Resumos
Estudo transversal com 3.817 pré-escolares, 1.770 residentes em Salvador, Bahia, Brasil, e 2.047 nas áreas urbana e rural de 10 municípios baianos. Utilizou-se recordatório de 24 horas (R24h) e empregou-se análise fatorial por componentes principais com objetivo de identificar e comparar os principais padrões alimentares dessas crianças. Estratificou-se a amostra por idade e área. Antes dos seis meses de vida o leite materno compôs o 2o e 3o padrões com carga positiva para crianças dos dez municípios. Para menores de 17 meses, o padrão 1 foi caracterizado por leite de vaca, farinhas e açúcares. Em áreas urbanas, pão/biscoito, arroz, feijão e carne integraram o padrão 2 aos 6-17 meses. Aos 18-23 meses, o padrão 1 apresentou carga negativa para açúcares, leite de vaca e farinhas, exceto na área rural. Frutas não fizeram parte do padrão 1 no grupo de 24 meses e mais. Observou-se baixo consumo de leite materno e pouca variação de frutas e legumes a partir dos seis meses. Tal perfil de consumo alimentar indica a necessidade de intervenções cada vez mais precoces para promoção de hábitos alimentares saudáveis.
Comportamento Alimentar; Hábitos Alimentares; Pré-Escolar
This cross-sectional study included 3,817 preschool children, of whom 1,770 in Salvador, Bahia State, Brazil, and 2,047 in urban and rural areas from nine other municipalities (counties) in the same State. The study used 24-hour recall and principal components analysis to identify and compare dietary patterns. The sample was stratified by age and area. In the first six months of life, breast milk composed the second and third patterns, with positive loadings for children in all 10 municipalities. For children under 17 months of age, pattern 1 was characterized by cow’s milk, flour, and sugar, except in rural areas. Pattern 2 was similar for children aged 6-17 months and consisted of bread/cookies, rice, beans, and meat. For children 18-23 months of age in urban areas, pattern 1 showed negative loadings for sugar, cow’s milk, and flour. In children over 24 months of age, fruits were not part of the first pattern. The study showed low consumption of milk and low variety of fruits and vegetables. This food consumption profile indicates the need for early interventions to promote healthy eating habits.
Feeding Behavior; Food Habits; Preschool Child
Estudio transversal realizado con 3.817 niños en edad preescolar, 1.770 residentes en Salvador, Bahía, Brasil, y 2.047 en las zonas urbanas y rurales de 10 municipios de Bahía. Se utilizó el recordatorio de 24 horas (R24h) y el análisis de componentes principales, con el fin de identificar y comparar los hábitos alimentarios. Se estratificó la muestra según edad y área. Antes de los 6 meses de vida, la leche materna compone los 2o y 3o patrones, con cargas positivas en los niños de 10 municipios. Para los menores de 17 meses, el patrón 1 se caracteriza por leche de vaca, harina y azúcar. El patrón 2 fue similar en niños de 6 a 17 meses y consistía en frijoles, carne, pan/galletas, arroz. Para niños de 18 a 23 meses en las zonas urbanas el patrón 1 mostraron cargas negativas en azúcares, leche y harina. Teniendo en cuenta el grupo de mayores de 24 meses, las frutas no eran parte del primer patrón. Se encontró un bajo consumo de leche y baja variabilidad de frutas y hortalizas. Este perfil indica la necesidad de intervenciones cada vez más tempranas para promover hábitos alimenticios saludables.
Conducta Alimentaria; Hábitos Alimenticios; Preescolar
Introdução
O padrão alimentar é definido por um conjunto ou grupo de alimentos consumido habitualmente por indivíduos e populações 1. A qualidade e quantidade dos alimentos que integram o padrão alimentar podem caracterizar o insuficiente, bem como o excessivo consumo de alimentos 2. As crianças são as mais afetadas pela ingestão não saudável de alimentos. Nessa fase da vida, em que as necessidades nutricionais estão aumentadas, a escassez e a qualidade inadequada dos alimentos podem colocar em risco o crescimento e desenvolvimento e desencadear importantes problemas de saúde, a exemplo do déficit ponderal e/ou linear, anemia ferropriva e hipovitaminose A 3 , 4 , 5 , 6. Por outro lado, o consumo alimentar excessivo pode promover o ganho exagerado de peso e favorecer a ocorrência de doenças crônicas 2. Os padrões dietéticos adotados nos primeiros anos de vida podem se associar a desfechos de saúde não só na infância, mas também na idade adulta 7 , 8 , 9.
