RESUMO
O presente estudo avaliou o perfil mineral de Cálcio (Ca), Cobre (Cu) e Zinco (Zn) no estojo córneo pré e pós-desmame e sua associação com pigmentação, gênero e idade de potros da raça Crioula criados em pastagens nativas no Rio Grande do Sul. Foram coletadas amostras do casco de potros da raça Crioula 41 dias pré e 28 dias pós-desmame. Os teores de Ca, Cu e Zn variaram no casco fetal (571,0±39,4; 14,5±7,6 e 130,0±30,5mg/kg, respectivamente; P<0,05) e no definitivo (653,0±169,2; 33,8±11,5 e 69,3±36,8mg/kg, respectivamente; P<0,05), no pré (620,0±184; 17,2±21,2 e 103,0±75,5mg/kg, respectivamente; P<0,05) e no pós-desmame (517,5±181; 0 e 79,0±41,7mg/kg, respectivamente; P<0,05). Houve associação positiva (P<0,05) com a faixa etária no pré-desmame para Ca (r=0,5) e Cu (r=0,57), e negativa para Zn (r=-0,69; P<0,05). No pós-desmame, houve associação positiva (P<0,05) para Ca (r=0,36) e Zn (r=0,64) e negativa para Cu (r=-0,39; P<0,05). Tanto a pigmentação quanto o gênero não afetaram o perfil mineral. Conclui-se que há diferenças nas concentrações de Ca, Cu e Zn na epiderme do casco de potros da raça Crioula no pré e pós-desmame, independentemente da pigmentação e do gênero, onde as concentrações de Ca e Cu aumentam com a idade, enquanto as de Zn diminuem.
Palavras-chave: casco; epiderme; equino; estojo córneo; metabolismo
ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the mineral profile of Ca, Cu and Zn in the hoof horny capsule at pre and post-weaning and its association with pigmentation, gender and age range of Crioulo foals raised in native pastures in RS. Samples were collected from the epidermis of the Crioulo foal's hoof at two times, 41 pre and 28 post-weaning. The contents of Ca, Cu, Zn Varied in the fetal hoof ( 571.0±139.4, 14.5±7.6 and 130.0±30.5mg/kg, respectively, P<0.05) and definitive (653.0±169.2, 33.8±11.5 and 69.3±36.8mg/kg, respectively, P<0.05), in the pre (620.0±184, 17.2±21.2 and103.0±75.5mg/kg, respectively, P<0.05) and post-weaning (517.5±181, 0.1 and 79.0±41.7mg/kg, respectively, P<0.05).There was a positive association (P<0.05) with a preweaning age for Ca (r=0.5) and Cu (r=0.57) and negative for Zn (r=-0.69, P<0.05). In the post weaning there was a positive association (P<0.05) for Ca (r=0.36) and Zn (r=0.64) and negative for Cu (r=-0.39; P<0.05). Neither pigmentation nor gender affected the mineral profile. It is concluded that there are differences in Ca, Cu, Zn concentrations in the epidermis of foals of the crioulo breed at the pre and post weaning, regardless of pigmentation and sex, where Ca and Cu concentrations increase with age, while Zn concentrations decrease.
Keywords: hoof; epidermis; equine; hoof horny capsule; metabolism
INTRODUÇÃO
A formação e a resistência do estojo córneo do casco de potros está intimamente relacionada com sua composição química e as condições nutricionais recebidas pela égua durante os períodos gestacional e lactacional (Winkler e Margerison, 2012), além da genética, do regime de criação, da estação do ano e da composição química do solo. Em torno de 65 dias de gestação, os cascos do feto equino já podem ser observados radiograficamente no útero da mãe (Curtis, 2017). Após o nascimento, inicia-se um período de quatro meses de crescimento intenso do casco (Souza et al., 2017), sendo possível observar um anel ou linha de crescimento que circunda toda a muralha, demarcando o desenvolvimento de um casco definitivo, o qual substituirá o casco fetal (Curtis et al., 2014).
Desde o nascimento, as diferenças de pigmentações são observadas no estojo córneo do casco desses indivíduos e variações foram reportadas em alguns estudos quanto às concentrações de minerais de Ca, Cu e Zn em equinos das raças Pantaneira, Mangalarga Marchador (Faria et al., 2005) e Campeiro (Mendes et al., 2017 ).
