano oriundo do aprendizado, como espontânea adesão seguindo o ensino sobre a verdadeira fé, católica. Esta passava, na Ásia portuguesa, pela purificação das tentações que ali pululavam, pelo desengano dos sentidos, desterrando o gosto pelos vícios dos corpos infiéis. Entretanto, ela não deixava marcas, uma vez que a mais pura adesão se fundava somente na vontade e não em estatutos precedentes, o que tornava o convite à cristandade muito mais caloroso e sedutor. Indicava-se como possibilidade aberta a qualquer interessado e, mais ainda, assegurava a possibilidade de permanência na fé. O Desengano de perdidos convidava à via unitiva, chamava à conversão e à reorientação dos desejos. E cada ovelha do rebanho que o arcebispo propunha guiar e defender, um rebanho uno, sua responsabilidade pastoral, poderia alcançar este estado, e aquelas que se desgarravam não o faziam por qualquer marca de distinção, mas por se perderem nas tentações dos sentidos. Gaspar de Leão marcava-se, portanto, como prelado de um rebanho que abrangia todos os grupos que compunham a sua igreja, sob a condição da vontade.
A associação entre a infidelidade islâmica e a difusão dos vícios pela via da atividade comercial, em que os muçulmanos se destacavam, no entanto, abria espaço para uma crítica que cabia também aos próprios cristãos, especialmente os portugueses, desencadeadores das conexões comerciais que se encontravam na raiz dos projetos imperiais de princípios da Época Moderna. Os vícios condenados pelo arcebispo na obra eram, enfim, vícios que marcavam a carnalidade e a bestialidade da lei maomética, mas que também partiam dos e chegavam aos cristãos de todas as partes com o estabelecimento de conexões permanentes entre os locais mais distantes pela cobiça do domínio, atestando que os cristãos e a velha cristandade não estavam também isentos de deslizes e falhas. Luxúria e opulência, marcas da bestialidade islâmica, corrompiam igualmente os cristãos que não seguiam os passos da perfectibilidade e da união com o divino. Pecados impulsionados pela expansão que levavam cristãos e não cristãos à ruína. Gaspar de Leão marcava seu clamor por um mundo católico livre dos vícios que se acumulavam com o próprio andamento do projeto expansionista, afirmando sua confiança na definitiva vitória cristã no pleno domínio português sobre a Ásia, que jamais aconteceria, e condenando a face mundana do império.
Agradecimentos
Agradeço a Evergton Sales pela leitura da versão preliminar do texto e por suas sugestões para aprimorá-lo.
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» https://play.google.com/store/books/details?id=npHDYaHx_zsC &rdid=book-npHDYaHx_zsC&rdot=1 - LEÃO, G. de. Tratado para o sacerdote quando diz missa, e para os ouvintes que a ouvem com hum suave exercício no nome de Jesu, e outro da Oração e Meditação para os que tem pouco tempo Lisboa: João Blávio, 1558.
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» https://books.google.com.br/books?id=3uI5MJMW7UkC&printsec=frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false - SANTOS, J. dos. Ethiopia Oriental, e varia história de cousas notaveis do Oriente, II Évora, Convento de São Domingos: Manoel de Lira, 1609. Disponível em: Disponível em: https://archive.org/details/ethiopiaoriental00sant Acesso em: 11 abr. 2020.
» https://archive.org/details/ethiopiaoriental00sant
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Título honorífico, sem jurisdição territorial. Os bispos de anel eram geralmente nomeados para dioceses inativas.
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Informações sobre os tipógrafos disponíveis no dicionário elaborado pela Cátedra Alberto Benveniste: https://www.catedra-alberto-benveniste.org/dic-italianos.asp?id=328. Acesso em 19. mar. 2020.
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Se eram publicados com uma tiragem menor por ausência de um grande público leitor, ou se simplesmente se perderam (e no caso do Desengano de perdidos, deve-se levar em consideração sua entrada no Index de 1581), não se sabe. Maria Teresa de Carvalho (2012)CARVALHO, M. T. O mundo natural asiático aos olhos do Ocidente:contribuição dos textos ibéricos quinhentistas para a construção de uma nova consciência europeia sobre a Ásia. 2012. 347 f. Tese (Doutorado em História e Filosofia das Ciências) - Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012. chama a atenção para o grande número de cópias do tratado de Orta (também proibido) sobreviventes, concluindo daí que os escritos pelo arcebispo teriam menor difusão.