O conhecimento do padrão alimentar de crianças constitui importante estratégia para promover a alimentação saudável, com intuito de previnir doenças, que possam repercutir no estado de saúde e nutrição desse grupo populacional. Apesar da relevância do tema, ainda são escassos os estudos que avaliam comparativamente o padrão alimentar de crianças que vivem em áreas geográficas circunvizinhas, com diferentes características socioeconômicas e ambientais 10 , 11, a exemplo dos espaços urbanos e rurais de municípios baianos. O estudo comparativo, entre e dentre os municípios e áreas circunvizinhas, pode revelar a existência de diferentes níveis de consumo que variam segundo aspectos socioeconômicos 12 , 13, culturais e da qualidade e do acesso da assistência à saúde, conhecidos determinantes do padrão alimentar de grupos populacionais 10 , 14 , 15.
Tradicionalmente, a metodologia usada nos estudos que analisam o padrão alimentar considera o conteúdo de energia e a disponibilidade de macro e/ou micronutrientes da dieta, frequentemente associando-os às deficiências nutricionais 10 , 16 , 17. No entanto, a esse respeito, desde 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que o consumo alimentar seja avaliado com base em alimentos ao invés de nutrientes 18, o que permitiria construir com mais fidedignidade o padrão alimentar de grupos populacionais.
O objetivo deste estudo foi identificar e comparar qualitativamente os padrões alimentares das crianças menores de cinco anos de idade residentes na cidade do Salvador, e nas áreas urbanas e rurais de dez municípios do Estado da Bahia, Brasil, segundo faixa etária das crianças.
Metodologia
Trata-se de estudo de base populacional conduzido com 3.817 crianças menores de cinco anos de idade. Dessas, 1.770 eram residentes na área urbana de Salvador e 2.047 em área urbana e rural de dez municípios da Bahia selecionados de forma aleatória em cada região geográfica do estado, com a finalidade de contemplar as diversidades sociais e econômicas existentes, adotando-se critérios pré-definidos, a saber: extensão territorial menor que 500km 2; número de habitantes entre 10 mil e 15 mil e maiores taxas de urbanização 19. A amostra foi constituída por dez municípios localizados em cinco mesorregiões: centro sul baiano (Itiruçu, Santa Inês), Metropolitana de Salvador (São Félix e Salinas das Margaridas), nordeste baiano (Acajutiba e Cipó), mesorregião sul (Gongogi e Milagres) e centro norte baiano (Presidente Dutra e Serrolândia).
Os dados são oriundos de dois estudos transversais, intitulados Condições de Vida, Saúde e Nutrição na Infância em Salvador 17 e Indicadores Sociais e Econômicos no Diagnóstico e Planejamento em Nutrição e Saúde 19, realizados, respectivamente, de janeiro a fevereiro de 1996 em Salvador, e março de 1999 a março de 2000 nos dez municípios previamente apresentados. A estratégia amostral, da primeira investigação, baseou-se em conglomerados em três estágios, em que o setor censitário foi a unidade primária de seleção, o domicílio a secundária e a criança a unidade terciária. Em cada domicílio sorteado, caso existisse mais de uma criança na faixa etária potencialmente elegível, somente uma era sorteada para participar do estudo 17. A estratégia amostral, da segunda investigação, realizada nos dez municípios, baseou-se em uma amostra aleatória estratificada com alocação proporcional, segundo a zona de residência, urbana e rural, sorteando uma criança por domicílio 19.