Dessa forma, a epiderme, por ser um tecido avascular, é nutrida por difusão e diferença de gradiente de concentração através da derme, tecido altamente vascularizado e inervado, localizado imediatamente abaixo dela (Sisson, 1986; Tomlinson et al., 2004). Acredita-se que a concentração mineral esteja intimamente associada à integridade e qualidade da epiderme queratinizada (Ballantine et al., 2002), ou seja, a qualidade do tecido queratinizado da epiderme depende da nutrição (Mülling et al., 1999). Os elementos minerais são essenciais para o metabolismo do organismo e são cofatores para diversas enzimas que atuam em processos catalíticos (Cintra, 2016), pois caracterizam-se por serem substâncias inorgânicas que compõem os alimentos estando divididas em dois grupos: macrominerais, aqueles necessários em concentrações relativamente altas (g por dia); e os microminerais, que são imprescindíveis em pequenas concentrações (mg por dia).
Assim, alguns minerais desempenham papel fundamental na nutrição do casco, como o cálcio (Ca2+, macromineral), que regula os processos de queratinização e cornificação dos queratinócitos por meio da regulação das transglutaminases, enzimas que são ativadas no final do processo de queratinização, na transição entre o estrato granuloso e o córneo. Também são responsáveis pela reticulação dos filamentos de queratina com proteínas para formação do envelope córneo, reforçando o citoesqueleto dos queratinócitos (Bragulla e Homberger, 2007).
Já o cobre (Cu2+) tem relevante função catalítica como cofator do citocromo C oxidase, enzima terminal da cadeia transportadora de elétrons, apresentando relação direta com a respiração e a fosforilação oxidativa celular. O cobre é componente do complexo Cu/Zn superóxido desmutase, uma importante enzima que previne a oxidação dos lipídios da substância cementante intercelular do tecido queratinizado (Van Riet et al., 2013).
Outro nutriente essencial à queratinização é o zinco (Zn3+, micromineral) (Mülling et al., 1999; Smart e Cymbaluk, 1997). Estruturalmente o Zn é indispensável, pois é cofator dos Zinc Fingers, proteínas que utilizam o zinco para estabilização de suas estruturas e que têm relação direta com a síntese proteica necessária à formação dos filamentos de queratina (Van Riet et al., 2013). Esse micromineral catalisa diversas enzimas participantes do processo de queratinização, como a RNA polimerase, a fosfatase alcalina, o álcool desidrogenase.(Tomlinson et al., 2004). Além disso regula a proteína quinase C para a geração de energia, atua na calmodulina, responsável pelo transporte do Ca, e, indiretamente, participa da atividade das transglutaminases que fazem parte da composição da enzima superóxido desmutase, conforme supracitado (Van Riet et al., 2013).
Baseado na hipótese de que há variação nas concentrações dos minerais na epiderme do casco de potros pertencentes à raça Crioula, criados em pastagens nativas, o presente estudo avaliou o perfil dos minerais Ca, Cu e Zn na epiderme dos cascos fetais e definitivos, pré e pós-desmame, analisando as diferenças na composição química quanto às características de pigmentação e sua associação com gênero e faixa etária dos potros pertencentes à raça Crioula.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Bem-Estar (Ceea) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob o nº 101973/2017. Quarenta e um potros da raça Crioula, nascidos de setembro a janeiro, nas estações de primavera/verão, foram selecionados de cinco (5) criatórios localizados em municípios distintos no Rio Grande do Sul, Brasil (Capão do Leão, Jaguarão, Arroio Grande, Dilermando de Aguiar e Santa Maria). Os potros foram mantidos com as éguas em pastagens naturais, compostas por, principalmente, Paspalum notatum (grama-forquilha), Desmodium incanum (pega-pega), Axonopus compressus (grama-tapete) Paspalum dilatatum (capim-melador) e Cynodon dactylon (grama-bermudas), com acesso ad libitum a água.
O estudo foi realizado no período de dezembro de 2017 a novembro de 2018 e consistiu em dois momentos de coleta (pré e pós-desmame). No pré-desmame, utilizou-se 41 potros (16 machos e 25 fêmeas) do nascimento aos 186 dias de vida, nas estações verão e outono. No pós-desmame, foram utilizados 28 potros (já avaliados no pré-desmame), com idade entre 280 e 364 dias de vida, a partir de 60 dias após o desmame. A redução no número de animais utilizados no estudo durante o período de pós-desmame ocorreu por óbito ou comercialização.
