Resumo
O objetivo desse artigo é avaliar o hábito alimentar da população adulta no Brasil segundo a condição na força de trabalho. Realizou-se estudo transversal com dados de 63.782 adultos (18 a 59 anos), participantes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019. A condição na força de trabalho - ocupado, desocupado ou fora da força - foi relacionada com marcadores de consumo alimentar saudável e não saudável. Estimaram-se razões de chance (odds ratio) ajustadas com regressão logística multinomial. Os resultados apontam que, entre os adultos brasileiros, 71,3% estavam ocupados, 6,7% desocupados e 21,9% encontravam-se fora da força de trabalho. Os ocupados apresentaram maior frequência de consumo de frutas, hortaliças e carne vermelha, e menor de feijão. O consumo de frango, bebidas de frutas, cereais, ovos, margarina e pratos prontos/semiprontos foi mais frequente para os desocupados versus ocupados, enquanto o de peixes e tubérculos foi menos frequente. Os adultos fora da força de trabalho, comparados aos ocupados, mostraram menor frequência de consumo de refrigerantes, embutidos, pães de pacote, oleaginosas, assim como do costume de substituir o almoço por lanches. Observaram-se discrepâncias na alimentação segundo a condição de trabalho, sobretudo no consumo de hortaliças, frutas, carnes e feijão, denotando a necessidade de iniciativas de promoção da alimentação adequada e saudável voltadas para a saúde do trabalhador.
Palavras-chave: Ingestão de alimentos; Adulto; Saúde do trabalhador; Emprego; Inquérito Nacional de Saúde
Abstract
Objective: To evaluate eating habits of the adult population in Brazil according to workforce status.
Methods: Cross-sectional study with data from 63,782 adults (18-59 years old) participating in the National Health Interview Survey, PNS 2019. Workforce status - employed, unemployed or not part of the workforce - was related to markers of healthy and unhealthy food intake. Adjusted odds ratios were estimated with multinomial logistic regression.
Results: Of Brazilian adults, 71.3% were employed, 6.7% were unemployed and 21.9% were outside the workforce. Employed adults showed a higher frequency of fruit, vegetable and red meat intake, and a lower frequency of beans consumption. The consumption of chicken, fruit drinks, cereals, eggs, margarine and ready-made/semi-ready meals was more frequent among the unemployed versus the employed, while fish and root vegetables were less frequently consumed. Adults outside the workforce, compared to the employed, showed a lower frequency of consumption of soft drinks, sausages, packaged bread, oilseeds, as well as the habit of replacing lunch for snacks.
Conclusion: Discrepancies in diet were observed according to working condition, especially in the consumption of vegetables, fruits, meat, and beans, denoting the need for initiatives to promote adequate and healthy eating habits to improve workers’ health.
Keywords: Eating; Adult; Occupational health; Employment; Health surveys
Resumen
Objetivo: Evaluar hábitos alimentarios de la población adulta según su situación laboral.
Métodos: Estudio transversal con datos de 63.782 adultos brasileros (18-59 años), participantes de la Encuesta Nacional de Salud, PNS-2019. La situación en la población activa, ocupada, desocupada o fuera de ella, estaba relacionada con marcadores de ingesta de alimentos saludables y no saludables. Las odds ratio ajustadas (odds ratio) se estimaron con regresión logística multinomial.
Resultados: De los adultos, 71,3% estaban ocupados, 6,7% desocupados y 21,9% fuera de la población activa. Los empleados mostraron mayor frecuencia de consumo de frutas, verduras y carne roja, y una menor de frijoles. El consumo de pollo, bebidas de frutas, cereales, huevos, margarina y platos preparados/semipreparados era más frecuente entre los desocupados frente a los ocupados, mientras que el pescado y los tubérculos eran menos frecuentes. Los adultos fuera de la fuerza de trabajo, en comparación con los empleados, mostraron menor frecuencia de consumo de refrescos, embutidos, pan envasado, semillas oleaginosas, así como el hábito de sustituir el almuerzo por bocadillos.
