Resumos
Estudaram-se achados de necropsia de 454 espécimens de Leontopithecus. Quatorze (3,1%) apresentaram-se infectados por acantocéfalos intestinais identificados como Prosthenorchis elegans (Diesing, 1861). Não foram observadas diferenças na ocorrência do parasito quanto à espécie, origem - cativos ou selvagens - e sexo. Clinicamente os animais apresentaram-se com o pelame eriçado, apatia, inapetência, dores abdominais e diarréia. Em dois animais parasitados (14,2%), observou-se perfuração da parede intestinal. As lesões encontradas caracterizaram-se por uma grave enterite ulcerativa. A ocorrência desses parasitos reforça a necessidade do estabelecimento de protocolos sanitários rígidos no manejo das espécies de primatas do neotrópico.
mico-leão; Leontopithecus; acontocéfalo; patologia
This study assessed the autopsy findings of 454 Leontopithecus specimens, 14 of which (3.1%) were infected by intestinal Acanthocephala identified as Prosthenorchis elegans (Diesing, 1861). No difference in the occurrence of the parasite was observed regarding the species, origin (captive or wild) and sex of the lion tamarins. Clinically, the animals had spiked coat, apathy, inappetence, abdominal pain and diarrhea. Two of the parasitized animals (14.2%) had perforation of the intestinal wall. The lesions found were characterized as a severe ulcerative enteritis. The occurrence of such parasites highlights the need for establishing strict sanitary protocols for the management of the neotropical primate species.
Lion tamarins; Leontopithecus; Acanthocephala; pathology
MEDICINA VETERINÁRIA
Ocorrência de Acanthocephala em Leontopithecus (Lesson, 1840), cativos: aspectos clínico-patológicos. Callitrichidae-Primates
Acanthocephala infections in captives lion tamarins Leontopithecus (Lesson, 1840): clinical pathologic aspects. Callitrichidae-Primates
L. PissinattiI, II; A. PissinattiI, III, VI, *; C.H.F. BurityIV; D.G. Mattos Jr.V; R. TortellyV
ICentro de Primatologia do Rio de Janeiro FEEMA Estrada do Paraíso, s/n 25940-000 Guapimirim, RJ
IIAluno de pós-graduação - FV-UFF Niterói, RJ
IIIFundação Educacional Serra dos Órgãos Teresópolis, RJ
IVUniversidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, RJ
VFaculdade de Veterinária - UFF Niterói, RJ
VICentro Universitário Plínio Leite Niterói, RJ
RESUMO
Estudaram-se achados de necropsia de 454 espécimens de Leontopithecus. Quatorze (3,1%) apresentaram-se infectados por acantocéfalos intestinais identificados como Prosthenorchis elegans (Diesing, 1861). Não foram observadas diferenças na ocorrência do parasito quanto à espécie, origem - cativos ou selvagens - e sexo. Clinicamente os animais apresentaram-se com o pelame eriçado, apatia, inapetência, dores abdominais e diarréia. Em dois animais parasitados (14,2%), observou-se perfuração da parede intestinal. As lesões encontradas caracterizaram-se por uma grave enterite ulcerativa. A ocorrência desses parasitos reforça a necessidade do estabelecimento de protocolos sanitários rígidos no manejo das espécies de primatas do neotrópico.
Palavras-chave: mico-leão, Leontopithecus, acontocéfalo, patologia
ABSTRACT
This study assessed the autopsy findings of 454 Leontopithecus specimens, 14 of which (3.1%) were infected by intestinal Acanthocephala identified as Prosthenorchis elegans (Diesing, 1861). No difference in the occurrence of the parasite was observed regarding the species, origin (captive or wild) and sex of the lion tamarins. Clinically, the animals had spiked coat, apathy, inappetence, abdominal pain and diarrhea. Two of the parasitized animals (14.2%) had perforation of the intestinal wall. The lesions found were characterized as a severe ulcerative enteritis. The occurrence of such parasites highlights the need for establishing strict sanitary protocols for the management of the neotropical primate species.
Keywords: Lion tamarins, Leontopithecus, Acanthocephala, pathology
INTRODUÇÃO
O território brasileiro possui grande diversidade de habitat, fato que favoreceu sua extraordinária riqueza primatológica, aliás a mais significativa dentre todas as unidades políticas mundiais (Coimbra-Filho, 1973; Mittermeier et al., 1994).
Os micos-leões (Leontopithecus) são as espécies mais corpulentas da família Callitrichidae, habitando remanescentes da Mata Atlântica Brasileira. Todas as quatro formas se encontram criticamente ameaçadas: Leontopithecus rosalia no estado do Rio de Janeiro, Leontopithecus chrysopygus no estado de São Paulo Leontopithecus caissara do extremo norte do estado do Paraná e sudeste de São Paulo e Leontopithecus chrysomelas, restrito a florestas no sudeste do estado da Bahia (Coimbra-Filho, 1976; Ballou et al., 1997).
