Open-access Tráfico de pessoas: uma história do conceito

Resumos

A categoria tráfico de pessoas é uma proposição jurídica e não uma elaboração sociológica. Inventada no século XIX e retomada no final do século XX, tal categoria ganhou discursividade em jogo com saberes que constituíram a prostituição como um problema. A definição de tráfico disposta no atual Código Penal brasileiro se manifesta em relação necessária com a prostituição. O artigo analisa os modos como a discussão sobre o tráfico encontra lugar e efeito em jogo com a noção de que a prostituição deve ser combatida. A batalha discursiva para dizer o tráfico de pessoas e constituí-lo como um problema funciona como um reforço ao rechaço à prostituição, não protege as pessoas que se inserem voluntariamente no mercado do sexo e acaba, por vezes, sendo cúmplice de exigências internacionais de contenção migratória.

tráfico de pessoas; conceito; prostituição


The concept of human trafficking was first introduced in juridical discourse in the nineteenth century and emerged again with great force in the late twentieth century. Initially the concept was used in discourses that saw prostitution as a problem. The current Brazilian penal code still manifests this construction. Focusing on the Brazilian context, this article discusses how the contemporary legal definition of trafficking fails to recognize the rights of people who voluntarily enter the transnational sex market, and is, sometimes, an accomplice to international demands for migration restraint.

human trafficking; concept; prostitution


DOSSIÊ: HISTÓRIA E DEMANDAS SOCIAIS

Tráfico de pessoas: uma história do conceito

Human trafficking: a historical approach to the concept

Anamaria Marcon VensonI; Joana Maria PedroII

IDoutoranda, bolsista Capes. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Campus Universitário. 88040-900 Florianópolis – SC – Brasil. anamariamarcon@yahoo.com.br

IIUniversidade Federal de Santa Catarina (USFC), Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Campus Universitário. 88040-900 Florianópolis – SC – Brasil. joanamaria.pedro@gmail.com

RESUMO

A categoria tráfico de pessoas é uma proposição jurídica e não uma elaboração sociológica. Inventada no século XIX e retomada no final do século XX, tal categoria ganhou discursividade em jogo com saberes que constituíram a prostituição como um problema. A definição de tráfico disposta no atual Código Penal brasileiro se manifesta em relação necessária com a prostituição. O artigo analisa os modos como a discussão sobre o tráfico encontra lugar e efeito em jogo com a noção de que a prostituição deve ser combatida. A batalha discursiva para dizer o tráfico de pessoas e constituí-lo como um problema funciona como um reforço ao rechaço à prostituição, não protege as pessoas que se inserem voluntariamente no mercado do sexo e acaba, por vezes, sendo cúmplice de exigências internacionais de contenção migratória.

Palavras-chave: tráfico de pessoas; conceito; prostituição.

ABSTRACT

The concept of human trafficking was first introduced in juridical discourse in the nineteenth century and emerged again with great force in the late twentieth century. Initially the concept was used in discourses that saw prostitution as a problem. The current Brazilian penal code still manifests this construction. Focusing on the Brazilian context, this article discusses how the contemporary legal definition of trafficking fails to recognize the rights of people who voluntarily enter the transnational sex market, and is, sometimes, an accomplice to international demands for migration restraint.

Keywords: human trafficking; concept; prostitution.

A imagem do tráfico de pessoas tem estrelado na mídia brasileira nos últimos anos: quatro novelas globais fazendo do tráfico seu merchandising social; campanhas antitráfico; alterações no Código Penal brasileiro feitas com intenção de reprimir essa prática; políticas públicas; forças policiais treinadas para combater o tráfico de pessoas têm dado incontáveis entrevistas buscando explicar o fenômeno. O tráfico de pessoas é um conceito jurídico inventado no século XIX e que reapareceu entre nós no final do século XX. Este artigo trata de dotar de historicidade o conceito de tráfico que se utiliza hoje e de pensar as lutas políticas e as disputas de interesses que tornaram esse fenômeno novamente dizível e visível.

Para problematizar o conceito de tráfico de pessoas, preferimos utilizar o arsenal teórico foucaultiano, o qual sugere a investigação dos discursos que deram visibilidade a certa prática e a tornaram dizível. Nessa metodologia aplicada à pesquisa histórica, 'discurso' tem um sentido técnico particular. Não significa o que é dito. 1 Discurso, aqui, é entendido como prática, pois é a prática que determina os objetos, e não o contrário; e só existe o que é determinado, afinal, as coisas não existem fora das práticas. 2 Por esse ângulo, tráfico de pessoas, prostituição e exploração são práticas datadas e dimensionadas por relações de poder, e não um dado em essência. Estamos entendendo relações de poder como aparecem em Foucault: instáveis e passíveis de reversibilidade, disputas, embates, jogos estratégicos pelos quais pessoas livres procuram se conduzir e determinar a conduta das outras.3 Para esse autor, as pessoas não são somente objetos de disciplinas, mas também sujeitos, efeitos de modos de subjetivação.4 Estamos, portanto, tratando de discursos como uma prática que forma os objetos dos quais fala, e não como um conjunto de signos remetido a um conteúdo ou representação.5 Desse modo, não é nossa intenção revelar uma interpretação ou descobrir um fundamento, mas estabelecer uma positividade, já que estamos, também, produzindo os objetos que recortamos. Nessa perspectiva, deveríamos lembrar que, assim como nossos textos acadêmicos são produzidos no interior de disputas, de relações de poder e de redes de saber, e são estratégias, o discurso jurídico também o é.

Portanto, não se trata, aqui, de dar respostas conclusivas para a problemática que propomos, mas justamente o contrário: tentamos mostrar como os entendimentos a respeito do tráfico de pessoas se redefinem constantemente com base em diferentes discursos que lhe atribuem determinadas características, investem as pessoas envolvidas de atributos morais, explicam-no por meio de referências sociais e culturais, apontam causas e consequências. Nossa intenção é mostrar mecanismos de poder presentes nas discursividades que têm legitimado o conceito de tráfico de pessoas disposto no direito penal, mostrar como foram possíveis conhecimentos e teorias a respeito dessa questão, de qual espaço de ordem se constituiu um saber sobre isso, sob que condições é possível explicar as motivações do combate a essa prática e pensar elementos de quais positividades puderam constituir ideias sobre o tráfico e fazer dele uma racionalidade.

Tráfico de pessoas não é uma categoria sociológica. É uma categoria jurídica que nasceu dentro da discursividade da necessidade de policiamento das fronteiras transnacionais. O mote central deste artigo é historicizar esse conceito, que irradia seus efeitos precisamente de dentro do direito penal, para mostrar que não só por um sonho humanitário se move essa categoria.

Em meados do século XIX, rejeições ao tráfico de pessoas negras africanas para práticas escravistas tomaram fôlego. Junto a essa urgência, não mais humanitária que econômica, agregou-se a preocupação com o tráfico de mulheres brancas para prostituição. Apesar de podermos estabelecer relações entre tais fenômenos, é preciso ficar claro que são acontecimentos distintos, pois são movidos por preocupações diversas. A elaboração da categoria tráfico de mulheres brancas, além de trazer consigo um racismo latente, se fez com base no empenho em proteger o ideal de pureza feminina.

