Resumo
Pretendemos nesse texto interpelar criticamente o cânone da história da historiografia brasileira por meio das posturas (in)disciplinares de intelectuais afrodiaspóricos como Beatriz Nascimento e Clóvis Moura. Para isto, em um primeiro momento, buscaremos esboçar sinteticamente a construção da história da historiografia enquanto campo autônomo nos últimos anos, evidenciando que a sua constituição esteve eivada por uma geopolítica do conhecimento que reiterou uma supremacia branca na memória disciplinar nacional. Em seguida, evidenciaremos, através das interrogações de Beatriz Nascimento e Clóvis Moura ao cânone historiográfico, as possibilidades de reconstrução disciplinar e descolonização desse campo do saber por meio de um olhar racializado, que subverta os silêncios e historicize o lugar epistêmico de um campo predominante branco, masculino e eurocentrado.
Palavras-chave: História da Historiografia; Histórias Indisciplinadas; Pensamento Afrodiaspórico; Beatriz Nascimento; Clóvis Moura
Abstract
In this paper we intend to critically question the canon of the history of Brazilian historiography through the (in)disciplinary postures of Afro-diasporic intellectuals such as Beatriz Nascimento and Clóvis Moura. For this, we will first try to delineate synthetically the construction of the history of historiography as an autonomous field in recent years, showing that its constitution was affected by a geopolitics of knowledge that reiterated white supremacy in the national disciplinary memory. Then, through Beatriz Nascimento and Clóvis Moura’s interrogations of the historiographical canon, we will highlight the possibilities of disciplinary reconstruction and decolonization of this field of knowledge through a racialized gaze that subverts silences and historicizes the epistemic place of a predominantly white, male, and Euro-centered field.
Keywords: History of Historiography; (In)disciplinary Histories; Afro-diasporic Thinking; Beatriz Nascimento; Clóvis Moura
A HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA E A CONSTRUÇÃO DE UM CÂNONE BRANCO
Nos últimos quinze anos, a história da historiografia ganhou no Brasil uma grande autonomia por meio da formação e da consolidação de profissionais em diversos departamentos de História, com forte identidade disciplinar. A fundação de organizações (Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia), eventos da área (Seminário Brasileiro de História da Historiografia) e periódicos (História da Historiografia, Revista de Teoria da História e Expedições: Teoria da História e História da Historiografia) voltados para esta temática são índices dessa gradativa autonomia disciplinar. Este quadro é tributário de pioneiros do campo, em um movimento que pode ser situado desde ao menos os escritos de José Honório Rodrigues até a produção intelectual de um Manoel Luiz Salgado.
Este processo de consolidação da história da historiografia no Brasil acompanha uma mobilização internacional de institucionalização do campo que remonta aos anos 1980, com a constituição da Comissão sobre Historiografia (Commision on Historiography), sediada na Itália, e a fundação do seu periódico oficial, a Storia della Storiografia, perfazendo sinais claros dessa autoconsciência disciplinar (Nicolazzi, 2017). Naquele momento, o historiador francês Charles Carbonell apontava, no editorial inaugural do referido periódico (de 1982), para a necessidade de se pensar a prática historiográfica por meio de instrumentos próprios, historicizando-se o saber histórico para além da mera “revisão bibliográfica” (Carbonell, 1982, p. 14 apud Nicollazi, 2017, p. 10) - o que certamente encontra respaldo, segundo Nicolazzi (2017), em um certo “despertar epistemológico” em historiadores como Michel de Certeau, Paul Veyne, Hayden White, Reinhardt Koselleck, Jörn Rüsen, Agnes Heller e tantos outros.
No Brasil, esta discussão tem sido levada a cabo por diversos historiadores, mas é Valdei Lopes de Araujo (2006, 2013, 2014) que realiza um debate mais explícito sobre a necessidade de se pensar a história da historiografia como uma disciplina autônoma, que não seja o mero percurso de um projeto de cientificização que reduz a alteridade e simplifica toda a experiência que foge da norma (Araujo, 2014). A história da historiografia, como “analítica da historicidade”, teria como uma das suas principais funções desnaturalizar “representações e objetos históricos” (Araujo, 2013, p. 42), ou seja, entender a “história das formas de produção da verdade histórica” (Araujo, 2006, p. 91).
Entretanto, apesar do projeto de uma história da historiografia que não “reduza a alteridade” e contorne a simplificação do “distinto da norma”, a verdade é que, em grande medida, este campo foi construído tendo como base uma espécie de geopolítica do conhecimento - para remetermos à tradição decolonial em Anibal Quijano, Enrique Dussel e Nelson Maldonado Torres - omissa com sujeitos sociais outros que não o branco, europeu, ocidental, masculino. Tal fato é ainda mais grave quando pensamos a ausência de discussão sobre as problemáticas raciais no âmbito dos diversos “giros”, os quais continuadamente se mostram cegos a um debate que ganhou tanta força em outros subcampos da História.
Isto não significa também que não reconhecemos o próprio esforço, no interior dos seus veículos institucionais, de ampliação do debate, por meio de uma autocrítica que tem sido feita nos últimos anos. Porém, concebemos que tal processo é, antes, um movimento que parte de fora da universidade para dentro do que o seu contrário. Nos dez anos de fundação da revista História da Historiografia houve a publicação de dois artigos que endereçaram diversas provocações à tendência, em reflexões europeias e norte-americanas, à cessão de pouco espaço para as mulheres (na editoria e em pesquisas) e para as problemáticas decoloniais, fazendo um mea culpa desses “silêncios” (Varella, 2018; Oliveira, 2018). Estes projetos de descolonização disciplinar também encontram lugar em dois grandes debates com forte sinergia com a história da historiografia (que tem, no referido periódico, um espaço central deste debate): a discussão sobre o “giro ético-político” e aquela concernente às “histórias indisciplinadas”.
O giro ético-político tem sido entendido como ponto nevrálgico do deslocamento para o problema da diferença/alteridade, tanto no solo da história da historiografia quanto da teoria da história (Araujo; Rangel, 2015; Rangel, 2019). Assim, questiona-se não só o papel das metanarrativas na construção de um realismo ingênuo, anunciado pelo giro linguístico, mas também o debate dos processos de exclusão e diversos traumas acumulados por certo procedimento disciplinar que gerou a necessidade, no presente, de contínua revalorização daquilo que Walter Benjamin chamou de “tradição dos oprimidos”, em oposição a um historicismo empático com a vitória daqueles que não cessaram de “vencer” (Benjamin, 1987, p. 223).
A ruptura com o tempo “vazio e homogêneo” (lembrando novamente de Benjamin) das políticas do tempo do historicismo também é tematizada por quem buscou, sob a noção de “indisciplina da história” (Avila, 2019; Pereira, 2021), repensar o cânone historiográfico em direção àquilo que poderíamos referir como uma descolonização disciplinar. A História disciplinar, como a sua alteridade radical, estaria associada aos valores irrefletidos e naturalizados (Avila, 2019) que construíram um cânone definidor da ordem do “pensável” e do “legítimo”, segundo uma noção teleológica localizada no caminho de uma cientificização que detém o espaço europeu como suposto núcleo irradiador do percurso.
