RESUMO
Dos atendimentos ortopédicos realizados em aves no HCV-UFRGS, 86% são fraturas, sendo aproximadamente 30% delas cominutivas com perda óssea expressiva, justificando a importância da utilização de enxertos em fraturas de aves. O objetivo deste trabalho foi avaliar dois aloenxertos e enxerto sintético de hidroxiapatita em defeito ósseo de galinhas. Utilizaram-se 30 galinhas separadas em três grupos: aloenxerto congelado em ultra-freezer (GUF), aloenxerto congelado em nitrogênio líquido (GNL) e enxerto sintético de hidroxiapatita deficiente em cálcio (GHA). Nos três grupos, os enxertos foram aplicados com placas e parafusos bloqueados de 2mm na ulna direita das aves, avaliando-se a evolução por meio de exames radiográficos até serem completados 90 dias de pós-operatório e o resultado final mediante exame histológico. A média e desvio-padrão relacionando o tempo de consolidação óssea radiográfica foi: GNL 61,67±21,79 dias (90% de consolidação), GUF 47,14±13,50 dias (70% de consolidação) e GHA 70±18,17 dias (60% de consolidação). Houve diferença significativa no tempo de consolidação óssea entre o GUF e o GHA. Histologicamente, os enxertos do GUF foram os que estavam em consolidação mais avançada. Os aloenxertos do GNL foram superiores no preenchimento de falha óssea ulnar de galinhas.
Palavras-chave: aves; ortopedia; nitrogênio líquido; placa bloqueada; consolidação óssea
ABSTRACT
Of the orthopedic visits performed on birds at HCV-UFRGS, 86% are fractures, and approximately 30% of them are comminuted with expressive bone loss, justifying the importance of the use of grafts in bird fractures. The objective of this work was to test two allografts and a synthetic HADC graft on finishing in Gallus gallus domesticus. 30 laying hens were used, divided in three groups: frozen allograft in ultrafreezer (UFG); frozen allograft in liquid nitrogen (LNG); calcium deficient synthetic hydroxyapatite graft (HAG). The three graft groups were exposed to serial radiographs until the 90 postoperative days, as well as the histological examination at the end of the experiment were: LNG 61.67±21.79 days (90% consolidation), UFG 47.14±13.50 days (70% consolidation) and HAG 70±18.17 days (60% consolidation). There was a significant difference in bone healing time between GUF and GHA. Histologically, GUF grafts were the ones that were in the most advanced consolidation. LNG allografts were superior in filling ulnar bone failure of fowl.
Keywords: chickens; orthopedics; liquid nitrogen; lock plate; bone healing
INTRODUÇÃO
As fraturas podem representar até 70,3% de todos os atendimentos realizados na clínica de aves, e as principais causas são por obstáculos impostos pelo homem, como fios elétricos e telefônicos, vidros, espelhos, varais e grades. Tunio et al. (2015) observaram que as fraturas com grandes perdas ósseas são os maiores problemas na clínica de aves. Na correção das fraturas em aves, os princípios ortopédicos básicos também se aplicam, como fixação rígida, alinhamento anatômico, retorno precoce à função e mínima manipulação dos tecidos (Helmer e Redig, 2006).
A presença de ossos pneumáticos onde as corticais são mais finas e frágeis, com pouco osso esponjoso, dificulta a estabilização com implantes. A baixa cobertura de tecidos moles aumenta a incidência de fraturas expostas, o que causa danos aos nervos e ao aporte sanguíneo na região da fratura (Helmer e Redig, 2006). A utilização de enxertia óssea é técnica consagrada em veterinária, porém, em aves, existem algumas limitações importantes, como a dificuldade de se obter enxerto autógeno (Sanaei et al., 2015). O material que pode ser utilizado como enxerto ósseo alógeno necessita ser inerte para não gerar reações inflamatórias indesejadas, não causar modificações físicas no tecido e não provocar rejeição. Também é preciso obter material na quantidade e na forma necessária para preencher o defeito ósseo. Além disso, o aloenxerto deve fornecer resistência mecânica, ter preparo simples, baixo custo, fácil estocagem e transporte (Barboza et al., 2012; Maccoy e Haschuck, 1988).