Inventou-se a prostituição num tempo marcado por teorias eugenistas e evolucionistas. No século XIX, marco da constituição de uma ciência sexual, a prostituição foi tratada como objeto do saber médico, entendida como doença, como desvio social. As prostitutas foram muradas fora das cidades, consideradas um empecilho à civilização e à moralidade. Naquela época, já se falava de prostituição atravessando fronteiras nacionais. 6

Inquietações de ordem moral produziram, em 1904, na esteira da discussão sobre tráfico para práticas escravistas nas Américas, o Tratado Internacional para Eliminação do Tráfico de Escravas Brancas. Esse foi o primeiro instrumento internacional que tratou de tráfico para exploração sexual. Encontramos referências a um instrumento inglês de 1885, o Criminal Law Amendment Act, que mencionava o tráfico de mulheres para prostituição, mas que não se constituía como uma norma específica sobre a questão.

No preâmbulo do tratado de 1904, Suas Majestades dos principais impérios e domínios ocidentais da época se comprometem a proteger mulheres e crianças do White Slave Traffic. O artigo primeiro desse documento traz a intenção fundamental do tratado: os governos deveriam se comprometer contra a perseguição de mulheres e crianças para objetivos imorais no estrangeiro. O artigo segundo previa que cada Estado se responsabilizaria por manter vigilância, especialmente em estações de trem, portos de embarcações e durante seus trajetos, sobre pessoas acusadas de designar a mulheres e crianças uma vida imoral. Esse tratado se inscreveu num contexto específico de condenação moral da prostituição, afinal, essa atividade era entendida como vida imoral. Nessa época, não poderia fazer sentido diferenciar prostituição de mulheres e de crianças, afinal as mulheres tinham status social infantilizado.

Na virada do século XIX para o XX, a prostituição era considerada uma ameaça ao corpo, à família, ao casamento, ao trabalho e à propriedade, foi entendida como 'doença' e tornou-se alvo de planos de profilaxia. As prostitutas eram perseguidas por serem consideradas empecilhos à civilização, à 'limpeza moral' da cidade, e, por isso, sua circulação deveria ser controlada e suas casas deveriam ser afastadas para espaços confinados, definidos por reformas urbanas. 7 É também dessa época a invenção da associação entre mulher e debilidade/doença. Essa noção está em jogo nas associações entre doença e passividade. 8

A discursividade que constituiu a prostituição como um problema só foi possível mediante a medicalização e o policiamento da sexualidade, e o tráfico tornou-se dizível entrelaçado aos discursos médico e policialesco investidos no rechaço à prostituição. Prostituição e tráfico de pessoas, no modo como são reapropriados hoje, são invenções coincidentes. Ora, as inquietações a respeito de tais práticas não foram exatamente um efeito de preocupações humanitárias, afinal, a noção de direitos humanos tornou-se dizível décadas depois.

O Brasil integrou-se ao Tratado Internacional para Eliminação do Tráfico de Escravas Brancas e adaptou seu ordenamento jurídico ao conteúdo dessa convenção. Na redação original do Codigo Criminal do Imperio do Brazil de 1830, a prostituição não se constituía como um problema, embora já fosse visível a desqualificação de quem exercia essa atividade. A única referência feita a tal prática está no artigo 222, sobre estupro, onde aparece uma pena diferenciada caso o crime fosse cometido contra uma mulher honesta ou contra uma prostituta. Em meio a preocupações com relação a poligamia, adultério, rapto, ofensas à moral e aos bons costumes, diferenciações entre mulheres honestas, solteiras e casadas, o código imperial traduz a noção de prostituta como mulher pública, de todos, mulher da rua, fora dos padrões de comportamento normativo e que não merece a mesma proteção que as demais. Porém, inexiste uma preocupação específica com tal prática.

Tampouco na redação original do Codigo Penal dos Estados Unidos do Brazil de 1890 os desassossegos a respeito de tráfico aparecem. Essa normativa, elaborada no auge do período vitoriano, mantém diferenciações entre mulheres honestas e prostitutas, concebe a prostituta como mulher pública, refere-se à virgindade das mulheres (porém não dos homens) e faz várias referências ao estado civil das mulheres (porém não dos homens).

No título VIII, "Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor", capítulo III, "Do lenocínio", com apenas dois artigos, o código faz uma menção ao tráfico. Praticava lenocínio quem excitasse, favorecesse ou facilitasse a prostituição de alguém para "satisfazer desejos deshonestos ou paixões lascivas" de alguém. Em seguida, o artigo 278 parece tratar de exploração da prostituição:

Art. 278. Induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miseria, quer constragendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no trafico da prostituição; prestar-lhes, por conta propria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistencia, habitação e auxilios para auferir, directa ou indirectamente, lucros desta especulação:

Penas – ...

Nesse artigo aparece uma associação direta entre 'mulher' e 'fraqueza', associação que ainda faz eco nos instrumentos normativos atuais, como mostraremos mais à frente. Apesar de mencionar 'trafico da prostituição', não há uma definição do que seja essa prática. Vasculhando o texto, percebemos que todo ele funciona dentro de uma lógica que concebe as mulheres como seres passivos: é excitada por alguém, educada por alguém, guardada por alguém, sob o poder marital, induzida, abusada, fraca, constrangida, intimidada, ameaçada. Não há nada na redação penal daquela época que escape a essa lógica, o que nos obriga a imaginar mulheres que voluntariamente se dedicavam à prostituição com base em outros textos, e não nesse.

Em 1910, no auge dos pânicos morais a respeito do tráfico de mulheres, a anarcofeminista Emma Goldman criticou legislações moralistas contra o tráfico, que, para ela, só serviam para divertir um público infantilizado e apolítico e para aumentar uma classe particular de servidores do Estado (rotulados por ela de 'parasitas') que seria encarregada da vigilância da moralidade pública. Ela montou seu argumento situando a prostituição como fruto da exploração, mas uma exploração que abrangia quase todas as formas de trabalho disponíveis para as mulheres de seu tempo. A prostituição não era, portanto, uma condição decadente, uma atividade amoral ou um caso de escravidão, mas resultado de um sistema econômico que oferecia, para as mulheres, raras opções mais vantajosas que tal empreendimento. Ela conclui que reprimir a prostituição seria aumentar ainda mais as injustiças. 9 Havia, portanto, já naquela época, discursos dissidentes da pretensão jurídica a respeito do tráfico de pessoas. Mas esses discursos, no entanto, não tinham a mesma visibilidade e a mesma efetividade que as ordens do Código Penal.

