EDITORIAL
IObservatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. wcaiaffa@medicina.ufmg.br
IIIntercambios Asociación Civil, Buenos Aires, Argentina. Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina
Usuários de cocaína (UC) apresentam inúmeros agravos à saúde, como as infecções pelo HIV, hepatite B (HBV), hepatite C (HCV) e sífilis, cujas taxas de prevalência são superiores às da população geral.
Considerando a marcada redução do número de UC que injetam, principalmente na América do Sul, o papel de outros fatores deve ser cuidadosamente avaliado no entendimento da dinâmica das infecções pelo HBV e HCV, para elucidar ações de saúde pública objetivando reduzir a difusão destes patógenos. A exposição parenteral é fundamental, sendo amplamente documentada na literatura. Não obstante, parte substancial dessas infecções não apresenta história de exposição parenteral, sendo impreciso o papel de fatores como as contaminações com material não esterilizado, uso compartilhado de utensílios para cheirar ou fumar cocaína e sexo desprotegido.
Recentemente, na Argentina e Uruguai, achados consistentes se encaixam sugerindo que o HBV associa-se à transmissão via contato sexual desprotegido e que o compartilhamento de canudos é relevante na possível disseminação do HCV entre UC não injetáveis com destaque, nesta última, para as interações de possíveis redes sociais com UC injetáveis e/ou pessoas que vivem com HIV/AIDS.
Entretanto, a epidemiologia dessas infecções entre UC continua incompletamente elucidada, sugerindo que ademais ao modelo de risco individual, dever-se-á pensar em um modelo que vá além, incluindo abordagens microssociais, macrossociais e estruturais.
Dentro desta perspectiva podemos elencar: (1) globalização: deslocamento do consumo de usuários injetáveis rumo a estratos sociais mais numerosos representados pelos não injetáveis e disponibilização da cocaína e derivados em termos continentais; (2) desigualdades: contribuição desproporcional de segmentos socialmente vulneráveis da população na disseminação de infecções; (3) fragilidade institucional: intervenções modestas em estratégias de prevenção, incluindo redução de riscos e disponibilização de imunização, aconselhamento ou tratamento; (4) redes sociais: intensas inter-relações de contatos potencialmente de risco, traduzidas ou não em interações efetivas de risco, colocando em situação de exposição um indivíduo infectado e um ou mais indivíduos suscetíveis; (5) urbanização acelerada: resultando em contextos urbanos com intensificação e potencialização de todos os fatores acima acompanhados de sobrecarga generalizada dos sistemas de atenção aos usuários de droga, seja do ponto de vista da saúde, seja da assistência social e do sistema de justiça penal.
Considerando que a interconectividade entre globalização, urbanização e difusão das doenças infecciosas não é nova, como elucidado pela pandemia da AIDS, um dos exemplos mais impressionantes da convergência da mobilidade das populações, urbanização e interface inter-humana, o que está faltando?
Os modelos analíticos mais comumente aplicados em saúde pública limitam nossas possibilidades de inferência sobre a determinação do comportamento de saúde por multifatores, provavelmente relacionados, entre os diferentes níveis de influência (indivíduos, redes sociais, vizinhança, governos). Modelagem dinâmica como sistemas complexos podem ser úteis, permitindo a adoção de uma abordagem epidemiológica social no comportamento de saúde e do uso de drogas, em particular, fornecendo um modelo integrado que permite incorporar fatores em múltiplos níveis de influência. A partir da conciliação de diferentes métodos e níveis de investigação, respostas advirão permitindo um entendimento aprofundado da dinâmica das redes sociais e suas multi-interconectividades.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Out 2011 -
Data do Fascículo
Set 2011