Open-access Uma África pouco conhecida no Brasil: sociedades entre o Sahel e a bacia do Níger, ou os antigos Estados Mandinga e Songai

An Africa Little Known in Brazil: Societies Between the Sahel and the Niger Basin, or the Mandinga and Songhay States

MACEDO, José Rivair. . Antigas sociedades da África Negra.São Paulo: Editora Contexto, 2021.

A obra Antigas sociedades da África Negra, de José Rivair Macedo, professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi publicada no ano de 2021 pela Editora Contexto e já é considerada um clássico e uma leitura recomendada para todos que se interessam pelos estudos africanos, sejam estrangeiros, brasileiros, professores do ensino básico ou superior e público em geral.

Embora Rivair mencione o fato de o texto não possuir uma linguagem didática, mas uma proposta acadêmica com ampla pesquisa bibliográfica e documental, as salas de aula brasileiras, especialmente as localizadas nas periferias, com a maior parte do seu alunado afro-brasileiro, estão prontas para receber esse tipo de trabalho, obviamente quando intermediado pelo docente de educação básica. Os saberes ancestrais, as histórias dos negros na cultura brasileira, como quer o prefácio da obra - que traz inclusive uma canção de Eugênio Alencar, sambista gaúcho e conhecedor das tradições africanas (Rivair, 2021, p. 10) -, estão nesses lugares em que as comunidades afro-brasileiras habitam e aos quais a ciência costuma não olhar.

Como ensina Mudimbe em L’odeur du Père (1982), há limites entre a compreensão da ciência e a vida na África Negra, há algo que sempre escapa e não é inteligível à ciência, à racionalidade moderna e eurocentrada. Diríamos que escapam, igualmente, os movimentos diaspóricos. Portanto, fazer a obra do professor Rivair chegar a múltiplos espaços é um ganho para todos, principalmente para os pesquisadores africanistas, pois esses precisam se esforçar para tentar ter contato com aquilo que sempre vai escapar. Se existem limites, também se pode ter consciência deles e se posicionar de forma crítica em relação à branquitude que a academia brasileira carrega em sua gênese, e aprender com cada obra do professor Rivair, que, é necessário dizer, é um dos poucos professores universitários negros no Rio Grande do Sul. Não apenas pela ancestralidade, mas também por toda uma trajetória acadêmica, ler a obra de Rivair é se confrontar com esses limites, questioná-los, vencer alguns e perceber que ainda há outros tantos por vencer. Isso é urgente para os historiadores que estudam História da África, e para historiadores de qualquer campo.

Estudar a história africana, independente da região e da temporalidade que se pretende, é, antes de tudo, perceber, como ensina Amadou Hampatê Bâ, que: “se queres saber quem sou, se queres que eu te ensine o que sei, deixe um pouco de ser quem tu és, e esquece o que sabes” (Bâ, 2010, p. 212).

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A introdução de “Antigas sociedades da África Negra” traz um apanhado sobre o desenvolvimento dos estudos históricos africanos; abrange o que foi produzido de maior relevância ou circularidade, tanto em uma perspectiva eurocentrada e racializada, citando autores especialmente de Portugal, da França e da Inglaterra, quanto observando a produção canadense e estadunidense sobre a área. Há ainda considerações sobre o desenvolvimento dos estudos africanos no Brasil e sobre o que o autor chama de uma “matriz menos estudada”, visto que está em menor escala nos ambientes acadêmicos, ou os estudos sobre África que nascem dentro do continente africano e que interrogam “o quão africano são os estudos africanos” (Hountondji, 2008, p. 151). É nessa parte da obra que Rivair se posiciona quanto às suas opções teórico-metodológicas: referenciais epistêmicos críticos e não eurocentrados, sobretudo as contribuições de Valentim Mudimbe, Achille Mbembe, Archie Mafeje e Paulin Hountondji.

A seguir, discorreremos sobre conteúdos e discussões que nos chamaram a atenção dentro da obra de Rivair. Portanto, discorreremos sobre os capítulos com o intuito de compartilhar com o leitor uma possibilidade de interpretação. Sobre as nomenclaturas de etnônimos e topônimos utilizadas neste trabalho, seguimos as considerações de Rivair. Isso quer dizer que, quando possível, empregamos a grafia dos locais estudados; já em nomes mais conhecidos dos brasileiros, as expressões são aportuguesadas, garantindo a proximidade da pronúncia na língua local. Para as dúvidas que restarem, é sempre relevante consultar as recomendações de especialistas que se encontraram a convite da UNESCO, em 1984, no colóquio “African Etnonymus and toponymus”.