Relativamente à sobrevivência desse gênero, Coimbra-Filho e Mittermeier (1973) realizaram vários estudos. Beck et al. (1991) ensaiaram reintroduções e programas de educação ambiental, principalmente com L. rosalia. Tais estudos, porém, são preliminares com L. caissara, que ainda não possui qualquer colônia ex situ (Ballou, 1989; Ballou et al., 1997).
Para o sucesso dos programas de propagação ex situ, torna-se indispensável a participação de veterinário especializado, com sólidos conhecimentos da anatomia, fisiologia e patologia desses táxons (Montali e Bush, 1999). Infelizmente permanecem escassos os trabalhos publicados sobre aspectos da morfologia e da patologia do gênero Leontopithecus, pois a literatura ainda é insuficiente para um melhor conhecimento desses símios (Pissinatti et al., 1993; Burity et al., 1997).
Os acantocéfalos pertencem ao ramo em que todos os representantes são parasitas obrigatórios. Apresentam uma tromba retrátil que no extremo anterior está provida de ganchos (Read, 1974). São pseudocelomados dióicos, com ausência de trato digestivo; alimentam-se por meio da parede cuticular, à semelhança dos cestóides (Travassos, 1917).
As espécies de acantocéfalos descritas na literatura como parasitas de primatas do Novo Mundo são apenas três: Prosthenorchis elegans, P. spirula e Moniliformis clarki. Os adultos de Prosthenorchis sp habitam o lúmem da porção terminal do íleo, do ceco e do cólon dos platirrinos, fixando-se firmemente à parede intestinal por meio da inserção profunda de suas probóscides espinhosas na submucosa e túnica muscular do intestino (Dunn, 1963; Nelson et al., 1966).
Os estudos de Brumpt e Urbain (1938) demonstraram que P. elegans e P. spirula têm uma variedade muito grande de hospedeiros, podendo também ser um provável parasito de humanos.
O presente trabalho tem como objetivo registrar a ocorrência de infecções causadas por Acantocephala em primatas brasileiros mantidos em cativeiro e em condições especiais de manejo.
MATERIAL E MÉTODOS
Os dados dos micos-leões utilizados neste estudo são provenientes do acervo do Museu do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (FEEMA) (Coimbra-Filho et al., 1986). Os primatas foram necropsiados e a carcaça e as vísceras foram fixadas por imersão em solução de formol tamponado a 10% (pH 7,2). Foram examinados 454 protocolos de necropsia dentre as quatro espécies do táxon, de acordo com a Tab. 1.
Os fragmentos dos órgãos e tecidos de cada um dos animais positivos amostrados foram encaminhados ao laboratório de histopatologia e processado de acordo com as técnicas de rotina de inclusão em parafina, cortados com 5mm de espessura e corados em hematoxilina-eosina. Os diagnósticos histopatológicos foram feitos com o auxílio de microscópio óptico Olympus.
Os dados obtidos foram tabulados em planilha eletrônica (Excel Microsoft®), e analisados pelo teste não paramétrico do qui-quadrado. O teste foi empregado para avaliar as possíveis diferenças entre a incidência de acantocéfalos nas diferentes espécies de Leontopithecus. Em se tratando de diferenças entre proporções de afetados ou do sexo, foi utilizado um teste para comparar as diferenças entre proporções z-test. O nível de significância adotado foi de a=0,05 (Zar, 1984). Os animais do táxon L. caissara não foram analisados estatisticamente, pois somente três espécimes foram estudados e todos negativos para Acanthocephala.
RESULTADOS
Os acantocéfalos foram identificados como pertencentes à família Oligacanthorynchidae, espécie Prosthenorchis elegans (Diesing, 1861) Travassos, 1915.
As informações dos exames anatomopatológicos e clínicos contidos nos protocolos de cada um dos micos-leões do período compreendido entre 1979 e 2001, da colônia do CPRJ-FEEMA indicaram a presença de parasitos intestinais - acantocéfalos que foram identificados como Prosthenorchis elegans, segundo Machado Filho (1950). Dos 454 indivíduos examinados, 14 (3,1%) apresentaram a parasitose que incluiam as espécies L. rosalia, L. chrysomelas e L. chrysopygus (Tab. 1). O número de espécimens de parasitos encontrados por animal variou de 2 a 32. (Fig. 1 e 2).
A prevalência foi independente da espécie (c²=1,940; G.L.=2; P=0,379).
As comparações entre as proporções de afetados levaram em conta o caráter sexo - macho ou fêmea e a origem - cativo ou de vida livre. Os valores obtidos de z e o nível de significância para as espécies L. rosalia (sexo: z=0,707, P=0,480; origem: z=0,707, P=0,480), L. chrysomelas (sexo: z=0,566, P=0,572, origem: z=0,638, P=0,523) e L.chrysopygus (sexo/origem: só machos e cativos na análise) não diferiram entre si.
