Resumos
Foram estudadas 84 paratireóides de ratas Wistar com cinco meses de idade, castradas ou não, e mantidas em hipertireoidismo por períodos de 30, 60 e 90 dias. Dois grupos eutireóideos, um castrado e o outro não, foram mantidos nas mesmas condições e serviram de controle. Ao final de cada período, foram colhidos o plasma, para determinação da concentração de T4 livre, o cálcio e o fósforo e as paratireóides, para análise morfológica e determinação da porcentagem de núcleo, citoplasma e estroma. Aos 90 dias houve reversão da hipocalcemia observada aos 60 dias nos animais eutireóideos castrados e não castrados, graças à hipertrofia da paratireóide. O mesmo não ocorreu com os grupos hipertireóideos que apresentaram hipocalcemia e hiperfosfatemia progressivas e não compensadas até os 90 dias. Na castração há pronta reversão da hipocalcemia em resposta ao aumento da atividade funcional da paratireóide. No estado hipertireóideo com gônadas funcionais, apesar da hipertrofia da paratireóide, não há retorno à isocalcemia e isofosfatemia. Na associação hipertireoidismo-castração, a paratireóide não responde satisfatoriamente à hipocalcemia e hiperfosfatemia intensas e progressivas.
rata; paratireóide; hipertireoidismo; castração
Eighty four parathyroids of castrated and intact adult female Wistar rats kept under hyperthyroidism state for 30, 60 or 90 days were studied. Two euthyroid goups, one castrated and another intact were used as controls. At the end of each period, blood was collected and the concentrations of free T4, calcium and phosphorus were determined. The parathyroids were analysed microscopically and % of nuclei, cytoplasm and stroma were determined. Hypocalcemia that was observed in castrated and intact euthyroid rats at 60 days was reverted after 90 days due to parathyroid hypertrophy. In hyperthyroid groups, hypocalcemia and hyperphosphatemia were progressive and did not revert at 90 days. In conclusion, castration revert hypocalcemia due to the increase of parathyroid activity. In spite of parathyroid hypertrophy, hyperthyroid state with functional gonads did not return to isocalcemia and isophosphatemia state. In addition, under the association of hyperthyroidism-castration, parathyroid did not respond to progressive hypocalcemia and hyperphosphatemia.
rat; parathyroid; hyperthyroidism; castration
MEDICINA VETERINÁRIA
Resposta da paratireóide de ratas às variações do cálcio e fósforo plasmáticos no hipertireoidismo e hipogonadismo
Response of parathyroid to the plasmatic of calcium and phosphorus variations in hyperthyroidism and hypogonadism in the rat
R. Serakides; N.M. Ocarino; T.G.S. Cardoso; J.R.C. Moraes; V.A. Nunes; A.E. Silva
Escola de Veterinária da UFMG - Caixa Postal 567 - 30123-970 - Belo Horizonte, MG
RESUMO
Foram estudadas 84 paratireóides de ratas Wistar com cinco meses de idade, castradas ou não, e mantidas em hipertireoidismo por períodos de 30, 60 e 90 dias. Dois grupos eutireóideos, um castrado e o outro não, foram mantidos nas mesmas condições e serviram de controle. Ao final de cada período, foram colhidos o plasma, para determinação da concentração de T4 livre, o cálcio e o fósforo e as paratireóides, para análise morfológica e determinação da porcentagem de núcleo, citoplasma e estroma. Aos 90 dias houve reversão da hipocalcemia observada aos 60 dias nos animais eutireóideos castrados e não castrados, graças à hipertrofia da paratireóide. O mesmo não ocorreu com os grupos hipertireóideos que apresentaram hipocalcemia e hiperfosfatemia progressivas e não compensadas até os 90 dias. Na castração há pronta reversão da hipocalcemia em resposta ao aumento da atividade funcional da paratireóide. No estado hipertireóideo com gônadas funcionais, apesar da hipertrofia da paratireóide, não há retorno à isocalcemia e isofosfatemia. Na associação hipertireoidismo-castração, a paratireóide não responde satisfatoriamente à hipocalcemia e hiperfosfatemia intensas e progressivas.