Em ambas as investigações, foram realizadas visitas domiciliares para a obtenção de informações sobre as condições socioeconômicas, demográficas e do consumo alimentar das crianças. Utilizou-se um único inquérito recordatório de 24 horas (R24h) para avaliar o consumo alimentar. As informações foram fornecidas pela mãe ou o responsável pela criança e foram registradas em formulários padronizados. Buscou-se obter apenas a ingestão usual de alimentos, por esse motivo, não houve entrevistas aos domingos e segundas-feiras, pela maior possibilidade de consumo de alimentos atípicos nas 24 horas anteriores 20. As informações foram coletadas por nutricionistas e estudantes de nutrição treinados. Para minimizar as fontes de erro (viés de memória) originadas da informação sobre o consumo alimentar, utilizou-se um álbum com desenhos de alimentos e utensílios nas suas dimensões normais em diferentes tamanhos, e de medidas-padrão de líquidos apresentadas aos entrevistados no momento da coleta dos dados 21 , 22. Os dados sobre o consumo alimentar foram digitados e processados empregando-se o software Virtual Nutri versão 1.0 (Philipi ST, Szarfac SC, Latterza AR. Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil).
Com tais informações, foram obtidos os alimentos e/ou preparações consumidos pelas crianças, os quais integraram 19 grupos de alimentos com base nas características nutricionais 23 e na forma de consumo habitual dos alimentos; assim, constituídos: grupo 1 – farinhas (creme de milho, farinha de trigo, farinha de mandioca, aveia, Cremogema, amido de milho, Mucilon); grupo 2 – pães/biscoitos/bolos; grupo 3 – legumes/tubérculos (abóbora, beterraba, cenoura, chuchu, quiabo, batata-inglesa, aipim, inhame, pepino, tomate e batata-doce); grupo 4 – frutas (banana, acerola, laranja, maçã, mamão, manga, lima, maracujá, melancia, melão, abacate, caju, goiaba, umbu, sucos naturais de fruta); grupo 5 – produtos açucarados (açúcar, doce de frutas, mel, melaço de cana); grupo 6 – leite e derivados (leite de vaca em pó integral, instantâneo e modificado, leite in natura , leite fermentado, iogurte, queijo e requeijão); grupo 7 – sopas (sopas de massas, de legumes, de massas com legumes, de legumes com feijão); grupo 8 – carnes e vísceras (carnes bovina, de carneiro e suína, fígado); grupo 9 – leguminosas (feijão, ervilha, soja); grupo 10 – leite materno; grupo 11 – gorduras (óleos vegetais, manteiga e margarina); grupo 12 – pescados (peixes, camarão e mariscos); grupo 13 – ovos; grupo 14 – aves (frango e peru); grupo 15 – refrigerantes/sucos artificiais (refrigerantes e sucos industrializados); grupo 16 – achocolatados (chocolate líquido/pó); grupo 17 – guloseimas (salgadinhos industrializados, batata frita industrializada, pizza, balas e sorvete); grupo 18 – arroz; grupo 19 – macarrão.
Foi empregada a análise fatorial exploratória por componentes principais para identificar os padrões alimentares, utilizando-se o método de análise de componentes principais. Esse método permite que os grupos alimentares sejam combinados com base no grau de correlação entre eles. Para avaliar a aplicabilidade da análise fatorial exploratória foi adotado o teste estatístico de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) 24 e o teste de esfericidade de Bartlett. Os valores do KMO variaram de 0,524 a 0,754 conforme o tamanho da amostra e o teste de esfericidade de Bartlett foi significante com p ≤ 0,001 25. Esses testes foram desenvolvidos para todos os estratos analisados (capital, urbano e rural).
O número mínimo recomendado para compor a amostra deve ser cinco vezes o número de itens alimentares do questionário 25. O tamanho amostral não atendeu a esse pressuposto para crianças de 18 a 23 meses residentes nas áreas rurais dos dez municípios, onde o número de 74 crianças foi insuficiente para realizar as análises.