Antes da coleta, os cascos foram lavados com detergente isento de minerais e secos com álcool absoluto. As amostras da epiderme do casco dos potros da raça Crioula foram coletadas na face dorsoproximal de ambos os membros anteriores, por intermédio de uma grosa (Nicholson©, 14” 350mm), e foram obtidas, pelo menos, dois gramas (2g) de farelo da muralha do casco. Para essa coleta, foi descartada a porção superficial do casco, a fim de evitar contaminação de minerais do ambiente. Posteriormente, as amostras foram acondicionadas em tubos de polipropileno tipo Falcon de 50ml, devidamente identificados e lacrados.
Os teores de cálcio, cobre e zinco foram determinados pelo método utilizado no Exercício Colaborativo CRM-Agro (2016) para validação de Materiais de Referência Certificados, de acordo com as normas do Inmetro. No entanto, algumas adaptações foram necessárias para melhor decomposição das amostras. Assim, foi realizada a coleta de aproximadamente 250mg de amostra da epiderme do casco diretamente em tubos de borosilicato. Logo, adicionaram-se 5,0mL de HNO3 65% v/v bidestilado, acoplou-se o sistema de refluxo aos tubos, conforme descrito por Oreste et al. (2013). Após esse procedimento, as amostras foram colocadas em bloco digestor a 150°C, por duas horas.
Passado esse período, as amostras apresentavam uma coloração intensa, característica da decomposição da amostra. Para deixar a solução mais límpida, após esfriar, adicionou-se 1,0mL de H2O2 30% v/v, e ela foi levada ao bloco digestor por mais 30 minutos, na mesma temperatura. Posteriormente, as amostras foram transferidas para frascos de polipropileno e aferidas a 20mL com água desionizada. Os elementos Ca, Cu e Zn foram quantificados pela técnica de espectrometria de absorção atômica em chama (F AAS), modelo AAnalyst 200 (Perkin Elmer, Singapura), equipado com lâmpadas de cátodo oco para cada analito (Lumina, Perkin Elmer) e uma lâmpada de arco de deutério como corretor de fundo, exceto para análise de Ca.
As soluções padrão utilizadas na calibração instrumental foram obtidas de suas respectivas soluções estoque de 1000mg/L, para Ca e Cu, e de 10000mg/L, para Zn, preparadas em meio de HNO3. Para a determinação de Ca por F AAS, uma solução de cloreto de césio 1% (m/v) e cloreto de lantânio 10% (m/v) foi adicionada às amostras como supressor de ionização e formação de óxidos, respectivamente, em que se obteve o limite de detecção (LD) para Ca de 0,048mg/L, para Cu de 0,012mg/L e para Zn de 0,0045mg/L.
A composição química do casco no tempo, desde o nascimento até a troca do casco fetal ou cápsula decídua (Curtis et al., 2014, 2017), foi determinada levando-se em consideração a localização da linha de crescimento fetal (Fig. 1) em relação à coroa do casco. Foram considerados três estágios de avaliação de estojo córneo (Fig. 2), sendo o primeiro quando a linha se distanciava até 2,3cm da coroa do casco (Fig. 2; A), em potros com idade até 47 dias; o segundo estágio, com a presença da linha ocupando mais de 2,3 a 4,6cm (Fig. 2; B), com idade acima de 47 dias até 126 dias de vida; e o terceiro estágio, com a linha distanciada em mais de 4,6cm da coroa do casco (Fig. 2; C), com os potros apresentando idade acima de 126 dias até em torno de 186 dias de vida.
Localização da linha de crescimento fetal ou cápsula decídua em relação à coroa do casco de potro da raça Crioula com 66 dias. Em (1) coroa e em (2) linha de crescimento fetal.
Cascos de potros da raça Crioula desde o nascimento até a troca do casco fetal, levando-se em consideração estágio da linha de crescimento fetal. Linha de crescimento fetal no 1º estágio (A); linha de crescimento fetal no 2º estágio (B); linha de crescimento fetal no 3º estágio (C); CD= casco definitivo; CF= casco fetal
Para análise da coloração dos cascos, utilizou-se como metodologia a observação visual da pigmentação do casco, sendo consideradas três (3) cores: preto (Fig. 3; A), branco (Fig. 3; B) e misto (cascos que continham as duas cores e rajados) (Fig. 3; C).