O ultra-freezer é um método consagrado de inativação e estocagem de enxertos, pois apresenta temperatura de -80 graus Celsius. Possui controle de temperatura, alarme (quando ocorrem oscilações bruscas de temperatura) e normalmente é ligado ao gerador do hospital para eventuais quedas de energia. Em condições ideais e em temperatura constante, os tecidos podem ficar estocados por um período de até cinco anos, de acordo com as normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da AATB (American Association of Tissue Banks) (Alencar e Vieira, 2010). A utilização do nitrogênio líquido promove o congelamento rápido, formando o gelo intracelular, que impede a água de sair da célula e de manter o equilíbrio osmótico, provocando, assim, morte celular. O nitrogênio líquido foi utilizado para a desvitalização cirúrgica de aloenxertos corticais em ovinos e apresentou ótimos resultados em relação à taxa de incorporação do enxerto (Albuquerque et al., 2015).
Cimentos à base de fosfatos de cálcio têm sido utilizados como enxertos ósseos com percentual de sucesso grande. Atualmente, o fosfato tricálcico é um dos fosfatos de cálcio mais utilizados como biomaterial devido à sua biocompatibilidade, bioatividade in vivo, biorreabsorbilidade e osteocondutividade (Eslaminejad et al., 2013; Leucht et al., 2013; Stefanic et al., 2013).
O alfafosfato tricálcico (α-TCP) é de especial interesse, porque ele se modifica rapidamente pela ação do pH do tecido vivo, transformando-se em hidroxiapatita deficiente em cálcio (HADC), similar à hidroxiapatita óssea. Assim, a HADC favorece o crescimento ósseo no local, estabelecendo ligações de natureza química com o tecido ósseo. O fosfato de cálcio é um substituto ósseo muito utilizado na engenharia de tecidos, devido à sua similaridade química com a parte mineral dos ossos (Dorozhkin, 2011; Bhatt e Rozental, 2012) e à excelente biocompatibilidade, caracterizada por osteocondutividade (Yuan e Groot, 2005). Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo comparar os enxertos alógenos conservados em ultra-freezer, em nitrogênio líquido, e o enxerto sintético de HADC, no tratamento de falha óssea segmentar diafisária em ulna de galinhas domésticas.
MATERIAL E MÉTODOS
O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) da UFRGS, sob número 32155. Foram utilizadas 30 galinhas domésticas da raça Leghorn, adultas, com 130 dias de idade, adquiridas de aviário comercial. Elas foram separadas aleatoriamente em três grupos, com 10 aves em cada: no grupo há, foi utilizado enxerto sintético de HADC; no grupo NL, utilizou-se enxerto alógeno inativado em nitrogênio líquido a -195ºC; e, no grupo UF, foi usado enxerto alógeno inativado em ultra-freezer a -80ºC.
No GHA, o enxerto sintético de HADC foi fornecido pelo Laboratório de Engenharia de Biomateriais da UFRGS, tendo sido confeccionado em formato cilíndrico, maciço, pouco poroso e com dimensões de 20mm por 7mm. Para aplicar o enxerto de HADC, foi necessário confeccionar dois orifícios fixados com parafusos no centro da placa, sendo empacotado e esterilizado em autoclave. No GNL, os aloenxertos foram obtidos de asas de frangos de corte resfriadas e adquiridos em supermercado com inspeção dos órgãos de fiscalização agropecuária. As asas eram acondicionadas em caixa térmica e trazidas até o Bloco Cirúrgico da Faculdade de Veterinária.