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Na primeira parte da obra, no capítulo “Circulação de pessoas, ideias e bens entre o Mangrebe, a bacia do Níger e a floresta tropical”, Rivair sugere que, para reconstituir as grandes linhas das sociedades mangrebinas, saarianas e subsaarianas antigas, inclusive as interações com mercadores europeus, importa observar as suas relações com o islã para além do composto religioso, ou seja: os contornos originais que a islamização produziu na África extrapolavam o Índico, o mar Vermelho e o Mediterrâneo. Uma africanização do islã e de suas conexões intercontinentais, ainda que muito superficiais, aparece desde o século X em alguns círculos de governo.

As caravanas flutuavam suas rotas conforme inovações e rupturas, assim como o interesse daqueles que as impulsionavam, e as conexões políticas, mercantis, intelectuais e religiosas sofriam alterações na longa duração dessas relações saarianas oscilantes. Tombuctu, enquanto emergência de um centro urbano, auxilia na compreensão dessas dinâmicas intra-africanas. Fundada por povos tamaxaques do grupo Immaqqasharan, uma fração do povo massufa, essa comunidade evoluiu de simples criadores de gado para um núcleo de negócios importante antes do século XV, antes da tradicional data de fundação do Tombuctu mais difundida pela historiografia africanista.

As rotas comerciais transaarianas dos séculos X ao XIX estão expostas em mapas, sendo um deles focado nas rotas do século XIV, e parte do capítulo é dedicado a refletir sobre o processo de urbanização dos “povos da floresta”. Estudos arqueológicos demonstram que antes do século XV havia muralhas de paliçadas de falantes igbo e yourubá, e o abandono desses sítios, de seu declínio, pode estar relacionado aos impactos da peste bubônica na África. Encontra-se nessa região, para além das paliçadas, contas de vidro de coloração azul, verde, amarelo e vermelho, cilíndricas e em forma de tubo, datadas entre XI e XIV; designadas na Nigéria como Koris ou Akoris, essas contas possuíam valor simbólico e funções diversificadas, como o uso religioso, que justifica a sua frequência no comércio.

Em síntese, o primeiro capítulo da parte inicial da obra forneceu uma “visão de conjunto”, para parafrasear o professor Rivair (2021, p. 103), sobre as redes, os locais de contato e os grupos econômicos, políticos e religiosos envolvidos no comércio através do deserto, da savana e da floresta tropical antes do contato com os europeus. Em uma perspectiva diversa da comumente trabalhada pela historiografia africanista, o autor adverte para as generalizações que os estudos de amplas sociedades e periodicidade apresentam. No entanto, este efeito permite que se ganhe com a sua causa, ou com a possibilidade de um retrato em panorama desse mercadejo mandinga.

No início do capítulo “Cor, etnicidade e escravidão no Mi’raj al-Su’ud, de Ahmed Baba de Tombuctu”, há contribuições teóricas do afro-cubano Carlos Moore que auxiliam a compreensão da dimensão histórica das relações entre o escravismo, o racismo e a elaboração de um sistema discursivo antinegro que calca o racismo em múltiplas temporalidades, inclusive a moderna e contemporânea. Esse aporte auxilia Rivair a adentrar nas questões centrais do capítulo, primeiramente descrevendo aspectos biográficos, portanto contextuais, de Abu al-Abbas Ahmed ibn Ahmed al-Takruri al-Massufi al-Tinbukti (1556-1627), autor de “Mi’raj al-Su’ud: aywibat Ahmad Baba hawla l-Istirqaq”, um tratado manuscrito de jurisprudência que possui cópias em acervos de Niamey, Nouakchott, Rabat, Paris, Tariqrut e Tombuctu.

Mi’raj al-Su’ud descreve muçulmanos subsaarianos que vivenciaram a venda e o aprisionamento enquanto escravizados, o que seria ilícito perante o direito corânico. Ahmed Baba se apoia em autores que o precederam e em conhecimentos da doutrina maliquita para argumentar sobre o cumprimento das determinações legais excetuando o Kufr, ou a redução em cativeiro por impiedade, condenando qualquer justificativa racial para alegar a escravização de pessoas negras. Há no manuscrito um trecho formulado por Said Ibrahim al-Yirari, interlocutor que argumenta sobre a escravização através da ética e da moral religiosa, questionando a interpretação da “maldição de Cam”, pois os descendentes de Cam foram condenados à escravização, uma vez que é lícita a escravização do infiel, seja ele branco ou negro.