Em Annotações theorico-praticas ao Codigo Penal do Brasil de Antonio Bento de Faria, publicado em 1929, encontramos uma espécie de primeiro conceito de tráfico na legislação brasileira. Antes de se reportar ao texto do código, o autor explica que o tráfico de brancas havia sido estudado pelo governo francês, o qual promoveu uma conferência internacional em Paris em 1902, na qual o Brasil tomou parte. Tal conferência, sob a presidência do ministro das relações exteriores da França, resultou no Tratado Internacional para Eliminação do Tráfico de Escravas Brancas de 1904, já comentado. O autor explicita que as resoluções de tal conferência foram de ordem administrativa: vigilância internacional, extradição de culpados e repatriação das vítimas. Às vezes, o autor se refere a intenções associadas ao que poderíamos ler hoje como certo 'humanitarismo':

extorsões brutaes que praticam á noute, quando reclamam de suas victimas o preço do gozo dos seus corpos durante as ultimas 24 horas ... auferem do corpo da mulher prostituta o máximo da renda de antemão calculada pelo lucro provável que pode fornecer diariamente o gozo do seu corpo ou da sua beleza ... a mulher é importada como mercadoria e sujeita como escrava ao commercio da sua própria carne ... são attrahidas por promessas de collocações vantajosas, arrastadas para longe da familia, e geralmente para fora do paiz, e uma vez chegadas ás capitaes do estrangeiro, são ahi forçadas a entregarem-se á prostituição. 10

Impossível não entrar em pânico lendo tanta virtude retórica. Mas o autor que nos fala não explica como chegou a tais conclusões. Não sabemos se foi mediante incursões pessoais no mercado do sexo, se com base em notícias de jornal ou em ficções da época, ou se foi um devaneio literário eclipsando um pânico particular. O que sabemos é que o autor não está aí fazendo uma sociologia da prostituição, mas um comentário sedutor a um dispositivo legal que ele desejou incluir nas suas Annotações.

Parece, porém, que a questão está mais na ordem das relações entre Estados que na ordem de preocupações com eventuais vítimas de tal prática. Além disso, aflições com respeito à desordem no modelo de família nuclear são muito mais evidentes que ansiedades motivadas pela ideia de possíveis agressões e violências que recairiam sobre as mulheres envolvidas em tal prática, 'fracas pelo sexo', como explica o autor. Tampouco se cogita o fato de muitas dessas mulheres terem se inserido nesse mercado voluntariamente, pois, se assim se admitisse, não haveria vítimas para ensejar uma discussão jurídica a respeito, já que prostitutas eram entendidas como infratoras da ordem moral e vítimas de sua própria anormalidade. Vontade fraca foi uma marca estigmatizadora aplicada às mulheres no século XIX. E preocupações estatais com respeito ao tráfico, 'torpe e vergonhosa indústria', como explica o autor dos comentários ao código republicano, só se justificaram porque fizeram uso da ideia de debilidade feminina.

A Lei 2.942 de 1915 rearranjou a redação dos artigos 277 e 278 do Código Penal de 1890 e trouxe, pela primeira vez no ordenamento brasileiro, uma espécie de definição de tráfico (talvez um eco do tratado de 1904), no interior do artigo 278, em jogo com o artigo 277. Este previa como crime "induzir alguém, por meio de engano, violencia, ameaça, abusos de poder, ou qualquer outro meio de coacção a satisfazer os desejos deshonestos ou paixões lascivas de outrem. Excitar, fornecer, ou facilitar a prostituição de outrem".

Os comentários explicativos do artigo elaborados pelo afamado jurista explicitam o fato de a prostituição ser obrigatoriamente a "entrega do corpo [feminino] por paga e sem escolha". O mesmo autor, talvez em um tropeço retórico, explica que "as vítimas não acusam [o negociante]". O que queremos dizer é que essas elaborações sobre o tráfico só podem ser entendidas se localizadas em um tempo no qual se entendia que as mulheres eram fracas, sem escolha, sem vontade; que elas se entregavam, que nem sequer denunciavam, que deviam ser protegidas pelo pai, marido ou pelo Estado, que eram facilmente induzidas. As que não se encaixavam nesse modelo de feminilidade legítima eram entendidas como anormais, prostitutas. O que está em jogo em tais elaborações legislativas é a segurança da ordem familiar eclipsada no combate à prostituição. O artigo 278, sobre casas de tolerância, sinaliza preocupações com deslocamentos de mulheres para prostituição:

§1º Alliciar, atrair ou desencaminhar, para satisfazer as paixões lascivas de outrem, qualquer mulher menor, ou não, mesmo com o seu consentimento; aliciar, atrair ou desencaminhar, para satisfazer ás paixões lascivas de outrem, qualquer mulher maior, virgem ou não, empregando para esse fim ameaça, violência, fraude, engano, abuso de poder ou qualquer outro meio de coacção; de reter, por qualquer dos meios acima referidos, ainda mesmo por causa de dividas contrahidas, qualquer mulher, maior ou menor, virgem ou não, em casa de lenocínio, obrigal-a a entregar-se á prostituição:

Pena – ...

§2º Os crimes de que trata o art. 278 e o §1º do mencionado artigo serão puníveis no Brasil, ainda que um ou mais actos constitutivos das infracções nelles previstas tenham sido praticados no estrangeiro.

Como explica o comentador do código: "Felizmente, para nós, digamos desde já: – exploradas e exploradores, em sua grande maioria, não são brasileiros". Deste modo, o §2º funcionaria como justificativa para expulsar prostitutas estrangeiras do país, as 'francesas', como se costumava chamar. Dentro da lógica de que uma prostituta era sempre vítima, ou de sua debilidade física e moral, ou de algum explorador perverso, qualquer mulher estrangeira que se dedicasse à prostituição, voluntariamente ou não, e que não fosse benquista em seus círculos de sociabilidade poderia ser facilmente repatriada em cumprimento à função estatal de 'limpar' as capitais brasileiras para que o país pudesse, finalmente, ser aceito no rol das nações civilizadas.

Em 1940, um novo Código Penal brasileiro foi criado pelo Decreto-lei 2.848, que entrou em vigor em 1942. Foi submetido a uma comissão revisora composta por quatro juristas: Nelson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiróz e Roberto Lira. O título VI tratava dos "Crimes contra os costumes", e estava composto por seis capítulos: "dos crimes contra a liberdade sexual; da sedução e corrupção de menores; do rapto; disposições gerais; do lenocínio e do tráfico de mulheres; do ultraje público ao pudor". Pela primeira vez o tráfico ganha um artigo específico.