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4
Ventura (2005)VENTURA, R. D. Gaspar de Leão e o Desengano de perdidos: estudo histórico-cultural. 2005. 287 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Românicos) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005. indicou um plano bélico e um plano da conversão. A articulação entre um plano individual e outro global permite, todavia, pensar a graça e a conversão como objetivos confessionais - no âmbito da política e da fé - indissociáveis.
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É preciso considerar como a necessidade de recompor as tropas após a derrota de Lepanto impossibilitou que Selim II enviasse contingentes do Mar Vermelho como haviam requisitado Ali Adil Shah e Murtaza Nizam Shah já em 1571 (CAMPOS, op. cit., p. 182CAMPOS, N. A Casa de Atouguia, os Últimos Avis e o Império: dinâmicas entrecruzadas na carreira de D. Luís de Ataíde (1516-1581). 2013. 456 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2013. ).
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Sobre a posição de D. Sebastião e a indisposição com Felipe II, ver: PISSURNO, 2018PISSURNO, F. O carrossel matrimonial de D. Sebastião: um estudo dos projetos nupciais do penúltimo rei na dinastia de Avis. 2018. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: Disponível em: https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&doc_number=000875860&local_base=UFR01 . Acesso em; 29 mar. 2020.
https://minerva.ufrj.br/F/?func=direct&d... . -
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Embora a vitória em Lepanto tenha tido um impacto muito menor do que os reinos europeus poderiam desejar em termos políticos e militares para os otomanos, que definitivamente se consolidaram em Chipre, assinando a paz com Veneza em março de 1573, a batalha fortaleceu os ânimos católicos, quebrando o mito da invencibilidade otomana.
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Subrahmanyam (2012, p. 168-174)SUBRAHMANYAM, S. Impérios em concorrência: histórias conectadas nos séculos XVI e XVII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012. 361 p. avançou sobre a questão das rotas comerciais, afirmando como a rivalidade entre a rota do Mar Vermelho e a rota do Cabo tem sido mal compreendida pela historiografia recente, percebendo tal concorrência como meramente econômica ou afirmando que as duas rotas não poderiam coexistir. O estrangulamento da rota do Mar Vermelho teria objetivos políticos, minando o poder dos mamelucos e posteriormente dos otomanos. Ambas sobreviveram, abastecendo regiões diferentes, e com a primeira constantemente suprindo a baixa oferta da segunda.
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Segundo Andréa Doré (2010, p. 246-248)DORÉ, A. Sitiados: os cercos às fortalezas portuguesas na Índia (1498-1622). São Paulo: Alameda, 2010. 318 p., os relatos de cercos objetivavam ressaltar os feitos gloriosos dos portugueses, tendo ainda uma função pedagógica ou servindo como pagamento de promessas.
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Todas as citações foram atualizadas para o português moderno.
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Para esta leitura, o arcebispo apoiava-se nos comentários a Isaías do dominicano Francisco Foreiro (1563, p. 214v-215r)FOREIRO, F. Iesaiae prophetae vetus & noua ex Hebraico versio. Veneza: Jordani Zileti, 1563. Disponível em: Disponível em: https://play.google.com/store/books/details?id=npHDYaHx_zsC &rdid=book-npHDYaHx_zsC&rdot=1 . Acesso em: 26 mar. 2020.
https://play.google.com/store/books/deta... , que sinalizou como os novos convertidos viriam de muito longe em grandes navios de carga que traziam o lucro mais que qualquer outra coisa. Como pregador de D. João III e um dos responsáveis pela educação de D. Antônio, é provável que os contatos entre os dois fossem de longa data. -
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Para Clossey (2008)CLOSSEY, L. Salvation and globalization in the early jesuit missions. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. 327 p., percebe-se o impacto do milenarismo franciscano nos escritos missionários jesuíticos e em seu discurso sobre o avanço satânico sobre o mundo terreno, acelerando a atividade missionária em espaços diversos em prol da salvação das almas.
