Resumo:
O objetivo do estudo foi identificar as múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho, independentemente do motivo relatado pelos professores (n = 6.510). Foram utilizados dados de um inquérito telefônico sobre a saúde, condições de trabalho e absenteísmo entre professores da Educação Básica no Brasil (Estudo Educatel, 2015/2016). As exposições foram identificadas e estudadas por meio da análise de componentes principais e regressão de Poisson, com foco nas condições de trabalho e na qualidade da gestão nas escolas. Três componentes de fatores de risco para faltar ao trabalho foram identificados. O componente 1 foi caracterizado pela falta de oportunidade para novos aprendizados, insuficiência de tempo para a realização das tarefas, percepção de cerceamento da autonomia e baixo ou nenhum apoio social no ambiente escolar; o componente 2 pela percepção de alta exigência das tarefas, ambiente agitado devido à indisciplina dos alunos e ruído intenso; e o componente 3 pela vivência de violência verbal ou física praticada pelos alunos. Os três componentes apresentaram maior magnitude de associação às faltas ao trabalho diante do relato de estresse na escola (RPa = 3,87; IC95%: 2,93-5,10; p < 0,05/RPa = 3,18; IC95%: 2,47-4,09; p < 0,05/RPa = 3,31; IC95%: 2,58-4,25; p < 0,05, respectivamente) e por problemas emocionais (RPa = 2,28; IC95%: 1,93-2,70; p < 0,05/RPa = 2,43; IC95%: 2,05-2,87; p < 0,05/RPa = 2,09; IC95%: 1,78-2,45; p < 0,05, respectivamente). A identificação desses componentes de risco evidenciou a necessidade de mudanças sistêmicas nas escolas da Educação Básica no país.
Palavras-chave:
Absenteísmo; Professores Escolares; Fatores de Risco; Saúde do Trabalhador
Resumen:
El objetivo del estudio fue identificar las múltiples exposiciones referentes al riesgo de faltar al trabajo, independientemente del motivo informado por los profesores (n = 6.510). Se utilizaron datos de una encuesta telefónica sobre salud, condiciones de trabajo y absentismo entre profesores de Educación Básica en Brasil (Estudio Educatel, 2015/2016). Las exposiciones se identificaron e estudiaron mediante un análisis de componentes principales y regresión de Poisson, centrándose en las condiciones de trabajo y calidad de la gestión en las escuelas. Se identificaron tres componentes como factores de riesgo para faltar al trabajo. El componente 1 se caracterizó por la falta de opciones relacionadas con la actualización en formación, insuficiencia de tiempo para la realización de tareas, percepción de recortes en su autonomía y el bajo o nulo apoyo social en el ambiente escolar; el componente 2 lo fue por la percepción de alta exigencia en las tareas, ambiente convulso, debido a la indisciplina de los alumnos y ruido intenso; y el componente 3 por la vivencia de violencia verbal o física ejecutada por alumnos. Los tres componentes presentaron mayor magnitud de asociación con las faltas de trabajo, ante el informe de estrés en la escuela (RPa = 3,87; IC95%: 2,93-5,10; p < 0,05/RPa = 3,18; IC95%: 2,47-4,09; p < 0,05/RPa = 3,31; IC95%: 2,58-4,25; p < 0,05, respectivamente) y por problemas emocionales (RPa = 2,28; IC95%: 1,93-2,70; p < 0,05/RPa = 2,43; IC95%: 2,05-2,87; p < 0,05/RPa = 2,09; IC95%: 1,78-2,45; p < 0,05, respectivamente). La identificación de estos componentes de riesgo evidenció la necesidad de cambios sistémicos en las escuelas de Educación Básica en el país.
Palabras-clave:
Absentismo; Maestros; Factores de Riesgo; Salud Laboral
Abstract:
The study aimed to identify multiple exposures to the risk of work absenteeism among Brazilian schoolteachers, independently of the reasons reported by teachers (n = 6,510). The data came from a telephone survey on health, working conditions, and absenteeism among schoolteachers in Brazil (Educatel Study, 2015/2016). Exposures were identified and studied by principal components analysis and Poisson regression, with a focus on working conditions and quality of school administration. Three components of risk factors for work absenteeism were identified. Component 1 featured lack of opportunities for new learning experiences, insufficient time for performing tasks, constraints on teachers’ autonomy, and little or no social support in the school environment; component 2 was characterized by the perception of heavy demand from tasks and an agitated classroom environment due to students’ lack of discipline and intense noise; and component 3 by the experience of verbal or physical violence from students. All three components were specially associaed with stress-related work absenteeism in relation to reported stress at school (aPR = 3.87; 95%CI: 2.93-5.10; p < 0.05/aPR = 3.18; 95%CI: 2.47-4.09; p < 0.05/aPR = 3.31; 95%CI: 2.58-4.25; p < 0.05; respectively) and emotional problems (aPR = 2.28; 95%CI: 1.93-2.70; p < 0.05/aPR = 2.43; 95%CI: 2.05-2.87; p < 0.05/aPR = 2.09; 95%CI: 1.78-2.45; p < 0.05; respectively). The identification of these risk components highlighted the need for systemic changes in Brazilian Basic Education schools.
