Open-access Demografia, planejamento territorial e a questão habitacional: prognóstico da situação habitacional do Litoral Norte Paulista

Demography, territorial planning and housing: prognosis of the housing situation in the North Coast of São Paulo

Demografía, planificación territorial y vivienda: prognosis de la situación de la vivienda en la Costa Norte de São Paulo

Resumo

Técnicas de análise demográfica são indispensáveis para o planejamento urbano, pois mudanças nos regimes populacionais se relacionam diretamente à produção e reprodução do espaço nas cidades. A questão habitacional é central nessa relação, já que o ambiente construído é predominantemente composto de residências. Todavia esses temas ainda não têm sido frequentemente abordados de forma conjunta. O objetivo desse artigo é discutir tais relações e mostrar, em um exercício prático de prognóstico para a região do Litoral Norte Paulista, como técnicas de projeção da demanda futura por habitação podem ser úteis às análises territoriais. Observam-se uma tendência de envelhecimento da população e o aumento do número de mulheres nos municípios do Litoral Norte, o que significa que grupos com autonomia para constituir um novo domicílio tendem a aumentar em proporção. Os resultados da projeção da demanda futura por habitação refletem este aumento, que terá influência direta na ocupação do território.

Palavras-chave Demografia; Planejamento territorial; Habitação

Abstract

Demographic analysis techniques are indispensable for urban planning because changes in population regimes are directly related to the production and reproduction of space in cities. The housing issue is central in this relationship because the man-made environment is predominantly composed by residences. However, these themes have not been tackled together yet. The objective of this article is to discuss these relationships and to show, in a practical exercise of prognosis for the region of the North Coast of São Paulo, how techniques for projecting future housing demands can be useful for territorial analyzes. There is a trend towards an aging population and an increase in the number of women in these towns, it means that groups that have the autonomy to establish a new home tend to increase in proportion. The results of future demand for housing projections reflect this increase and will have a direct influence on the occupation of the territory.

Key words Demography; Territorial Planning; Housing

Resumen

Las técnicas de análisis demográfico son indispensables para la planificación urbana porque los cambios en los regímenes de población se relacionan directamente con la producción y reproducción del espacio en las ciudades. La vivienda es uma cuestión central en esta relación, ya que el entorno construido está compuesto principalmente por residencias. Sin embargo, estos temas aún no han sido abordados conjuntamente. El objetivo de este artículo es discutir estas relaciones y mostrar, en un ejercicio práctico de pronóstico para la región de la costa norte de São Paulo, cómo las técnicas para proyectar la demanda futura de vivienda pueden ser útiles para los análisis territoriales. Hay una tendencia hacia un envejecimiento de la población y un aumento en el número de mujeres en este tipo de ciudades, lo que significa que grupos que tienen autonomía para establecer un nuevo hogar tienden a aumentar en proporción. Los resultados de la proyección de la demanda futura de vivienda reflejan este aumento, que tendrá una influencia directa en la ocupación del territorio.

Palabras clave Demografía; Planificación Territorial; Vivienda

Introdução

Em 1981, em seu artigo intitulado “The uses of demography in development planning”, Charles Hirschman já apontava a necessidade de uma visão integrada para o desenvolvimento socioeconômico e o começo da utilização de análises demográficas – desde os pontos mais tradicionais, como o estudo do crescimento da população, sua distribuição e composição, até outros tópicos como urbanização, migração e formação da família –, de forma a ampliar as bases do planejamento urbano. As estratégias de desenvolvimento urbano começam a incorporar os padrões demográficos às suas agendas à medida que a população mundial se concentra cada vez mais nas cidades (UNFPA, 2008). Entretanto, a mudança dos regimes demográficos, a produção e reprodução do espaço urbano e as implicações socioespaciais da distribuição e reprodução da população no território ainda não têm sido frequentemente abordadas de forma conjunta (SILVA; MONTE-MOR, 2010). Em um momento em que a população urbana mundial se tornou maioria e será a principal responsável pelo crescimento demográfico futuro, fica imperativa a conciliação desses temas.

Questões essencialmente demográficas, como a composição das famílias, a estrutura etária da população e fluxos migratórios, são indispensáveis para formulação de estratégias de gestão territorial. A absorção de um novo contingente populacional representa sempre um desafio ao planejamento urbano em diversas dimensões, como, por exemplo, promoção de serviços públicos, mobilidade, desenvolvimento social, preservação ambiental e implantação de programas e políticas públicas.

No Brasil, um aspecto importantíssimo do processo de urbanização mais recente, segundo Alves e Cavenaghi (2006), diz respeito ao ritmo de crescimento de domicílios, que é superior ao da população e inferior ao do tamanho das famílias. Este fenômeno encerra forte expressão no espaço das cidades brasileiras, que, ainda hoje, têm como um de seus maiores problemas a dificuldade de acesso à terra regular para habitação.

O objetivo central desse trabalho é discutir a intrínseca relação entre demografia e planejamento urbano e regional a partir da leitura da questão habitacional, tendo em vista que tal tema tem se mostrado um elo evidente pelo qual perpassam essas disciplinas. Mais especificamente, é apresentado um exercício de utilização de métodos de análise demográfica para entender futuras dinâmicas territoriais, com o fim de esclarecer de maneira prática as consequências das tendências demográficas em curso (como o padrão de envelhecimento populacional e os fluxos migratórios) nas políticas públicas e na produção do espaço. Para tanto, foram utilizadas projeções populacionais e taxa de chefia como metodologia de projeção da demanda demográfica por habitação na região do Litoral Norte Paulista. Desse modo, buscou-se demonstrar como o planejamento urbano contemporâneo, em sua incumbência de criar condições de desenvolvimento social, pode, e deve, se apoiar em técnicas de análise demográfica para obter leituras mais precisas da realidade, tornando-se, assim, capaz de produzir prognósticos mais eficientes para as situações urbanas.