Estas proposições evidenciam um amadurecimento epistemológico e teórico dos campos associados à história da historiografia, à teoria da história e à história intelectual, que têm procurado reconfigurar-se mediante chaves menos eurocêntricas. Entretanto, a organização de coletâneas, eventos e produtos culturais associados a essas reflexões ainda estabelecem uma noção de “diferença” em nível muito abstrato, não discutindo explicitamente o papel da racialidade nesta reescrita do cânone da história da historiografia e da teoria da história, nem mesmo incorporando um debate mais profundo sobre a geopolítica do conhecimento oriunda de tradições latino-americanas/caribenhas e/ou afrodiaspóricas (assim como suas intersecções com o pensamento feminista, queer, etc.) (Assunção; Miranda, 2021).
A história da historiografia (a analítica da historicidade) não passa ainda pela discussão do “corpo-política” e da “geopolítica do conhecimento”, que evidencia uma série de não-ditos, tendo, para efeito desse texto, o espaço da história da historiografia brasileira como um dos lugares privilegiados para evidenciar uma ausência presente tanto nos objetos como nos agentes desta mesma escrita. Entretanto, graças a um enorme esforço coletivo de institucionalização do debate racial nos últimos anos (o qual não temos tempo de esboçar em todos seus detalhes), a racialidade vem ganhando espaço no debate teórico e epistemológico, entrando aos poucos como problemática no interior da história da historiografia.
Concebemos que cada vez mais conceitos dos chamados “estudos étnico-raciais” devem entrar enquanto aporte teórico e metodológico para um olhar crítico sobre o cânone da história da historiografia, sendo os conceitos de branquitude, racialização e racismo estrutural alguns dos possíveis diálogos. No panorama da história da historiografia do Brasil, a incorporação crítica dessas discussões significará levar-se em conta o longo silêncio epistêmico que foi construído por um cânone cuja escrita é, em sua quase totalidade, predominantemente branca, o que se consubstancia na própria construção de coletâneas, ementas de curso e na escolha das “grandes referências”.
Em sintonia com as problematizações mais atuais da história da historiografia, mencionadas acima, compreendemos que este “lugar epistêmico” que fundou a historiografia hegemônica, alicerçado na colonialidade do saber, precisa ser confrontado com uma ampla revisão que “indiscipline” o cânone. Consideramos que uma cartografia do pensamento afrodiaspórico pode permitir a rescrita da história disciplinar do ponto de vista não só de agentes externos ao campo, como é convencional, mas também a partir do seu interior.
As figuras emblemáticas de Beatriz Nascimento e Clóvis Moura são evidências, como tentaremos demonstrar, da possibilidade de se desconstruir, por meio de abordagens historiográficas politicamente racializadas e antirracistas - em uma palavra, indisciplinadas -, o lugar epistêmico de uma história da historiografia assentada no limitado horizonte epistêmico branco, masculino e eurocentrado. Identificamos seu pensamento como intepretações e interpelações da memória disciplinar canônica no campo da História, o que é certamente um recorte específico de sua contribuição, que os torna singulares e os posiciona em um eixo histórico e teórico comum de crítica à supremacia branca na escrita da história.
Indisciplinar o cânone da história da historiografia não se constitui apenas em uma demanda “ética”, mas também epistêmica, pois implica numa revisão significativa das formas pelas quais as representações e as racionalizações históricas foram naturalizadas, obedecendo a padrões de racialização que são expressão não-confessada do racismo e da colonialidade no campo da História e, nomeadamente, da história da historiografia brasileira.
BEATRIZ NASCIMENTO E A CRÍTICA ÀS “MÃOS BRANCAS” DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA
Em meados de 1977, a historiadora Beatriz Nascimento (1942-1995) concedeu uma entrevista para o documentário O Negro, da Senzala ao Soul (TV Cultura), em que disse:
A História do Brasil... Eu gostaria de dizer que uma frase de José Honório Rodrigues, que se tornou quase que uma afirmação geral, é que a “História do Brasil foi uma história escrita por mãos brancas”. Tanto o negro quanto o índio, quer dizer, os povos que viveram aqui, juntamente com os brancos, não têm suas histórias escritas, ainda (Nascimento, 2018 [1977], p. 195).
A fala foi proferida na Quinzena do Negro da USP, evento organizado pelo sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira para construir uma teoria social negra pautada em “definições básicas, conceitos e construções teóricas que utilizem as experiências e histórias dos afro-brasileiros” (Nascimento, 1977, p. 22). Nos estertores dos anos 1970, em contexto de distensão política da Ditadura Militar e ressurgimento de movimentos sociais, o conceito de raça estava sendo politizado por um enfrentamento ao mito da democracia racial (Fernandes, 2008 [1964]), em estratégias como o Movimento Negro Unificado (1978). A exemplo de Oliveira, Beatriz Nascimento foi uma das principais personagens das lutas negras que interpelaram o racismo e as leituras teóricas dominantes da experiência afro-brasileira nessa época, exigindo conhecimentos que valorizassem negros como sujeitos dos processos históricos.
Dois anos depois, em 1979, o historiador José Honório Rodrigues, por sua vez, no livro História da história do Brasil: historiografia colonial, anotou o seguinte, ao comentar a ausência de conhecimentos substanciais sobre “rebeliões negras” no Brasil: “Não há nem história, nem historiografia feita por mãos negras, e a história ou historiografia oficial e branca ocultou o mais que pôde este fato e sua significação” (Rodrigues, 1979, p. 325).
Não nos foi possível encontrar nos escritos de Nascimento a referência exata da frase que a autora atribuíra a Rodrigues em 1977, mas a metáfora das mãos brancas/mãos negras pode ter emergido da convivência entre os dois, ao menos de 1967 a 1970. Nesse período, ela fazia a graduação em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro e era, ao mesmo tempo, estagiária de pesquisa do historiador no Arquivo Nacional. A acuidade crítica de Rodrigues nessa breve citação parece ter passado desapercebida e pode ter sido uma sinalização sutil em seu tempo, mas foi, simbolicamente, um despertar teórico-político, no coração do campo historiográfico estabelecido acerca da supremacia branca na escrita da história do Brasil, e apontou a premência, mutuamente necessária, de um olhar negro para uma historiografia antirracista, inclusiva e plural. A esse projeto Beatriz Nascimento dedicou sua vida intelectual.