Keywords:
Absenteeism; School Teachers; Risk Factors; Occupational Health
Introdução
As investigações calcadas no clássico modelo fordista que considera o trabalhador operando em um posto no qual ele está exposto aos riscos ambientais passíveis de mensuração mostraram-se inapropriadas para abordar as relações saúde, trabalho e emprego nos tempos que correm 11. Gomez CM, Lacaz FAC. Saúde do trabalhador: novas-velhas questões. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10:797-807.. Nas últimas décadas, os avanços nos conhecimentos e técnicas de pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores indicaram as insuficiências do paradigma fordista. De fato, a área de saúde dos trabalhadores está alicerçada em conceitos e métodos de investigação que examinam as conexões entre o plano macro da estrutura social (renda, escolaridade e inserção dos adultos na força de trabalho) e o plano singular do processo saúde/doença (condições de trabalho físicas e psicossociais, morbidade, mortalidade e incapacidade dos adultos trabalhadores) 22. Barnay T. Health, work and working conditions: a review of the European economic literature. Eur J Health Econ 2016; 17:693-709..
Os professores dos ensinos Infantil, Fundamental e Médio (etapas que compõem a denominada Educação Básica no Brasil) são considerados, mundialmente, uma das categorias mais vulneráveis ao adoecimento relacionado às condições laborais 33. Kovess-Masféty V, Sevilla-Dedieu C, Rios-Seidel C, Nerrière E, Chee CC. Do teachers have more health problems? Results from a French cross-sectional survey. BMC Public Health 2006; 6:101.,44. Scheuch K, Haufe E, Seibt R. Teachers' health. Dtsch Arztebl Int 2015; 112:347., incluindo os afastamentos do trabalho por motivo de saúde 55. Shirom A, Rosenblatt Z. A panel study of the effects of school positions and promotions on absenteeism in the teaching profession. J Occup Organ Psychol 2006; 79:623-44.. Distúrbios vocais são prevalentes 66. Medeiros AM, Assunção AA, Barreto SM. Absenteeism due to voice disorders in female teachers: a public health problem. Int Arch Occup Environ Health 2012; 85:853-64., sem o reconhecimento no âmbito da legislação previdenciária específica. Situações inusitadas, como episódios de agressão entre os agentes da comunidade escolar, passam a dominar o cotidiano do trabalho 77. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.. Ampla literatura aborda os fatores relacionados à ausência do professor nas escolas quando seria esperado o seu comparecimento, processo denominado de absenteísmo 55. Shirom A, Rosenblatt Z. A panel study of the effects of school positions and promotions on absenteeism in the teaching profession. J Occup Organ Psychol 2006; 79:623-44.. Faltas ao trabalho por motivo de saúde constituem não só um indicador de saúde dos grupos populacionais 88. Kausto J, Pentti J, Oksanen T, Virta LJ, Virtanen M, Kivimäki M, et al. Length of sickness absence and sustained return-to-work in mental disorders and musculoskeletal diseases: a cohort study of public sector employees. Scand J Work Environ Health 2017; 43:358-66., mas também das condições de trabalho 99. Laaksonen M, Pitkaniemi J, Rahkonen O, Lahelma E. Work arrangements, physical working conditions, and psychosocial working conditions as risk factors for sickness absence: bayesian analysis of prospective data. Ann Epidemiol 2010; 20:332-8., das características gerais do setor 1010. van Vilsteren M, van Oostrom SH, de Vet HCW, Franche RL, Boot CR, Anema JR. Workplace interventions to prevent work disability in workers on sick leave. Cochrane Database Syst Rev 2015; (10):CD006955. e da cultura organizacional 1111. Antai D, Oke A, Braithwaite P, Anthony DS. A 'balanced' life: work-life balance and sickness absence in four Nordic countries. Int J Occup Environ Med 2015; 6:205-22..