A seguir, são pontuadas as relações mais importantes entre demografia e planejamento territorial e como elas se alinham à questão habitacional. Posteriormente, são abordadas as consequências da dinâmica populacional na demanda por habitação, em que a técnica de projeção de população para a região do Litoral Norte Paulista utilizada pela Fundação Seade é considerada uma primeira etapa para o prognóstico da situação habitacional. Então, apresenta-se a taxa de chefia como método de prognóstico da situação habitacional propriamente dito e, finalmente, são discutidos os valores de demanda habitacional calculados para o Litoral Norte Paulista. Algumas considerações encerram esta reflexão.

Demografia, planejamento territorial e a questão habitacional

Mesmo que a definição de urbano seja por vezes discutível, o termo “transição urbana” tem sido empregado pela comunidade acadêmica diante da constatação de que, nesse momento da história, há mais população em áreas urbanas do que rurais, ou seja, houve a passagem de uma sociedade predominantemente rural para uma urbana (UNFPA, 2007). Com a população urbana em constante crescimento, os países – em especial os mais pobres – se veem sob a pressão, cada vez mais forte, de repensar suas estratégias de desenvolvimento e definir prioridades. De maneira ideal, a demografia contribuiria para o estabelecimento de tais prioridades ao fornecer estimativas de população e previsões confiáveis do ritmo e distribuição de crescimento futuro. Mas, apesar de a transição urbana ser um processo que vem se consolidando ao longo de décadas, ainda há muito a ser feito no campo da demografia, no que concerne ao fornecimento de orientações úteis aos planejadores e formuladores de políticas públicas, principalmente quanto à dimensão espacial do crescimento das cidades (UNFPA, 2008). O planejamento é imprescindível, mas a forma que toma pode variar profundamente.

O planejamento urbano contemporâneo, diferentemente da concepção modernista de formulação de um modelo ideal de cidade, enxerga a urbanização de maneira dinâmica, como resultado de um contexto histórico que continua evoluindo no tempo, sendo constituído por um conjunto de ações consideradas as mais adequadas para conduzir a situação atual na direção de objetivos desejados. Teorias de planejamento (juntamente com teorias relacionadas à gestão, ao governo e a outras áreas de interação humana) foram muitas vezes baseadas em modelos abstratos e em noções de racionalidade, definidas em termos normativos. Mas o conceito de racionalidade pode variar. A racionalidade do mercado, por exemplo, pode diferir ou até mesmo estar em conflito com a racionalidade defendida em algumas teorias de planejamento. A função explícita do planejamento urbano é, portanto, garantir que a grande variedade de interesses em jogo seja considerada e que os resultados busquem sempre o interesse público (CULLINGWORTH; NADIN, 2006).

Na perspectiva marxista, a tarefa do planejamento urbano é, de forma resumida, detectar conflitos presentes e futuros para evitar crises do ambiente construído. Tradicionalmente, o planejamento, comprometido com a ideologia de harmonia social, é progressista ao defender o interesse público e buscar a correção de erros e desequilíbrios. Mas os limites dessa posição são claramente definidos quando os significados de interesse público, de equilíbrio e de patrimônio são determinados de acordo com os requisitos da reprodução da ordem social, que é tipicamente capitalista (HARVEY, 1985). Então sua missão é criar condições de desenvolvimento social urbano, mesmo que muitas vezes contra os interesses do capital.

Fatores populacionais já foram considerados exógenos ao processo de planejamento, mas essa visão é ultrapassada. Talvez o argumento mais poderoso para os efeitos adversos da dinâmica populacional sobre o crescimento econômico seja a razão de dependência demográfica (HIRSCHMAN, 1981), definida como a soma da população de crianças e idosos, dividida pela população adulta (economicamente ativa). Seu comportamento tem enormes implicações nas políticas públicas e nas ações de redução da pobreza, representando um grande desafio para as políticas macroeconômicas (ALVES; BRUNO, 2005).

No Brasil, o rápido processo de transição demográfica, resultado da queda, primeiro, das taxas de mortalidade e, depois, das de natalidade, levou ao maior crescimento vegetativo da história (cerca de 3% ao ano entre as décadas de 1950 e 1970), seguido então pela redução do ritmo de crescimento da população. Essa mudança no padrão demográfico foi a transformação estrutural mais importante da sociedade brasileira. Como consequência, a alteração provocada na razão de dependência demográfica – com a redução da proporção da população jovem e uma elevação imediata da população adulta – resultou na chamada “janela de oportunidades”, ou “bônus demográfico”. Nessa situação, devido à queda da fecundidade, no primeiro momento, diminui o peso relativo dos dependentes jovens, deixando favoráveis os investimentos em áreas como educação. Contudo, no longo prazo haverá o envelhecimento da população, com aumento significativo do número de idosos – ou seja, os dependentes do topo da pirâmide –, pressionando setores de saúde e previdência, podendo o “bônus” se tornar um “ônus demográfico” (ALVES; BRUNO, 2005).