Foi na convivência com Rodrigues que ela teria percebido o caráter enviesado da documentação histórica sobre negros, especialmente sobre os quilombos no Brasil-colônia, pois a maior parte do que restou conservado tinha o carimbo da repressão colonial, o que não teria sido levado adequadamente em consideração pelas mãos brancas da historiografia (Nascimento, 2018). A ênfase em uma ordem documental regida pela colonialidade associou-se à compreensão da reprodução dessa racionalidade na escrita da História do Brasil, em que o negro cumpria a figuração de escravizado. A indisposição com o racismo historiográfico direcionou seu olhar ao negro não pelo prisma dominante do cativeiro, mas também da liberdade. Esse foi o substrato documental e teórico de sua pesquisa (desenvolvida principalmente nos anos 1980, mas não finalizada formalmente) sobre os quilombos na História do Brasil.
Beatriz Nascimento, sergipana radicada no Rio de Janeiro, definiu-se no mais das vezes como historiadora, mas foi também professora, poeta e ativista do Movimento Negro, ajudou a articular os fundamentos intelectuais das lutas afro-brasileiras a partir da década de 1970 e tem influenciado o ativismo antirracista e a historiografia contra-hegemônica desde então (Ratts, 2006; Batista, 2015). Em sua formação acadêmica, afora a graduação, realizou uma especialização em 1981 e começou um mestrado em História na UFF na metade dos anos 1980, assim como outro mestrado em Comunicação Social na UFRJ, iniciado em 1992 e interrompido pela sua morte (1995). No movimento social, encabeçou o Grupo de Trabalhos André Rebouças (1970-90), reunião de estudantes da UFF (Niterói) que propôs discutir o racismo e as políticas de currículo sobre o negro nas formações social e histórica brasileiras (Silva, 2018) ancorado na premissa de explorar “uma nova forma de abordar as relações raciais [...] a partir de um estudo proferido do Negro enquanto Raça [...]” (Grupo de Trabalho André Rebouças, 1976, p. 1).
Essa nova abordagem racialista de descrição, análise e interpretação do processo social incorporava a linguagem política do ativismo negro contemporâneo, segundo a qual a História foi tomada como “estratégia política de combate ao racismo” (Silva, 2007, p. 6). Na concepção da crítica historiográfica, o campo a partir do - e contra o - qual Nascimento se posiciona é a História do Brasil, mas também o pensamento social, em particular a Escola Sociológica Paulista. Com relação às Ciências Sociais, que dominaram os estudos raciais do século XX até aquele momento, ela interpelou os “paladinos [...] do negro” que, na aparência, aceitam sua “contribuição cultural”, mas “perpetuam o racismo” (Nascimento, 2018 [1974], p. 53). Em jogo, se encontrava a tensão teórico-política entre raça e classe.
Em seu primeiro artigo, ela identificou, na obra do sociólogo Florestan Fernandes, “um dos trabalhos mais sérios sobre o negro no Brasil” (a referência é o livro A integração do negro na sociedade de classes, de 1964). No entanto, advertiu que sua postura faria com que “aqueles que buscam somente nestes trabalhos um conhecimento maior da nossa problemática, constatem somente o negro de uma perspectiva social” (Nascimento, 2018 [1974], p. 43), ou seja, de classe. A apreciação se dirigia também ao fato de os pesquisadores brasileiros - em sua quase absoluta maioria racialmente brancos, como Fernandes - não estudarem o negro da perspectiva de raça, assim, “perpetuando teorias sem nenhuma ligação com nossa realidade racial” e, ela continua, criando “teorias mistificadoras, distanciadas desta mesma realidade” (Nascimento, 2018 [1974], p. 45). Na Quinzena do Negro da USP, em 1977, a autora argumentou da seguinte forma:
Uma consciência de classes numa sociedade onde a categoria social não esgota as estratificações étnicas é um problema sociológico. O problema é que você não pode aplicar uma análise de [...] luta de classes em uma sociedade que não é homogênea [...] você pode falar de luta de classes numa sociedade homogênea na Europa, entende? Em grupos. Nós temos importado mesmo ideologias de análises que não correspondem à nossa estratificação étnica e esse problema que você levantou é um problema fundamental para nós, uma população heterogênea, de encontrar um método de análise que nos permita manejar a categoria social e a categoria étnica (Nascimento, 2018 [1977], p. 155).
A demanda por autonomia teórica para a categoria referencial de raça na análise histórica compunha um dos pilares de seu projeto epistemológico para a História-disciplina. A escrita da História do Brasil teria sido cultivada no lastro social de uma Historiografia incapaz de romper as barreiras da colonialidade do poder/saber (Quijano, 2005) e “produzir uma maior afirmação e superação de si próprios para os descendentes de africanos” (Nascimento, 2018 [1984], p. 271). A historiadora problematizava ideias que se encontravam em circulação na intelectualidade e no ativismo negro de seu tempo, nomeadamente os primeiros passos de uma reflexão sobre o racismo estrutural na década de 1970 (Silva, 2018; Trapp, 2020).
As palavras da autora propunham interrogações não apenas ao processo histórico do racismo e à percepção social dominante das relações raciais, denunciada, sem meias-palavras, como uma democracia racial inexistente para negros; seu próprio espaço de atuação científica era posto em xeque. De um lado, censura os historiadores comprometidos com o “pensamento dos séculos XIX e XX” (Nascimento, 2018 [1977], p. 45), que viam na História apenas uma ciência; de outro, concentra a sua inquietação nos historiadores presos à exclusividade do estudo da escravidão e nos cientistas sociais, em especial no pós-abolição, que fizeram da vida afro-brasileira expressão primitiva e folclórica, no máximo artística, da nacionalidade.
Por seu turno, a disciplina História teria sido forjada na modernidade europeia através dos valores epistemológicos da “cultura branca ocidental” (Nascimento, 2018 [1974], p. 49), e eram esses mesmos valores o substrato social de pensamento dos historiadores brasileiros relativamente aos marcadores raciais. Um ponto nodal no exercício dessa formação cultural seria o cartesianismo instrumental dos pesquisadores que, “através dos seus métodos racionalistas, e pelas suas posturas políticas [...] estabelecem uma censura às inúmeras faces do processo de formação do nosso povo [...], em última instância [...] o saber e a história” (Nascimento 2018 [1984], p. 269). A respeito desse aspecto de seu juízo teórico, ela declarou:
A origem dessa rejeição também repousa numa negação ao pensamento racionalista ocidental [...]. De tanto pesquisar, e até como uma expressão de um ativismo de vinte anos, houve uma recusa radical a tudo que possa me parecer europeu (erudito), acompanhado de um desejo de romper com um pensamento científico. Isso me coloca numa situação ambivalente: mesmo que me fascine (até por ser aculturada não posso fugir) por esse pensamento, rejeito-o como sendo um princípio de colonização (Nascimento, 2018 [1992-95], p. 416).
