Open-access Triagem neonatal para hemoglobinopatias: um estudo piloto em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Neonatal screening for hemoglobinopathies: a pilot study in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil

Resumos

Este estudo, tem como o objetivo determinar a freqüência das hemoglobinopatias em neonatos, que realizaram a coleta para o Teste de Triagem Neonatal para Distúrbios Metabólicos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O método utilizado para a determinação das variantes da hemoglobina, foi eletroforese por focalização isoelétrica em amostra de sangue total, coletadas em papel filtro por punção do calcanhar. Para confirmação diagnóstica dos casos alterados, foram realizadas eletroforeses das hemoglobinas em acetato de celulose com pH 8,6 e em citrato de ágar com pH 6,2, em amostra de sangue total dos neonatos e dos seus progenitores. Foram analisados, 1.615 indivíduos, e identificada a presença da hemoglobina S em 20 amostras e da hemoglobina C em seis amostras. Esses valores, correspondem a uma freqüência de 1,2% para o gene da anemia falciforme e 0,4% para o gene da doença de hemoglobina C, independente da raça ou ascendência. Esses dados, sugerem que a inclusão da triagem neonatal universal para hemoglobinopatias nos projetos já implementados para fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, apresenta vantagens e deve ser considerada pelos programas de saúde.

Anemia Falciforme; Hemoglobinopatias; Triagem Neonatal; Saúde Infantil


This study was conducted to establish the frequency of hemoglobinopathies among newborns undergoing screening tests for metabolic diseases at the University Hospital (Hospital de Clínicas) in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. Testing for abnormal hemoglobins was performed by isoelectric focusing electrophoresis on agarose gel with blood obtained by heel stick and applied to filter paper. For confirmatory testing of abnormal neonatal screening, a venopuncture blood sample was obtained from the infant and parents and then submitted to hemoglobin electrophoresis on cellulose acetate at pH 8.6 and citrate agar at pH 6.2. A total of 1,615 subjects were studied: 20 samples showed the Hb S pattern and six samples showed Hb C. Thus, frequency of the sickle cell gene was 1.2% and that of the Hb C gene was 0.4%, regardless of race or origin. These data suggest that the inclusion of universal neonatal screening for hemoglobinopathies in the ongoing projects for the detection of phenylketonuria and congenital hypothyroidism has many advantages and should be considered in health programs.

Sickle Cell Anemia; Hemoglobinopathies; Neonatal Screening; Child Health


Introdução

Historicamente, a anemia falciforme, expressão clínica dos homozigotos do gene da hemoglobina S e a forma mais conhecida das hemoglobinopatias, tem sido associada com alta morbidade e mortalidade na infância, devido a sepse bacteriana, crise de seqüestração esplênica e síndrome torácica aguda (Shaffer et al., 1996). O tratamento médico de suporte pode reduzir esses índices (Embury, 1995). Em 1986, um estudo clínico randomizado duplo-cego, demonstrou que o uso profilático de penicilina, reduz a morbidade e mortalidade de infecções bacterianas em crianças abaixo de cinco anos (Gaston et al., 1986). Frente a esses dados, que sugerem a melhora da sobrevida com o acompanhamento médico e educacional, surgiram vários estudos mostrando a necessidade do diagnóstico precoce, podendo ser realizado mesmo no período neonatal (Diaz-Barrios, 1989; Garrick et al., 1973; Gill et al., 1989).

Apesar da incidência de anemia falciforme ser mais comum em pessoas da raça negra, estudos populacionais têm demonstrado a presença de hemoglobina S em pessoas descendentes de populações do Mediterrâneo, Caribe, América Central e do Sul, Arábia e Índia. O Brasil apresenta uma população com diferentes origens raciais e com diversificados graus de miscigenação (Azevedo, 1980); assim, para um programa ser eficiente, todos os recém nascidos deveriam ser testados independentemente do grupo étnico (Angastiniotis & Modell, 1998).