A transição demográfica ocorre, de forma geral, concomitantemente à transição urbana, sendo ambas consideradas fenômenos fundamentais da modernidade. As taxas de mortalidade caíram devido ao mesmo vetor de transformação que afetou as taxas de natalidade: a urbanização. Especificamente com respeito à fecundidade, a relação inversa entre número de filhos e urbanização é universalmente observada; inclusive, o ritmo de queda das taxas de fecundidade se acelera com o crescimento das cidades. A tendência ao tamanho reduzido das famílias com o aumento da urbanização é verificada em qualquer nível de desenvolvimento. A urbanização está relacionada a uma menor fecundidade porque os avanços nos direitos de cidadania (acesso a educação, saúde, emprego, previdência, sistema de proteção social e equidade de gênero) são determinantes da demanda por filhos. O crescimento das cidades tem sido, portanto, catalisador dos direitos de cidadania (MARTINE et al., 2012).

Mas existem importantes impasses que impedem a totalidade da população de ter acesso a esses direitos, de ter direito à cidade. Os contrastes profundos que marcam a urbanização brasileira são o reflexo no território das diferenças econômicas e sociais. Para a parcela da população excluída da cidade formal, resta a urbanização de risco, marcada pela inseguridade quer do terreno, quer da construção, ou ainda da condição jurídica (ROLNIK, 1997). As três políticas públicas urbanas estruturais ligadas à produção do ambiente construído são as de transportes, habitação e saneamento (MARICATO, 2014). Todas têm interfaces com questões demográficas. Nesse trabalho a questão habitacional é colocada como central e com a qual se relacionam todas as dimensões do habitar, da moradia à cidade. Contudo, a universalização do acesso à moradia digna, principal objetivo da atual Política Nacional de Habitação (PNH), é uma tarefa extremamente complexa.

Dentre os fatores demográficos que interferem na demanda habitacional, pode-se destacar a influência da estrutura etária. Uma sociedade de estrutura jovem, geralmente, apresenta uma demanda imediata por habitação inferior a uma de estrutura envelhecida, em que há maior proporção de adultos. A população mais jovem ainda não tem autonomia para gerar um novo arranjo domiciliar, ao contrário de adultos e idosos que são potenciais demandantes de habitação. No caso brasileiro, as mudanças apresentadas na estrutura etária da população nos últimos 50 anos representam uma tendência de aumento na demanda habitacional justamente em decorrência de seu processo de envelhecimento (CEF, 2012).

Apesar de serem ligações menos diretas, Mulder (2006) ainda argumenta que a relação entre população e habitação tem duas vias. Por um lado, mudanças na população alteram a demanda por habitação: o crescimento da população e, particularmente, o aumento do número de famílias levam a uma ampliação da procura pela moradia, enquanto o declínio da população pode, no longo prazo, conduzir a uma diminuição dessa procura. Por outro lado, a oferta de habitação pode influenciar o aumento da população via movimentos migratórios, ou mesmo fornecer a oportunidade para quem pretende formar uma nova família. A oferta de habitação também pode desempenhar um papel importante na decisão de deixar a casa dos pais e, em última instância, até influenciar a decisão de ter filhos, já que a postergação da formação de um novo domicílio pode acarretar no adiamento do primeiro filho e, consequentemente, resultar em um número menor de filhos.

Para a prospecção e análise de uma situação futura desejada ou provável, o cálculo da demanda por moradias, a partir do comportamento demográfico de uma população – considerando casamentos, idade de saída da casa dos pais e o próprio crescimento da população –, é ferramenta básica. A demanda demográfica por moradias corresponde à quantidade de unidades residenciais necessárias para atender à parcela da população que efetivamente irá formar um novo domicílio. Esse montante é estimado por meio de projeção populacional e modelo demográfico (OLIVEIRA et al., 2009).

Os municípios continentais da região do Litoral Norte Paulista (São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba) foram escolhidos para esse estudo porque formam uma faixa contínua de urbanização, em uma área em que existem inúmeras restrições à ocupação, na estreita faixa de planície entre a orla marítima e a encosta da Serra do Mar. Ao mesmo tempo que vulnerabilidades são impostas à população pelo meio físico e pelas desigualdades sociais, os recursos naturais sofrem as pressões do crescimento econômico, populacional e urbano, ou seja, forma-se um ciclo que ameaça o sistema socioecológico como um todo.

O tamanho absoluto da população mais que triplicou nos últimos 30 anos, mas tal fato não é menos expressivo do que a mudança na sua estrutura etária. O reflexo do desenvolvimento e urbanização é claro nas novas características: a pirâmide de base larga e topo estreito de 1980 sofreu um estreitamento da base e alargamento no topo, em 2010, resultado de taxas de fecundidade mais baixas e do aumento da longevidade.

Essa alteração no tamanho e estrutura da população tem uma expressão no território, transformando o uso e a cobertura do solo, especificamente, de áreas de vegetação para áreas urbanizadas. Com o inchaço dos grupos etários adultos (via migração), é esperado, futuramente, um aumento na urbanização superior ao crescimento populacional. Isso porque a imigração de jovens adultos deve elevar o número de núcleos familiares (e, por consequência, de domicílios), ao contrário de um crescimento populacional vegetativo (resultado do saldo entre fecundidade e mortalidade), no qual o tamanho das famílias aumentaria sem, necessariamente, expansão da ocupação urbana.

Projeção da população do Litoral Norte Paulista: uma etapa de prognóstico

A determinação da população no futuro, consequência das tendências demográficas em curso, é o primeiro passo para o cálculo da demanda demográfica por habitação. Nesse trabalho, utilizou-se a projeção de população dos municípios do Litoral Norte Paulista produzida pela Fundação Seade, por meio do método das componentes demográficas, por sexo e grupos quinquenais de idade. A princípio a projeção é realizada para o total do Estado de São Paulo e depois desagregada em regiões administrativas e, finalmente, por municípios. Posteriormente, para a definição da demanda demográfica por habitação, será aplicada a metodologia de taxas de chefia, que parte do pressuposto de que o número de domicílios existentes em uma população é igual ao número de chefes de domicílio dessa mesma população.