É no seio dessa perspectiva que a historiadora pondera se os negros, por sua história, não teriam “características próprias, não só em termos ‘culturais’, sociais, mas em termos humanos? Individuais? Eu sou preta, penso e sinto assim” (Nascimento, 2018 [1974], p. 49). Embora o argumento, de alguma sorte, soe essencialista, é importante entender que, para a autora, o ato de pensar não era apartado nem estranho ao corpo, a “superfície histórica de inscrição dos acontecimentos” (Foucault, 1979, p. 22) que demarcou, por debaixo da escravização, do colonialismo e do racismo, sua identificação social de inferiorização racial. A sua definição de negro melhor se evidencia, portanto, “em face de um racismo múltiplo” (Ratts, 2006, p. 50), que ela entende como central para uma compreensão da hegemonia branca no Brasil.
A História, nessa compreensão, não seria um cemitério amorfo, à espera de uma racionalidade científica livre de jogos de interesse e poder. Tampouco caberia no “tempo representado” da Ciência moderna, mas “o tempo é que está dentro da história. Não se estuda, no negro que está vivendo, a História vivida. Somos a História Viva do Preto, não números” (Nascimento, 2018 [1974], p. 48). Consequentemente, retornar ao passado significava recompor a identidade existencial recoberta por camadas seculares de sedimentação racista. Daí que o quilombo lhe tenha parecido uma experiência em que as noções de coisificação e passividade - atribuídas ao negro pela historiografia - poderiam ser confrontadas com a ideia de um território “reduto de homens livres, se relacionando com os outros homens livres ou não da sociedade brasileira”, a chamada “paz quilombola” (Nascimento 2018 [1976], pp. 76-77).
Um dos conceitos mais frequentes em seus escritos é o de continuidade histórica, que explicaria os nexos temporais entre passado e presente, dos quilombos às resistências negras - e do Movimento Negro -, no pós-abolição. A definição conceitual apareceu em um artigo na revistaEstudos Afro-Asiáticos, em 1982, que recobria a pesquisa de mestrado então em curso: “A continuidade seria a vida do homem [...] continuando aparentemente sem clivagens, embora achatada pelos diversos processos e formas de dominação [...]. Processo que aconteceu [...] com aqueles que, em nossas abstrações, se englobam na categoria de negros” (Nascimento, 2018 [1982], p. 254). Essa noção se atrelava também a um discurso sobre a memória em vista da desalienação racial negra. Contra o recalcamento psicossocial e as políticas de esquecimento de uma historicidade não escrita, Nascimento sugeria ativar “a lembrança, lembrar para mim mesma, lembrar para os negros que eles têm um passado de homens capazes de empreender um tipo de estrutura que foi muito forte” (Nascimento, 2018 [1977], p. 137).
Todavia, as proposições críticas se chocam com as remissões numerosas a elementos arraigados da História hegemônica e a limitações comuns à historiografia acadêmica tradicional. Embora Nascimento atente para a “possibilidade de cristalização das categorias como verdades absolutas” (Nascimento, 2018 [1984], p. 269), sobram apelos de uma “História real do negro” para trazer a “verdade histórica”, o “verdadeiro significado” conspurcado por uma história violenta e uma historiografia preconceituosa. Em aliança ao racismo e a “um regime ditatorial [e] um ambiente acadêmico eurocêntrico” (Barreto, 2018, p. 35), é possível que a carência de interlocução entre a História e outras áreas tenha colaborado para a inconclusão de sua pesquisa sobre quilombos, o que não significou um bloqueio de sua criatividade.
Se seu trabalho científico convencional não foi plenamente completado, outra obra que ela ajudou a construir reuniu o conjunto de suas reflexões sobre a História e a história do negro no Brasil. Trata-se do filme-documentário Orí, lançado em 1989, em parceria com a diretora Raquel Gerber. Narrado por ela - personagem principal do filme -, Orí (“cabeça”, em yorubá) conta aspectos da trajetória do Movimento Negro e da cultura afro-brasileira, da Quinzena do Negro da USP, em 1977, até o Centenário da Abolição, em 1988.
Nesta produção bastante influente entre ativistas e intelectuais negros, denominada “filme-tese” (Millarch, 1989), a historiadora trouxe a ideia de corpo histórico, o corpo como documento/fonte, constituído e atravessado pela ancestralidade africana. O conceito, na realidade, tinha sido pensado antes, no artigo Etnias bantos na formação do povo brasileiro e do Hemisfério Sul, de 1984. No texto, a historiadora entabula a premissa de que “não é a quantidade maior ou menor de documentos escritos que fornece uma visão aproximada da realidade histórica [...]. A História também está registrada nos nossos corpos, enquanto corpo físico oriundo de uma cadeia de outros corpos na natureza” (Nascimento, 2018 [1984], p. 267; grifo no original).
Como o corpo físico era histórico, o quilombo - que fora “brecha no sistema” colonial (Nascimento, 2018 [1985], p. 294) - era, então, em um momento de reorganização do Movimento Negro na Ditadura Militar, um instrumento ideológico para desfazer as cristalizações racistas da ciência histórica, exercendo simbolicamente o papel teórico de metáfora historiográfica e condição epistemológica de possibilidade para a resistência política e, consequentemente, para a emancipação social e psicológica negra e afro-diaspórica. A semântica histórica da realidade política negra de sua época teria sido intermediada, segundo ela, pelo mito histórico de Zumbi. Em artigo publicado em um jornal de Psicanálise, ela afirma:
À sombra daquele mito recriado circulam outras manifestações ocultas até então, tais como as religiões afro-brasileiras, conduzindo à compreensão, na linha do tempo, da vinculação de nossos ancestrais com nossas histórias de vida. [...] O mito surge, então, do real para o simbólico, e o herói seria mormente um conciliador banido da própria História do Brasil, preencheria a lacuna daqueles que, vivos, em vinte anos (1964-1984) foram cassados em seus direitos individuais e privados de seus símbolos coletivos (Nascimento, 2018 [1986], p. 300).
Com essas concepções e seu movimento no complexo de sua obra historiográfica, ela fazia um desafio ao método científico moderno e à própria História, nas suas diversas tendências, tanto ao conservadorismo da História oficial quanto também às faces críticas da historiografia acadêmica brasileira. Seu pensamento “denso, variado, coerente, por vezes contraditório” (Ratts, 2006, p. 77) retratou a luta contra o racismo na segunda metade do século XX, através principalmente da ideia-força de quilombo como um código cultural de análise do passado para uma mudança social no presente1.
Suas ideias reverberavam pensadores como Guerreiro Ramos, que destacou a experiência do negro-vida “dentro de uma posição de autenticidade étnica” (Ramos [1954] apud Barbosa, 2004, p. 150) para o enfrentamento da ideologia da brancura; como Eduardo de Oliveira e Oliveira, que projetou, na Sociologia brasileira, referências que transcendessem os limites dos “conceitos brancos” contra sua “falsa universalidade” (Oliveira, 1977, p. 9); ou ainda, como Clóvis Moura, cuja “Sociologia da práxis negra” foi definida como “uma anti-sociologia capaz de produzir ruptura, superando o dogmatismo acadêmico e apresentando, na sua proposta, novas formas de ação” (Moura, 1978, p. 20). As perspectivas deste último autor, por sinal, realçaram a importância da resistência escrava na reconstrução simbólica do negro como agente político em luta por autonomia e liberdade, como veremos abaixo.