O exame microscópico revelou na luz ou na parede dos intestinos múltiplos parasitos fixados (Fig. 3), que estavam associados a uma grave enterite ulcerativa, mostrando um rico infiltrado inflamatório misto difuso. Em torno dos helmintos fixados à camada muscular, observou-se uma reação inflamatória crônica fibrosa acompanhada de discreto infiltrado leucocitário. Freqüentemente a serosa adjacente mostrava-se invadida por mononucleares.
A perfuração nos intestinos foi observada macroscopicamente em L. rosalia e L. chrysomelas, representando 14,2% dos 14 casos estudados.
As alterações clínicas dos animais parasitados dependeram da severidade da infecção. Os animais apresentaram, em geral, pelame eriçado, apatia, inapetência, dores abdominais, diarréia, emagrecimento progressivo seguido de debilidade física, associada a complicações secundárias, dor e morte.
DISCUSSÃO
No gênero Leontopithecus, apenas em L. rosalia foi observada a presença de Prosthenorchis elegans (Dunn, 1963; Stunkard, 1965). Para L. chrysomelas e L. chrysopygus, até a presente data, esta constitui a primeira citação na literatura.
A ocorrência de P. elegans no trato intestinal constitui um achado preocupante, devido à ineficácia dos medicamentos até agora empregados, mesmo quando associados às boas técnicas de manejo e, principalmente, por se tratarem de espécies primatas seriamente ameaçadas de extinção.
Os micos-leões encontravam-se parasitados quando vieram a óbito, sendo quatro L. rosalia, quatro L. chrysomelas e dois L. chrysopygus. A presença desse parasita foi determinante para a morte dos animais, como fora observado em Callithrix geoffroyi por Pereira Leite (2002), em animais do Brasil, e por Arrojo (2002) no Peru.
Os vários graus de diarréia, anorexia, debilidade e morte foram também observados em Nasua narica (Chandler, 1953) Callithrix (Takos e Thomas,1958; Deinhardt et al. 1967), Saguinus (Nelson et al. 1966) e Saimiri (Arrojo, 2002).
Segundo Takos e Thomas (1958), Dunn (1963), Nelson et al. (1966) e King Jr. (1993), Prosthenorchis sp. é importante não apenas pela sua alta patogenicidade, mas também porque é hospedeiro intermediário da barata (Blatella germanica), que é encontrada nos criatórios de primatas e participa do ciclo dessa parasitose (Brumpt e Urbain, 1938; Graham, 1960).
Não existem muitos relatos de tratamentos medicamentosos eficazes contra estes parasitos, devendo-se dar toda ênfase ao controle dos hospedeiros intermediários, com o intuito de prevenir a ocorrência do parasitismo (Demidov et al., 1988; King Jr.,1993; Weber e Junge, 2000).
Em relação às perfurações intestinais, os registros na literatura são raros, nem sempre também estão relacionadas ao intenso parasitismo, porque hemorragias intestinais e até perfurações da parede podem ocorrer na presença de número muito baixo de parasitas no lúmen, enquanto, externamente, só se observam nódulos reacionais (Dunn,1963; Pereira Leite, 2002).
Vale ressaltar que os micos-leões de vida livre parasitados passaram por zoológicos, onde poderiam ter se infectado. O cativeiro é o locus onde há maior possibilidade de infecção de hospedeiros definitivos, devido à diversidade de espécies de primatas mantidas conjuntamente, associada ao manejo deficiente.
Em L. rosalia que vivia em habitat natural já foi diagnosticada P. elegans (Monteiro et al., 2003). A origem dessa parasitose pode estar relacionada à presença de espécies invasoras como Callithrix jacchus e C. penicillata ali introduzidas e resultantes do tráfico de animais que foram soltos de modo indiscriminado, sem triagem clínica apurada. Essa prática de controle é seguida no processo de repovoamento com os micos-leões dourados (Bush et al., 1993; Montali e Bush, 1999). Os resultados apresentados sugerem que esse parasitismo acomete principalmente os adultos de ambos os sexos, uma vez que não foi observado em animais impúberes.
Os achados desse parasitismo, bem como as lesões associadas são compatíveis com as observações de outros investigadores, reforçando a necessidade de se estabelecerem protocolos sanitários rígidos no manejo dos primatas da região neotropical. Levando-se em conta a possibilidade de epizootias, já ocorridas em vários países, são da maior importância o controle sanitário e a quarentena dos animais de zoológicos ou entidades com atividades semelhantes como os núcleos de criação.
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Arandas Rego da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), pela identificação dos acantocéfalos. A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Proc. Nº E-26/171.185/2004). Ao Greater Los Angeles Zoo Association (GLAZA) e ao IBAMA, pela constante cooperação no programa de reprodução de primatas do neotrópico.
Recebido em 19 de junho de 2006
Aceito em 5 de novembro de 2007
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Fev 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2007
Histórico
-
Recebido
19 Jun 2006 -
Aceito
05 Nov 2007