Na sequência, eram lavadas em água corrente, secadas e submetidas à antissepsia com clorexidina 2%. A ulna era acessada cirurgicamente, por meio de incisão lateral, afastando os músculos carpo ulnar, flexor digital profundo e pronador superficial. Com a diáfise ulnar exposta e com auxílio do bisturi ultrassônico, era realizada ostectomia de 20mm de comprimento. Imediatamente após, o segmento ósseo removido (aloenxerto) era submerso em nitrogênio líquido (-195ºC) por 15 minutos, descongelado em temperatura ambiente por 10 minutos e submerso em solução fisiológica estéril por mais 10 minutos, adaptado da metodologia de Albuquerque et al. (2015).
No GUF, as ulnas eram obtidas da mesma forma que no GNL, entretanto, após coletados, foram depositadas individualmente em dois sacos plásticos vedáveis (um dentro do outro) e, em seguida, levadas ao ultra-freezer, sendo mantidas congeladas por, no mínimo, duas semanas, a -80ºC (Alencar e Vieira, 2010). No dia da sua utilização, foi realizado descongelamento, durante 10 minutos, em solução fisiológica estéril. Após duas semanas de adaptação e aclimatização, as aves passaram por avaliações pré-cirúrgicas, como análise sanguínea, perfil bioquímico e avaliação clínica, sendo excluídas se houvesse alguma alteração. As aves foram anestesiadas por meio de circuito aberto (Baraka), mantidas intubadas com isoflurano e oxigênio a 100%. Em seguida, as penas da região a ser operada foram removidas, e o local foi submetido à antissepsia com solução de clorexidina 2%. O antibiótico pré-operatório empregado foi enrofloxacina, na dose de 5mg/kg/IM.
A diáfise ulnar direita foi acessada por meio de incisão lateral, afastando-se os músculos carpo ulnar, flexor digital profundo e pronador superficial com dois afastadores de Farabeuf. Com auxílio de bisturi ultrassônico, foi retirado segmento ósseo com 20mm de comprimento da região diafisária da ulna. Esse defeito produzido foi preenchido com um dos três tipos de enxertos disponíveis após sorteio. Independentemente do grupo, a ulna foi estabilizada com placa bloqueada com oito furos, e os parafusos bloqueados (2mm) foram fixados da seguinte forma: dois parafusos na porção proximal (12mm), dois no enxerto cortical (10mm) e os dois últimos na porção distal da ulna (10mm), totalizando seis parafusos bloqueados. Restaram dois orifícios vazios na placa, um em cada região de contato entre o osso/enxerto. Em seguida, fez-se a redução do espaço morto com sutura isolada em sultan com mononáilon nº 4-0 e dermorrafia com padrão isolado simples com mononáilon nº 4-0.
No pós-operatório (PO), foi administrado meloxicam (0,5mg/kg/SID/SC/3dias), cloridrato de tramadol (15mg/kg/BID/SC/3dias) e enrofloxacina (5mg/kg/SID/IM/7dias). A limpeza da ferida cirúrgica foi realizada com NaCl 0,9% e gaze, a cada 24 horas, durante 10 dias, período necessário para a retirada dos pontos. Nos primeiros sete dias de PO, a asa operada foi mantida imobilizada com uma atadura elástica em “oito”. Durante todo o experimento, foi registrado, em ficha individual, se os pacientes estavam se alimentando, tomando água, defecando, se estavam movimentando a asa operada, se apresentavam algum sinal de dor ou desconforto, se apresentavam aumento de volume (inflamação), necrose ou sínus no local da cirurgia, se existia mobilidade na região da osteossíntese e se o posicionamento da asa estava correto.