Embora esse código não penalizasse o exercício da prostituição, também trouxe um senso proibitivo de tal atividade, pois previu como crime atrair alguém à prostituição e facilitar a prostituição (caput do artigo 228), aumentando a pena caso tal conduta fosse colocada em prática por meio de violência, grave ameaça ou fraude (§2º) ou se houvesse finalidade de lucro (§3º). A mesma lógica proibitiva aparecia no artigo 229, sobre casa de prostituição, que previa como conduta criminosa manter lugar destinado a encontros para fim libidinoso, havendo ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente. Com essa redação, é quase impossível ser prostituta e agir conforme a lei. Coerente com a lógica proibitiva da prostituição, o artigo 230 inventou uma definição para o rufianismo: tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça. Portanto, uma pessoa que se dedicasse a atividades de prostituição estava proibida de fazer uso livre de sua renda: só poderia usar seu dinheiro, bens ou benefícios para sua única e exclusiva subsistência. É dentro desse senso proibitivo da prostituição que o tráfico de mulheres ganha, pela primeira vez no ordenamento brasileiro, uma definição, um conceito:

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nêle venha a exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro:

Pena – reclusão, de três a oito anos ...

Se a vítima tivesse entre 14 e 18 anos, se o agente fosse ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou afim, se houvesse emprego de violência, grave ameaça ou fraude, se fosse cometido com fim de lucro, aumentava-se a pena. A língua portuguesa nos faz um gracejo nessa arrumação de palavras. A única palavra de gênero feminino é vítima, enquanto todas as outras estão flexionadas no masculino: o agente, o marido, o pai, o legislador, o revisor do projeto e o comentador do código. Ora, a redação desse artigo traz certa novidade, mas os sentidos são os mesmos daqueles inventados no século XIX: mulheres são levadas e trazidas, como se não tivessem vontade própria, têm sua agência pessoal negada, e não se consideram medidas de voluntarismo nessas questões. Pouco importa se tal ou qual mulher atravessou fronteiras nacionais por vontade própria: de acordo com o código, a prostituição não é uma escolha possível para as mulheres. Ora, nesses tempos era muito difícil uma mulher conseguir viajar sozinha, pois em geral precisavam da autorização de alguém. E essa obrigatoriedade de autorização era justificada precisamente pela noção de debilidade feminina. Tal armadilha levava-as a sempre precisarem da 'ajuda' de alguém para atravessar as fronteiras.

O tráfico, aí, é colocado como uma modalidade de lenocínio. O exercício da prostituição não é penalizado, tampouco quem compra tal serviço, mas qualquer ajuda ou facilitação é desencorajada. Essa disposição confusa de permissões e proibições parece estratégica para satisfazer as mesmas contraditórias demandas do século XIX: se a prostituição é um atentado à civilização, ao mesmo tempo serviria de alívio para instintos irrefreáveis e sustentaria a honra das famílias, devendo, portanto, ser tolerada. Hoje, esse entendimento tem muito pouco espaço nos estudos sobre as sexualidades. Não há mais que se falar em instintos ou pulsões, mas em chamada à ordem nas relações de gênero; nem mesmo em violências sexuais, mas em violências de gênero. 11

Nelson Hungria, revisor do código e afamado jurista, nos conta, em 1948, em linguagem apaixonante, que a repressão penal ao lenocínio remonta à Antiguidade. O talentoso escritor utiliza esse ardil discursivo para elogiar o código que ele próprio ajudou a redigir. O modo como ele concebe a prostituição está bem afinado com aquele costumeiro refrão que traz a prostituição como "a mais antiga das profissões", artifício cultural que naturaliza a atividade. Hungria nos repete, nos anos 1950, que "a prostituição é um mal necessário" e parafraseia santo Tomás de Aquino, que compara prostituição à cloaca do palácio: "removida aquela, torna-se êste um lugar fétido e impuro", fala em "decaídas afoitas", em "mercado carnal", "mal inextirpável", "é inútil tentar extingui-la", "conduta imoral". Assim ele explica:

Se a prostituição é um mal deplorável, não deixa de ser, até certo ponto, em que pêse aos moralistas teóricos, necessário. Embora se deva procurar reduzi-la ao mínimo possível, seria desacêrto a sua incriminação. Sem querer fazer-lhe o elogio, cumpre reconhecer-lhe uma função preventiva na entrosagem da máquina social: é uma válvula de escapamento à pressão de irrecusável instinto, que jamais se apaziguou na fórmula social da monogamia, e reclama satisfação antes mesmo que o homem atinja a idade civil do casamento ou a suficiente aptidão para assumir os encargos da formação de um lar. Anular o meretrício, se isso fora possível, seria inquestionavelmente orientar a imoralidade para o recesso dos lares e fazer referver a libido para a prática de todos os crimes sociais. 12

Nada está nas entrelinhas, tudo está dito e pode ser lido. O que estamos procurando entender é em qual espaço de ordem se constituiu um saber sobre o tráfico de pessoas, como se formou uma racionalidade constitutiva do fenômeno e sob que condições essa racionalidade traz seus motivos. Essas escolhas normativas das quais estamos falando não levam em consideração as mulheres, nem as prostitutas nem as não prostitutas, mas somente os usuários da atividade, que podem, afinal, dormir o sono dos justos (e doutos) sabendo que se condenam os cafetões perversos. Nessa data, não há que se pensar em 'agência feminina', como fazemos hoje, tampouco em 'direito ao próprio corpo', pauta dos movimentos feministas de 1960, pois as mulheres que se dedicavam a tais atividades eram simplesmente desconsideradas no discurso jurídico. Não somente elas não tinham permissão para participar desse debate, como nem sequer eram consideradas como sujeitas. Se estamos falando em 'coisificação' de pessoas, de mulheres (tráfico, e não tráfego), não há como negar: em questões de objetificação, o jurista venceu o cafetão.

Em 1949, um eco da criação da ONU produziu a Convenção para Eliminação do Tráfico de Pessoas e Exploração da Prostituição de Outrem, que tratava de pessoas traficadas para fins de exploração sexual, consolidou outros acordos internacionais anteriores e foi adotada pela Assembleia Geral. Essa convenção declarava que a escravização de mulheres e crianças para prostituição era incompatível com a dignidade e os direitos fundamentais de seres humanos. Nesse contexto, os anseios eram diferenciados daqueles do início do século, pois falava-se de seres humanos ao invés de mulheres e crianças, e falava-se de exploração da prostituição ao invés de referir-se à escravização. Eram diferentes miras e objetivos, que produziram diferentes sujeitos. Marjan Wijers explicou que o que havia em comum entre a Convenção de 1949 e aquela do início do século era que ambas estavam predominantemente baseadas no sistema abolicionista, que pretende a eliminação da prostituição. De um lado, trabalhar como prostituta não era punível, mas o envolvimento de outras pessoas o era, fosse o administrador do bordel ou um amigo, independentemente do consentimento da mulher, ou se ela era ou não explorada. Apesar de ter proposto eliminar o tráfico e a exploração da prostituição, e não a prostituição em si mesma, a normativa de 1949 não deixava claras definições do que seria uma coisa ou outra. 13