Ahmed Baba cita ainda outros autores que tratavam do tema e, respaldado por dois norte-africanos, argumenta contrariamente a respeito das associações da cor negra ao pecado descrito no Gênesis. Para o ulemá egípcio al-Suyuti, Deus teria criado Adão de um punhado de terra, e seus descendentes seriam modelados a partir de diferentes matérias, justificando a cor escura dos negros, que foram feitos de argila. O tunisiano Ibn Khaldun alertava para os equívocos na leitura da Torá judaica, que em nenhum momento mencionava a cor negra de Cam, com isso, seus descendentes, que tiveram a escravidão imposta, não poderiam ser negros.

A trama de Cam é muito difundida entre os textos judaicos, cristãos e muçulmanos, sendo considerada um dos argumentos-chave que fundamentam a ideologia escravista1. Portanto, o manuscrito de Mi’raj al-Su’ud possui uma narrativa peculiar às justificativas escravistas cristãs do Lmesmo período, expondo as mentalidades das camadas letradas afro-muçulmanas e discutindo a escravização a partir das realidades saarianas e subsaarianas.

Há uma pergunta central e curiosa no terceiro capítulo da obra de José Rivair Macedo. Como Alexandre Magno, heroicizado desde os tempos helenísticos, e Sundjata Keita, modelo heroico africano, primeiro mansa e fundador do império do Mali, são comparados enquanto virtuosos em uma mesma narrativa? No prólogo de uma versão da epopeia de Sundjata Keita, Mamadou Kouyaté se apresenta como predecessor de uma antiga linhagem de griots, possuindo, portanto, o privilégio de poder narrar a história da dinastia Keita, governantes do antigo Mandinga. Kouyaté arrola as qualidades do protagonista enquanto fundador de um império na savana, guerreiro invencível e líder reconhecido, comparando os feitos e conquistas de Keita com Djul Kar Naini ou Alexandre Magno. O que se quer saber é: como foi possível que o ancião e sábio griot acessasse referências eruditas, escritas e advindas de um mundo antigo greco-latino?

Rivair resolve essa questão nos conduzindo a observar que Alexandre Magno foi, e continua a ser em ambiente muçulmano, bem mais do que uma evocação mítico-literária; ele também aparece como profeta, como aquele que anuncia o fim dos tempos. Consequentemente, é possível a existência de colisões, aproximações e confluências com as narrativas sobre o líder Sundjata Keita. Ao longo do capítulo “Sundjata Keita e Alexandre Magno: interações entre oralidade e escrita na África Subsaariana” observa-se a possibilidade da história de Alexandre Magno ter sido conhecida pelos letrados de Tombuctu. No final da epopeia de Sundjata, há a descrição que Dhul Qarnain teria fundado uma linhagem de governantes de Wagadu, sede de antigos governantes de Gana, e essa descrição advém de uma antiga tradição que coloca Alexandre como fundador de Sijilmassa e outros locais do oásis e do deserto.

Embora haja dificuldades de comprovação, os líderes que aparecem no capítulo e povoam a epopeia manuscrita de Keita estão também em narrativas orais recolhidas no continente africano no decorrer do século XX. Assim, mais do que as respostas e as perguntas, fica a oportunidade de perceber que as tradições africanas, com todas as suas míticas e complexidades, escapam a qualquer análise acadêmica e ocidentalizada. Sempre resta, parafraseando José Rivair Macedo (2021, p. 160), o intangível e o inexplicado.

A segunda parte da obra do professor Rivair intitula-se “Poder, instituições e sociedade”. O primeiro capítulo dessa segunda empreitada fala “Sobre a autoridade compartilhada nas antigas sociedades mandingas” e há, inclusive, uma imagem de um bastão sonoje esculpido em metal entre fins do XIX e início do XX, cuja parte superior traz a representação de um homem e uma mulher simbolizando a autoridade dos governantes mandingas. As informações encontradas nos ta’rikhs sobre a autoridade de Mansa Musa, bem como os relatos que circulavam por via oral, confirmam a importância da figura feminina. Ibn Battuta nos conta que Qasa era uma designação equivalente a rainha, e Rivair levanta a hipótese de que havia uma instituição particular de poder, descartando a matrilinearidade que serve para observar as linhas sucessórias de outras sociedades, inclusive adjacentes.