Logo após o procedimento cirúrgico, os animais foram submetidos a exame radiográfico em dois planos (dorsoventral e laterolateral) da região operada. Esse exame foi repetido a cada 15 dias, até os 90 dias de PO. Todos os exames radiográficos foram feitos no Setor de Diagnóstico por Imagem do HCV-UFRGS e no mesmo aparelho de raios X computadorizado, com carga padrão. Foi avaliado o posicionamento dos implantes, observando-se se havia soltura ou quebra de parafusos, e/ou deformação da placa ou quebra do enxerto. A análise da consolidação radiográfica foi realizada utilizando-se as informações constantes na Tab. 1.
Aos 90 dias de PO, os animais foram submetidos à eutanásia com tiopental (50mg/kg/IV) e cloreto de potássio, respeitando-se as diretrizes da prática de eutanásia do Concea e do CFMV. Após o procedimento, as asas foram dissecadas e as ulnas foram removidas e radiografadas com e sem os implantes. Em seguida, foram encaminhadas três amostras de cada grupo ao Setor de Patologia Veterinária da UFRGS. Lá foram fixadas em formol tamponado a 10%, por um período mínimo de 72 horas; logo após, foram descalcificadas em solução de ácido nítrico a 10% e processadas pela técnica rotineira de inclusão em parafina. Os cortes histológicos tiveram a espessura de 5 micras e foram corados pela técnica de hematoxilina e eosina (HE).
As informações quantitativas foram tabuladas no programa Excel para análise estatística. As variáveis quantitativas foram descritas pela média e desvio-padrão, quando simétricas. Foram descritas as variáveis categóricas pela frequência e pelo percentual. Para comparação de variáveis quantitativas, utilizou-se o teste de Análise de Variância (ANOVA), conforme distribuição da variável, e o teste-T, para variâncias diferentes entre duas amostras. Foi considerado 5% o nível de significância estatística.
Aparência radiográfica da interface enxerto/osso proximal e distal com escore de pontos em ulna direita de galinhas domésticas. Baseada na tabela de Ehrhart et al. (2005)
RESULTADOS
O tempo médio e desvio-padrão dos procedimentos cirúrgicos foi de 42,34±9,86 minutos. Além desse período, no GNL acresciam-se 50 minutos, em virtude das etapas de desvitalização do enxerto. O GNL apresentou taxa de consolidação radiográfica das interfaces de 90%, enquanto o GUF de 70% e o GHA de 60%. A média e desvio-padrão em relação ao tempo de consolidação óssea radiográfica foi de 61,67±21,79 dias no GNL, 47,14±13,50 dias no GUF e 70±18,17 dias no GHA. Houve diferença significativa no tempo de consolidação óssea entre o GUF e o GHA. Em três aves do GUF e em uma do GNL, foi verificada reabsorção dos aloenxertos e, em duas do GHA, não houve pega do enxerto.
Radiograficamente o GNL e o GUF tiveram um processo de consolidação muito semelhante, com maior radioluscência na região do enxerto quando comparada às extremidades ósseas do receptor. Já no GHA, era observada, com maior clareza, a região do enxerto, dada a sua maior radiopacidade quando comparada ao osso do receptor (Fig. 1A - F). Radiograficamente o GUF apresentou consolidação óssea mais precoce, visto que dois animais tiveram consolidação com 30 dias de PO.
Histologicamente os enxertos do GNL apresentaram moderada formação de trabéculas ósseas, moderada quantidade de osteoblastos e discreto osteoclastos, além de moderada quantidade de matriz osteoide e tecido conjuntivo fibroso focal acentuado (Fig. 2A). No GHA não foi observada histologicamente deposição de células ósseas ao redor do enxerto, apenas nas extremidades com o osso do receptor, sendo o grupo com menor atividade celular. Foi identificado envolvimento parcial do enxerto sintético (material acelular fracamente eosinofílico), discreta formação de trabéculas ósseas, discreta quantidade de osteoblastos e osteoclastos, além de discreta quantidade de matriz osteoide e tecido conjuntivo fibroso discreto adjacente ao periósteo (Fig. 2B).