Depois da adoção da Convenção de 1949, os debates internacionais sobre o tráfico de mulheres diminuíram por um tempo. Muitas autoras mencionam que foi na metade da década de 1980, em meio a uma nova onda de campanhas feministas e discussões sobre prostituição infantil, pornografia e turismo sexual, que a questão do tráfico de mulheres voltou ao topo da agenda internacional. 14 Essas discussões estavam certamente ligadas às reivindicações de direito ao corpo e ao prazer colocadas em discurso pela Segunda Onda Feminista, 15 movimento arrojado que surge nos anos 1960. Em jogo com a Segunda Onda, nos anos 1980 começa a pulsar o que hoje entendemos como uma Terceira Onda Feminista, que trouxe novas perspectivas sobre a sexualidade e a prostituição. A Terceira Onda desmontou o conceito de patriarcado e constitui novos campos de saber mobilizadores de profundas transformações das propostas políticas feministas acerca da sexualidade e do comércio de sexo: a elaboração da categoria gênero como ferramenta de análise passou a minar a atribuição de universalidade às categorias mulher e mulheres, confundindo completamente noções biologizantes da sexualidade; a crítica feminista pós-colonial apontou racismos e elitismos nas discursividades feministas ocidentais; os movimentos de trabalhadoras do sexo trouxeram novas reivindicações que foram agregadas à pauta feminista. Essas duas Ondas coexistiram nos anos 1980 (e ainda coexistem) e nos ajudam a ver que o movimento feminista não é e nunca foi unívoco. Outra consideração é que, nas últimas décadas, as organizações feministas conseguiram mais lugares de fala e mais poder de influência nas políticas públicas, mas isso não significa haver um consenso absoluto motivador de suas práticas, nem que essas organizações tenham o mesmo prestígio que outros agrupamentos de saber/poder.

Nesse contexto, a Convenção de 1949 passou a ser duramente criticada por ignorar outras formas de tráfico (para serviços domésticos, noivas por correspondência, trabalhos na indústria têxtil e na agricultura), por deixar de considerar tráfico dentro de um mesmo país e por desconsiderar crueldades em outros trabalhos. Em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) obrigou os países signatários a tomarem medidas apropriadas para eliminar todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de mulheres. Várias outras proposições legislativas internacionais tematizando o que se convencionou chamar 'tráfico' foram produzidas ao longo do século XX, mas nenhuma teve efetividade relevante. 16

A ideia de que a prostituição é uma violência contra as mulheres esteve representada nas normativas internacionais que atravessaram o século XX. Em 1996, em resposta a reivindicações feministas, o tráfico passou a ser entendido no âmbito das Nações Unidas como comércio e exploração do trabalho em processos migratórios sob condições de coação e força. Desse modo, ao invés de definir a própria prostituição como uma violência inerente contra as mulheres, foram as condições de vida e de trabalho em que as mulheres poderiam se encontrar no trabalho sexual, e a violência e o terror que cercam esse trabalho num setor informal e subterrâneo que foram tidos como violadores dos direitos das mulheres e, portanto, considerados como 'tráfico'. 17 Pela primeira vez em um século, a perspectiva abolicionista deixou de ser o ponto de vista representado no discurso internacional sobre a prostituição. A década de 1990 foi lugar de intensa disputa para definir o 'tráfico de mulheres', e essa disputa foi movida por posições a respeito da prostituição e por considerações sobre a melhor maneira de tratá-la legalmente. Portanto, para pensar o que hoje entendemos como 'tráfico de pessoas' é necessário entender como essa discussão se desenvolveu em torno de posições em relação à prostituição.

Atualmente, podemos localizar duas posições centrais a respeito da prostituição e que se fazem evidentes no debate antitráfico. Certa posição defende um viés abolicionista, considerando que toda prostituição é forçada, e é defendida pela Coalision Against Trafficking in Women (CATW). Outra, defendida pela Global Alliance Against Trafficking in Women (GAATW), sediada na Tailândia, reconhece que não é o exercício da prostituição em si que é abusivo, mas as más condições de trabalho. O ponto fundamental que distingue esses entendimentos é a divergência sobre a questão do consentimento. Enquanto a posição abolicionista argumenta que uma pessoa não escolhe essa atividade, pois é sempre forçada por alguma circunstância, a outra rejeita a noção de que trabalhadoras do sexo em processos migratórios sejam apenas submissas e passivas, reconhecendo sua subjetividade e agência pessoal. Há, no entanto, modulações e entrecruzamentos dessas duas perspectivas, e há muitas variantes delas.

Nos anos 1990, essas duas posições apareciam de forma contraditória na legislação internacional, muitas vezes informando juntas um mesmo documento (Doezema, 1998). Uma mudança significativa nessa situação aconteceu em 1996, quando a ONU comissionou a GAATW para fazer um importante relatório, deixando de lado a perspectiva abolicionista da CATW (Kempadoo, 2005). Foi, então, reconhecida a distinção entre prostituição 'voluntária' e prostituição 'forçada'.

Jo Doezema explica que essa distinção foi muito importante, pois ultrapassou o modelo abolicionista no discurso internacional sobre a prostituição, embora também tivesse problemas. Ela chamou atenção, em 1998, para o fato de que, apesar dessa mudança, os acordos internacionais não promoviam os direitos das prostitutas na mesma intensidade com que condenavam a prostituição forçada. Não existia nenhum acordo internacional que condenasse os abusos cometidos contra os direitos humanos de mulheres que se dedicavam à prostituição e não eram 'forçadas', argumentava ela, e era justamente por não haver acordo sobre prostituição 'voluntária' que o consenso de prostituição 'forçada' ganhou discursividade. Outro problema que essa distinção acarretava era que a 'inocência' da vítima determinava o lado da dicotomia ao qual ela seria submetida. Essa autora recomendava que se reconsiderasse a utilidade da dicotomia 'escolha' versus 'força' como modelo explicativo das experiências dessas mulheres (Doezema, 1998). Alison Murray, falando do lugar de uma trabalhadora do sexo na Austrália e no sul asiático, também apontou problemas nessa distinção. Essa autora lutou pela distinção entre prostituição forçada e voluntária na conferência da ONU em Beijing (1995), mas percebeu falhas nessa posição. Em 1998, ela criticou campanhas antitráfico na Conferência de Beijing por ignorarem as perspectivas das pessoas implicadas e por reproduzirem o estereótipo da mulher asiática como doente e passiva. Claramente inspirada na feminista pós-colonial Chandra Mohanty, essa autora mostrou como a suposta dicotomia entre prostituição forçada e prostituição voluntária criava falsas divisões entre mulheres envolvidas na prostituição. A prostituta 'voluntária', explicava ela, era entendida como a trabalhadora do sexo ocidental, do mundo desenvolvido, vista como capaz de tomar decisões independentemente, capaz de decidir voluntariamente se venderia ou não serviços sexuais, enquanto a trabalhadora do sexo de um país subdesenvolvido, ou em desenvolvimento, era considerada incapaz de fazer a mesma escolha: ela seria passiva, ingênua e presa fácil de traficantes. 18

Toda essa discussão, agregada a outras demandas e interesses, produziu uma nova definição para o tráfico. Hoje, a definição supranacional mais recente está disposta no Protocolo de Palermo, que foi acolhido pelo Brasil. O texto do Protocolo foi negociado durante uma assembleia geral da ONU em 2000, promovida para discutir formas de combater o crime organizado transnacional. Nessa assembleia foram deliberados três tratados adicionais específicos: um sobre tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças; outro sobre contrabando de pessoas, para lidar com pessoas que atravessam fronteiras nacionais sem documentação; e outro sobre tráfico de armas e munição.