O maior estudo de prevalência e distribuição de hemoglobinopatias realizado no Brasil, analisou amostras de 55.217 indivíduos, em quarenta cidades, com idades entre um mês e noventa anos, provenientes de centros de saúde, escolas e bancos de sangue. Neste estudo, 3,08% dos indivíduos tinham hemoglobinas anormais desdobradas em variantes moleculares (2,49%), talassemias (0,53%) e alterações induzidas pela formação de meta-hemoglobinemias (0,06%). A condição HbAS foi a mais prevalente, com 1.038 casos (60,95%) do total de 1.703 portadores; as talassemias alfa e beta somaram 265 casos (15,56%); a condição HbAC foi detectada em 243 (14,27%) e as formas mais raras, em 156 casos (9,27%). A freqüência de HbSS na população total foi de 0,04%. Entre os vinte portadores com HbSS identificados e comprovados clinicamente, 18 pertenciam ao grupo negróide (0,22%) e dois ao grupo caucasóide (Naoum et al., 1987).

Alguns estudos procuraram estimar a prevalência de hemoglobinopatias no Sul do Brasil. Pedrollo et al. (1990), estudaram 559 amostras de sangue do cordão umbilical e determinaram uma freqüência de 3,7% de Hb Bart's (alfa-talassemia) na população geral (5,4% em negros e 2,5% em brancos). Salzano et al. (1968), através de exames realizados na rotina de um laboratório público de Porto Alegre, encontraram uma freqüência de HbAS de 6.8%, HbAC de 1%, HbSC de 0,1% e HbSS de 0,1%, em uma população negróide formada em sua maioria por adultos. Entretanto, considerando apenas as crianças menores de nove anos, a doença falciforme foi encontrada em 3,5% dos indivíduos (Salzano & Tondo, 1962; Salzano et al., 1968). A freqüência de heterozigotos para beta-talassemia foi estimada em 1,1%, conforme o estudo realizado em 704 caucasianos adultos (Freitas & Rocha, 1983).

Entretanto, não se conhece a freqüência das hemoglobinopatias em recém-nascidos nesta região, o que permitiria a identificação real da prevalência antes da ocorrência de manifestações clínicas em uma amostra não selecionada.

O objetivo deste estudo, é estabelecer a prevalência das hemoglobinopatias nos recém-nascidos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que já participam do Programa de Triagem Neonatal para hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria, independente da raça ou ascendência, e avaliar o benefício da adição da triagem para hemoglobinopatias ao programa em curso.

Metodologia

Foram analisados, 1.615 amostras consecutivas dos neonatos que participaram da coleta do "Teste do Pezinho - Triagem Neonatal de Distúrbios Metabólicos", realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), durante o período de 18 de março a 30 de outubro de 1999. As variáveis avaliadas durante a coleta foram: data de nascimento, data da coleta, data da realização da eletroforese, sexo, cidade e endereço da residência materna e peso de nascimento. Os pais foram classificados em brancos, negros, mistos, indígenas e orientais levando em consideração a cor da pele e olhos, espessura dos lábios e características do cabelo (Azevedo, 1980; Sousa, 1982).

Durante o período do estudo, o número de nascimentos no HCPA, foi de 3.024 nativivos. Assim, aproximadamente 55% dos nascidos no hospital, realizaram o Teste de Triagem Neonatal para Distúrbios Metabólicos.

A técnica utilizada para a pesquisa de hemoglobinopatias como triagem neonatal, foi a eletroforese de hemoglobina por focalização isoelétrica em gel de agarose (WALLAC-ISOLAB Akron/Estados Unidos), com amostras de sangue total coletadas em papel filtro, a partir de punção do calcanhar, armazenadas e refrigeradas a uma temperatura de 8oC.

Os casos classificados como alterados, foram os que apresentaram banda S ou C, banda na posição da HbA2 pela proximidade com a HbC ou outra banda que não HbA ou HbF.