O método das componentes demográficas consiste em seguir coortes ao longo do tempo, expostas às taxas de fecundidade, mortalidade e migração. Baseia-se na equação compensadora, ou equação de equilíbrio populacional, cuja expressão analítica é descrita da seguinte forma (IBGE, 2013):

P(t+n)= P(t) + B(t,t+n) - D(t, t+n) + I(t, t+n) - E(t, t+n)

Onde:

P(t+n) = população no ano t+n;

P(t) = população no ano t;

B(t,t+n) = nascimentos ocorridos no período t, t+n;

D(t,t+n) = óbitos ocorridos no período t, t+n;

I(t,t+n) = imigrantes no período t, t+n;

E(t,t+n) = emigrantes no período t, t+n;

t = momento inicial da projeção;

n = intervalo projetado.

A projeção é realizada para um intervalo de tempo de cada vez e em segmentos da população que guardem alguma similaridade quanto aos riscos de mortalidade, fecundidade e migração – como, por exemplo, idade, sexo, situação urbana ou rural. Trata-se de um modelo discreto no qual as componentes demográficas são calculadas para um intervalo de tempo, correspondente ao tamanho do intervalo etário trabalhado (IBGE, 2013).

Operacionalmente projeta-se a população de cada subgrupo do início do intervalo, de forma a estimar o número de sobreviventes no início do intervalo seguinte, e acrescentam-se o número de nascimentos no intervalo e o de sobreviventes até o início do intervalo seguinte e o saldo migratório. Por fim são introduzidos os nascimentos de imigrantes que sobrevivem.

Este é um processo analítico que permite a construção de hipóteses futuras sobre o comportamento das componentes, orientadas por estudos do passado e do presente da realidade em questão, pela extrapolação de tendências e pela experiência de outros lugares semelhantes (SEADE, 2012). Existe, contudo, certa limitação dos métodos matemáticos de extrapolação de séries históricas quando se trata de períodos de transição, caracterizados por quebras de tendências, uma vez que o pressuposto desses modelos é a manutenção de tendências observadas no passado (WALDVOGEL; CAPASSI, 1998).

No que se refere às projeções populacionais municipais, a ocorrência de um número restrito de eventos demográficos (nascimentos, óbitos e saldos migratórios) devido aos reduzidos tamanhos populacionais gera uma maior variabilidade aleatória e dificulta a formulação de tendências de crescimento e a análise da dinâmica populacional. Além disso, hipóteses formuladas para cada município não podem ser consideradas isoladamente, dada a grande influência regional no comportamento da população. A solução empregada pela Fundação Seade é denominada “parâmetros demográficos proporcionais”. Trata-se de um procedimento no qual é calculada a participação proporcional dos municípios nas funções de fecundidade, mortalidade e migração estimadas para a região correspondente, de modo que o método das componentes por coortes pode ser aplicado para projetar a população municipal (WALDVOGEL; CAPASSI, 1998).

Um fator que torna a projeção da Fundação Seade bastante consistente é a realização mensal de uma pesquisa nos Cartórios de Registro Civil de todos os municípios do Estado de São Paulo, sobre informações detalhadas de registros legais dos eventos vitais – nascimentos, casamentos e óbitos. Com dados precisos por idade e sexo associados aos coletados pelo Censo Demográfico, é possível manter um acompanhamento contínuo da dinâmica demográfica paulista e, consequentemente, produzir uma projeção mais próxima à realidade. A população-base utilizada foi a recenseada em 2010, pelo IBGE (SEADE, 2012).

A projeção da fecundidade é necessária para inferir os nascimentos esperados em cada quinquênio, ou seja, para estimar a população de 0 a 4 anos em cada período, até a data final da projeção. A projeção por períodos de cinco anos requer taxas de fecundidade representativas de um quinquênio para que, aplicadas à população feminina média do período, gerem um número médio de nascimentos que, multiplicados por 5, resultem no total de nascimentos do período (CELADE, 1984). A base desse processo é a determinação da estrutura (dada pelas taxas específicas de fecundidade) e do nível (taxa de fecundidade total) da fecundidade da população. Então, essas taxas totais são distribuídas pelas idades segundo um padrão considerado adequado à realidade da região de estudo (SEADE, 2012).

A projeção da mortalidade emprega, como principal indicador, a esperança de vida ao nascer, determinada por meio da construção de tábuas de mortalidade baseadas nas estatísticas de óbitos por idade e sexo (taxas específicas de mortalidade). Também são analisadas as tendências das causas de morte, que fundamentam a evolução passada da mortalidade e as perspectivas futuras (SEADE, 2012).

Para a formulação de hipóteses da tendência futura da componente migratória, a Fundação Seade baseia-se tanto na análise das tendências passadas como no diálogo com especialistas na temática socioeconômica. O modelo de projeção considera uma estimativa indireta do saldo migratório calculado pela diferença entre o crescimento populacional observado entre os dois recenseamentos e o saldo vegetativo (nascimentos menos óbitos) (SEADE, 2012).

Os dados de população dos municípios de estudo, da região administrativa à qual pertencem e do Estado de São Paulo delineiam uma situação inédita de encolhimento da população paulista. Espera-se que a taxa de crescimento populacional – de 0,87% ao ano entre 2010 e 2015 – sofra redução progressiva até se tornar negativa. Observa-se tendência de redução no ritmo de crescimento populacional tanto no Estado de São Paulo quanto na região administrativa de São José dos Campos (da qual os municípios aqui estudados fazem parte), bem como nos municípios. Entre 1980 e 2000, o crescimento desses municípios se deu de forma bastante acentuada, passando, a partir de então, a diminuir drasticamente e a convergir para o ritmo apresentado pelo Estado e pela região administrativa.