Histologicamente os enxertos do GUF foram os que estavam em consolidação mais avançada, apresentando remodelação óssea com acentuada formação de trabéculas, numerosos osteoblastos, acentuada quantidade de matriz osteoide e moderada quantidade de osteoclastos (Fig. 2C - D). Nos três grupos, houve junção do enxerto com a ulna dos receptores, tanto radiográfica como histologicamente.
Aspecto da consolidação radiográfica dos enxertos da ulna operada à esquerda, junto com a ulna contralateral (íntegra) à direita, em galinhas domésticas, com 90 dias de pós-operatório. A - B, grupo NL; C - D, grupo UF; e E - F, grupo HA.
Avaliação histológica dos enxertos aplicados em ulna direita de galinhas domésticas, após 90 dias da cirurgia. Em A, transição enxerto/osso GNL (seta preta); em B, transição enxerto/osso GHA (seta preta); em C, transição enxerto/osso GUF (seta preta); em D, osteoclasto do GUF (seta preta).
Os animais operados apresentaram pequena queda na alimentação, na ingestão de água, na produção de ovos e na movimentação nos primeiros três dias de PO. A bandagem em “oito” foi adequada para restringir o movimento da asa durante a sua permanência, entretanto houve a necessidade de substituição em alguns animais. A tabela radiográfica auxiliou para se avaliar a evolução dos grupos, apresentando dados precisos, com intervalos de 15 dias até o fim do experimento. A utilização de escores para indicar a consolidação ou a reabsorção do enxerto ajudou bastante para se observar atividade nas porções enxerto/osso para, depois, transformar-se em dias e aplicar-se a análise estatística do trabalho.
DISCUSSÃO
A enxertia óssea é técnica consagrada em veterinária, porém em aves é recente e são encontradas limitações, como a dificuldade de se obter enxerto autógeno (Sanaei et al., 2015). Por isso, a utilização de aloenxertos ou enxertos sintéticos pode ser solução para tratamento de lesões com perdas ósseas em aves, pois disponibiliza enxerto de tamanho, formato e volume adequados, sem causar lesão pela coleta.
O material utilizado como enxerto ósseo alógeno precisa ser inerte, não causar modificações físicas no tecido e não provocar rejeição. Ainda, necessita possuir forma e volume suficientes para preencher o defeito ósseo, além de fornecer resistência mecânica, ter preparo simples, baixo custo e fácil estocagem e transporte (Barboza et al., 2012). Em todos esses quesitos, os aloenxertos do GNL foram os que mais se destacaram devido à facilidade de aquisição (ave comercial), ao processamento e à aplicação no dia da coleta, além de ter baixo custo, não precisar de local para estocagem e ainda obter altas taxas de consolidação óssea.
Fosfato tricálcico e hidroxiapatita têm atraído interesse como substitutos ósseos por serem mais biocompatíveis que muitas outras biocerâmicas e partículas inorgânicas e por terem faixa de relação cálcio e fósforo (Ca/P) muito próxima aos ossos, tornando-se mais aplicáveis na enxertia óssea (Bose e Tarafder, 2012). Por esse motivo, no GHA foi utilizado o HADC, porém este apresentou consolidação óssea em apenas 60% das interfaces no exame radiográfico. Neste grupo, histologicamente foi observado o processo de consolidação em estágio menos avançado (presença de fibrose e discretos osteoblastos e osteoclastos), o que pode estar relacionado ao fato de o enxerto ser maciço, sem canal medular e pouco poroso, dificultando e deposição de células envolvidas na consolidação óssea nesse enxerto.