A confirmação diagnóstica dos casos alterados na focalização isoelétrica, foi realizada por meio das eletroforeses das hemoglobinas em acetato de celulose com pH 8,6 e em citrato de ágar com pH 6,2 do recém-nascido e dos pais. A análise dos pais, foi realizada com o intuito de identificar os pacientes com risco de serem homozigotos antes da normalização da concentração da Hb Fetal, que ocorre após o sexto mês de vida.

Por definição, os pacientes heterozigotos para determinada variante, devem apresentar concentração da hemoglobina alterada inferior a 45%, geralmente variando entre 30 a 40%, e predomínio da HbA (Naoum & Domingos, 1997; Serjeant, 1999), enquanto que os pacientes homozigotos para as variantes HbS e HbC, apresentam concentrações superiores à 90% e ausência de HbA.

Análise estatística

Foram utilizadas estatísticas descritivas para a comparação entre as variáveis, e utilizados o teste do Qui-quadrado, o teste exato de Fisher ou o teste "t" com alfa crítico £ 0,05. Os dados foram armazenados em planilha do programa Microsoft Excel 7.0 para Windows 98, transferidos para banco de dados dBase e posteriormente analisados no programa SPSS 8.0 (SPSS Incorporation, 1997).

Considerações éticas

Os benefícios da identificação neonatal em termos de reduzir a morbidade e a mortalidade de crianças portadoras de hemoglobinopatias, claramente superam os riscos da triagem. O procedimento de coleta por punção de calcâneo é considerado seguro e pouco doloroso, e inclui pesquisa de outras doenças genéticas já consagradas. Considerando que, o delineamento deste estudo utilizou o material coletado para o Teste de Triagem de Distúrbios Metabólicos, tomou-se por base a resolução normativa 02/97, da Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do HCPA, que regulamenta a Utilização de Material Biológico Descartado em Projeto de Pesquisa. Assim, na necessidade de informar o resultado anormal e possibilitar o encaminhamento precoce deste paciente, foi utilizado o Termo de Compromisso para a Utilização de Dados (Resolução 1/97), a fim de garantir a privacidade dos dados coletados conforme as disposições "c" e "d" dessa resolução (Goldin, 1997), e aceita pelo Comitê de Ética do hospital.

Resultados

Durante o período do estudo, foram coletadas 1.616 amostras, tendo ocorrido uma perda, sendo a eletroforese por focalização isoelétrica realizada em 1.615 recém-nascidos. Ao total, 98,8% dos indivíduos estudados moravam em Porto Alegre ou na área metropolitana, sendo 48,8% do sexo feminino e 50,2% do sexo masculino. O peso médio de nascimento foi de 3.175g (DP ± 616g), com variação de 630g a 4.950g.

A distribuição das raças dos pais, dado disponível em 208 casos, avaliada durante o primeiro mês do estudo, foi a seguinte: entre os pais 66,2% de brancos, 23,2% de negros e 10,6% de mistos; entre as mães 69,2% de brancas, 22,6% de negras e 8,2% de mistas. Não foram encontrados índios ou orientais na amostra estudada.

O tempo médio decorrente entre o nascimento e a coleta do teste de triagem, foi de 11,7 dias (DP ± 11,1 dias) com faixa de variação de 3 a 116 dias. A eletroforese foi realizada, em média, 22 dias após a coleta com desvio padrão de dez dias.

A Tabela 1 resume as características da população estudada.

Das 1.615 amostras, 39 foram classificadas como alteradas. Duas outras foram acrescidas a estas, pois, apesar de normais, eram nascimentos gemelares de pacientes com alteração. Assim, 41 crianças foram chamadas para repetir a eletroforese em acetato de celulose e em citrato de ágar.