Estudando o Kaabu, o historiador Senéké Mody Cissoko (1969) encontra vestígios de que reinos mandingas da Senegâmbia como Niomi, Badibou, Diahra e Kiang estiveram sob o governo de mulheres distinguidas como moussou-manso, que significa “mansa mulher”. Como essas mulheres ascenderam ao poder? Como demonstra Coquery-Vidrovich (2005, p. 39), naquelas organizações o poder dependia de múltiplos fatores, para além da territorialidade. A força bélica, os exércitos bem articulados de lanceiros e arqueiros, a força econômica com o controle da extração do ouro, as posições das caravanas transaarianas, os representantes locais chamados faama, farba ou farin e ainda os jurisconsultos conhecedores da lei muçulmana, todos bem integrados e compostos por povos mandingas, soninquês, fulas, dogons, sossos, bamanan ou bambara, kizi, gerze, djalonké e bozô, possibilitaram que o antigo Mali evoluísse para a condição que se assemelha a um império, também governado por mulheres2.

Rivair recorre ao conceito de “formação social” ou “formação estatal” sugerido nas obras do antropólogo sul-africano Archibald Mafeje para designar as organizações sociais do antigo estado do Mali. No entanto, adverte o autor, o que está em xeque não é necessariamente a utilização de termos que eurocentrizem ou orientalizem as sociedades malineses, mas a observação de fato das características dessas formações políticas e das realidades sociais que essas encobrem. A noção de pessoa na tradição mandinga e bambara, por exemplo, ainda hoje é explicada não pela oposição dos sexos, mas pela ideia de paralelismo, pois todo o corpo é animado por princípios denominados ba (feminino) e fa (masculino), regidos pelo princípio da complementariedade.

Nas páginas 211 e 212 do capítulo “Áskia Mohammed e os gênios no Ta’rikh al-Fattash” há uma espécie de síntese que articula as interpretações de vários estudiosos sobre o papel dos gênios na cultura songai. Espíritos ancestrais, associados aos fenômenos naturais ou à natureza, são seres invisíveis que interagem quando necessário com os seres humanos. Eles formam um panteão antropomórfico com famílias distintas e podem ser “benéficos” ou “maléficos”.

A evocação dos gênios era vista com desconfiança pelos letrados do islã, mas fazia sentido para os letrados afro-muçulmanos. Registros de evocações de gênios podem ser interpretados pari passu às tamanhas reconfigurações sociais da história do Islã, com protagonismos africanos hibridizando e se apropriando de mitos e formulando fábulas sobre a Arábia e o Oriente Médio. Na memória coletiva songai-zarma, verifica-se que a islamização vai modificando essa relação com os espíritos, e a vitória de áskia Mohammed (Mohammed Touré) e a tomada de Songai por esse soninquê podem ser consideradas os pontos de partida da descaracterização da função original desses espíritos ancestrais, que se alargava quanto mais o islã se enraizava.

No caso songai há o registro de extensas narrativas como o Ta’rikh al-Sudan, que acreditava-se ser composto em 1665 por Abderrahman al-Sadi, e o Ta’rikh al-Fattash, atribuído a Maumud Kati e a Ibn Mukthar, que teriam vivido no século XVII. No entanto, como explica Rivair (2021, p. 227), o Ta’rikh al-Fattash foi redigido em 1820, por Nuh al-Tahir; logo, a trama que tece as mitologias islâmicas com elementos das crenças tradicionais africanas fica mais compreensível para que se observe os múltiplos papéis dos espíritos nas culturas afro-muçulmanas e os elementos históricos do que, em linhas gerais, é considerado um império “medieval” da África: Songai.

O último capítulo intitula-se “Encenando o poder: as audiências públicas no Bilad al-Sudan”. Em árabe, Bilad al-Sudan significa “terra dos negros”. Nas palavras de José Rivair, essa parte da obra “sistematiza, organiza e compara” informações relativas às cortes de governantes sudaneses da bacia do Níger. Há mudanças sociais no antigo Mandinga em meados do século XIV, e as cenas de audiências públicas são comparadas com cerimoniais de períodos anteriores dos Estados de Wagadu/Gana dos séculos XI e XII e do Songai dos seiscentos. As fontes utilizadas para tanto são observações efetuadas por autores oriundos do Magrebe e do Egito antes do século XVI e de Tombuctu e Djené com textos que datam entre XVII e XIX.