Conclusión: Se observaron discrepancias en la alimentación según la condición de trabajo, especialmente en el consumo de hortalizas, frutas, carnes, frijol, denotando la necesidad de iniciativas de promoción de alimentación saludable dirigida a la salud de los trabajadores.
Palabras clave: Ingestión de alimentos; Adulto; Salud laboral; Empleo; Encuestas epidemiológicas
Introdução
A alimentação saudável desempenha importante papel na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral, diabetes tipo 2 e neoplasias (WHO, 2022). No mundo, as DCNT são responsáveis pela morte de 41 milhões de pessoas/ano, sendo que mais de 15 milhões ocorrem entre 30 e 69 anos de idade (WHO, 2022). No Brasil, em 2019, foram registradas 738.371 mortes por DCNT e, destas, 308.511 (41,8%) ocorreram prematuramente (BRASIL, 2021). A dieta saudável reduz as manifestações de má nutrição, incluindo a ingestão elevada de energia, deficiência de micronutrientes, sobrepeso e obesidade (FAO, 2020). Em 2018, os custos diretos para o tratamento de doenças crônicas associadas à alimentação inadequada no Sistema Único de Saúde (SUS) foram estimados em 3,45 bilhões de reais (US$ 890 milhões) com hospitalizações, procedimentos ambulatoriais e medicamentos (NILSON et al., 2020).
De acordo com o Guia alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014), uma alimentação adequada e saudável é predominantemente composta de alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas, hortaliças, tubérculos e raízes, grãos, leguminosas e oleaginosas, presentes em grande variedade no reportório alimentar. Trata-se de um direito humano básico que abrange a garantia ao acesso regular e permanente, em condições socialmente justas, a uma prática alimentar adequada do ponto de vista biológico e financeiro (BRASIL, 2014). A promoção à alimentação adequada e saudável é uma das diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e o direito à alimentação é garantido pela Constituição Federal (BRASIL, 2012).
Evidências do Inquérito Nacional de Alimentação (INA) revelam que a dieta da população brasileira permanece caracterizada pelo consumo de alimentos tradicionais, como arroz, feijão, hortaliças e carne bovina, e pela ingestão frequente de alimentos ultraprocessados, como biscoitos, refrigerantes, doces e carnes processadas. Revelam, ainda, uma piora na qualidade alimentar entre os períodos 2008-2009 e 2017-2018, com diminuição do consumo de arroz, feijão, carne bovina, frutas e laticínios e aumento do consumo de sanduíches (RODRIGUES et al., 2021).
Embora especial atenção tem sido dada aos estudos de consumo alimentar para a população brasileira (CANUTO et al., 2019; BRASIL, 2022a), pouco se conhece sobre os hábitos alimentares de trabalhadores. No Brasil, foi realizado em 1933 um inquérito pioneiro, coordenado por Josué de Castro, sobre as condições de vida e alimentação da população operária do Recife. Este estudo identificou uma dieta insatisfatória do ponto de vista quantitativo e qualitativo, majoritariamente composta de feijão, farinha, charque, café e açúcar, e que a maioria dos trabalhadores vivia com fome, dado o elevado custo da alimentação que comprometia cerca de 70% do salário (ANDRADE, 1997; ARAÚJO et al., 2010). A partir de então, pesquisas sobre a alimentação do trabalhador ganharam consistência, propiciando a regulamentação das Comissões de Salário Mínimo e a formulação da ração-tipo essencial mínima, instituídas pelo Decreto-Lei nº 399, de 30 de abril de 1938 (BRASIL, 1938; ARAÚJO et al., 2010). Nessa época, evidenciava-se que o salário era insuficiente para resolver a carência alimentar da classe trabalhadora (ARAÚJO et al., 2010).
Em 1940, foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), considerado o primeiro órgão responsável por uma política social de alimentação no Brasil, com reconhecida importância para a alimentação do trabalhador e a construção do campo da Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (ARAÚJO et al., 2010; VASCONCELOS; BATISTA FILHO, 2011). O principal objetivo do Saps era oferecer alimentação saudável a preço acessível, por meio de restaurantes destinados aos trabalhadores. Posteriormente, foram instituídos, em 1955, a Campanha Nacional de Merenda Escolar (embrião do atual Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE), que ofertava o desjejum para os filhos dos trabalhadores, e, em 1976, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), com o intuito de enfrentar a desnutrição proteico-calórica (ARAÚJO et al., 2010; VASCONCELOS; BATISTA FILHO, 2011).