O suplemento que trata do tráfico de pessoas define este como

o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração. (Artigo terceiro)

Por exploração entende-se "exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, escravaturas ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos".

Antes de pensar quaisquer implicações práticas dessa definição, é fundamental considerar o fato de que ela foi pensada em um contexto de preocupações com o controle de fronteiras nacionais. Estamos falando de uma definição de tráfico pensada no intuito de combater o crime organizado e não de promover direitos humanos. Há, sim, interesses humanitários no combate ao tráfico de pessoas, mas não se pode perder de vista que estamos partindo de uma redação que pensa primeiro o tráfico (de pessoas, de armas) e depois as pessoas (suplemento). O próprio fato de localizar em uma mesma normativa fenômenos tão distintos é problemático, pois favorece confusões e relações simplistas entre migração irregular, tráfico de pessoas e de armas. Ainda que contemple interesses humanitários, o Protocolo de Palermo não é exatamente um instrumento de promoção de direitos humanos, mas uma normativa cuja intenção é combater o crime organizado.

Feita essa primeira observação, podemos mapear muitos outros problemas apontados em tal definição. A definição de tráfico dada pelo Protocolo é efeito de acalorada batalha discursiva que está longe de ser resolvida. Uma vantagem do Protocolo em relação à legislação anterior é que 'tráfico' não se resume a uma prática coercitiva ou de favorecimento da prostituição, pois trata também de outros trabalhos em condições de exploração; mas muitos outros problemas foram apontados. Para Bridget Anderson e Julia O'Connell David–son (2002), os problemas do termo 'tráfico' não foram resolvidos na definição adotada pela ONU, pois esta falha ao deixar indefinidos, por falta de consenso, termos como exploração da prostituição de outrem e exploração sexual, e outros termos como vulnerabilidade e coerção, tornando impossível especificar quem é traficada/o para o comércio de sexo sem se esquivar daquele debate geral e carregado de emotividade sobre o certo e o errado da prostituição. 19 Outro problema do Protocolo é que, apesar de falar em tráfico de pessoas, coloca mulheres ao lado de crianças como pessoas que precisam de proteção especial, oficializando aquela antiga noção de vulnerabilidade feminina.20

Outro ponto problemático foi a decisão sobre o 'consentimento'. Como já discutimos há pouco, se essa questão foi colocada estrategicamente para não cair naquela dicotomia entre 'força' e 'voluntarismo', também surge de forma problemática, pois não protege os direitos de mulheres que migram com intenção de se inserirem no mercado do sexo. De acordo com a redação do Protocolo, o 'consentimento' é ponto estratégico na configuração de um caso de tráfico, pois o texto deixa aberta a possibilidade de uma interpretação ampla da existência do consentimento forçado. O Protocolo aponta textualmente a intenção de ser facilmente adaptado no maior número de países possível, independentemente do modo como lidam com a prostituição. A ideia é, portanto, que se possa recorrer à categoria tráfico de pessoas tanto em países que não penalizam o exercício ou o uso da prostituição, quanto em países que reconhecem o trabalho sexual, ainda que criminalizem a clientela e o lenocínio. O Código Penal brasileiro, como discutiremos mais à frente, não penaliza o exercício da prostituição, mas arrasta um senso proibitivo dessa atividade.

Mas os problemas da prostituição e do tráfico não se encerram nessas questões. Bridget Anderson e Julia O'Connell Davidson argumentaram, em 2003, que entender tráfico como um tipo de migração ilegal é valer-se daquela distinção simplista demais entre 'migração legal' e 'migração ilegal', que não dá conta de reconhecer a complexidade dos processos migratórios. Se 'traficadas' frequentemente entram nos países legalmente, explicam as autoras, o foco da discussão deveria estar nas explorações e violências que acontecem tanto nos sistemas de imigração ilegal quanto no legal e não na diferença entre tráfico e imigração ilegal. 21

Ora, a definição supranacional de tráfico de pessoas é efeito e produto de interesses pelo controle das fronteiras nacionais representados na Convenção de Palermo, de desarranjos entre lógicas nacionais e em meio às divergências do debate feminista, que ganhou força nas últimas décadas do século XX. Todas essas discursividades, em confronto e em relação, invocando-se e se apoiando uma à outra e, ao mesmo tempo, lutando uma contra a outra, formularam racionalidades sobre o tráfico, tornando-o novamente dizível e dando-lhe visibilidade.

Em 2005 o código foi adaptado à legislação supranacional. O tráfico internacional de pessoas tomou o lugar do antigo dispositivo sobre tráfico internacional de mulheres e foi reconhecida a existência de tráfico interno. Contudo, o código manteve certo vínculo entre tráfico e prostituição, diferentemente do protocolo, que coloca a prostituição ao lado de outras práticas.

Em 2009, em função da Lei 12.015/2009 (que entre outras coisas eliminou as referências à honestidade das mulheres), novas mudanças sobrevieram. O artigo 231 passou a tratar de tráfico internacional de pessoa – no singular – para fim de exploração sexual, bastando uma única vítima (ou mesmo nenhuma, nos casos de tentativa) para que se possa operacionalizar o conceito.

Além disso, o Código Penal passou a tratar de tráfico de pessoa para "prostituição ou outra forma de exploração sexual", igualando prostituição à exploração, talvez buscando adequar-se um tanto mais à redação do Protocolo, que fala em "exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual". A mesma lei que alterou essa definição também alterou o artigo 288, que antes penalizava "induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone", e agora trata de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual e penaliza "induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone".

Ora, mesmo que o código não penalize o exercício da prostituição, continua aí um sentido de proibição dessa atividade. Certamente esse jogo de conceitos é estratégico para que as pessoas entendam que uma pessoa envolvida em tráfico, figurando na posição de 'vítima' (no sentido jurídico técnico), não pode ser tratada como infratora. Porém, essa estratégia traz outro complicador, tão grave quanto a culpabilização mais evidente. Essas conceituações deixam muito pouco espaço para o entendimento de que a prostituição pode ser uma atividade ponderada, negociada e escolhida em uma gama de opções possíveis. Ao igualar prostituição à exploração sexual, apaga-se a agência pessoal das pessoas que se envolvem nessa atividade e se boicota a discussão a respeito dos direitos das pessoas que se dedicam voluntariamente a essa atividade.