A causalidade complexa e multifatorial desse processo está reconhecida, porém, a grande maioria dos estudos analisa os fatores de risco de forma isolada 1212. Santos MN, Marques AC. Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma cidade do sul do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:837-46.,1313. Pereira EF, Teixeira CS, Andrade RD, Bleyer FTS, Lopes AS. Associação entre o perfil de ambiente e condições de trabalho com a percepção de saúde e qualidade de vida em professores de educação básica. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2014; 22:113-9.. A fim de ampliar a perspectiva analítica, sugere-se inovar as abordagens para identificar a dinâmica em que se entrelaçam os riscos e os desfechos de caráter multicausal 1414. Steele EM, Claro RM, Monteiro CA. Behavioural patterns of protective and risk factors for non-communicable diseases in Brazil. Public Health Nutr 2013; 17:369-75.. Contudo, essa estratégia de abordagem parece não ter sido utilizada nas investigações sobre os fatores relacionados às faltas ao trabalho nas escolas, que por sua vez, ainda se pautam no paradigma fordista.
A relevância deste estudo consiste em analisar uma base de dados que abrangeu professores distribuídos no território nacional, por meio de uma metodologia ainda pouco explorada na área de saúde do trabalhador. A proposta foi desenvolvida na perspectiva de identificar de forma articulada os múltiplos riscos de faltar ao trabalho nas escolas da Educação Básica no Brasil.
O objetivo do presente estudo foi identificar as múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho, independentemente do motivo relatado pelos professores da Educação Básica no Brasil.
Métodos
Trata-se de estudo transversal que utilizou dados primários de uma amostra probabilística de professores da Educação Básica (Educatel Brasil 2015/2016 - inquérito telefônico sobre a saúde, condições de trabalho e absenteísmo entre professores da Educação Básica no Brasil).
População do estudo, amostragem e coleta dos dados
O tamanho mínimo da amostra foi definido em 6.500 professores, considerando-se o nível de 95% de confiança e 0,99% de erro máximo previsto para estimativa da prevalência de absenteísmo para toda a população de professores no Brasil. Mais informações estão publicadas em um estudo metodológico complementar 1515. Vieira MT, Claro RM, Assunção AA. Desenho da amostra e participação no Estudo Educatel. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00167217.. O acesso aos dados do Censo Escolar de 2014 1616. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar da Educação Básica 2014. http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar (acessado em 16/Set/2016).
http://portal.inep.gov.br/basica-levanta...
permitiu a estratificação da população total de professores (2.229.269) da Educação Básica do Brasil, definida de acordo com a localização geográfica (grande região e área censitária), variáveis demográficas (faixas etárias e sexo) e inserção no sistema escolar (dependência administrativa da escola, tipo de vínculo e etapa de ensino). Em seguida, os professores foram selecionados por amostragem aleatória simples em cada estrato. Um total de 13.243 professores foi então selecionado de modo a assegurar a realização do número mínimo de entrevistas estabelecido. A inclusão de um elevado número de professores no sorteio inicial foi necessária em função da expectativa de perdas decorrentes tanto da recusa de profissionais em participar do estudo (cerca de 20%) quanto da incongruência entre os dados administrativos (Censo Escolar de 2014) e o campo.
Tendo em vista a complexidade logística e o alto custo envolvidos na realização de entrevistas presenciais em uma amostra dessa magnitude, optou-se pela utilização de entrevista telefônica. A coleta de dados foi realizada entre outubro de 2015 e março de 2016. Foram considerados não elegíveis aqueles professores que, na ocasião do contato, estavam desvinculados da escola, que trabalhavam em escolas sem telefone ou nas quais o telefone registrado na fonte original dos dados estava inoperante. Para os casos elegíveis, duas situações foram consideradas: entrevistar o professor ao primeiro contato na própria escola ou em outro momento por meio de agendamento, caso fosse esta a preferência do sujeito. Até 15 tentativas de contato foram realizadas junto a cada professor selecionado (em dias e horários diferentes, incluindo período noturno e fim de semana). Aqueles não localizados após essas tentativas foram considerados não elegíveis. Chegou-se ao seguinte resultado: 119.378 ligações, 7.642 elegíveis (57,7% da lista dos sorteados), 6.510 entrevistas (85,2% de taxa de sucesso).
O questionário do Educatel foi construído em respeito às particularidades da pesquisa ao telefone e mediante a revisão de experiências nacionais e internacionais na área da saúde e, mais especificamente, saúde do trabalhador ou saúde dos professores. Trata-se de um questionário multitemático cuja adequação foi confirmada após a avaliação de cada uma das questões quanto à compreensão do enunciado e quanto ao seu objetivo. A terminologia, a organização interna do questionário, a produção das respostas, a duração da entrevista, o formato das questões (aberta ou fechada) e das alternativas de resposta foram confirmados por meio da aplicação de um teste piloto realizado junto a uma amostra de conveniência (n = 15). Mais informações estão publicadas em um estudo teórico e metodológico complementar 1717. Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00108618..