CLÓVIS MOURA ENTRE A CRÍTICA DO CÂNONE HISTORIOGRÁFICO E A CONSTRUÇÃO DE UMA HISTORIOGRAFIA DA PRÁXIS NEGRA
Clóvis Moura (1925-2003) é convencionalmente lido como o autor de Rebeliões da Senzala e da história (e da sociologia) do negro no Brasil, assim como um importante intelectual orgânico do movimento negro dos anos 1970-1980. Entretanto, sua contribuição para a (re)escrita da história é vasta e passa por diversos campos para além da história da escravidão e do negro (o que não discutiremos especificamente nesse trabalho). Pretendemos aqui, e em paralelo com a análise de Beatriz Nascimento, refletir sobre as leituras de Moura a propósito do cânone historiográfico da história disciplinar e da supremacia branca correlata, tendo como principal referência suas críticas endereçadas à escrita da história hegemônica.
Podemos dizer que, desde pelo menos os anos 1940, na sua estadia na cidade de Juazeiro (BA), Moura já fazia diversas reflexões que polemizavam com as interpretações hegemônicas no pensamento social brasileiro. Isto fica muito claro nesta época com as trocas de cartas com importantes intérpretes da questão racial e social de então: Edison Carneiro, Arthur Ramos, Donald Pierson e Caio Prado Junior, entre outros. Teresa Malatian (2019) evidenciou que, desde suas pesquisas em Juazeiro, com as referidas trocas e diálogos por cartas nos anos 1940, já havia um pensador preocupado com aspectos que iriam fundamentar a escrita de Rebeliões da Senzala, finalizado em 1952 e publicado somente em 1959.
Sob forte influência da antropologia cultural de Arthur Ramos e Edison Carneiro, Moura interpelava a historiografia dominante a partir do protagonismo negro, sem abandonar um retrato violento do sistema escravista e do “sentido da colonização” como um todo (influenciado pelo marxismo, nomeadamente por Caio Prado Jr.). Para Malatian (2019), essa discussão inicial nunca desapareceu de suas reflexões, não só pela permanência em alguns aspectos de Rebeliões da Senzala, mas pela retomada das problemáticas da antropologia cultural em “Nota sob o negro no sertão” (1959) e, mais tardiamente, em O preconceito de cor na literatura de cordel (1976) e em Correntes dos estudos africanistas no Brasil (1983).
O projeto mouriano de (re)escrita da história do Brasil demonstrava, em seus primórdios, a dimensão polemista em torno das interpretações sobre o negro. Ele constitui ruptura epistemológica ao encontrar-se em um entre-lugar em relação à leitura freyreana (criticando sua visão “idílica” da escravidão). Ao mesmo tempo em que tecia a crítica à noção culturalista de resistência negra associada aos movimentos “aculturativos” da antropologia cultural, era um propositor original do papel da agência negra, por meio da noção das rebeliões escravas como antagonismos de classe frente a um sistema opressivo, sem, todavia, esgotar a subjetividade escrava, em crítica (implícita) à teoria do escravo-coisa (Oliveira, 2009).
Entretanto, a exemplo de Beatriz Nascimento, o campo da história da historiografia canônica e acadêmica, não só na sua época, mas até hoje, não tem observado as interpelações teóricas de Moura em relação às leituras hegemônicas da história disciplinar. O autor é atravessado por diversas formas de socialização que o colocam à margem do que se poderia denominar “intérprete do Brasil”. A geopolítica do conhecimento da História-disciplina é avessa ao seu estatuto de negro, nordestino (piauiense), comunista e autodidata (para ficarmos apenas nessas definições). Em nossa leitura, esse lugar epistêmico ocupado por ele é o que enriquece suas analíticas da historicidade, mas, em que sentido podemos afirmar o mesmo de Moura enquanto leitor da memória disciplinar da historiografia brasileira?
Não aprofundaremos aqui suas pioneiras proposições que têm revolucionado a historiografia contemporânea no campo do pós-abolição/emancipação: estudos sobre formas de rebelião/resistência negra (em uma perspectiva de longa duração), associativismo e intelectualidades negras e o exame da imprensa, entre outros. Parece-nos mais oportuno analisar suas polêmicas em torno da escrita da história hegemônica, nomeadamente, em quatro reflexões: Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha (1964); Uma abordagem sociológica do conceito de História (1978); Atritos entre a história, o conhecimento e o poder (1990b) e As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira (1990a).
Em termos analíticos, porção considerável dos recursos que Moura mobiliza para analisar a historicidade da história-conhecimento parte de conceitos sociológicos, sobretudo a sociologia do conhecimento de Karl Mannheim e a teoria da ideologia e das classes de Marx. Aquele considerava a sociologia (e a história, por sua vez) hegemônica, no seu tempo, como reprodutora do ideário das classes dominantes, se alinhando à famosa reflexão de Marx e Engels em Ideologia Alemã: “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (Marx; Engels, 2007).
Em um artigo publicado na Revista Brasiliense em 1962 e, depois, no livro A sociologia posta em questão, Moura (1978) acusa a sociologia acadêmica de ser despolitizada e burocrática, ignorando as verdadeiras causas da alienação social. Esta interpelação ao saber acadêmico oficial é retomada no livro Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha (Moura, 1964). O autor (Moura, 1964, p. 11) considera as leituras de seu tempo sobre Euclides da Cunha eivadas de uma “autoconsciência” burguesa que impedia a compreensão da dialética, do conflito e da mudança. Esta leitura alienada impedia que o acesso da historiografia às reflexões de Cunha desse conta das contradições propriamente históricas, das correlações de força e do lugar de classe de que aquelas visões derivavam (Moura, 1964). Moura aponta que as apropriações de teorias externas estranhas à realidade nacional, em Euclides da Cunha, tinham no racismo um eixo para que se constituíssem distorções, o que não significa que este pudesse ser reduzido às apropriações do racialismo cientificista:
O Brasil do século XIX herdara - do ponto de vista filosófico - a herança que as lutas pela independência haviam obrigado a nossa intelligentsia a teorizar [...]. As indagações dos estudiosos que desejavam um instrumento conceptual para explicar e ao mesmo tempo transformar a realidade nada encontravam aqui teorizado. Para expressar o processo emergente da tentativa de tomada de consciência recorriam às teorias e hipóteses que eram elaboradas na Europa [...]. A mentalidade dessa intelectualidade que procurava contraditoriamente uma solução para os problemas nacionais estava limitada no seu campo de conhecimento pela faixa de preconceitos e interesses que o racismo representava como ideologia. As metrópoles conseguiam, assim, de qualquer maneira, atirar sobre as colônias e países subdesenvolvidos o estigma de inferioridade congênita, inapelável. Na Europa, o problema da antropologia já surgia com matizes nítidos de escamoteação. O racismo aparecia, portanto, pintado de cores científicas: embora os antropólogos da época tivessem trazido contribuições parciais para o desenvolvimento dessa disciplina, suas conclusões, frágeis e inconsistentes, desempenhavam um papel: justificar o domínio que os povos “superiores” exerciam sobre os “inferiores” (Moura, 1964, p. 14).