Conforme o caput do artigo 231 do Código, alguém comete o crime de tráfico internacional de pessoas quando promove ou facilita a entrada no território nacional de alguém que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Porém, o emprego de violência, grave ameaça ou fraude com fins de lucro, aspectos centrais na conceituação de tráfico do Protocolo, são contemplados com penas adicionais pelo Código Penal (parágrafo 2º, inciso IV e parágrafo 3º), mas não são aspectos que definem o tráfico internacional de pessoas. Assim está definido no código:

Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Há outros artigos referentes ao tráfico de pessoas e crimes afins na legislação brasileira, e há, ainda, artigos do Código Penal que não tratam diretamente do tráfico, mas onde aparecem 'crimes afins' ou relacionados a tal prática. 22 Porém, no direito brasileiro, o tráfico de pessoas se manifesta em relação necessária com a prostituição, diferentemente do Protocolo, que coloca a prostituição ao lado de outras práticas na configuração de um caso de tráfico. Portanto, o que move o debate geral sobre o tráfico internacional de pessoas no Brasil, além das exigências internacionais de combate ao crime organizado transnacional, é fundamentalmente o sentimento generalizado de que se deve evitar a prostituição.

Por essa lógica, a discussão sobre a prostituição deveria ser anterior à discussão sobre tráfico. Os termos que temos hoje nos obrigam a isso. Mas não é assim que acontece. A discussão sobre o tráfico de pessoas se pretende técnica e se esquiva da questão sobre a qual inventa sua substância, que é a questão da prostituição. É a prostituição, afinal, o ponto crucial a respeito do tráfico no Brasil, é sobre essa atividade e com base nela que se dirige o combate ao tráfico de pessoas.

Além das discrepâncias entre o Protocolo e o Código, diversos estudos antropológicos sobre migrações internacionais têm apresentado resultados que apontam desajustes das definições dadas por essas normativas. Muitas pesquisas têm mostrado mulheres participando ativamente em processos migratórios na virada do século XX para o XXI. 23 Há um consenso nas Ciências Humanas de que as redes migratórias se estabelecem por meio de todo tipo de ajuda informal para sair de um país e inserir-se em outro. E que, muitas vezes, as pessoas migram voluntariamente para se inserir no mercado do sexo utilizando-se das redes de ajuda como quaisquer outras migrantes. 24 Ora, conforme o artigo 231, essas ajudas poderiam ser entendidas como tráfico.

Obviamente, o dolo, a 'intenção de explorar', deve ser considerado, mas o fato de nem o Protocolo nem o Código definirem o que é 'exploração' pode eventualmente incumbir funcionárias e funcionários da polícia de decidirem o que é tráfico e o que não é, deixando para o judiciário a função 'complementar' de medir a gravidade da situação, que já foi de antemão julgada como tráfico pela polícia. 25 E esse fato nos joga obrigatoriamente numa disfunção sistemática da operação do direito penal. Reforçando esse problema, temos as acusações reiteradas dos movimentos de profissionais do sexo em relação à violência policial.

Conforme a redação atual do artigo 231, seria perfeitamente convincente se alguém interpretasse haver ali uma previsão de punição para qualquer pessoa que ajude alguém que se dedica a atividades sexuais comerciais a atravessar a fronteira nacional. Ao conceituar prostituição como exploração e incluir no conceito de tráfico a conduta de 'facilitar' a saída de alguém que vá exercer prostituição no estrangeiro, prevendo multa nos casos em que se busca obter vantagem econômica e aumento de pena nos casos em que há violência, ameaça ou fraude, o Código dá espaço para que essa discursividade se instale. Esse entendimento tem sérias implicações práticas, pois acaba funcionando como impeditivo para que mulheres pobres que se envolvem no mercado do sexo tenham oportunidades de migrar como têm outras pessoas, ainda que tenham projetos de migrar para países onde a prostituição é regulamentada. 26 E tudo se complica ainda mais quando há a possibilidade de punição para crime tentado. 27

Ora, para operacionalizar a definição jurídica de tráfico de pessoas que temos hoje, somos obrigadas a acatar um juízo proibitivo da prostituição. A discussão sobre o tráfico de pessoas se conduz em torno de questões que são anunciadas como técnicas, e que, por serem técnicas, supostamente trazem implícita a ideia de neutralidade e estabilidade. Junto a isso, são proclamados valores contemplados pela discursividade dos direitos humanos (liberdade, não violência etc.), valores estimados por sua universalidade e não-negociabilidade. Mas essa estruturação se sobrepõe e se sustenta na noção de que a prostituição é uma violência em si mesma, de que a prostituição é o que não deve ser. Bem, não há nada técnico ou universal nesse arranjo. A constituição da noção da prostituição como uma violência tem uma história, pode ser datada e localizada, é cheia de conflitos e tensões. No século XIX, o tráfico de pessoas ganhou discursividade associado a pânicos com relação a migrações internacionais de mulheres envolvidas em prostituição. Mais de um século depois, parece que ainda não conseguimos diferenciar essas categorias.

NOTAS

Artigo recebido em 4 de março de 2013.

Aprovado em 14 de maio de 2013.