A maioria dos estudos que analisam a alimentação do trabalhador toma por referência a parcela beneficiária do PAT (ARAÚJO et al., 2010). Na cidade de São Paulo, pesquisa que avaliou a qualidade global de refeições oferecidas por empresas participantes do PAT verificou diferenças significativas nas pontuações médias da qualidade das refeições e dos componentes de frutas e hortaliças, gorduras saturadas e variedade de alimentos, em dois diferentes grupos de empresas (BANDONI; JAIME, 2008). O estudo desenvolvido por Santana e Sarti (2020) mostrou que uma dieta baseada no consumo de itens da ração-tipo - que prevalecem na cesta básica de alimentos - resultaria em ingestão excessiva de energia e sódio e ingestão insuficiente de cálcio, potássio, vitamina A e ferro. Ademais, apontou a importância de revisar a composição das cestas básicas, com suprimento de alimentos in natura ou minimamente processados, especialmente frutas, hortaliças, cereais integrais e leite e derivados. Cabe destacar que o PAT, embora seja um dos programas de complementação alimentar mais antigos em vigência no Brasil, deixa de atender a uma parcela significativa de trabalhadores que se encontram fora do setor formal da economia (ARAÚJO et al., 2010).
Considerando as lacunas a respeito da alimentação de trabalhadores brasileiros e dada a relevância desse tema para a saúde e para as políticas públicas de saúde do trabalhador no âmbito do SUS, o objetivo deste estudo é avaliar o hábito alimentar da população adulta no Brasil, segundo a condição na força de trabalho.
Métodos
Este estudo transversal utilizou dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019), desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. A PNS é realizada com a população residente em domicílios particulares permanentes de todo o território brasileiro.
O plano amostral da PNS foi por conglomerado em três estágios: no primeiro, selecionaram-se as unidades primárias de amostragem (setores censitários); no segundo, foi feito o sorteio de um número fixo de domicílios, em cada setor censitário, a partir das informações do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos; e, no terceiro, realizou-se o sorteio de um morador, dentre aqueles com 15 anos ou mais de idade, de cada domicílio selecionado. Em cada estágio, o sorteio foi feito por amostragem aleatória simples. A amostra da PNS 2019 foi estimada em 108.525 domicílios, com a realização de 94.114 entrevistas (taxa de não resposta de 6,4%) (STOPA et al., 2020; IBGE, 2020). Detalhes sobre o histórico e os métodos da PNS 2019 foram publicados por Stopa et al. (2020).
Para o presente estudo, foram excluídos das análises os indivíduos de cor/raça amarela e indígena pela pouca representatividade na PNS, bem como as gestantes, considerando-se que no período gestacional as mulheres recebem orientações nutricionais que podem alterar os hábitos alimentares (GOMES et al., 2019). Assim, foram explorados os dados de adultos com 18 a 59 anos, classificados por sua condição em relação à força de trabalho - ocupado, desocupado ou fora da força - na semana de referência da pesquisa (21 a 27 de julho de 2019). As nomenclaturas e definições utilizadas neste trabalho foram extraídas do IBGE (2020), que adota as recomendações da Organização Internacional do Trabalho, discutidas na 19ª Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho, a saber:
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ocupado - pessoa que trabalhou pelo menos uma hora completa em trabalho remunerado ou em trabalho sem remuneração direta em ajuda à atividade econômica de membro do domicílio ou parente que reside em outro domicílio, ou que tinha trabalho remunerado, mas estava temporariamente afastada na semana de referência. Considera-se como ocupada temporariamente afastada do trabalho remunerado a pessoa que não trabalhou pelo menos uma hora completa por motivo de férias, folga, jornada variável ou licença remunerada (em decorrência de maternidade, paternidade, saúde ou acidente da própria pessoa, estudo, casamento, licença-prêmio) ou por outro motivo, desde que o período transcorrido do afastamento seja inferior a quatro meses;
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desocupado - pessoa sem trabalho em ocupação na semana de referência que tomou alguma providência efetiva para consegui-lo no período de 30 dias, e que estava disponível para assumi-lo na semana de referência, ou também a pessoa sem trabalho que não tomou providência efetiva para consegui-lo porque já havia conseguido trabalho que iria começar após a semana de referência;
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fora da força - pessoa que não é classificada como ocupada nem como desocupada na semana de referência da pesquisa, mas encontra-se em idade de trabalhar.