Inicialmente, as variáveis quantitativas foram submetidas a testes de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Depois de verificada ausência na distribuição normal, as comparações dos teores de Ca, Cu e Zn entre cascos fetal e definitivo e o gênero foram feitas por meio de testes de Mann-Whitney. As comparações dos teores com os diferentes tipos de pigmentação (branco, preto e misto) e entre os estágios de desenvolvimento do casco foram feitas por meio de testes de Kruskal-Wallis, seguidas da comparação múltipla por meio de testes de Dunn. Já as relações entre os teores dos nutrientes e a idade (dias) foram determinadas por meio do teste de correlação de Spearman. Todas as análises foram realizadas no software SPSS 20.0, considerando-se um nível mínimo de confiança de 95% (P<0,05).
Pigmentação de cascos de potros da raça Crioula. Casco preto (A); casco branco (B); casco misto (C).
RESULTADOS
Variações ocorreram nas concentrações minerais do Ca, Cu e Zn entre o casco fetal e o definitivo (P<0,05) (Tab. 1), sendo as concentrações de Ca e Cu no casco fetal inferiores (P<0,05) às concentrações na epiderme do casco definitivo. Resultado inverso foi verificado para as concentrações de Zn.
A composição química da epiderme do casco variou com o estágio de desenvolvimento dos cascos dos potros, desde o nascimento até a troca do casco fetal para o casco definitivo (P<0,05; Tab. 2). A concentração de Ca e Cu foi semelhante quando a linha de crescimento estava localizada no primeiro e segundo terços do casco, mas diferenças foram registradas quando ela atingiu seu terço inferior. Já as concentrações de Zn variaram entre as três diferentes fases de desenvolvimento dos cascos dos potros da raça Crioula (P<0,05; Tab. 2).
Variações ocorreram na composição mineral de Ca e Cu da epiderme do casco nos períodos pré e pós-desmame (P<0,05; Tab. 3), estando, no pós-desmame, as concentrações do micromineral Cu reduzidas. Já o Zn não variou entre os períodos estudados (Tab. 3).
As concentrações de microminerais na epiderme do casco de potros da raça Crioula de pigmentação distinta, durante as fases fetal e definitiva, foram semelhantes (P>0,05), não havendo diferença também entre gêneros (P>0,05). Foram significativos os coeficientes de correlação entre a idade dos potros e a composição química mineral do estojo córneo (P<0,05). Podem-se verificar coeficientes positivos para Ca e Cu (r= 0,50 e r= 0,57, respectivamente, P<0,05) e negativo para Zn (r= -0,69; P<0,05), ou seja, os teores de Ca e Cu aumentaram com o desenvolvimento dos potros durante o período lactacional, enquanto os teores de Zn reduziram com a idade.
Durante período pós-lactacional, destaca-se a correlação negativa do mineral Cu. Nesse período pós-desmame, Ca e Zn apresentaram correlação positiva (r= 0,36e r= 0,64, respectivamente, P<0,05), enquanto os teores de Cu (r= -0,39; P<0,05) diminuíram conforme os potros foram se desenvolvendo.
DISCUSSÃO
O conhecimento das concentrações e da variabilidade desses minerais, responsáveis pela formação da epiderme do casco de equinos, mais precisamente potros da raça Crioula criados em sistema extensivo durante e após seu período lactacional, pode fornecer importantes subsídios na fundamentação do uso de suplementos e auxiliar no manejo nutricional desses animais durante o crescimento.
Neste estudo, pôde-se inferir que ocorreu variabilidade nas concentrações dos minerais na epiderme do casco definitivo, em relação ao fetal (Tab. 1). Trata-se de informações relevantes e desconhecidas até o atual momento e que provavelmente estejam vinculadas à variação na disponibilidade de micronutrientes nas fontes nutricionais, que foram distintas entre os períodos durante a lactação e pós-lactacional.
Ao nascimento, o potro deixou de ser nutrido via placenta e passou a receber como principal fonte de alimentação o leite materno somado ao consumo de volumoso (campo nativo) nos meses subsequentes. Essas variações denotam a importância do equilíbrio nutricional desses indivíduos em desenvolvimento, que, se expostos a condições inadequadas, caracterizam possibilidade de falhas na formação estrutural do estojo córneo precocemente, com implicações na performance, injúrias e claudicações, quando esses animais se tornarem adultos e atletas. Esses problemas foram identificados por Barbosa et al. (2016), que, apesar de terem realizado estudo em vacas leiteiras, associaram variabilidade na composição química da epiderme dos cascos de vacas lactantes com incidência de claudicação.