Palavras-chave: rata, paratireóide, hipertireoidismo, castração
ABSTRACT
Eighty four parathyroids of castrated and intact adult female Wistar rats kept under hyperthyroidism state for 30, 60 or 90 days were studied. Two euthyroid goups, one castrated and another intact were used as controls. At the end of each period, blood was collected and the concentrations of free T4, calcium and phosphorus were determined. The parathyroids were analysed microscopically and % of nuclei, cytoplasm and stroma were determined. Hypocalcemia that was observed in castrated and intact euthyroid rats at 60 days was reverted after 90 days due to parathyroid hypertrophy. In hyperthyroid groups, hypocalcemia and hyperphosphatemia were progressive and did not revert at 90 days. In conclusion, castration revert hypocalcemia due to the increase of parathyroid activity. In spite of parathyroid hypertrophy, hyperthyroid state with functional gonads did not return to isocalcemia and isophosphatemia state. In addition, under the association of hyperthyroidism-castration, parathyroid did not respond to progressive hypocalcemia and hyperphosphatemia.
Keywords: rat, parathyroid, hyperthyroidism, castration
INTRODUÇÃO
No hipogonadismo, os metabolismos ósseo e mineral se alteram. Em ratas castradas, os níveis de fósforo plasmático se elevam, a taxa de aposição óssea se reduz já aos 30 dias após a castração e a velocidade da reabsorção óssea aumenta logo depois. Embora haja hiperfosfatemia e conseqüente hipocalcemia (Serakides et al., 2000; Serakides et al., 2004), estariam as paratireóides envolvidas no catabolismo ósseo no hipogonadismo? Há autores que rejeitam essa hipótese e outros afirmam haver aumento da responsividade do osso ao paratormônio (PTH). A despeito dos vários estudos in vivo e in vitro, a literatura é controversa e a origem da perda óssea no hipogonadismo continua indeterminada.
No hipertireoidismo há estímulo tanto da aposição quanto da reabsorção óssea, mas a diminuição da massa óssea advém da supremacia do processo catabólico frente ao anabólico (Serakides et al., 2004). O aumento da reabsorção óssea, no entanto, não é de fácil explicação. Seria por ação direta dos hormônios tireoidianos sobre o osso, ou seria uma resposta mediada pelo PTH e puramente compensatória às variações plasmáticas do cálcio e do fósforo, ou também estaria às margens da atividade paratireóidea?
Intrigantes são as alterações ósseas e homeostáticas do cálcio e do fósforo na combinação hipertireoidismo-castração. Nos estádios iniciais, a tiroxina compensa a perda óssea da castração, principalmente pela inibição da reabsorção óssea. Entretanto, a inibição da reabsorção óssea não se mantém e a osteopenia da castração não pode ser revertida (Serakides et al., 2004). A despeito disso, os níveis plasmáticos de fósforo mantêm-se elevados e os de cálcio reduzidos, demonstrando que o osso e os rins não estão atuando em conjunto e sob o comando do PTH para manter a homeostasia mineral (Serakides et al., 2000). Teriam os tecidos de animais hipertireóideos castrados ausência de resposta ao PTH?
Ao contrário de outras glândulas que estão sob o controle dos valores periféricos de seus próprios hormônios, a paratireóide sofre influência do perfil plasmático do cálcio e fósforo. Assim, sua morfologia retrata o perfil plasmático de PTH. Dessa forma, a hiperplasia é um reflexo da maior atividade de síntese e a hipertrofia do aumento da atividade de secreção de PTH.
O objetivo deste trabalho é estudar a resposta da paratireóide de ratas à hipocalcemia do hipertireoidismo e hipogonadismo, relacionando-a ao metabolismo mineral.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas 84 ratas Wistar adultas, com cinco meses de idade. Elas foram alojadas em caixas plásticas, na densidade de cinco animais/caixa, recebendo ração comercial (22% de proteína bruta, 1,4% de cálcio e 0,6% de fósforo, além de micronutrientes) e água destilada ad libitum. Os animais foram mantidos em regime de 12 horas de luz e 12 horas sem luz.
Após 30 dias de adaptação, as ratas foram separadas em quatro grupos de 21 animais cada, sendo dois grupos castrados e dois não castrados. Uma semana após a castração, dois grupos, um castrado e outro não, foram submetidos ao hipertireoidismo, mediante administração diária, via sonda oro-gástrica, de L-tiroxina1 1 Armesham International, Buckinghamshire, England , na dose de 50mg/animal, diluída em 5ml de água destilada. Os dois grupos restantes foram mantidos em estado eutireóideo, mediante administração de 5ml de água destilada, utilizando-se a mesma via e os mesmos horários daqueles tratados com tiroxina. Aos 30, 60 e 90 dias após o início do tratamento, sete ratas de cada grupo foram sacrificadas e delas retirado sangue para dosagem de cálcio, fósforo e T4 livre. As paratireóides colhidas foram fixadas em formol a 10% neutro, tamponado, e processadas pela técnica rotineira de inclusão em parafina e coloração pela hematoxilina-eosina. Uma secção do centro da glândula foi selecionada e submetida à análise morfométrica. Na área total abrangida pela secção histológica, num total de sete campos e com auxílio de uma ocular integradora com gratícula de 25 pontos, foram determinadas as porcentagens de núcleo, citoplasma e de estroma com objetiva de 40x.