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A condição em relação à força de trabalho foi descrita segundo as variáveis:
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sociodemográficas: sexo (masculino ou feminino), faixa etária (18 a 29, 30 a 39, 40 a 49 e 50 a 59 anos), raça/cor da pele (branca, preta e parda), grau de escolaridade (sem instrução/fundamental incompleto, fundamental completo/médio incompleto, médio completo/superior incompleto, superior completo), renda domiciliar per capita em salários mínimos (≤ 0,5, > 0,5 a ≤ 1, > 1 a ≤ 2, > 2), vive com o cônjuge ou companheiro (não ou sim) e região de residência (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul);
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índice de massa corporal (IMC): calculado com dados autorreferidos de peso e estatura por meio da razão entre o peso (kg) e o quadrado da estatura (m) dos indivíduos, que foram classificados com baixo peso/eutrofia (IMC < 25 kg/m2), sobrepeso (IMC ≥ 25 e < 30 kg/m2) ou obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) (BRASIL, 2011g);
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estilo de vida: fumante atual de tabaco, consumo habitual de álcool (frequência de uma vez ou mais por mês) e consumo abusivo de álcool ou binge drinking - caracterizado por um volume excessivo de álcool em uma única ocasião, cinco ou mais doses para homens e quatro ou mais doses para mulheres, nos últimos 30 dias. Os indicadores foram categorizados como sim ou não;
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frequência de consumo regular de frutas, hortaliças, feijão, leite, frango/galinha em cinco ou mais dias da semana, de peixe, pelo menos um dia/semana, considerado como consumo alimentar saudável; de carne vermelha, doces, bebidas de frutas (de caixinha/lata ou refresco em pó) e refrigerante em três ou mais dias/semana, considerado como não saudável (sim ou não). O grupo de hortaliças compreende alimentos como alface, tomate, couve, cenoura, chuchu, berinjela, abobrinha (exceto batata, mandioca, cará ou inhame); o de carnes vermelhas, os cortes de bovinos, suínos, caprinos, ovinos; o grupo de doces inclui itens como biscoito/bolacha recheado, chocolate, gelatina, balas;
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costume de substituir a refeição do almoço por lanches como sanduíches, salgados, pizzas, cachorro quente, em três ou mais dias na semana (sim ou não), reconhecido como um comportamento alimentar não saudável;
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consumo de alimentos saudáveis, in natura ou minimamente processados, no dia anterior à entrevista (sim ou não): cereais, tubérculos, abóbora, cenoura, batata doce ou quiabo, leguminosas, carnes, ovos, hortaliças, frutas, leite e oleaginosas; e consumo de alimentos ultraprocessados (não saudáveis): refrigerantes, bebidas de frutas, doces, salgadinho de pacote ou biscoito/bolacha salgado, embutidos, pães, margarina/molhos industrializados e pratos prontos ou semiprontos. A literatura apresenta evidências sobre a associação entre consumo de alimentos ultraprocessados e desfechos de incidência/mortalidade por doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, mortalidade por todas as causas, depressão e sobrepeso/obesidade (PAGLIAI et al., 2021).
Análise de dados e aspectos éticos
Foram calculadas as distribuições percentuais de adultos ocupados, desocupados e fora da força de trabalho segundo as variáveis selecionadas. Também estimaram-se as proporções, razões de chance (odds ratio, OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) do consumo alimentar, de acordo com a posição na força de trabalho. As razões de chance foram obtidas por meio de regressão logística multinomial com ajustes por sexo, idade, escolaridade, região de moradia e depressão (PAGLIAI et al., 2021; BARROS et al., 2021). A regressão logística multinomial permite uma variável resposta com mais de duas categorias mutuamente exclusivas e sem uma ordenação implícita entre elas, dado que o modelo considera a escala de resposta como nominal (AGRESTI, 2007). As análises foram realizadas no programa Stata versão 15.1, no módulo survey, que considera o delineamento amostral complexo da pesquisa.