A confiabilidade da inclusão do grupo alimentar e a manutenção no modelo fatorial foram avaliadas por meio do percentual da variância explicada, também conhecido como comunalidade. Usou-se a rotação ortogonal varimax para melhorar a obtenção e interpretação dos fatores retidos das cargas fatoriais. O número de fatores a serem retidos foi definido tomando por base os critérios de autovalores maiores do que a unidade e o gráfico screeplot , em que os pontos de maior declive indicam o número de fatores a ser considerado na análise 25. Tendo por base esses dois critérios, sempre concordantes em todas as análises, foram identificados dois a três padrões alimentares, conforme a faixa etária e área de residência das crianças investigadas. Os grupos que contribuíram para a caracterização de cada padrão foram aqueles com cargas fatoriais ≥ 0,3 ou ≤ -0,3; com nível de significância de 0,05 e poder de 80%, sendo considerada a maior saturação da carga fatorial 25, conforme os estratos analisados (capital, urbano e rural). Apenas os grupos selecionados segundo esses critérios foram apresentados. O grupo alimentar cujo percentual de variância foi menor do que 10% foi excluído da análise fatorial 25.
A participação das crianças nas pesquisas de Salvador e nos dez municípios do Estado da Bahia foi dependente da concordância dos pais ou responsáveis. A pertinência ética dos dois estudos foi atestada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Professor Edgar Santos (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Atendendo aos pressupostos éticos, as crianças que necessitaram de atendimento foram encaminhadas para o serviço de saúde para os cuidados médicos necessários.
Resultados
A estratificação por idade utilizada na apresentação dos resultados (< 6 meses, 6 a 17 meses, 18 a 23 meses e 24 meses e mais) foi adotada para contemplar a diversidade que existe na alimentação das crianças em cada faixa etária, e também considerando as recomendações para o aleitamento materno do Ministério da Saúde brasileiro 26.
A caracterização da população do estudo segundo sexo e idade indicou distribuição similar dessas variáveis entre os estratos em todas as localidades investigadas ( Tabela 1 ).
Características demográficas da população menor de 5 anos de idade, segundo área de residência. Salvador, Bahia, Brasil, 1996 e 1999/200.
Para as crianças < 6 meses de idade foram extraídos dois padrões de consumo para as crianças de Salvador ( Tabela 2 ). A análise fatorial exploratória identificou que os padrões alimentares explicaram 68,2% do total da variabilidade do consumo alimentar das crianças. O padrão alimentar 1 foi composto predominantemente por farinhas, leite de vaca e derivados e açúcares. A carga negativa identificada para o leite materno indicou impacto inverso no fator, pois à medida que outros alimentos são incluídos no esquema alimentar da criança, o leite materno vai tendo consumo diminuído ao ser substituído por esses alimentos, possivelmente pelo leite de vaca. O segundo padrão alimentar foi composto por frutas e legumes/tubérculos, ambos com carga positiva. Para crianças residentes na área urbana dos dez municípios foram extraídos três padrões, explicando 80,3% do total da variabilidade do consumo alimentar. O segundo padrão foi composto por frutas e legumes/tubérculos, ambos com carga positiva. O terceiro padrão foi composto apenas por leite materno com carga fatorial positiva. Para aquelas residentes na área rural dos dez municípios foram extraídos dois padrões de consumo, explicando 76,4% da variabilidade. O primeiro padrão foi composto por farinhas, leite de vaca e derivados e açúcares, e o segundo padrão por leite materno e frutas ( Tabela 2 ).