Os resultados das entrevistas foram associados a fatores de ponderação para assegurar que os totais amostrais ponderados coincidissem com os totais populacionais conhecidos para os professores da Educação Básica do país. Esses fatores de ponderação levam em conta o desenho amostral do estudo, ou seja, o inverso das probabilidades de seleção de cada um dos professores (unidade de estudo), a influência dos casos de não resposta sobre as estimativas do Educatel e um fator adicional para a equiparação da amostra àquela registrada pelo Censo Escolar de acordo com a distribuição das variáveis utilizadas no plano amostral do inquérito (pós-estratificação) 1515. Vieira MT, Claro RM, Assunção AA. Desenho da amostra e participação no Estudo Educatel. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00167217..
Organização dos dados
O absenteísmo geral foi aferido por meio da pergunta “Nos últimos 12 meses, você faltou ao trabalho pelo menos um dia (por qualquer que seja o motivo)? (não/sim)”. A resposta positiva a essa questão suscitava a investigação das razões para a falta por intermédio de seis questões, sendo que destas, apenas três foram incluídas no presente estudo (referente aos problemas mais prevalentes e ao ambiente interno da escola): “Você faltou por motivos familiares? (não/sim)”; “Você faltou porque vivenciou algo estressante na escola? (não/sim)”; “Você faltou por causa de problemas com SUA saúde? (não/sim)”. Por fim, aqueles que responderam positivamente a essa última questão (relacionada ao absenteísmo por doença) eram inquiridos por meio de seis questões. Dessas, apenas as questões referentes aos três problemas mais prevalentes foram incluídas neste estudo: “Problemas emocionais (como depressão, estresse, ansiedade)? (não/sim)”; “Problema de voz (como rouquidão, perda da voz)? (não/sim)”; “Problemas respiratórios (como asma, bronquite, rinite, sinusite)? (não/sim)”. Sete indicadores com respostas dicotômicas - não/sim - sobre faltas ao trabalho foram elaborados em consideração às perguntas arroladas.
Indicadores relacionados à qualidade de gestão e às condições de trabalho nas escolas de Educação Básica também foram utilizados. A qualidade de gestão foi aferida por meio das seguintes perguntas: “Seu trabalho exige demais de você?”; “Você tem possibilidade de aprender coisas novas em seu trabalho?”; “Você tem tempo suficiente para cumprir todas as tarefas de seu trabalho?”; “Esta escola dá oportunidade para o pessoal participar ativamente das decisões que são tomadas?”; “Existe um ambiente calmo e agradável onde você trabalha?”; “No trabalho, todos se relacionam bem uns com os outros?”; “Você pode contar com o apoio de seus colegas de trabalho?”; “Se você não tiver um bom dia, seus colegas compreendem?”; “No trabalho, você se relaciona bem com seus chefes?”; e “Você gosta de trabalhar com seus colegas?”. As opções de respostas para essas perguntas foram “frequentemente/às vezes/raramente/nunca ou quase nunca”. Cinco indicadores sobre a qualidade de gestão, com respostas dicotômicas, foram elaborados: frequentemente, às vezes/raramente, nunca ou quase nunca. As seis últimas perguntas citadas anteriormente foram utilizadas na construção do indicador “apoio social na escola” usando-se um escore baseado na somatória de suas respostas (1 ponto ao escore para cada resposta “frequentemente”, 2 para “às vezes”, 3 para “raramente” e 4 para “nunca ou quase nunca”). Os casos cujo escore foi maior que 7 (percentil 50) foram definidos como não contar com apoio social na escola 1818. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versão resumida da "job stress scale": adaptação para o português. Rev Saúde Pública 2004; 38:164-71..
Os indicadores relacionados às condições de trabalho foram elaborados com base nas seguintes perguntas: “Com que frequência, o seu ambiente de trabalho está agitado por causa da indisciplina dos alunos? (frequentemente/às vezes/raramente/nunca ou quase nunca)”; “Com que frequência, o ruído no trabalho é tão forte que você tem que elevar a voz para conversar com outra pessoa? (frequentemente/às vezes/raramente/nunca ou quase nunca)”; “Nos últimos 12 meses, você sofreu violência verbal praticada por alunos? (nunca/uma vez/duas ou mais vezes)”; “Nos últimos 12 meses, você sofreu violência física praticada por alunos? (nunca/uma vez/duas ou mais vezes)”. Ao final, baseado na frequência dessas atividades, elaboraram-se quatro indicadores sobre condições de trabalho com respostas dicotômicas: frequentemente, às vezes/raramente, nunca ou quase nunca; ou nunca/uma vez, duas ou mais vezes.