Eslaminejad et al. (2013), Leucht et al. (2013) e Stefanic et al. (2013) comentaram que, atualmente, o fosfato tricálcico é um dos fosfatos que se bioconvertem em HADC e que podem ser utilizados como biomateriais devido à alta biocompatibilidade, bioatividade in vivo, biorreabsorbilidade e osteocondutividade. Neste trabalho não foi observada bioatividade nem biorreabsorbilidade, visto que não houve incorporação do enxerto nem deposição de células ósseas em torno dele, apenas se observou a pega do enxerto nas suas extremidades. Tais fatos podem estar relacionados com o curto período de observação (90 dias) dado ao fato de o enxerto ser maciço, pouco poroso e sem canal medular, o que dificultou a fixação das células envolvidas na consolidação óssea, fato que corrobora Leucht et al. (2013), que afirmaram que a remodelação com integração do enxerto sintético pode levar até anos para que ocorra completamente.
Fossum (2013) afirmou que quanto mais tempo a equipe cirúrgica ficar paramentada, maiores são os ricos de contaminação, deixando, assim, o paciente mais suscetível à infecção. No GNL a equipe cirúrgica precisou ficar mais tempo paramentada antes de começar o procedimento cirúrgico, devido à preparação do aloenxerto, mas, apesar disso, não foram verificados, em nenhum animal, sinais de infecção, o que demonstra que o tempo de paramentação não influenciou no resultado desse grupo.
O preparo dos enxertos do GUF foi realizado duas semanas antes da cirurgia para inativar o aloenxerto, o que, além de demandar mais custos com a manutenção dos enxertos, implica a necessidade de mobilização de uma equipe cirúrgica para a retirada e preparação dos enxertos. Tudo isso torna o procedimento mais complexo e oneroso, fato corroborado por Alencar e Vieira (2010), que demonstraram que a manutenção de banco de ossos é onerosa e contínua, pois os enxertos têm prazo de validade, além de haver o processo de preparação dos enxertos até a aplicação no paciente, que são períodos críticos e passíveis de contaminação.
Conforme Bose e Tarafder (2012), as partículas inorgânicas das biocerâmicas têm relação cálcio e fósforo muito próxima aos ossos, o que acaba deixando o enxerto com alta dureza, tornando os ossos mais quebradiços. Esse fato foi verificado no GHA tanto no momento da perfuração para a inserção dos parafusos como no momento da remoção desses para a realização das radiografias post mortem.
Histológica e radiograficamente, os enxertos do GUF estavam em consolidação mais avançada, apresentando remodelação óssea com a presença moderada de osteoclastos, resultado que concorda com Alencar e Vieira (2010), que citaram que a técnica de congelamento de aloenxertos em ultra-freezer está consagrada desde a década de 70 em humanos, com resultados bons tanto para enxertos ósseos quanto para enxertos de tecidos moles, como tendões, meniscos, etc.
Em três aves do GUF e em uma do GNL, houve reabsorção dos aloenxertos. Segundo Maccoy e Haschuck (1988), isso pode estar relacionado a reações inflamatórias e à técnica de osteossíntese, que não contribuem para que ocorra a fixação do enxerto com o osso, fato não verificado no presente trabalho, visto que foram utilizadas placas e parafusos bloqueados, que são implantes modernos e com indicação para esses tipos de casos. Ainda, Helmer e Redig (2006) afirmaram que a baixa cobertura de tecidos moles pode provocar danos aos nervos e ao suprimento sanguíneo no acesso cirúrgico ou pela própria fratura, que é mais complexa, devido ao fato de as características dos ossos pneumáticos terem as corticais mais finas e frágeis com pouco osso esponjoso.
CONCLUSÃO
Nos três grupos, houve a consolidação óssea, ocorrendo a incorporação do enxerto à ulna receptora, sendo histológica e radiograficamente viável a utilização desses enxertos em aves. Os aloenxertos confeccionados a partir de peças resfriadas de supermercado foram viáveis para a sua obtenção e implantação. Os enxertos do GNL mostraram-se superiores na maioria dos quesitos, sendo a primeira opção de enxertia em aves fraturadas com perdas ósseas importantes.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Abr 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Feb 2020
Histórico
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Recebido
02 Jul 2018 -
Aceito
23 Jan 2019