A PNS foi aprovada na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (Processo nº 3.529.376 de 23/08/2019). Todos os entrevistados foram previamente consultados, receberam esclarecimentos e aceitaram participar da pesquisa.
Resultados
Neste estudo, após a exclusão de gestantes e indivíduos de cor/raça amarela e indígenas (n= 1.704), foram analisadas informações de 63.782 adultos com 18 a 59 anos. A média de idade foi de 38,1 anos (IC 95%: 37,9-38,3) e 51,7% eram do sexo feminino. Quanto à posição na força de trabalho, 71,3% (88.215.407 de indivíduos) foram classificados como ocupados, 6,7% como desocupados e 21,9% fora da força de trabalho.
No segmento de ocupados, observou-se maior proporção de homens do que de mulheres, de indivíduos com 30 a 39 anos em comparação aos que tinham 18 a 29 anos, de brancos e pardos e de pessoas com ensino médio completo ou mais em relação as que não estudaram ou não concluíram o ensino médio. A maioria tinha renda familiar per capita superior a um salário mínimo e vivia com o cônjuge/companheiro. Foi observado que 59,1% apresentavam excesso de peso (sobrepeso/obesidade), 38,3% consumiam bebidas alcoólicas uma vez ou mais por mês e 23,4% bebiam cinco doses ou mais em uma mesma ocasião. Em comparação com os desocupados e fora da força de trabalho, os ocupados apresentaram percentuais mais altos de sobrepeso e de consumo habitual e abusivo de bebidas alcoólicas (Tabela 1).
Os resultados sobre a alimentação dos adultos brasileiros segundo a condição na força de trabalho estão apresentados nas Tabelas 2 e 3. No segmento de ocupados, verificaram-se maiores percentuais de consumo regular de frutas, hortaliças e carne vermelha, e menor percentual de consumo de feijão. Em relação aos ocupados, os desocupados tiveram percentuais mais elevados de consumo regular de frango/galinha e bebidas de frutas tipo néctar ou refresco em pó, e mais baixo de peixes. No segmento fora da força de trabalho, foram menores as proporções de consumo de refrigerante e do costume de substituir a refeição do almoço por lanches em três ou mais dias da semana, comparativamente à categoria de ocupados (Tabela 2).
A Tabela 3 mostra as frequências de consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e de ultraprocessados no dia anterior à entrevista. Quando comparados aos ocupados, os desocupados relataram com maior frequência o consumo de cereais, ovos, margarina e pratos prontos/semiprontos, e com menor frequência o consumo de tubérculos e carne vermelha. Os adultos fora da força de trabalho, no dia prévio à entrevista, apresentaram maior frequência de consumo de feijão e menor de carne vermelha, hortaliças, oleaginosas, refrigerante, embutidos e pães de pacote, em relação aos adultos com ocupação.
Discussão
Neste estudo, foram elevados os percentuais de ocupados que apresentavam excesso de peso (38,1% com sobrepeso e 21,0% com obesidade) e que ingeriam bebida alcoólica. No estudo da Carga Global de Doença para o Brasil (GBD 2015), dieta inadequada, uso de álcool/drogas e IMC elevado foram as principais causas de anos de vida perdidos por morte prematura ou vividos com incapacidades entre os homens, ocupando, respectivamente, a primeira, a segunda e a quinta posições em uma lista de 17 fatores de risco; para as mulheres, a dieta inadequada ficou em primeiro lugar, o IMC elevado em terceiro e o uso de álcool ocupou o 13º lugar (MALTA et al., 2017). O excesso de peso é um fator de risco para hipertensão arterial e diabetes mellitus tipo 2, doenças que geram grande impacto econômico para o Sistema Único de Saúde (SUS), estimado em R$ 3,45 bilhões em 2018 (NILSON et al., 2020). O uso de bebida alcoólica está associado com causas de mortes e incapacidades, como cirrose hepática, neoplasias, transtornos mentais, acidentes de trânsito e violência (MALTA et al., 2017). Cabe ressaltar que estes fatores de risco podem ocasionar redução da produtividade, ausência no local de trabalho, prejuízos para o setor produtivo e perda da renda familiar (WHO, 2022; BRASIL, 2021).