Considerando-se o NRC (Nutrientes..., 2007) para equinos, adotando-se como critérios peso, idade e categorias, há exigência para suprir a necessidade mensal para potros até dois (2) meses de 4.000mg/kg/dia de Ca, 20mg/kg/dia de Cu e 80mg/kg/dia de Zn. Neste estudo, verificou-se que o estojo córneo dos potros (com mesma idade) apresentou 571mg/kg/ dia de Ca, 15,3mg/kg de Cu e 151mg/kg de Zn (Tab. 2), representando 14,3%, 76,5% e 188,7%, respectivamente, das exigências mensais para manutenção desses animais. Assim, essas informações favorecem o aperfeiçoamento dos regimes alimentares dessa categoria em desenvolvimento.
Após o nascimento, inicia-se um período de quatro meses de crescimento intenso do casco (Souza et al., 2017), sendo possível observar um anel ou linha de crescimento que circunda toda a muralha. Tal linha demarca o desenvolvimento de um casco definitivo, que substituirá o casco fetal (casco desenvolvido em ambiente intrauterino) (Curtis et al., 2014). Em um estudo realizado por Faria et al. (2005), em cascos de equinos da raça Pantaneira, os autores não verificaram diferenças entre os teores de Ca, Cu e Zn, resultados distintos dos observados no presente estudo, que, apesar de semelhança nas concentrações de Ca e Cu quando a linha de crescimento estava localizada no primeiro e segundo terços do casco (Tab. 2), diferenças na composição química da epiderme do casco foram observadas quando esta atingiu o terço inferior (potros acima de 127 dias de vida (P<0,05; Tab. 2).
Já as concentrações de Zn variaram entre as diferentes fases de desenvolvimento dos cascos dos potros da raça Crioula (P<0,05; Tab. 2). A variabilidade nas concentrações dos minerais na epiderme do casco definitivo, em relação ao fetal, caracteriza as diferenças em sua constituição, que provavelmente está vinculada às mudanças nutricionais ao longo do período lactacional dos potros da raça Crioula, que, até 60 dias, fundamenta-se, principalmente, na ingestão de leite, pois o consumo de volumoso (Bolzan, 2016) é estabelecido com maior propriedade entre 60 e 80 dias, momento em que os animais consomem mais matéria seca (MS). Portanto, as variações nas concentrações dos minerais estudados no estojo córneo de potros da raça Crioula em desenvolvimento confirmam a importância e participação dos minerais na constituição e no fortalecimento dos tecidos epidérmicos em formação (Ballantine et al., 2002; Hintz, 1983; Mülling et al., 1999).
Schryver et al. (1986) observaram redução de 41% na concentração de zinco no leite de éguas Puro-Sangue nas primeiras cinco semanas de lactação. Lonnerdal (1991) estudou a concentração mineral no leite materno em humanos e também relatou diminuição progressiva dos teores de zinco ao longo do período lactacional. Quarenta e cinco dias pós-parto, esse autor observou que os teores de zinco do leite atingiram um valor de 25% dos valores iniciais da lactação e, após seis meses, 60% dos teores médios apresentados nos primeiros 15 dias de lactação. Apesar de não terem sido monitoradas as concentrações minerais no leite materno das éguas da raça Crioula, resultados dos estudos mencionados podem explicar a redução das concentrações dessa variável (Zn) durante o período lactacional dos seus descendentes (Tab. 2).
As diferenças nas concentrações minerais entre os períodos pré e pós-desmame (Tab. 3) estão vinculadas a nutrição e a fatores ambientais, considerando-se as diferenças fisiográficas das regiões em que os animais foram criados, pois fatores como: heterogeneidade, diversidade de espécies forrageiras e estágio de crescimento dos pastos, vinculados às características físico-químicas do solo e às estações do ano, são razões de diversidade regional que impactam oscilações na concentração desses minerais nos alimentos oferecidos a esses potros (Dittrich et al., 2010). Isso não quer dizer que os animais estão sofrendo restrição alimentar, mas há variação na composição de sua dieta, refletindo no tecido epidérmico do casco.
No período de aleitamento, as amostras foram coletadas nas estações de verão e outono; enquanto, após desaleitamento, as coletas foram realizadas nas estações de inverno e primavera, o que justifica as diferenças observadas (Tab. 3). O maior teor do mineral Ca no estojo córneo durante a lactação (620mg/kg), quando comparada com o pós-desmame (517,5mg/kg) (Tab. 3), caracteriza o leite materno, que apresenta elevadas concentrações de Ca (média de 850mg/kg de Ca) (Rangel et al., 2015) como principal fonte desse nutriente à dieta, refletindo positivamente nas concentrações desse mineral na epiderme do casco. Mesmo que as variáveis associadas ao leite não tenham sido consideradas neste estudo, isso não impossibilita a determinação do real efeito sobre as concentrações dos minerais no estojo córneo.