Essa mentalidade colonizada não era analisada em abstrato: seu cerne advinha de uma relação de homologia com a estrutura social de um capitalismo dependente, que detinha o seu sentido da colonização orientado “para fora”. Em uma apropriação de Mannheim, considerava que a autoconsciência emerge não somente como mera “contemplação” individual, mas é parte integrante das lutas sociais (Moura, 1964, p. 16). Para ele, as visões sociais de mundo expressas por essa elite não poderiam ser somente expressão da estrutura, pois havia certo grau de “autonomia relativa”, o que fazia com que Euclides da Cunha não pudesse ser visto meramente como um reprodutor do racialismo importado:
A ideologia colonialista que esses autores hauriram deixando-os sem visão realista de análise, dobrados - como já dissemos - sobre o complexo colonial, não impediu, no entanto, que, em determinados momentos, fossem também atingidos pela realidade objetiva, pelos fatos, e emitissem conceitos que condiziam com a necessidade de sua época, do ponto de vista nacional. A influência de Spencer sobre Euclides da Cunha [...] é uma contradição para quem, como ele, desejava resolver os problemas existentes do ponto de vista de uma maior afirmação nacional, se não levamos em conta os aspectos acima enunciados. Não se pode, portanto, fazer um ajuizado realista das obras desses autores através de simples paralelos mecânicos e sem consistência mais profunda. As chamadas influências não se cifram apenas às de leituras de autores estrangeiros, mas configuram todo um conjunto de subordinação do Brasil como nação, subordinação que decorre, em última instância da nossa situação econômica [...] “o pensamento dominante que daí decorre é consequência de uma estrutura determinada e corresponde às necessidades das classes que estão no cimo da pirâmide. Estas influências são, portanto, concordâncias, vínculos ideológicos que ligam a cartilagem dos interesses materiais das metrópoles à subserviência da intelectualidade alienada dos países subdesenvolvidos” (Moura, 1964, p. 17).
Sua interpretação historicista do fenômeno intelectual - entre o marxismo e a sociologia do conhecimento - apreende que a história intelectual e os conceitos devem passar por um jogo dialético entre “liberdade” e “necessidade”, que se integram para constituir uma análise complexa dos fenômenos sociais. É essa sociologia histórica dos intelectuais e dos seus fenômenos sociais subjacentes que será fundamental para que Moura possa olhar para o fenômeno do protagonismo negro em crítica às meras determinações de origem econômica (teoria do escravo-coisa) ou cultural (o fenômeno da aculturação).
No artigo “Uma abordagem sociológica do conceito de História”, publicado na Revista da Academia Piauiense de Letras em 1968, e depois no livro A sociologia posta em questão (1978), Moura reitera a importância de uma sociologia histórica e uma história sociológica que superassem o conservadorismo legitimador do discurso dominante. Por isso, em um procedimento historicista, afirma a necessidade de historicizar as “escolas” e “tendências históricas” que não emergem por “gerações espontâneas”, mas são expressão da correlação de forças das quais a ciência histórica é somente uma das expressões (Moura, 1978, p. 124).
Superar a tendência à alienação da ciência acadêmica burguesa, “respeitável, tranquila e institucionalizada”, só adviria de um reconhecimento ativo de que a crise que circunda a escrita da história só poderia ser identificada nos diversos fatores que dilaceraram, nos últimos cinquenta anos, os “novos Estados, instituições e status nacionais, a presença de revoluções e guerras, movimento de libertação nacional e repressão neocolonialista, o deslanche (sempre direcionados em sentido contrário aos interesses da maioria) da tecnologia influíram enormemente nas categorias da História e a encaminharam para essa posição de fuga apontada tão bem por José Honório Rodrigues” (Moura, 1978, p. 133).
O projeto mouriano de história sempre foi, portanto, crítico ao recrudescimento da escrita da história acadêmica oficial “empática” com o discurso do “vencedor” e com temáticas despolitizadas e “burocráticas” (o “ponto de fuga”). Sua sociologia histórica e sua história sociológica são expressão de uma sensibilidade historicista que é tributária de uma combinação oportuna entre o historicismo marxista e a sua posição política de militante negro e comunista. Isso o faz constituir uma sociologia da práxis negra segundo a qual os conceitos devem ser historicizados em um jogo dialético que inter-relacione pesquisa empírica e teoria, sem uma “sobre determinação” mecânica da estrutura em relação à agência (Moura, 1978, p. 56).
O projeto de constituir uma sociologia da práxis negra certamente irrompe o tempo “vazio e homogêneo” (Benjamin, 1987) do discurso dominante (principalmente de lentes estruturalistas), contra o qual ele constantemente se opôs em seu tempo: analisar o negro não só como parte estrutural de um sistema opressor, mas também enquanto agente de transformação e de ruptura desta mesma estrutura. Tal projeto político e epistemológico se consubstancia em leituras sobre a história que enveredavam pela relação entre poder e conhecimento, nas quais se repensavam criticamente os cânones vigentes (as teses culturalistas, a noção freyreana dos “equilíbrios de antagonismos” e a tese do “escravo-coisa”).
Entretanto, esta “historiografia da práxis negra” só poderia ser constituída através de um exercício profundo de constituir a história a contrapelo. Esta crítica aparece claramente no artigo “Atritos entre a história, o conhecimento e o poder” (Moura, 1990b). Moura aponta como a História do Brasil foi constituída de leituras canônicas que se fizeram por silêncios, interditos e pela sagração das classes dominantes, apontando para o cuidado que o historiador deve ter por esse efeito ideológico dos valores dominantes sobre a memória disciplinar da história:
Há, sub-repticiamente, uma institucionalização da história. A produção dos historiadores deve ser condicionada a diversos padrões de julgamento para ser aprovada. Não vamos nos estender, aqui, como essa produção é preconceituosa em reação aos heróis da transformação, às mulheres, aos negros e a outras camadas e segmentos ou minorias da nossa sociedade. Vários trabalhos já foram feitos nesse sentido e não é este o momento para uma análise exaustiva dos mesmos. O certo é que aqueles que obedecem ao grande projeto institucional conseguiram circular, enquanto outros, que têm a coragem de transpor a fronteira do proibido, sofrem as sanções dos controladores do saber histórico no Brasil. Os assuntos proibidos mais recentes, ou a revisão radical, por parte dos historiadores, dos heróis do passado e a participação da plebe como agente dinâmico no processo de mudança estrutural são sistematicamente congelados pelos detentores do poder-saber no Brasil (Moura, 1990b, p. 53).