Referências bibliográficas

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  • 7 Sobre essas questões, ver: PEDRO, Joana Maria. Mulheres Honestas e Mulheres Faladas: uma questão de classe. Florianópolis: Ed. UFSC, 1994;
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  • 8 SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Trad. Mário Ramalho. São Paulo: Graal, 2002.
  • 9 BLANCHETTE, Thaddeus. Emma Vermelha e o espectro do "tráfico de mulheres". Cadernos Pagu, Campinas (SP), n.37, p.287-297, jul.-dez. 2011.
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  • 11 Ver: BOZON, Michel. Sociologia da sexualidade Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004;
  • GAGNON, John. Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
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  • 16 Ela W. Castilho elenca outros tratados menores no texto: CASTILHO, Ela Wiecko de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Política Nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas Brasília, 2007.
  • 17 KEMPADOO, Kamala. Mudando o debate sobre o tráfico de mulheres (Shifting the debate on the traffic of women). Cadernos Pagu, Campinas (SP), n.25, jul.-dez. 2005.
  • 19 ANDERSON, Bridget; O'CONNELL DAVIDSON, Julia. Trafficking: a demand led problem? Save the children: Stockholm, 2002. p.8-13.
  • 20 Outras autoras notaram a mesma questão em suas pesquisas: ANDERSON; O'CONNELL DAVIDSON, 2002, p.13-14; JULIANO, Dolores. Excluidas y marginales 2.ed. (1.ed. 2004). Universitat de València: Instituto de la mujer, 2006 (especialmente p.125, 184).
  • 21 ANDERSON, Bridget; O'CONNELL DAVIDSON, Julia. Is trafficking in human beings a demand driven? A multi-country pilot study. International Organization for Migration (IOM), 2003. p.7-9.
  • 23 GIL, Carmen Gregorio. Trabajando honestamente en casa de familia: entre ladomesticidad y la hipersexualización. Estudos Feministas, Florianópolis, v.15, n.3, p.699-716, 2007;
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    Sobre processos de subjetivação, ver: FOUCAULT,
    [1976]; _______.
    O uso dos prazeres [1984]. 9.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. (História da sexualidade 2); _______.
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    Sobre essas questões, ver: PEDRO, Joana Maria.
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  • 11
    Ver: BOZON, Michel.
    Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004; GAGNON, John.
    Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
  • 12
    HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Côrtes.
    Comentários ao Código Penal. Rio de janeiro: Forense, 1948. p.246-248.
  • 13
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  • 14
    DOEZEMA, Jo. Forced to choose: beyond the voluntary v. forced prostitution dichotomy. In: KEMPADOO, Kamala; DOEZEMA (Org.), 1998; ALEXANDER, Priscilla. Feminism, sex workers, and human rights. In: NAGLE, Gil (Org.).
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    Estudos Feministas, Florianópolis, v.13, n.3, p.540-543, set.-dez. 2005, entre várias outras.
  • 15
    Convencionamos chamar Primeira Onda Feminista os movimentos sufragistas.
  • 16
    Ela W. Castilho elenca outros tratados menores no texto: CASTILHO, Ela Wiecko de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: BRASIL. Ministério da Justiça.
    Política Nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Brasília, 2007.
  • 17
    KEMPADOO, Kamala. Mudando o debate sobre o tráfico de mulheres (Shifting the debate on the traffic of women).
    Cadernos Pagu, Campinas (SP), n.25, jul.-dez. 2005.
  • 18
    MURRAY, Alison. Debt bondage and trafficking: don't believe the hype. In: KEMPADOO; DOEZEMA (Org.), 1998.
  • 19
    ANDERSON, Bridget; O'CONNELL DAVIDSON, Julia.
    Trafficking: a demand led problem? Save the children: Stockholm, 2002. p.8-13.
  • 20
    Outras autoras notaram a mesma questão em suas pesquisas: ANDERSON; O'CONNELL DAVIDSON, 2002, p.13-14; JULIANO, Dolores.
    Excluidas y marginales. 2.ed. (1.ed. 2004). Universitat de València: Instituto de la mujer, 2006 (especialmente p.125, 184).
  • 21
    ANDERSON, Bridget; O'CONNELL DAVIDSON, Julia.
    Is trafficking in human beings a demand driven? A multi-country pilot study. International Organization for Migration (IOM), 2003. p.7-9. Podemos pensar, por exemplo, nos casos em que brasileiras viajam para a Espanha com
    status de turista, permanecem lá pelos três meses que lhes cabem legalmente, retornam ao Brasil e viajam novamente repetindo a prática em ciclos. Parece que elas entram legalmente na Espanha pelos aeroportos internacionais, mas, como recebem o visto de turista, não têm autorização para trabalhar formalmente e se inserem no mercado do sexo, um setor informal. Portanto, se a situação delas não couber na legislação contra o translado irregular de migrantes, cabe na legislação antitráfico. E esses artifícios legais têm criado muitas confusões conceituais a respeito do tráfico de pessoas.
  • 22
    Crimes afins: os artigos 231-A e 232 sobre
    tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual; o artigo 206 sobre
    aliciamento para o fim de emigração; o artigo 207 sobre
    aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional; o artigo 207 sobre
    aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, e o artigo 149 sobre
    redução à condição análoga a de escravo, todos do Código Penal. Há também um conjunto legislativo sobre tráfico de crianças e de órgãos. Crimes relacionados: o artigo 147 sobre
    ameaça; o 148 sobre
    sequestro e cárcere privado; o 297 sobre
    falsificação de documento público; o 298 sobre
    falsificação de documento particular; o 299 sobre
    falsidade ideológica; o 277 sobre
    mediação para servir a lascívia de outrem; o 229 sobre "estabelecimento onde ocorra exploração sexual"; o 230 sobre
    rufianismo (que significa: "tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros, ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça", e o próprio 288 sobre favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.
  • 23
    GIL, Carmen Gregorio. Trabajando honestamente en casa de familia: entre ladomesticidad y la hipersexualización.
    Estudos Feministas, Florianópolis, v.15, n.3, p.699-716, 2007; PISCITELLI, Adriana. Sexo tropical em um país europeu: migração de brasileiras para a Itália no marco do "turismo sexual" internacional.
    Estudos Feministas, Florianópolis, v.15, n.3, p.717-744, 2007; ASSIS, Gláucia de Oliveira. Mulheres migrantes no passado e no presente: gênero, redes sociais e migração internacional.
    Estudos Feministas, Florianópolis, v.15, n.3, p.745-772, 2007; KOSMINSKY, Ethel V. Por uma etnografia feminista das migrações internacionais: dos estudos de aculturação para os estudos de gênero.
    Estudos Feministas, Florianópolis, v.15, n.3, p.773-814, 2007; LISBOA, Teresa Kleba. Fluxos migratórios de mulheres para o trabalho reprodutivo: a globalização da assistência.
    Estudos Feministas, Florianópolis, v.15, n.3, p.815-821, 2007; etc.
  • 24
    KEMPADOO; DOEZEMA (Org.), 1998; THORBEK, Susanne; PATTANAIK, Bandana (Org.).
    Transnational prostitution
    : changing global patterns. London & New York: Zed Books, 2002; BLANCHETTE, Thaddeus; SILVA, Ana Paula da. "Nossa Senhora da Help": sexo, turismo e deslocamento transnacional em Copacabana.
    Cadernos Pagu, Campinas (SP), n.25, p.249-280, 2005; PISCITELLI, Adriana. Entre as "máfias" e a "ajuda": a construção de conhecimento sobre tráfico de pessoas.
    Cadernos Pagu, Campinas (SP), n.31, dez. 2008; etc.
  • 25
    Sustento essa constatação baseada em minha pesquisa doutoral em andamento, cujo mote é pensar entendimentos sobre migrações internacionais dadas a saber em processos-crime envolvendo a categoria jurídica tráfico de pessoas.
  • 26
    Supomos o caso em que uma mulher migra para a Suíça, país onde a prostituição é regulamentada, e que, para conseguir realizar esse projeto, recebe a ajuda da dona de uma casa de prostituição suíça na condição de firmar um contrato de trabalho. De acordo com o
    caput do artigo 231, há crime, e a dona do estabelecimento suíço pode ser processada pela lei brasileira mesmo que nunca tenha estado no Brasil. Se houver violência, a pena é aumentada em caso de condenação, mas não é a violência que define o crime. Tampouco uma violência real, por si só, cometida contra uma brasileira naquele país, em qualquer outro caso que não fosse considerado tráfico, poderia constituir um processo judicial no Brasil.
  • 27
    Supomos o caso em que uma mulher decide viajar para o estrangeiro para trabalhar com atividades sexuais comerciais e pede dinheiro emprestado para comprar os bilhetes aéreos a uma amiga de confiança. Mesmo que nunca saia do Brasil e nunca exerça a atividade, a amiga de confiança, sabendo da intenção da viagem e obtendo certo lucro pelo empréstimo, está incorrendo em crime de tráfico. Esses exemplos são esdrúxulos e extremos, mas absurdamente possíveis na ótica do Código Penal em teoria.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      04 Mar 2013
    • Aceito
      14 Maio 2013
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