Todos esses recém-nascidos, foram procedentes da região metropolitana e da cidade de Porto Alegre. Em comparação com a amostra total, não existiram diferenças entre a distribuição do sexo, peso de nascimento e tempo entre o nascimento e a coleta e a realização da eletroforese por focalização isoelétrica (Tabela 2). Entretanto, a distribuição da raça dos pais, apresentou um número maior de indivíduos negros e mistos (p < 0.05).

A média de idade em que os indivíduos com triagem alterada realizaram eletroforese para confirmação diagnóstica, foi de 98,7 dias (DP ± 31,5) variando entre 47 a 152 dias. Entre a coleta da triagem até a reconsulta, foram 57,1 dias (DP ± 23,6) e entre a focalização isoelétrica até a reconsulta, foram 33,3 dias (DP ± 20,1). Os pacientes chegaram à reconsulta com 75,3 (DP ± 30) dias de vida.

A eletroforese por focalização isoelétrica identificou a presença da hemoglobina S em vinte amostras, e da hemoglobina C em seis (Tabela 3). No total de 1615 amostras estudadas, esses valores correspondem a uma freqüência de 1,2% de portadores do gene da anemia falciforme e 0,4% de portadores do gene da doença de hemoglobina C. Assim, para cada 62 neonatos triados no HCPA, um foi portador do gene para hemoglobinopatia S ou C, independente da raça ou ascendência.

Em todas as amostras que apresentaram HbS ou HbC e que foram realizadas a eletroforese em gel de citrato/ágar, houve concordância dos resultados e a identificação do progenitor portador. Oito neonatos não retornaram para a reconsulta, desses, três (1 AS e 2 AC) são heterozigotos, já que a focalização isoelétrica identificou HbA em concentração superior a 20%. Entretanto, nos outros cinco casos não é possível determinar o fenótipo.

As outras alterações encontradas na triagem neonatal foram: duas amostras com HbBarts em concentração inferior a 2%; uma amostra com HbF variante, esta foi confirmada por biologia molecular como variante da cadeia gama, porém não retornou para reconsulta; uma banda desconhecida com migração próxima a HbS que não ocorreu na eletroforese em celulose/ágar, assim como os pais foram normais e nove pela presença de HbA2. Entre os neonatos que apresentaram HbA2, sete retornaram para reconsulta, sendo que em todos, a eletroforese em celulose/ágar foi normal, assim como em seus pais. Dessas crianças, quatro tinham recebido transfusões sangüíneas previamente à coleta: duas por incompatibilidade Rh, uma por prematuridade e outra por hiperbilirribinemia neonatal severa; em uma, a amostra foi coletada com 50 dias de vida e em outras duas, com 14 e 12 dias de vida. Apenas um recém-nascido, chamado por apresentar Hb Barts, retornou para consulta e seus exames foram normais.

Discussão

O principal objetivo deste estudo, foi determinar a freqüência das hemoglobinopatias entre os recém-nascidos que se submeteram à Triagem Neonatal para Distúrbios Metabólicos. O fato de que apenas em 55% dos nascidos no HCPA, durante o período da análise tenham coletado o teste, é o principal argumento de vários autores para a realização da triagem de hemoglobinopatias em coleta de cordão umbilical (Bandeira et al., 1999; Lobel et al., 1989; Mack, 1989; Pantaleão et al., 1993). Entretanto, o diagnóstico dos distúrbios metabólicos, principalmente a fenilcetonúria, não é possível no momento do parto, o que tornaria necessária a realização de duas coletas em momentos diferentes, para completar os exames de triagem neonatal. A experiência em outros estudos, mostra que a educação e a orientação sobre as vantagens dos exames para pais e profissionais de saúde, aumentam a procura pelos testes de triagem (Compri et al., 1996; Filho et al., 1988; Grover, 1989; Shafer et al., 1996).