Essa problemática aparece ainda mais nitidamente no livro As Injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira (Moura, 1990a). O texto é uma sistematização de reflexões sobre a historiografia brasileira que Moura constituiu desde pelo menos o texto sobre Euclides da Cunha - interpelações fundamentais para reconstituir uma história da historiografia sob o ponto de vista afrodiaspórico. O autor lê o cânone pelo olhar da crítica racial e até mesmo de uma analítica da branquitude, ainda que não explicitamente, indo de Frei Vicente do Salvador até Oliveira Vianna. Não trataremos desta obra, mas é importante ressaltar as indagações que o historiador faz às formas como a historiografia construiu o negro, em uma atualização contínua de taxinomias historiográficas e sociológicas deformadoras.
Moura não a considera uma “história da história”, como diz em dado momento (1990a, p. 15), mas certamente a sua construção sobre a memória disciplinar da história do fim do século XVIII ao XIX passa pela construção de uma analítica da historicidade que tem na crítica da branquitude seu ponto fulcral. Esta crítica da memória disciplinar não é uma construção “fria” do passado, posto que explicita os diversos vínculos com o presente:
Fruto de um pensamento que assimila e reflete uma visão desfocada da realidade étnica e social do Brasil, essa historiografia, tendo como embasamento teórico um conjunto de pensamento elitista, eurocêntrico e racistas muitas vezes, jamais colocou o negro como agente histórico-social dinâmico, quer como indivíduo, quer como grupo ou segmento. Essa imagem produzida em consequência da necessidade de se instrumentalizar um pensamento capaz de dar um perfil branco à nossa dinâmica social, configura um dos exemplos mais típicos e significativos a incapacidade ideológica desses produtores de repensarem a nossa história a partir das classes, segmentos ou grupos oprimidos e etnicamente discriminados, e, por isto mesmo, interessados em dinamizar a sociedade na direção de novas formas de convivência social (Moura, 1990a, p. 11).
Por meio da análise dos historiadores como “intelectuais orgânicos do modo de produção escravista”, o autor analisa as formas pelas quais o negro é representado, desde as formas “bíblicas” até a sua “cientifização” em autores “clássicos” (Frei Vicente do Salvador, Rocha Pita, Abreu e Lima, Southey, Armitage, Varnhagem, Handelmann, Euclides da Cunha e Oliveira Vianna) do pensamento historiográfico nacional (Moura, 1990a, p. 12). As injustiças de Clio estão conectadas às construções racistas da historiografia diante do “impasse étnico” que não é superado, mas reestruturado continuadamente em outras formas menos visíveis “até aos nossos dias” (Moura, 1990a, p. 12). Este “até aos nossos dias” é esclarecido logo adiante, quando Moura se refere à produção universitária recente, que vê o “negro passivo como escravo e biologicamente inferior como cidadão” (Moura, 1990a, p. 13). Estaria aqui mais uma vez a crítica à teoria do escravo-coisa ou das teses da anomia do negro na sociedade de classes? Não seria a primeira vez que, direta ou indiretamente, o autor interpelaria a escola de sociologia paulista devido à sua posição sui generis, oriunda de um marxismo historicista 2.
Para além disto, o fato é que Clóvis Moura considerava a historiografia brasileira como integrada a um continuum que excluiu os negros, indígenas e mestiços enquanto elementos inferiores ou/e secundários em relação ao papel “civilizador” do branco (1978, p. 215). Para reverter esse quadro, considera fundamental a ação contemporânea dos movimentos negros, com o intuito de reescrever a história para além do caminho alienador no qual ela foi constituída, problematizando a contribuição do negro nos diversos aspectos e dimensões da vida social (Moura, 1990a, p. 216). Este procedimento se direcionaria para afirmar uma verdadeira “democracia social, política e econômica que terá o seu coroamento com uma democracia racial” (Moura, 1990a, p. 217). Esta sensibilidade política que adentra em sua visão do cânone historiográfico tem um forte paralelo com as próprias reflexões do movimento negro de sua época, do qual ele foi intelectual orgânico, assim como Beatriz Nascimento, Hamilton Cardoso, Lélia Gonzalez, Eduardo de Oliveira e Oliveira, entre outros - uma geração de pensadores fundamental para refundar a leitura do Brasil sob o signo da agência negra e da crítica à supremacia branca propulsora das “injustiças de Clio”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As interpelações à historiografia brasileira no pensamento afrodiaspórico de Beatriz Nascimento e Clóvis Moura fornecem diversos elementos para se indisciplinar o cânone da história da historiografia. A descolonização disciplinar deve passar, sem sombra de dúvida, pelo questionamento da supremacia branca, expressa no campo historiográfico por um conhecimento produzido por “mãos brancas” sobre “mãos negras”. É tempo de se esgrimir uma crítica radical às racializações estruturantes das formas de pensar a teoria da história e a história da historiografia no Brasil, explorando-se a metáfora sugerida por José Honório Rodrigues e, ao modo de um combate pela história - parafraseando o historiador Lucien Febvre -, de se manipular repertórios de imaginação historiográfica em sentidos antirracistas.
Desde as elucubrações de Jose Honório Rodrigues, em meados dos anos 1970, um dos grandes historiadores a afirmar a centralidade da teoria e da história da história (como este chamava a história da historiografia), podemos já visualizar uma sensibilidade com relação às temáticas raciais no âmbito da revisão do cânone historiográfico. Sabemos que esta sensibilidade inicial de Rodrigues não foi acompanhada por um projeto sistemático de reconstrução do campo, não só no que se refere à própria história da historiografia, mas mesmo à história disciplinar como um todo. Porém, sua inteligência soube equacionar os termos de um debate teórico-político de evidente importância no tempo presente, a partir de um diálogo provável que ele pode ter tido com Beatriz Nascimento e com outros intelectuais negros brasileiros3, ao longo de sua profícua e multifacetada trajetória.
Os gestos teóricos de Nascimento e Moura exprimiram, no horizonte de suas especificidades, alternativas de abertura epistemológica no entendimento do tempo passado mediante inscrições politicamente orientadas no tempo presente, sobretudo nos anos 1950-1980, em esforços críticos alternativos ao processo histórico e aos modos de objetivar as leituras da realidade brasileira e escrever sua história. Foi assim que Nascimento imaginou seu diagnóstico teórico e metodológico de uma história negra - ainda - por se fazer, ao passo que Moura meditou sobre as determinações de cunho ideológico instituídas pelo olhar branco, que obstavam uma compreensão mais adequada da história concreta dos negros no Brasil. Com os posicionamentos desses autores, as vozes de uma intelectualidade orgânica balizada no movimento social negro se reposicionavam no debate acadêmico nesse último quartel do século XX, adotando posturas (in)disciplinares (Avila, 2019) de interrogação à supremacia branca na escrita da História do Brasil.
REFERÊNCIAS
- ARAUJO, Valdei Lopes de. Sobre o lugar da história da historiografia como disciplina autônoma. Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, pp. 79-94, 2006.