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Joaquim de Fiore prenunciou o devir da humanidade em três tempos, sendo o último o da religião monástica, em que a paz e o Espírito reinariam no mundo (DELUMEAU, 1997DELUMEAU, J. Mil anos de felicidade: uma história do paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 432 p., p. 40-46).
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João Francisco Marques (2000)MARQUES, J. F. Apologética. In: AZEVEDO, C. Dicionário de História Religiosa de Portugal A-C. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000. p. 82-102. diferencia a apologética da polêmica pelo tom combativo e virulento desta última nos confrontos confessionais.
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É de se recordar que a sugestão de uma correção pastoral nestes espaços havia sido já levantada nos primórdios do estabelecimento da Inquisição (PASTORE, 2009PASTORE, S. II vangelo e la spada: L´Inquisizione di Castiglia e i suoi critici. (1460-1598). Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 2009.). Seguindo o destino do Desengano de perididos, o Antialcorano foi proibido pelo Index de 1583, não sem antes seu autor ter caído em esquecimento. Sobre este aspecto e ainda sobre o caráter pacifista, persuasivo e assimilacionista do tratado, acentuando ao se considerar a ascendência mourisca de seu autor, que carregava nas tintas da detração, ver EL ALAOUI, 2020EL ALAOUI, Y. El Antialcorano de Bernardo Pérez de Chinchón (1532). ¿Una obra de refutación al servicio de una rehabilitación inquisitorial?. In: AMRÁN, R. et al. La mirada del outro: las minorías en España y América (siglos XV -XVIII). eHumanista, 2020. p. 259-278..
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Como se sabe, textos em diversos formatos, como o manuscrito, podiam alcançar circulação ampla ou mesmo restrita entre pares, sendo inclusive a forma manuscrita mais propícia para aqueles conteúdos passíveis de suspeita pela censura religiosa (BOUZA, 2001BOUZA, F. Corre manuscrito: una historia cultural del siglo de oro. Madrid: Marcial Pons, 2001. 359 p.; CHARTIER, 2012CHARTIER, R. O que é um autor? Revisão de uma genealogia. São Carlos: EDUFScar, 2012. 90 p.).
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Reproduzia, neste ponto, a autoridade de Santo Agostinho, que definiu como os pilares da alma a vontade, o entendimento e a memória.
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Ângela Xavier (2003, p. 87)XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003. chama a atenção para a possibilidade de o arcebispo pensar a situação dos indianos como similar à dos judeus, de engano por seus líderes.
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Na costa ocidental do subcontinente indiano, era sensível a predominância de grupos muçulmanos nas transações comerciais, fossem eles nativos (mappilas) ou estrangeiros (paradesis) (SUBRAHMANYAM, 1993SUBRAHMANYAM, S. O Império Asiático Português, 1500-1700: uma história política e económica. Lisboa: Edifel, 1993. 447 p.).
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20
Sobre as leituras cristãos do mito de Ulisses, ver: Ventura (2005, p. 175-178VENTURA, R. D. Gaspar de Leão e o Desengano de perdidos: estudo histórico-cultural. 2005. 287 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Românicos) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.).
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21
Xavier (2003)XAVIER, Â. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. 2003. 660 f. Tese (Doutorado em História e Civilização) - Instituto Universitário Europeu, Florença, 2003. analisou a importância das referências à glória do império romano para a construção da imaginação imperial lusitana no período de D. João III.
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22
Sobre as relações entre essas categorias, ver: XAVIER, 2006XAVIER, A. De converso a novamente convertido. Identidade política e alteridade no Reino e Império. Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias, Lisboa, v. 22, p. 245-274, 2006..
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Ana Isabel López-Salazar (2011, p. 331)LÓPEZ-SALAZAR, A. Inquisición y política: el gobierno del Santo Oficio en el Portugal de los Austrias (1578-1653). Lisboa: CEHR, 2011. 421 p. argumenta como a censura a obras impressas foi uma das múltiplas formas de colaboração do Santo Ofício com os Felipes para aplacar dissidências políticas. Ventura (2005)VENTURA, R. D. Gaspar de Leão e o Desengano de perdidos: estudo histórico-cultural. 2005. 287 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Românicos) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005. expressou leitura similar a respeito da proibição da obra.
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Declaração de financiamento:
A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Proc. 432623/2018-3).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
20 Maio 2020 -
Aceito
30 Nov 2021