Entre os 41 indivíduos com resultados alterados, 13 não retornaram para consulta. Desses, oito não buscaram o resultado da triagem conforme a rotina do hospital. Os demais, mesmo sendo informados do resultado, não retornaram. Esses indivíduos não foram localizados nos endereços que forneceram. Todos os pacientes que consultaram e que foram orientados após receber os resultados, retornaram para a realização dos exames confirmatórios, não havendo nenhuma recusa. Novamente, a educação e orientação parece ser fundamental para o sucesso da triagem neonatal (Rowley, 1989).

Historicamente, a anemia falciforme e a doença da hemoglobina C têm origem na África, onde persistem as maiores prevalências. A sua presença nas Américas é decorrente da imigração dos indivíduos pertencentes à raça negra, originários desse continente (Flint et al., 1993). Neste estudo, a variável cor foi avaliada de forma subjetiva, considerando cor da pele e características faciais e do cabelo. De fato, apenas os pacientes que consultaram por apresentar resultados alterados, e um pequeno grupo da população geral em que foi possível avaliar esta informação na presença dos pais, foram classificados. Esta análise, demonstra um número maior de negros e mistos, equivalente a pardos e pretos, em relação à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1996 (IBGE, 1996), onde a distribuição da população por cor na área metropolitana de Porto Alegre é de 86,05% de brancos, 5,75% de pretos e 7,72% de pardos. Essa diferença, pode ter ocorrido devido à uma possível seleção da população que consulta no HCPA, onde predomina o atendimento pelo Sistema Único de Saúde de indivíduos sócio-economicamente menos favorecidos, classe em que o número de pretos e pardos é maior.

A miscigenação da nossa população é significativa e progressiva, e a classificação por cor da pele e outras características, não pode ser atualmente utilizada como única mensuração de raça (Pantaleão et al., 1993; Salzano et al., 1968) Entretanto, o fenótipo das hemoglobinopatias S ou C, permite afirmar que existe ascendência africana. Neste estudo, apenas o grupo de pais dos casos AS e AC, demonstraram diferença estatística entre a variável cor, com predomínio de indivíduos classificados como mistos. Este dado, confere com a presença de um número maior de pais AS (Tabela 3). Entre os casais avaliados, apenas seis casais eram concordantes na raça negra, cinco casais eram brancos e mistos, três brancos e negros, dois concordantes em mistos, um misto e negro e três casais classificados como brancos geraram filhos heterozigotos para hemoglobinopatia S ou C. Esta é a característica que demonstra a dinâmica que o gene apresenta na população, tornando a herança não exclusiva da raça negra e justificando a triagem universal. Assim, podemos dizer que 1,6% da população estudada herdou um gene originário do continente africano.

As amostras de sangue coletadas em papel filtro, permitem a associação da triagem para hemoglobinopatias com os demais testes, têm fácil transporte e armazenamento, ainda que diminuam a estabilidade das hemoglobinas (Papadea et al., 1994). Desde 1973, quando Garrick et al. (1973) descreveram o método de hemolisado para a eluição da hemoglobina do papel filtro e a possibilidade de realizar a eletroforese em acetato de celulose e citrato de ágar para a triagem neonatal, vários grupos consideram este método adequado para a coleta e armazenamento dos testes de neonatais (Githens et al., 1990; Grover et al., 1983; Schedlbauer & Pass, 1989; Shafer et al., 1996). Kinney et al. (1989) compararam amostras de sangue de cordão, simultaneamente coletadas em papel filtro e em tubos com heparina com até 15 dias, e demonstraram que é possível identificar claramente as bandas de HbF, HbA, HbS e HbC nos dois métodos, embora a resolução fosse melhor nas amostras dos tubos. A introdução das técnicas com maior sensibilidade, como a eletroforese por focalização isoelétrica e a cromatografia líquida de alta resolução, além de possibilitarem a extração de DNA para a análise genotípica, consolidaram a coleta em papel filtro (Huisman, 1989; Kleman et al., 1989; Kutlar et al., 1990; Papadea et al., 1994; Wajcman et al., 1993).