Para as crianças entre 6 e 17 meses de idade, os alimentos que integraram o consumo alimentar originaram três padrões, independentemente da área de residência ( Tabela 3 ). Para as crianças residentes na cidade de Salvador, os padrões identificados explicaram 50,7% da variabilidade do consumo alimentar. O primeiro padrão foi formado por açúcares, leite de vaca e derivados, leite materno (carga negativa) e farinhas. O padrão 2 foi composto por pão/biscoitos, arroz, feijão e carnes. Identificou-se que frutas e legumes/tubérculos, macarrão e frango compuseram o terceiro padrão. Para aquelas crianças dos dez municípios das áreas urbanas, os três padrões retidos explicaram 46,4% da variabilidade do consumo. O primeiro padrão alimentar foi formado por açúcares, leite de vaca e derivados, leite materno (carga negativa) e farinhas. O segundo padrão foi composto por pão/biscoitos, arroz, feijão e carnes, e no terceiro padrão foram encontrados frutas, legumes/tubérculos, macarrão e gorduras. Para crianças da área rural, os padrões retidos explicaram 51,4% da variabilidade do consumo. O primeiro padrão alimentar foi formado por açúcares, leites de vaca e derivados, leite materno (carga negativa) e farinhas. Arroz, feijão e carnes compuseram o segundo padrão; frutas, legumes/tubérculos e gorduras, o terceiro padrão ( Tabela 3 ).
Para as crianças de 18 a 23 meses, foi possível identificar três padrões de consumo alimentar entre residentes em Salvador, tendo explicado 43,5% da variabilidade da ingestão de alimentos ( Tabela 4 ). O padrão alimentar 1 das crianças de Salvador foi formado pelos açúcares, leite de vaca e derivados, leite materno e farinhas. Similarmente ao ocorrido nas demais idades, o leite materno apresentou carga fatorial negativa. O padrão 2 foi constituído por pão/biscoito, arroz, feijão, carnes e gorduras. Os grupos alimentares que formaram o padrão 3 foram as frutas, legumes/tubérculos e macarrão. Dois padrões alimentares foram extraídos para as crianças residentes nas áreas urbanas dos dez municípios. Os padrões identificados explicaram 36,1% da variabilidade do consumo alimentar. O primeiro padrão de consumo foi formado pelos açúcares, leite de vaca e derivados, pão/biscoitos, arroz, farinhas, e carnes. Ressalta-se que três desses grupos que são característicos da dieta láctea (açúcares, leite de vaca e derivados e farinhas) apresentaram carga fatorial negativa. O segundo padrão foi composto por macarrão (carga negativa), feijão, frango e ovos ( Tabela 4 ). Não foi possível extrair nenhum padrão de consumo para crianças residentes na área rural, uma vez que o tamanho amostral não atendeu ao pressuposto da técnica estatística conforme explicado anteriormente 25.
Os padrões de consumo das crianças de 24 meses de idade e mais, segundo as áreas de residência, explicaram 56,7% (capital), 37,5% (áreas urbanas) e 41,7% (áreas rurais) da variabilidade do consumo alimentar ( Tabela 5 ). Foram observados três padrões de consumo, independentemente da área de residência das crianças. No padrão alimentar 1 das crianças de Salvador, predominou o arroz, macarrão, feijão e carnes. O macarrão apresentou carga fatorial negativa, indicando a tendência desse item ser substituído à medida que outro item seja incluído no cardápio. O padrão 2 foi integrado por açúcar, leite de vaca e derivados e farinhas; enquanto o padrão 3 foi composto por pão/biscoito e gorduras. O padrão 1 de consumo das crianças da área urbana dos municípios, foi composto por açúcares, leite de vaca e derivados, arroz, farinhas e feijão. Arroz e feijão apresentaram carga fatorial negativa. O padrão 2 foi formado por frutas, pão/biscoito e gorduras e o terceiro padrão foi integrado por frangos, carnes e sopa, sendo observada carga fatorial negativa para frango e sopa. O primeiro padrão de consumo das crianças da área rural foi composto por açúcares, legumes/tubérculos, pão/biscoito, farinhas (carga negativa) e frango. O padrão 2 foi integrado por leite de vaca e derivados, arroz, feijão, carnes e sopas, sendo observado leite de vaca e derivados e sopas com carga fatorial negativa. Frutas, macarrão e gordura compuseram o terceiro padrão ( Tabela 5 ).
Discussão
Em 1996 e 1999/2000, o padrão de consumo das crianças menores de 24 meses de idade da capital e de dez municípios de pequeno porte do Estado da Bahia, era predominantemente lácteo integrado por leite de vaca, farinhas e açúcares; os dois últimos utilizados na preparação de mingaus e espessantes. O leite materno teve baixo impacto no consumo das crianças investigadas, em especial para aquelas de Salvador.