- ARAUJO, Valdei Lopes de. História da historiografia como analítica da historicidade. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 6, n. 12, pp. 34-44, 2013.
- ARAUJO, Valdei Lopes de. Entrevista com o Prof. Dr. Valdei Lopes Araujo. Revista de Teoria da História, Goiânia, ano 6, n. 11, pp. 309-323, 2014.
- ARAUJO, Valdei Lopes de; RANGEL, Marcelo de Mello. Apresentação - Teoria e história da historiografia: do giro linguístico ao giro ético-político. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 17, pp. 318-332, 2015.
- ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de; MIRANDA, Fernanda Rodrigues. Pensamento afrodiaspórico em perspectiva: abordagens no campo da história e literatura. Vol. 1. Porto Alegre: Editora FI, 2021. No prelo.
- AVILA, Arthur Lima de. O que significa indisciplinar a história? In: AVILA, Arthur Lima de; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (Orgs.). A História (in)Disciplinada: Teoria, ensino e difusão de conhecimento histórico. Vitória: Editora Milfontes, 2019. pp. 19-51.
- BATISTA, Wagner Vinhas. Palavras sobre uma historiadora transatlântica: estudo da trajetória intelectual de Maria Beatriz Nascimento. Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos) - Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2015.
- BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987.
- CARBONELL, Charles-Olivier. Pour une histoire de l’historiographie. Storia dela Storiografia, Turim, n. 1, pp. 7-25, 2005.
- FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Vols. 1 e 2. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2008 [1964].
- FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
- GRUPO de Trabalho André Rebouças (GTAR). II Semana de Estudos Sobre o Negro na Formação Social Brasileira. Niterói: UFF, 1976.
- MALATIAN, Teresa Maria. Da antropologia cultural ao materialismo histórico: primeiros estudos de Clóvis Moura sobre o negro. Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 123-136, 2019.
- MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007
-
MILLARCH, Aramis. “Orí”, um filme-tese sobre a cultura negra. 09 abr. 1989. Disponível em: Disponível em: https://www.millarch.org/artigo/ori-um-filme-tese-sobre-cultura-negra Acesso em: 21 mai. 2020.
» https://www.millarch.org/artigo/ori-um-filme-tese-sobre-cultura-negra - MOURA, Clóvis. Nota sobre o negro no sertão. Revista Brasiliense, São Paulo, n. 41, 1959.
- MOURA, Clóvis. Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964.
- MOURA, Clóvis. O preconceito de cor na literatura de cordel: tentativas de análise sociológica. São Paulo: Editora Resenha Universitária, 1976.
- MOURA, Clóvis. Uma abordagem sociológica do conceito de história. In: A sociologia posta em questão. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978. pp. 123-133.
- MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala. São Paulo: LECH, 1981a.
- MOURA, Clóvis. Os Quilombos e a Rebelião Negra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981b.
- MOURA, Clóvis. Correntes dos estudos africanistas no Brasil. In: Brasil: as raízes do protesto negro. São Paulo: Global, 1983. pp. 76-92.
- MOURA, Clóvis. As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990a.
- MOURA, Clóvis. Atritos entre a história, o conhecimento e o poder. Princípios, n. 19, pp. 53-57, nov. 1990b.
- NASCIMENTO, Abdias do. O Quilombismo: Documentos de uma militância pan-africanista. Petrópolis: Vozes, 1980.
- NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: possibilidade nos dias da destruição. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018.
- NICOLAZZI, Fernando. A história e seus passados: regimes historiográficos e escrita da história. In: BENTIVOGLIO, Julio; NASCIMENTO, Bruno César (Orgs.). Escrever História: Historiadores e Historiografia Brasileira nos Séculos XIX e XX. Serra: Editora Milfontes, 2017. pp. 7-36.
- OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Etnia e Compromisso Intelectual. In: GTAR (Org.). II Semana de Estudos Sobre o Negro na Formação Social Brasileira (Caderno de Estudos). Niterói: UFF , 1977. pp. 22-27.
- OLIVEIRA, Fábio Nogueira de. Clóvis Moura e a sociologia da práxis negra. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais) - Centro de Estudos Gerais, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2009.
- OLIVEIRA, Maria da Glória de. Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à História da historiografia. História da Historiografia , v. 11, n. 28, pp. 104-140, 2018.
- PEREIRA, Allan Kardec. Escritas insubmissas: indisciplinando a História com Hortense Spillers e Saidiya Hartman. História da Historiografia , Ouro Preto , v. 14, n. 36, pp. 481-508, 2021.
- QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur. Buenos Aires: CLACSO, 2005. pp. 227-278.
- RANGEL, Marcelo de. A urgência do ético: O giro ético-político na teoria da história e na história da historiografia. Ponta de Lança, São Cristóvão, v. 13, n. 25, pp. 26-46, 2019.
- RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Instituto Kuanza; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
- RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil. 1ª Parte: Historiografia colonial. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1979.
- SILVA, Marcelo Leolino da. A história no discurso do Movimento Negro Unificado: os usos políticos da história como estratégia de combate ao racismo. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas. Campinas, 2007.
- SILVA, Sandra Martins da. O GTAR (Grupo de Trabalhos André Rebouças) na Universidade Federal Fluminense: memória social, intelectuais negros e a universidade pública (1975/1995). Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018.
- TRAPP, Rafael Petry. O Elefante Negro. Eduardo de Oliveira e Oliveira: Raça e pensamento social no Brasil. São Paulo: Alameda, 2020.
- VARELLA, Flávia. Limites, desafios e perspectivas: a primeira década da revista História da Historiografia (2008-2018) . História da Historiografia , Ouro Preto , v. 11, n. 28, pp. 219-265, 2018.
-
1
Nessa época, outra leitura político-ideológica sobre os significados históricos dos quilombos é o livro de Abdias do Nascimento O Quilombismo: Documentos de uma militância Pan-Africanista (1980).
-
2
Desde os anos 1970, Clóvis Moura se defrontou com as teses da teoria do escravo-coisa e da anomia do negro no pós-abolição, originadas pela escola de sociologia paulista (Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso). Estas interpelações se desdobravam ora em críticas mais implícitas a epistemologias a-históricas “aplicáveis a qualquer contexto” (Moura, 1978, p. 56), em obras como o prefácio da segunda edição de Rebeliões da Senzala (1972) e Sociologia Posta em Questão (1978), ora em críticas mais explicitas, em livros como O negro: de bom escravo a mau cidadão? (1978), Os Quilombos e a Rebelião Negra (1981) e nos prefácios da III (1982) e da IV (1988) edições de Rebeliões da Senzala.
-
3
Diálogo que também foi estabelecido com Clóvis Moura, visto que foi Rodrigues quem indicou material “indispensável” para a “ampliação” da segunda edição de Rebeliões da Senzala (Moura, 1981a, p. 19).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Nov 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2021
Histórico
-
Recebido
01 Maio 2021 -
Aceito
14 Jul 2021