Poucos estudos investigaram a associação entre hábitos alimentares e ocupação/trabalho, sobretudo na perspectiva da posição na força de trabalho. De acordo com a publicação da PNS 2013 sobre indicadores de saúde e mercado de trabalho, a população fora da força de trabalho apresentava menor percentual de consumo regular de refrigerantes (≥ 5 dias da semana) e de carnes com excesso de gordura, em relação às pessoas ocupadas e desocupadas (IBGE, 2016). Nesta pesquisa, foram encontradas diferenças no consumo de alimentos saudáveis como frutas, hortaliças e carne vermelha, cuja frequência foi maior entre os ocupados, e no consumo de feijão, que foi menor. Cabe ressaltar que, em relação à carne vermelha, o Guia alimentar para a população brasileira orienta limitar o consumo desse alimento (BRASIL, 2014). Os desocupados apresentaram um consumo mais frequente de frango, cereais, ovos, e menos frequente de peixes e tubérculos, que caracterizam uma alimentação saudável, quando comparados aos ocupados. O consumo de alimentos não saudáveis como bebidas de frutas, margarina e pratos prontos/semiprontos foi mais frequente entre os desocupados. A frequência de consumo de refrigerante, embutidos, pães de pacote e do costume de trocar a refeição do almoço por lanches foi menor entre os que estavam fora da força de trabalho.
Estes dados apontam a importância da promoção da alimentação adequada e saudável (PAAS) entre os trabalhadores. A PAAS integra as diretrizes da PNAN 2012 e consiste em um conjunto de estratégias intersetoriais que visam garantir a realização de práticas alimentares apropriadas aos aspectos biológicos e socioculturais (BRASIL, 2012). Nesse sentido, o ambiente de trabalho é propício para a oferta e incentivo ao consumo de alimentos saudáveis. O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), vigente no Brasil desde 1976, atualmente beneficia 23.711.428 trabalhadores, dos quais 20.275.411 recebem até cinco salários mínimos (BRASIL, 2022b). O PAT tem por objetivo melhorar o estado nutricional dos trabalhadores, especialmente os de baixa renda, contribuindo para a melhora da qualidade de vida, a redução de acidentes de trabalho e o aumento da produtividade (BRASIL, 2006). Os cardápios oferecidos pelas empresas devem conter frutas e hortaliças (BRASIL, 2006), o que poderia explicar, parcialmente, o resultado encontrado neste estudo.
Na Espanha, dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2017 (n=10.700 trabalhadores com 18 a 65 anos) mostraram que os trabalhadores temporários registravam menores prevalências de consumo diário de frutas (55,2%) e hortaliças (34,5%) quando comparados àqueles com contrato efetivo (64% e 42,4%, respectivamente) (RONDA-PÉREZ et al., 2020).
Com base em estudo transversal, representativo de trabalhadores das indústrias de 24 estados do Brasil (n= 47.477), Benedet et al. (2017) investigaram o agrupamento de quatro hábitos alimentares não saudáveis (consumo de frutas e hortaliças < 5 vezes/semana, consumo de doces e salgadinhos fritos ≥ 5 vezes/semana). Dentre os agrupamentos possíveis, os mais frequentes foram a simultaneidade do alto consumo de doces e salgadinhos e dos quatro hábitos em conjunto, tanto para homens quanto entre as mulheres.
Utilizando informações da PNS de 2019, Soares (2021) analisou a associação entre a posição na ocupação (emprego precário, emprego formal e empregador) e o consumo alimentar na população adulta. Os achados apontam que os empregadores tiveram maior percentual de consumo regular de hortaliças e frutas em comparação àqueles com emprego precário ou formal, mas não foi identicado um padrão distinto para o consumo de leite, bebidas açucaradas, doces e lanches como substituição do almoço. Na análise de padrões alimentares, observou associação significativa do padrão “in natura” com a categoria de empregadores.