A dieta nesse período da vida tem sido caracterizada como monótona 10 , 12. Diante da diversidade de alimentos, especialmente frutas, legumes e verduras, existentes no Nordeste brasileiro, a concentração do consumo nos itens alimentares verificados poderia caracterizar a monotonia da dieta das crianças deste estudo. É conhecido que a reduzida diversidade da dieta pode colocar em risco o crescimento e o desenvolvimento adequados e ainda contribuir para a ocorrência das carências específicas de micronutrientes 4.
O padrão alimentar de crianças entre 6 e 11 meses de idade observado por Farias Júnior & Osório 10 em Pernambuco também foi caracterizado por elevado consumo de leite de vaca, açúcar e amido de milho, embora nessa idade também estivesse presente a alimentação da família na dieta da criança. Estudo realizado na cidade de Pelotas (Rio Grande do Sul) também identificou em crianças entre 12 e 24 meses de idade padrão alimentar similar quanto aos componentes leite materno e leite de vaca, embora as cargas fatoriais apresentassem valores inversos, tendo o leite materno carga fatorial positiva e leite de vaca com carga negativa 12. Em direção oposta ao observado neste estudo, o padrão alimentar de crianças australianas entre 14 e 24 meses de idade foi caracterizado por frutas, grãos, vegetais, queijo e nozes 27.
O leite materno teve maior participação no esquema alimentar das crianças antes dos primeiros 6 meses de vida para as crianças dos dez municípios; o leite materno compôs o segundo e terceiro padrões com carga positiva. Em Salvador, o leite materno compôs o primeiro padrão de consumo das crianças do nascimento até os 23 meses de idade sempre com carga fatorial negativa, o que indica a sua substituição por leite de vaca. Na idade de 6 a 17 meses, o leite materno, com carga fatorial negativa, passou a compor o primeiro padrão das crianças residentes nas áreas urbana e rural dos dez municípios. O leite materno deixou de compor quaisquer padrões de consumo a partir dos 24 meses de idade.
A integração do leite materno no primeiro fator com carga fatorial negativa e nos 2 o e 3 o padrões de consumo, indicou a menor dimensão ou ordem de grandeza desse item no padrão dietético das crianças, quando o preconizado seria o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade, cujas evidências consistentes revelam as vantagens nutricionais e protetoras contra doenças 28.
O oferecimento precoce de outros alimentos diferentes do leite materno às crianças, independentemente da área de residência nos dez municípios, tem ampla disseminação. Ainda antes dos seis primeiros meses de vida a inclusão das frutas e legumes/tubérculos foi feita precocemente, já se expressando no 2 o padrão de consumo tanto para as crianças de Salvador, quanto para aquelas do interior urbano dos dez municípios do estado, embora para as crianças do interior rural somente as frutas integraram o padrão de consumo nessa idade.
A partir dos 24 meses de idade, foi mantido o consumo dos açúcares, leite de vaca e derivados e farinhas, demonstrando a construção da dieta predominantemente láctea, acrescida de outros itens alimentares da dieta familiar a exemplo do arroz, pão/biscoito, feijão, farinha, carnes ou frango e gorduras, expressando os diferentes padrões de consumo para todas as crianças das áreas investigadas. Assim, identificou-se padrão misto de dieta, com baixa variabilidade ou ausência das frutas, legumes e tubérculos nos padrões identificados.
É esperado que o padrão alimentar da população investigada seja determinado pelo acesso e pela qualidade do alimento no domicílio, condições influenciadas pelas situações econômicas, sociais e culturais 29 , 30 em que vivem as famílias nos grandes e pequenos centros urbanos dos municípios brasileiros, construindo diferentes padrões de consumo alimentar, particularmente na infância. Panigassi et al. 30, analisando a dieta de famílias consideradas em insegurança alimentar, encontraram que a restrição quantitativa de alimentos proporcionou dieta monótona naquela população, semelhante ao constatado neste estudo. Apesar da ausência de avaliação sobre segurança alimentar neste estudo, pode-se cogitar que parte da monotonia da dieta consumida pelas crianças possa ser atribuída à restrição de alimentos, considerando a conhecida carência econômica do Nordeste brasileiro 29.