A concentração plasmática de T4 livre foi determinada em sistema totalmente automático pela técnica da quimioluminescência2 e as de cálcio e fósforo pela espectofotometria de reflectância3, seguindo o protocolo do fabricante.
O delineamento experimental foi o inteiramente ao acaso, em esquema fatorial 4x3 (quatro grupos e três períodos). Para cada variável estudada foram determinados a média e o desvio-padrão. As médias foram comparadas pelo teste SNK (Sampaio, 1998).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A concentração plasmática de T4 livre significativamente mais elevada nos grupos tratados com tiroxina, independente do estado funcional das gônadas, comprovou o estado hipertireóideo das ratas (Fig. 1). O útero visivelmente reduzido de volume à necropsia e a redução significativa dos valores de estradiol e progesterona confirmaram o sucesso da castração na indução da afuncionalidade das gônadas, tal como previamente publicado (Serakides et al., 2000).
No grupo eutireóideo não castrado (controle) aos 30 e 60 dias, as paratireóides apresentavam células principais escuras e de transição dispostas em cordões (Fig. 2A e B). Somente aos 90 dias as paratireóides apresentaram hipertrofia das células com predomínio de células principais claras (Fig. 2C), em resposta à hipocalcemia e hiperfosfatemia dos 60 dias (Fig. 1). A análise morfométrica confirmou esse quadro, demonstrando aumento gradual da porcentagem de citoplasma e diminuição da porcentagem de núcleo até os 90 dias (Tab. 1 e 2).
Esse quadro de hipertrofia da paratireóide no grupo-controle provavelmente foi determinado pelo excesso de nutrientes na dieta, já que a ração comercial ofertada ad libitum apresentava níveis de minerais, vitaminas e proteínas acima dos recomendados pelo Nutrient... (1995). Assim, postula-se que a hipocalcemia tenha decorrido da hiperfosfatemia progressiva, como observado na Fig. 1. No entanto, como esperado, por ser a paratireóide uma glândula que secreta PTH, hormônio que atua nos ossos e rins controlando minuto a minuto a homeostasia mineral, houve pronta compensação da hipocalcemia aos 90 dias, em resposta à hipertrofia das paratireóides.
As paratireóides das ratas eutireóideas castradas diferiram do grupo-controle por apresentarem, desde os 30 dias, aumento gradual do número de glândulas com hipertrofia e/ou aparente aumento da celularidade. Aos 90 dias, todas as paratireóides apresentavam hipertrofia intensa com presença de células claras e de células claras transparentes que apresentavam citoplasma volumoso, claro e vacuolizado, com núcleo de cromatina densa situado na periferia da célula (Fig. 2D, E e F). As células claras transparentes, indicativas de intensa atividade e exaustão glandular, formavam pequenos grupos dispostos em ácinos. Pela análise morfométrica observou-se aumento gradual da porcentagem de citoplasma e da razão citoplasma/núcleo. Além disso, houve diferença significativa entre essas últimas variáveis quando comparadas ao grupo-controle (Tab. 1, 2 e 3). Nas ratas eutireóideas castradas, apesar dos valores de fósforo se elevarem, esse aumento não foi significativo, ao contrário dos valores de cálcio que foram significativamente mais baixos aos 60 dias (Fig. 1) (Serakides et al., 2000). Assim, pode-se inferir que a hipocalcemia nesse grupo não resultou da hiperfosfatemia.
Na deficiência dos esteróides sexuais, a osteopenia também parece ser decorrente da redução da absorção intestinal do cálcio. Há uma ação direta do estrógeno sobre a mucosa intestinal (Chen e Kalu, 1998; Ten Bolscher et al., 1999; Colin et al., 1999) e uma ação indireta, mediada pela vitamina D. Na deficiência de estrógeno, há diminuição dos receptores da vitamina D no intestino (Liel et al., 1999) e menor conversão renal do 25 hidroxicolecalciferol (25OHD3) em 1,25 diidroxicolecalciferol (1,25(OH)2D3), a forma ativa da vitamina D. Assim, na castração espera-se menor formação da proteína ligante do cálcio, o que diminui sua absorção intestinal (Schwartz et al., 2000). O resultado disso é a hipocalcemia, pelo menos em algum momento da deficiência dos hormônios sexuais. Por ser o cálcio o principal regulador da atividade da paratireóide (Habener et al., 1984), na hipocalcemia há aumento da secreção de PTH e conseqüente aumento da reabsorção óssea para restabelecimento da isocalcemia (Habener et al., 1984; Rasmussen, 1997; Leder et al., 2001). De fato é isso que parece ocorrer, pois depois de instalada a hipocalcemia da castração há pronta compensação dos valores plasmáticos de cálcio aos 90 dias graças à hipertrofia das paratireóides (Fig. 1). No entanto, contesta-se a ação do PTH como mediador da perda óssea na castração (Riggs et al., 1973).