Faria et al. (2005), ao analisarem os teores de minerais do casco de éguas das raças Mangalarga Marchador e Pantaneira de cinco a 10 anos de idade, criadas a pasto, no estado de Minas Gerais, observaram teores médios no casco de 232,7mg/kg de Ca, 4,42mg/kg de Cu e 67,16mg/kg de Zn, para a raça Mangalarga Marchador, e de 567,65mg/kg de Ca, 23,56mg/kg de Cu e 116,2mg/kg de Zn, para a raça Pantaneiro, resultados esses, considerando-se os teores dos minerais Ca e Zn, próximos aos encontrados no presente estudo (valores medianos de 571mg/kg de Ca, 12,7mg/kg de Cu e 89mg/kg de Zn; Tab. 3), apesar das diferenças de grupo genético, faixas etárias, bem como de regiões. Mendes et al. (2017 ), ao avaliarem as concentrações minerais de Ca, Cu e Zn, oriundos da muralha dos cascos de equinos adultos da raça Campeiro, encontraram 178,79±137,16mg/kg, 3,51±1,61mg/kg e 163,88±36,7mg/kg, respectivamente, não corroborando os valores verificados no presente estudo (571±253, 12,7±33 e 89±63mg/kg, respectivamente; Tab. 3). Diante disso, a variação de faixa etária e grupo genético, entre os estudos científicos, poderia explicar a diferença dos valores encontrados, sem descartar as interferências dos níveis nutricionais dos campos nativos disponibilizados serem distintas.
Quando estudaram a diferença de pigmentação do casco de equinos nas raças Pantaneiro e Mangalarga Marchador, Faria et al. (2005), e Mendes et al. (2017 ), na raça Campeiro, esses autores verificaram que não há influência da concentração dos minerais na epiderme do casco em relação à pigmentação do casco equino. Os achados determinados no presente estudo compartilham a mesma opinião, podendo-se inferir que não há diferenças nas concentrações de microminerais na epiderme do casco dos potros da raça Crioula de pigmentação distinta (P>0,05), independentemente da diferença entre raças e localidade geográfica de criação.
Em um estudo com leite equino da raça Puro-Sangue Inglês, as concentrações de Ca (930mg/kg por dia) e Cu (0,2mg/kg por dia) foram insuficientes no leite materno para as necessidades do potro durante a lactação (Grace et al., 1999), tendo o organismo que mobilizar outras fontes (ossos, rim) de absorção de Ca. Quando o potro se torna herbívoro, os teores desses minerais tendem a aumentar, se as forragens forem de boa qualidade (Pereira et al., 2017). No presente estudo, houve aumento das concentrações de Ca e Cu na epiderme do casco, com o aumento da faixa etária dos potros (r= 0,50 e r= 0,57, respectivamente; P<0,05), provavelmente relacionada à maior ingestão de sólidos (volumoso). Considerando-se os aspectos analisados, o atual estudo providenciou informações essenciais que facilitarão decisões quanto à necessidade de ingestão de minerais como Ca, Cu e Zn para prevenção de possíveis injúrias aos cascos de equinos da raça Crioula.
CONCLUSÃO
A concentração dos minerais Ca, Cu e Zn é diferente entre casco fetal e casco definitivo de potros da raça Crioula e entre períodos pré e pós-desmame, sendo independente de sua pigmentação e gênero. As concentrações dos minerais Ca e Cu na epiderme do casco de potros da raça Crioula aumentam com a idade do potro, enquanto a de Zn reduz.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasília, Brasil, pelas bolsas a P.M. Silva; A.A.S. Xavier e D. H. Bonemann; aos proprietários dos animais por permitirem a coleta de dados em seus estabelecimentos - Cabanha Nobleza Gaúcha, Cabanha Don Tato, Cabanha Destacada, Cabanha SJ Palanque, Cabanha Rincão do Telho, Cabanha Santa Mathilde e Cabana Porteira de Ferro; à Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC), pelo apoio financeiro que possibilitou a execução do processo; ao Laboratório de Metrologia Química da UFPel (LabMeQui), pela disponibilidade nas análises químicas e por fim a Universidade Federal de Pelotas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Ago 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Aug 2020
Histórico
-
Recebido
27 Set 2019 -
Aceito
11 Fev 2020