No Gráfico 1 essa dinâmica fica clara. Principalmente na década de 1990, o crescimento das cidades litorâneas foi muito superior ao apresentado pelo Estado e pela Região Administrativa de São José dos Campos. São Sebastião chegou a um crescimento de mais de 6% ao ano nesse período, mas, entre 2010 e 2015, as taxas reduziram-se sensivelmente e ficaram mais próximas à tendência de São Paulo.

GRÁFICO 1
Taxas geométricas de crescimento anual - Municípios de Caraguatatuba, São Sebastião e Ubatuba, Região Administrativa de São José dos Campos e Estado de São Paulo – 1980-2015

A recente publicação SP Demográfico, que traz estatísticas vitais do Estado de São Paulo (SEADE, 2017), apresentou essas projeções populacionais, até 2050, para todas as regiões administrativas de São Paulo, como subsídio fundamental na orientação de políticas públicas e no planejamento regional. As tendências esperadas para os componentes demográficos das populações são de uma maior homogeneidade nos ritmos de crescimento entre regiões e de expressiva modificação no perfil populacional, que em 2050 será incontestavelmente adulto, em pleno processo de envelhecimento.

O menor ritmo de crescimento da população e as mudanças na estrutura etária, marcadas pelo envelhecimento, têm implicações sobre a economia e as políticas públicas. No que toca às previsões, a consolidação dos processos de queda da fecundidade e a tendência à convergência entre regiões e grupos sociais minimizam erros, ou seja, esta tendência à estabilização faz com que as projeções populacionais sejam mais realistas.

Projeção da demanda demográfica por habitação no Litoral Norte Paulista: prognóstico como base para políticas habitacionais

A projeção da demanda demográfica por habitação é um tema muito recente na literatura brasileira, mas de grande relevância para o planejamento de políticas habitacionais, pois é preciso, além da contabilização do déficit corrente, projetar a necessidade provável de novas unidades habitacionais no futuro. Conhecer a tendência de evolução de uma população e sua expressão no espaço urbano também serve a outras políticas públicas, como de mobilidade e infraestrutura (GIVISIEZ et al., 2008).

Existem inúmeros fatores que levam à formação de um novo domicílio, como a transição para vida adulta, que implica quase sempre a saída da casa dos pais para estudar, trabalhar ou formar uma união relativamente estável, o primeiro filho, ou fenômenos mais frequentes na maturidade como a viuvez, a separação ou a vontade de viver sozinho, simplesmente. Fatores de ordem macroeconômica, ou seja, períodos de maior ou menor recessão, também podem interferir nessa decisão. Uma mesma coorte de nascimentos pode ter influência no ritmo de formação de novos domicílios por apresentar características comuns de mudança social e cultural. Mas não há dúvida de que a idade é a dimensão determinante na demanda por domicílios (GIVISIEZ et al., 2006; OLIVEIRA et al., 2006).

O uso da taxa de chefia para o cálculo da demanda demográfica por habitação tem vantagem sobre outros métodos por ser baseado numa projeção populacional e, assim, refletir as tendências passadas e futuras na fecundidade, mortalidade e migração. Contudo, essa metodologia não considera a dinâmica de formação, crescimento, contração e dissolução de domicílios, não computando tal dinâmica no estoque total de domicílios no futuro. As escolhas pessoais, mudanças de comportamento social e individual, ou atributos socioeconômicos dos futuros chefes de família também não são avaliados ou considerados. É um método que trata essencialmente da dinâmica demográfica do ciclo familiar, mas que responde de forma adequada à necessidade de novas moradias (GIVISIEZ et al., 2006).

A taxa de chefia de domicílios é formalmente definida pela proporção de chefes de domicílios de cada grupo de idade. Então, a taxa de chefia de domicílio multiplicada pelo contingente populacional correspondente é igual ao número de domicílios associado a cada grupo de idade. A variação do número de domicílios é resultante da aplicação da taxa de chefia correspondente às variações produzidas na população existente em cada grupo de idade, no caso de mantê-la constante para projeção de necessidade futura (GIVISIEZ et al., 2006). A taxa de chefia é dada por (OLIVEIRA et al., 2009):

Onde:

= taxa de chefia do sexo s, no grupo etário de x a x+n anos completos, no ano t;

= população do sexo s, no grupo etário de x a x+n anos completos, no ano t;

= total de chefes do sexo s, no grupo etário de x a x+n anos completos, no ano t.

Desse modo, a aplicação simples de taxas de chefia sobre as projeções populacionais é capaz de gerar estimativas de demanda habitacional cuja fonte de erro é quase restrita à possibilidade de variação da taxa, devido a efeitos combinados de idade, período e coorte (GIVISIEZ et al., 2006).

Resultados e discussões

Para o prognóstico da situação habitacional do Litoral Norte Paulista é utilizada a projeção populacional elaborada pela Fundação Seade até o ano de 2030 e, a partir dela, por meio da aplicação do método de taxa de chefia, é realizada a projeção de domicílios na região nesse horizonte temporal.

O Gráfico 2 apresenta a população inicial recenseada pelo IBGE em 2010 para a região do Litoral Norte Paulista e as estimativas por projetadas pela Fundação Seade para 2015, 2020, 2025 e 2030, por sexo e grupos etários. Segundo essa projeção, a população atual da região pode aumentar em aproximadamente 25% até 2030. O Gráfico ilustra também a evolução da pirâmide etária da população estimada, que segue o padrão que vem se consolidando no Brasil, de envelhecimento da população. A diminuição dos níveis de fecundidade resulta no estreitamento de sua base e, juntamente com o declínio rápido dos níveis de mortalidade, a pirâmide vai tomando a forma retangular.