As paratireóides dos animais hipertireóideos não castrados apresentaram características histomofométricas semelhantes às do grupo eutireóideo castrado durante todo o período experimental (Fig. 2G, H e I). A hipertrofia aos 90 dias, caracterizada por maior porcentagem de citoplasma, menor porcentagem de núcleo e maior razão citoplasma/núcleo (Tab. 1, 2 e 3) em resposta à hipocalcemia e à hiperfosfatemia foi significativamente maior quando comparado ao grupo-controle. Nesse grupo, é provável que a hipocalcemia também tenha ocorrido subseqüente à hiperfosfatemia. No entanto, como já previamente publicado, a hiperfosfatemia foi mais intensa do que a do grupo-controle (Serakides et al., 2000) e provavelmente não resultou somente dos excessos da dieta, mas principalmente da maior reabsorção tubular renal de fósforo causada pelos hormônios tireoidianos (Alcade et al., 1999). Ao contrário do grupo-controle, apesar da hipertrofia das paratireóides, a compensação da hipocalcemia dos 60 dias não foi satisfatória, o que resultou na manutenção da hipocalcemia e hiperfosfatemia (Fig. 1). Haveria nos animais hipertireóideos não castrados ausência de resposta do osso e dos rins ao PTH? Ao contrário do que foi evidenciado, outros pesquisadores têm postulado que pacientes com tireotoxicose apresentam redução da atividade da paratireóide (Furlanetto et al., 1991), mas não há estudos da morfologia da paratireóide em associação com os valores plasmáticos de cálcio e fósforo e ao longo de vários períodos experimentais.
Na associação hipertireoidismo-castração, a morfologia e a morfometria das paratireóides foram semelhantes às do grupo-controle até os 90 dias (Fig. 2J, K e L e Tab. 1, 2 e 3). Apesar de existir, no grupo hipertireóideo castrado, hiperfosfatemia e hipocalcemia persistentes e progressivas (Fig. 1) e mais intensas em comparação aos demais grupos (Serakides et al., 2000), a hipertrofia da paratireóide não ocorreu na intensidade esperada. Esse fato intriga e levanta questões sobre o porquê da paratireóide de ratas hipertireóideas castradas não responder satisfatoriamente à hipocalcemia e hiperfosfatemia. Diferente do grupo-controle no qual houve retorno à isocalcemia, no grupo hipertireóideo castrado não houve, em nenhum momento, tentativa de retorno à isocalcemia e isofosfatemia (Fig. 1).
Sabe-se que as concentrações de cálcio extra-celular são continuamente medidas por dois receptores situados na paratireóide que controlam a expressão gênica e conseqüente secreção do PTH. Já foi sugerido que a parvalbumina influencia a expressão do gene do PTH por modificar os sinais do cálcio intra-celular. O mesmo receptor de cálcio das paratireóides é também encontrado nos rins e nas células C da tireóide, tecidos envolvidos na homeostasia de cálcio. Elevação do cálcio extra-celular induz nas células C e nas células claras da paratireóide aumento do cálcio intra-celular. Entretanto, as conseqüências desse aumento do cálcio do citosol são opostas. Nas células claras, inibe a secreção de PTH e nas células C, aumenta a secreção de calcitonina (Pauls et al., 2000). Haveria alguma modificação desses receptores de cálcio no hipertireoidismo? Essa é uma questão que merece ser investigada.
CONCLUSÕES
Na castração há pronta reversão da hipocalcemia em resposta ao aumento da atividade funcional da paratireóide. No estado hipertireóideo com gônadas funcionais, apesar da hipertrofia da paratireóide, não há retorno à isocalcemia e isofosfatemia. Na associação hipertireoidismo-castração, a paratireóide responde à hipocalcemia e hiperfosfatemia intensas e progressivas, mas essa resposta não é suficiente para retornar a calcemia e fosfatemia ao normal.
Recebido para publicação em 20 de janeiro de 2004
Recebido para publicação, após modificações, em 10 de setembro de 2004
E-mail: serakide@dedalus.lcc.ufmg.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Jun 2005 -
Data do Fascículo
Fev 2005
Histórico
-
Aceito
10 Set 2004 -
Recebido
20 Jan 2004