Neste estudo, só foram utilizadas amostras de sangue em papel filtro, coletadas rotineiramente para a Triagem de Distúrbios Metabólicos do HCPA. Em todos os casos, houve quantidade suficiente para a realização da eletroforese, possibilitando a visualização adequada da HbF, HbA e de outras variantes. O armazenamento, em geladeira a 4-8o C, e o transporte ao laboratório, onde foram realizados os testes, foram simplificados pela coleta em papel filtro, tendo apenas uma amostra sido perdida após a identificação.

A eletroforese por focalização isoelétrica, é considerada um método conveniente para detectar variantes da hemoglobina, mesmo quando em concentrações baixas como ocorre no período neonatal, além de possibilitar a distinção entre homozigotos e heterozigotos (Beuzard et al., 1981; Dubart et al., 1980). Quando comparado com a eletroforese em acetato de celulose, ela se mostrou superior, pois além da melhor resolução, possibilita a separação de HbS da HbF de forma mais evidente (Kleman et al., 1989). Em termos de custo, apesar do equipamento para análise por a focalização isoelétrica ser mais caro, os reagentes têm preço equivalente e é possível realizar 72 testes a cada seis horas.

Neste estudo, todas as amostras foram triadas pela focalização isoelétrica, tendo como método de confirmação a eletroforese em acetato de celulose e em citrato de ágar em novas amostras. Esse método, permitiu a identificação de 26 portadores do gene da HbS e HbC, sendo que houve concordância em todas as amostras em que foi possível a recoleta.

Segundo um estudo realizado por Pedrollo et al. (1990), a freqüência de Hb Barts (alfa-talassemia) na população geral de Porto Alegre, é de 3,7% (5,4% em negros e 2,5% em brancos). Entretanto, das 1.615 amostras que analisamos, apenas em duas se identificou a presença de HbBarts (0,12%). Essa freqüência, muito inferior à encontrada previamente, provavelmente se deve à técnica utilizada.

A falha em detectar bandas rápidas, característica da HbBarts, já foi documentada como conseqüência do armazenamento em papel filtro. Neste meio, as hemoglobinas perdem sua estabilidade devido à oxidação do ferro da fração heme e à ação de resíduos de glutamina e asparagina na molécula protéica. Este efeito é progressivo em relação ao tempo da coleta até a realização da eletroforese (Kinney et al., 1989; Kutlar et al., 1990). A média de tempo entre a coleta e a realização da eletroforese por focalização isoelétrica, foi de 22 dias neste estudo e esse período certamente colaborou para a baixa sensibilidade em detectar a HbBarts. Entretanto, até o momento, não existem evidências que sugiram que a identificação precoce da a-talassemia tenha impacto na saúde dos recém-nascidos (Kinney et al., 1989).

Salzano et al. (1968), através de exames realizados na rotina de um laboratório público de Porto Alegre, encontraram uma freqüência de HbAS de 6.8%, HbAC de 1%, HbSC de 0,1% e HbSS de 0,1% em uma população negróide formada em sua maioria por adultos. Entretanto, considerando apenas as crianças menores de nove anos, o traço falciforme foi encontrado em 3,5% dos indivíduos (Salzano et al., 1968; Tondo e Salzano, 1962). A freqüência encontrada neste estudo para portadores do gene da Doença Falciforme, foi de 1,2% e para portadores do gene da Doença da Hemoglobina C, foi de 0,4%. Assim, 1,6% da amostra estudada, apresentou uma variante da hemoglobina que pode acarretar uma doença em que a intervenção precoce reduz suas conseqüências.

Esses dados sugerem que a inclusão da triagem neonatal para hemoglobinopatias nos projetos já implementados para fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, apresenta muitas vantagens e deve ser considerado pelos programas de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002

Histórico

  • Revisado
    12 Nov 2001
  • Aceito
    25 Jan 2002
  • Recebido
    13 Maio 2000
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