Em qualquer população, a mudança histórica nas taxas de natalidade e mortalidade, passando de altos para baixos níveis, é referida como transição demográfica. Em qualquer sociedade, o tamanho das populações em idade ativa mecanicamente aumenta ao longo das etapas-padrão da transição demográfica. Essa característica da transição demográfica para qualquer país ou região é chamada de “bônus demográfico” ou “janela demográfica de oportunidade”, que constitui uma oportunidade de crescimento econômico mais rápido (NASIR; TAHIR, 2011). Mas o envelhecimento da população pode ter implicações que não são tão positivas para o crescimento econômico, chegando a criar grandes desafios. A magnitude dessas mudanças dependerá criticamente das decisões políticas (especialmente nas áreas de prestação de cuidados de saúde e pensões) tomadas a nível nacional e de decisões empresariais em âmbito local (BLOOM et al., 2011).

GRÁFICO 2
Pirâmides etárias, por sexo - Litoral Norte Paulista – 2010-2030
Grupos de idade 2010 2015 2020 2025 2030
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
0 a 4 anos 9.278 9.034 10.108 9.646 10.374 9.894 10.123 9.649 9.563 9.114
5 a 9 anos 9.921 9.866 9.414 9.171 10.201 9.744 10.423 9.944 10.163 9.690
10 a 14 anos 11.673 11.476 10.124 10.082 9.544 9.310 10.272 9.819 10.484 10.010
15 a 19 anos 11.074 10.729 12.182 11.944 10.502 10.414 9.780 9.492 10.484 9.971
20 a 24 anos 10.857 10.649 11.863 11.544 12.806 12.594 10.874 10.799 10.078 9.789
25 a 29 anos 11.076 11.391 11.658 11.517 12.526 12.260 13.220 13.056 11.199 11.154
30 a 34 anos 10.986 11.562 11.484 11.939 11.967 11.943 12.697 12.536 13.347 13.279
35 a 39 anos 10.108 10.096 11.108 11.787 11.557 12.103 11.980 12.028 12.709 12.609
40 a 44 anos 9.219 8.815 10.028 10.206 11.008 11.872 11.426 12.141 11.855 12.059
45 a 49 anos 7.663 8.020 9.104 8.854 9.913 10.236 10.868 11.867 11.299 12.132
50 a 54 anos 6.653 7.012 7.464 7.997 8.887 8.830 9.685 10.186 10.644 11.811
55 a 59 anos 5.668 5.756 6.379 6.931 7.183 7.910 8.567 8.724 9.372 10.072
60 a 64 anos 4.228 4.434 5.263 5.609 5.964 6.770 6.748 7.729 8.094 8.543
65 a 69 anos 3.084 3.111 3.787 4.232 4.760 5.380 5.433 6.510 6.197 7.461
70 a 74 anos 2.105 2.205 2.610 2.881 3.250 3.949 4.128 5.047 4.766 6.144
75 anos e mais 2.428 3.406 2.869 3.964 3.556 4.950 4.499 6.552 5.802 8.594
Total 26.021 127.562 135.445 138.304 43.998 148.159 50.723 156.079 156.056 162.432
População total 253.583 273.749 292.157 306.802 318.488
  • Fonte: IBGE (2012), Seade (2012). Elaboração dos autores.
  • Os idosos não estão apenas aumentando rapidamente em números absolutos, mas também se tornaram substancialmente mais saudáveis. Em um fenômeno designado por demógrafos e especialistas de saúde como a “compressão da morbidade”, a duração de velhice saudável parece estar se ampliando. Parte deste fenômeno pode ser atribuída ao aumento na duração de vida, e parte aos períodos de doença mais curtos e posteriores. O efeito líquido é a tendência ao crescimento no número de anos vividos na velhice, sem grandes problemas de saúde (BLOOM et al., 2011).

    O primeiro bônus demográfico enfatiza a relação entre mudança de estrutura etária e crescimento econômico, surgindo e se dissipando com as interações entre as mudanças na estrutura etária e o ciclo de vida de produção e consumo. Normalmente perdura por décadas, mas é inerentemente transitório. As populações com grande concentração nas idades produtivas são favorecidas por possuírem altos níveis de renda per capita. As mesmas forças demográficas que levam ao fim do primeiro bônus podem, em sequência, conduzir a um segundo dividendo demográfico. O efeito de acumulação de capital é a fonte do segundo dividendo demográfico, que, portanto, depende de como a acumulação de riqueza vai estar relacionada com o envelhecimento da população. Por estar sujeito a previsões de comportamento, o segundo dividendo é mais complexo de ser estimado (MASON, 2005).

    Segundo Wong e Carvalho (2006), no caso brasileiro, a rápida e sustentada redução da fecundidade a partir da década de 1960 desencadeou uma série de mudanças na distribuição etária da população. Dificilmente a fecundidade reverterá sua tendência de declínio. A queda da mortalidade também deve se manter, sendo que este declínio, concentrado nas idades avançadas, é previsto como responsável por uma aceleração no processo de envelhecimento. A migração interna e a internacional podem sofrer variações, mas não a ponto de gerar mudanças substanciais nas projeções populacionais dos próximos quinquênios.