Autores como Ibn Battuta, al-Umari, al-Bakri, al-Idrisi, Leão Africano e ta’rikhs de Tombuctu são examinados com um escopo metodológico que parte de uma antropologia política dentro do campo dos estudos africanos que evidencia as intepretações do poder monárquico, bem como através de uma perspectiva de longa duração que se preocupa, como quer Alfred Adler (2002, p. 174), com uma análise sincrônica, estabelecendo paralelos no tempo histórico recortado à análise. Toda essa nutrição documental e metodológica sustenta alguns argumentos principais de Rivair neste capítulo, ou que os cerimoniais de audiência pública eram mais ou menos idênticos em Gana, Mali e Songai.

Basil Davidson (1981, p. 202) empresta uma definição para compreendermos o processo de centralização do poder nas monarquias africanas “antigas” ou ainda “modernas”: elas não eram divinas, como as europeias, mas sim rituais. No caso da região estudada, os títulos de mansa, maí, oba ou ntemi desfrutavam, com seus congêneres, de uma autoridade superior, e equivaliam aos títulos europeus como kaiser, rei, roi, king. Essas formas de poder se inserem na diáspora, pois nos navios negreiros embarcaram não somente as gentes escravizadas, mas sobretudo as suas ideias. Os ritos das tradições afro-brasileiras carregam conteúdos advindos dos reinos e reinados ancestrais. Citando rituais descritos pelo mestre Cica de Oyó, o professor Rivair (2021, p. 245) nos aproxima não apenas de bàbálorisàs, iyàlorisàs e awòrò, mas também das hierarquias antigas ressignificadas e transmitidas através da oralidade.

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Como palavras finais, é preciso mencionar que “Antigas sociedades da África Negra”, do professor José Rivair Macedo, fortalece a Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER), conforme Lei Federal no 10.639/2003, que deu origem ao artigo 26A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A historiografia brasileira foi agraciada com uma importante obra, uma pesquisa que é sintoma do crescimento e do avanço dos Estudos Africanos no Brasil. Esses estudos são frutos das lutas reivindicatórias dos Movimentos Negros, que resistem, embora as mais diversas tentativas de fazê-los esmorecer, especialmente após o Golpe de 2016 contra a Presidenta Dilma Rousseff. A qualidade intelectual da obra de Rivair já foi mencionada, mas precisamos dizer que estudar África no Brasil é também uma forma de resistência; é ouvir a voz de um continente e de seus descendentes na diáspora que sempre foi silenciada; é colocar em xeque as verdades advindas de rigores científicos que hierarquizam culturas ao invés de observar suas pluralidades, suas complexidades e seus protagonismos.

REFERÊNCIAS

  • ADLER, Alfred. Royauté, magie et religion: “faire dialoguer de manière intime anthropologie et historie”. L’Homme, Paris, n. 163, pp. 173-183, jul.-set. 2002.
  • BÂ, Amadou Hampâté. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.). Metodologia e pré-história da África [Coleção História geral da África, v. I]. Brasília: MEC; UNESCO; Ufscar, 2010. pp. 167-212.
  • COQUERY-VIDROVICH, Catherine. Historie et perception des frontières en Afrique du XIIe au XIXe siècle. In: VVAA. Des frontières en Afrique du XIIe au XXe siècle. Paris: Unesco, 2005. pp. 39-54.
  • CISSOKO, Senéké Mody. L’intelligentsia de Tombouctou aux XVe et XVIe siècles. Présence Africaine, Paris, Nouvelle Serie, n. 72, pp. 48-72,1969.
  • DAVIDSON, Basil. Os africanos: uma introdução à sua história cultural. Luanda: Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1981.
  • HOUNTONDJI, Paulin J. Conhecimento de África, conhecimento de africanos: duas perspectivas sobre os estudos africanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, pp. 149-160, 2008.
  • MACEDO, José Rivair. Antigas sociedades da África Negra. São Paulo: Editora Contexto, 2021.
  • MACEDO, José Rivair. Os filhos de Cam: a África e o saber enciclopédico medieval. SIGNUM: Revista da ABREM, v. 3, pp. 101-132, 2001.
  • MUDIMBE, Valentin Yves. L’odeur du Père: essai sur des limites de la science et de la vie en Afrique Noire. Paris: Présence Africaine, 1982.
  • OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
  • 1
    Sugerimos a leitura de Macedo (2021) para uma discussão mais aprofundada sobre Cam e argumentações que justificam os escravismos através da descendência de cor.
  • 2
    Para romper com argumentos que situam a biologia como principal base para organizar o mundo social, sugere-se Oyěwùmí (2021).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2022
  • Aceito
    03 Maio 2022
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