As evidências indicam que em locais onde são piores as condições de vida, como as encontradas nas áreas rurais e centros urbanos de municípios do interior do Nordeste brasileiro, a prática da alimentação saudável nos dois primeiros anos de vida, representada especialmente pelo aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida e complementada pelo menos até os dois anos de vida pode impactar positivamente no estado de saúde e nutrição não só na infância, mas repercutir positivamente na idade adulta 31.
Este estudo tem a limitação de utilizar um único R24h para construir os padrões dietéticos das crianças investigadas, podendo não refletir seus hábitos alimentares. Embora esse método não represente a ingestão habitual de um indivíduo, a sua precisão aumenta quando a amostra é constituída por número elevado de indivíduos 32 , como observado nesta investigação. Por outro lado, estudo comparativo de padrões alimentares de crianças obtidos por questionário de frequência alimentar e por R24h encontrou similaridades nos resultados ao utilizar análise de componentes principais 33.
Ressaltam-se limitações relacionadas à época da realização do estudo, já que os padrões de consumo observados podem não representar o padrão atual de consumo das populações estudadas. Diferenças temporais da coleta dos dados entre os dois estudos também devem ser levadas em conta, pois o estudo nos 10 municípios foi iniciado três anos após àquele realizado em Salvador, chamando a atenção que nas sociedades em desenvolvimento, como a brasileira, o consumo de alimentos ultraprocessados vem crescendo mesmo entre segmentos de menor nível socioeconômico 15. Contudo, a introdução desses alimentos tem sido mais rápida nas áreas urbanas de municípios de grande porte do que nas áreas rurais. Dados nacionais, oriundos da Pesquisa de Orçamentos Familiares, mostram que nos anos 2002/2003 a participação dos alimentos industrializados na compra familiar foi 358% maior nas áreas urbanas, comparado às áreas rurais em 2002/2003 15 , 34. Considerando que a coleta nos dez municípios ocorreu em período posterior ao de Salvador, a questão da temporalidade pode estar minimizada porque a mudança nos padrões dietéticos tem ocorrido de forma mais lenta na área rural.
Destaca-se a utilização da metodologia mais robusta, a exemplo da análise fatorial, para caracterizar o padrão alimentar de populações. No entanto, não passa despercebido que a técnica da análise fatorial, como qualquer outro procedimento estatístico, possui algumas limitações, a exemplo da subjetividade na interpretação dos resultados e pré-especificação do número de padrões a serem analisados.
Independentemente das limitações apresentadas, o presente estudo se torna relevante por caracterizar o padrão alimentar de crianças menores de cinco anos de diferentes municípios da Bahia em período de acelerada transição nutricional.
Os padrões alimentares das crianças investigadas apresentaram, em geral, baixo consumo de leite materno aliado à baixa variabilidade de alimentos a partir dos seis meses de idade, a exemplo de frutas e legumes, indicando monotonia da dieta, indepentendemente da faixa etária ou local de residência. Esses achados reforçam a ideia de que são necessárias intervenções cada vez mais precoces para promoção de hábitos alimentares saudáveis como uma ferramenta para promover impacto positivo na prevenção de doenças.
Agradecemos às crianças e suas famílias que participaram deste estudo. A pesquisa Condições de Vida, Saúde e Nutrição na Infância em Salvador foi financiada pelo Ministério da Saúde e a pesquisa Indicadores Sociais e Econômicos no Diagnóstico e Planejamento em Nutrição e Saúde foi patrocinada pela FINEP (convênio 64.96.0564.00) e pelo Ministério da Saúde/Centro Colaborador Nordeste II (convênio 567/99).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan 2014
Histórico
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Recebido
14 Nov 2012 -
Revisado
19 Jul 2013 -
Aceito
01 Ago 2013