    Dessa forma, por volta de 2025, o Brasil atingirá sua mais baixa razão de dependência – graças ao aumento da população nas idades ativas, paralelamente ao rápido declínio da participação de crianças e jovens e, ainda, ao pequeno aumento do peso relativo da população mais velha. A curto e médio prazos, o tamanho menor das gerações de crianças possibilita um retorno maior dos recursos nelas investidos em educação, principalmente nos níveis fundamental e médio. Esse padrão de crescimento diferenciado por idade (baixo no segmento jovem; alto na população em idade ativa até 2025; altíssimo no contingente de idosos) é que produz a complexa dinâmica populacional para a qual os formuladores de políticas públicas devem estar atentos (WONG; CARVALHO, 2006).

    São tais mudanças que levam à segunda janela de oportunidades. Um crescimento mais acentuado no grupo etário que inclui trabalhadores mais velhos do que naquele que abrange a mão de obra mais jovem implica maiores contribuições fiscais. Por outro lado, um desafio que se desenha, caso a força de trabalho sênior não for preparada ou estiver subempregada, é que o bônus demográfico gerado pela menor pressão por novos postos de trabalho pode perder sua eficácia inicial (WONG; CARVALHO, 2006).

    Na maior parte do século 20 a demografia ficou focada na explosão de números populacionais causados por taxas de mortalidade baixas e persistência de elevadas taxas de fecundidade. No entanto, as consequências negativas previstas das altas densidades populacionais e taxas de crescimento populacional parecem não ter se confirmado. Muitas dessas previsões, colocadas em retrospecto, podem ter sido indevidamente alarmistas. O debate demográfico focado em números negligenciou a questão da mudança na estrutura etária. O crescimento da população causado pelo aumento da fecundidade e o provocado pela queda da mortalidade podem ter consequências econômicas muito diferentes porque têm diferentes efeitos na estrutura etária (BLOOM et al., 2011).

    Como se observou na população no Litoral Norte por faixas etárias, a partir de 2025 o grupo de maiores de 60 anos superará o de crianças e adolescentes com menos de 15 anos. O contingente de maior idade tende a crescer em ritmo mais intenso do que o do grupo de menores de 15 anos, cuja participação é reduzida.

    A razão de dependência, que é o peso da população considerada inativa (0 a 14 anos e 65 anos e mais de idade) sobre a população potencialmente ativa (15 a 64 anos de idade), tem um comportamento bastante interessante, apresentando o mesmo valor (0,44) em 2010 e 2030 (com pequenas oscilações nesse período). Isso quer dizer que, para cada 100 pessoas em idade ativa, existem 44 em idade inativa. Contudo, o peso muito superior dos jovens inativos em relação aos idosos em 2010 passa a ser bem próximo em 2030, consequência do processo de envelhecimento, como se observa na Tabela 1.

    TABELA 1
    Razão de dependência e população de 0 a 14 e 65 anos e mais - Litoral Norte Paulista – 2010-2030

    O aumento da proporção de adultos toca de forma direta a questão habitacional, pois é esse grupo que tem autonomia para constituir um novo domicílio. Segundo Camarano (2002), com o aumento da expectativa de sobrevida e a redução do grau de deficiência física ou mental, a população idosa passou a chefiar mais suas famílias e a viver menos na casa de parentes.

    Em uma breve retrospectiva sobre os dados dos Censos de 2000 e 2010, nota-se que, em números absolutos, os domicílios na região passaram de 56.556 unidades, em 2000, para 80.724, em 2010. No que se refere aos responsáveis pelos domicílios, segundo os dados censitários de 2000 e 2010, houve um aumento da participação de chefes de família, passando de aproximadamente 27% da população para 32%, nesse período.

    De acordo com essa projeção, haverá aumento da proporção de mulheres na região, cuja razão de sexo é de 98 homens para cada 100 mulheres, em 2010, sendo estimada em 96, para 2030, que é também uma tendência em quase todas as grandes regiões do país. Essa informação é relevante no contexto habitacional, pois, segundo o Ipea (2010), há um contínuo aumento da proporção de famílias chefiadas por mulheres no Brasil. Em 2009, 35% das famílias identificaram como principal responsável pelo domicílio uma mulher. Existem diversos arranjos familiares chefiados por mulheres e que podem constituir a demanda por novas unidades habitacionais: mulheres solteiras, separadas ou viúvas com filhos e tendo ou não parentes e/ou agregados em casa; mulheres solteiras, separadas ou viúvas, sem filhos com presença ou não de parentes e/ou agregados; mulheres solteiras, separadas ou viúvas morando sozinhas; e, ainda, mulheres casadas chefiando a família mesmo tendo um marido ou companheiro em casa, com ou sem filhos.

    Outras duas mudanças foram muito marcantes neste intervalo: o aumento de responsáveis pelo domicílio muito jovens (um fenômeno de ampliação significativa de crianças nesse papel que aconteceu no país todo); e o crescimento da proporção de responsáveis do sexo feminino. Em 2000, 21% dos habitantes da região eram chefes de família do sexo masculino e apenas 6% do sexo feminino. Em 2010, os 32% de habitantes chefes de família dividiam-se em 19% homens e 13% mulheres. Essa tendência de aumento de domicílios com responsável do sexo feminino também é observada no Brasil.

    A taxa de chefia refere-se à proporção de chefes de família dentro de um mesmo grupo etário, por isso a tendência é sempre crescente com o aumento da idade, com exceção dos grupos mais idosos.

    A aproximação entre as taxas de chefia masculina e feminina em 2010, bem como o aumento da participação de pessoas em idades muito jovens e nas mais avançadas como responsáveis pelo domicílio são mudanças também apresentadas pela sociedade brasileira em geral (IBGE, 2010). As tendências que se desenham para o futuro são de um provável crescimento proporcional no número de domicílios em relação à população, aproximação no número de chefias feminina e masculina e aumento de chefes em idades avançadas.