No município de Campinas, SP, foi realizado um estudo para avaliar a qualidade da dieta de trabalhadoras remuneradas e donas de casa, com idade entre 18 e 64 anos. Os resultados mostram que o nível de escolaridade diferenciou a qualidade alimentar das mulheres, ou seja, independentemente da inserção no mercado de trabalho, a menor escolaridade associou-se com a pior qualidade global da dieta, com o consumo superior de sódio e inferior de frutas, hortaliças, cereais integrais e gordura saturada. Também verificou-se que a inserção no mercado de trabalho exerceu um efeito modificador sobre a associação entre qualidade da dieta e escolaridade. Entre as donas de casa e as trabalhadoras remuneradas, o maior nível de escolaridade propiciou um padrão de consumo alimentar mais saudável (ASSUMPÇÃO et al., 2018).
Os resultados do presente estudo apontam que 71,3% dos adultos com 18 a 59 anos estavam ocupados na semana de referência da PNS 2019. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que disponibiliza informações sobre a força de trabalho em âmbito nacional, a taxa de participação (população na força de trabalho em relação àquela em idade de trabalhar) foi estimada em 63,6% no 4º trimestre de 2019, e a taxa de ocupação em 88,9% (ocupados em relação ao contingente de pessoas ocupadas ou desocupadas). A população ocupada era composta por empregados (48,1% do setor privado, 12,3% do público e 6,7% trabalhador doméstico), pessoas que trabalhavam por conta própria (26,0%), empregadores (4,7%) e trabalhadores familiares (2,2%) (IBGE, 2019). Dados mais recentes, relativos ao 4º trimestre de 2021, mostram aumento nas taxas de participação e ocupação frente ao mesmo período de 2020 (BRASIL, 2021), ano de início da pandemia de Covid-19.
Entre as limitações do estudo, o viés de memória pode comprometer a capacidade de relatar as frequências de consumo dos alimentos. Os screeners, métodos utilizados pela PNS para a avaliação do consumo de alimentos, não fornecem detalhes sobre quantidade e sobre o item especificamente consumido, como nas questões relativas ao dia anterior à entrevista. Apesar das limitações do instrumento utilizado, os dados da PNS permitem estabelecer o perfil alimentar segundo a posição na força de trabalho, contribuindo para o aprofundamento desse tema.
Conclusão
Os resultados do estudo demonstram as diferenças existentes nos hábitos alimentares de adultos brasileiros de acordo com a condição na força de trabalho, contribuindo para ampliar o conhecimento sobre essa temática. Os ocupados apresentaram maior consumo regular de frutas, hortaliças e carne vermelha, e menor de feijão. A população desocupada mostrou um consumo mais elevado de alimentos de menor custo, como frango/galinha, bebidas de frutas, cereais, ovos, margarina, pratos prontos/semiprontos, e mais baixo de peixes e tubérculos. Entre os que estavam fora da força de trabalho, foram menores o consumo de refrigerante, embutidos e pães de pacote e o costume de trocar a refeição do almoço por lanches. Os diferenciais observados, sobretudo no consumo de frutas, hortaliças, feijão, carnes e alimentos ultraprocessados, bem como no percentual de sobrepeso, revelam importantes demandas para o SUS e para as políticas e programas destinados ao trabalhador, na perspectiva da prevenção de agravos à saúde relacionados à alimentação e da promoção da saúde e do bem-estar.
Diante destes achados, ressalta-se a necessidade não só de promover a alimentação adequada e saudável para toda população, com base nas recomedações do Guia alimentar para a população brasileira, mas também de fortalecer o PAT como uma política de promoção da saúde, por meio de ações de incentivo ao consumo alimentar saudável. Por fim, sugere-se a realização de estudos futuros que possibilitem a obtenção de informações mais detalhadas sobre a alimentação, segundo condições e características do trabalho.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jan 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
15 Set 2022 -
Aceito
14 Dez 2022