    A demanda demográfica por habitação calculada aqui parte de dois pressupostos: o de que a partir de 2010 as taxas de chefia se manterão constantes no tempo1; e de que cada chefe demanda um novo domicílio. Desse modo, a taxa de chefia obtida para 2010 é aplicada de forma direta sobre os contingentes populacionais projetados até 2030, para a obtenção da demanda futura por habitação. A Tabela 2 apresenta a projeção dos responsáveis pelos domicílios e, por conseguinte, da demanda por habitação.

    TABELA 2
    Projeção da demanda demográfica por habitação - Litoral Norte Paulista – 2010-2030

    Segundo os resultados apresentados, podem-se esperar, na região, quase 120 mil domicílios de ocupação permanente, em 2030. Se as políticas habitacionais se mantiverem inalteradas, ou seja, se o déficit habitacional básico perpetuar nas próximas décadas, cerca de 10% desses domicílios farão parte do déficit habitacional. Em termos absolutos, serão mais de 11mil famílias em condições inadequadas de moradia, em que se faz necessária uma nova unidade habitacional, e mais de 33 mil em condições precárias, com algum tipo de inadequação.

    O Gráfico 3 apresenta a população (recenseada para 2010 e projetada para os demais anos) e os responsáveis pelos domicílios (também recenseados em 2010 e projetados para os demais anos).

    A composição por idade e sexo, desse novo contingente de responsáveis por domicílios, tem como características o envelhecimento e o aumento da participação feminina.

    As mudanças de caráter comportamental (como a diversidade de novos arranjos familiares), juntamente com aquelas derivadas da dinâmica populacional (que levam ao aumento do número de mulheres e idosos), atuam de forma determinante nos resultados de demanda habitacional. De acordo com a metodologia apresentada, o número de domicílios deverá aumentar em 48% até 2030, enquanto a população crescerá em 25%.

    GRÁFICO 3
    Projeção da população e de domicílios - Litoral Norte Paulista – 2010-2030

    Para uma região como esta, ambientalmente frágil e de vocação turística, Moraes (2007) aponta uma situação futura de veloz avanço das fronteiras urbanas sobre os entornos imediatos, marcado pela selvageria do uso do solo (pela atividade de veraneio, principalmente segundas residências) e progressiva periferização das camadas de baixa renda. Uma intensificação dos processos predatórios em ação nas áreas urbanas.

    A urbanização exerce fortes pressões no meio ambiente e é necessário ter consciência de suas tendências, atreladas à dinâmica demográfica, e dos vetores econômicos para poder orientar as decisões de gestão e planejamento urbano na direção da utilização eficiente e sustentável do território. É fundamental que diferentes abordagens sejam utilizadas na constante avaliação dessas áreas para localizar situações prioritárias à intervenção.

    A aplicação das taxas de chefia às projeções populacionais se revelou um método adequado para essa tarefa, ao fornecer, de maneira simples, as previsões de demanda habitacional no horizonte de 20 anos. Em posse dessas informações, foi possível construir um prognóstico da situação habitacional na região do Litoral Norte Paulista e refletir sobre a ocupação desse território.

    Considerações finais

    A dinâmica demográfica apontada pela projeção da população da região segue o padrão de envelhecimento que está sendo estabelecido no país. Com mais idosos no futuro a tendência é de aumento de demanda por domicílios, tanto em termos absolutos como proporcionalmente ao total da população. Devido à fragilidade ambiental dessa região litorânea, às características econômicas da vocação turística e ao alto número de inadequações habitacionais, deve ser dada especial atenção aos riscos de desastres relacionados aos fenômenos naturais.

    A questão da habitação – seus laços com fatores demográficos e com o planejamento urbano – pode ser enxergada à luz dos preceitos da reforma urbana, cuja plataforma de ação é readequar as cidades para que atendam às demandas de todas as classes sociais com a melhoria das condições de vida no espaço urbano. Dentre essas melhorias, podem-se citar: aplicação dos instrumentos urbanísticos para reestruturar o quadro da produção habitacional, de modo a inibir a ocupação ilegal e promover a adequação quanto à segurança jurídica e ambiental; adequação à infraestrutura e serviços públicos (pela democratização dos investimentos em infraestrutura); adequação à localização e acessibilidade e ao custo de moradia (combatendo grandes propriedades não utilizadas, ociosas e mecanismos de especulação imobiliária); e acesso à moradia adequada quanto à sua estrutura física e às necessidades da família (priorizando a alocação de recursos públicos em função dos setores sociais mais empobrecidos) (MARICATO, 2003; PENA, 2016).

    Reforma urbana é direito à cidade. É a democracia urbana. É a antibarbárie. Reforma urbana é a luta de classes reconhecida nas cidades, enquanto palco de relações sociais. (MARICATO, 2014)

    Notes

    • 1
      É importante reconhecer que projeções de longo prazo são elaboradas a partir de tendências demográficas iniciais e que suposições fixas estão sujeitas a mudanças ao longo do tempo. Mas mudanças nas taxas de chefia têm um impacto modesto sobre a magnitude do crescimento projetado de domicílios. Já as tendências de imigração são uma influência mais significativa (MCCUE, 2014) e já estão incluídas nas projeções de população. Como o comportamento da chefia de domicílios é explicado, principalmente, pela idade, apesar de existirem alguns ganhos de precisão na projeção dessas taxas com a inclusão dos efeitos de período, estes são ganhos pequenos (GIVISIEZ et al., 2006).

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jul 2017
    • Data do Fascículo
      May-Aug 2017

    Histórico

    • Recebido
      14 Fev 2017
    • Aceito
      14 Jun 2017
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