As características demográficas, geográficas e do sistema escolar foram examinadas: sexo (masculino/feminino); duas faixas de escolaridade (Ensino Fundamental ou Médio - concluído ou em andamento/Ensino Superior - concluído ou em andamento); quatro faixas de idade (≤ 34 anos/35-44 anos/45-54 anos/≥ 55 anos); grande região (Norte/Nordeste/Centro-oeste/Sudeste/Sul); área censitária (urbana/rural), tamanho da escola (≤ 10 professores/11-20 professores/21-30 professores/> 30 professores); etapa de ensino (Infantil/Fundamental/Médio/Educação de Jovens e Adultos - EJA/Profissional/duas ou mais etapas); e tipo de vínculo (concursado, efetivo, estável/contrato temporário/rede privada, contrato CLT/estável e rede privada).
Análise dos dados
Realizou-se a descrição das características demográficas, geográficas e do sistema escolar. Em seguida, estimou-se a prevalência de sete indicadores sobre os motivos das faltas ao trabalho, bem como a prevalência de nove fatores de risco relacionados à qualidade de gestão ou às condições de trabalho para o absenteísmo nas escolas brasileiras.
A identificação das dimensões de exposição para as faltas ao trabalho foi realizada por meio de análise de componentes principais (ACP). Trata-se de um método analítico exploratório que permite identificar unidades de estudo baseando-se nas semelhanças entre os indivíduos quanto às variáveis abordadas 1919. Hair JF, Black WC, Barry JB, Anderson RE. Multivariate data analysis. 7th Ed. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 2010.. No presente estudo, informações referentes às condições de trabalho dos professores e à qualidade de gestão nas escolas foram utilizadas (variáveis dicotômicas). A definição do número de componentes (ou dimensões) a ser extraído foi definida em três etapas: critério de Kaiser (eigenvalue > 1.0), scree plot e a interpretação da composição destes componentes 1919. Hair JF, Black WC, Barry JB, Anderson RE. Multivariate data analysis. 7th Ed. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 2010.. A análise baseou-se em uma matriz de correlação policórica, e a rotação oblíqua promax foi aplicada para alcançar uma estrutura mais simples e facilitar a interpretação dos resultados. Quanto maior a magnitude da carga da variável, maior a sua contribuição para o componente, sendo que apenas aquelas com magnitude maior que 0,30 (em módulo) foram consideradas como significativas 1919. Hair JF, Black WC, Barry JB, Anderson RE. Multivariate data analysis. 7th Ed. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 2010.. As cargas negativas indicam associação inversa ao componente e as cargas positivas, associação direta. Os três componentes extraídos corresponderam a cerca de 60% da variabilidade total do modelo, sendo que o primeiro componente representa a maior parcela da variabilidade do conjunto de variáveis (maior força explicativa no modelo), o segundo componente, independentemente do primeiro, explica o máximo possível a variabilidade restante, e assim por diante, sem qualquer correlação entre os componentes 1919. Hair JF, Black WC, Barry JB, Anderson RE. Multivariate data analysis. 7th Ed. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 2010..
O escore de cada indivíduo em cada componente identificado na etapa anterior foi analisado como variável independente, e os motivos das faltas ao trabalho como variáveis dependentes nos modelos. As variáveis contendo o escore dos indivíduos para cada componente (originalmente variáveis contínuas) foram transformadas em dicotômicas, considerando-se a mediana de sua distribuição como ponto de corte (dividindo o escore em alto - acima da mediana - e baixo - abaixo da mediana), no intuito de simplificar a interpretação de seu coeficiente. A associação entre cada um dos componentes e os motivos das faltas ao trabalho foi estudada por meio de modelos de regressão de Poisson, utilizados para o cálculo de razões de prevalência brutas (RPb) e ajustadas (RPa). Características demográficas, geográficas e do sistema escolar foram consideradas como potenciais variáveis de confusão nos modelos ajustados. Aquelas significativas em modelo bivariado (p < 0,20) permaneceram nas análises e foram inseridas em ordem crescente de valor de significância (valor de p) no modelo multivariado. Ao final, todas as variáveis de confusão apresentaram p < 0,05. A ponderação disponível no Educatel (corrigindo para não respostas) foi utilizada em todas as análises, exceto na ACP. O processamento dos dados e a execução de todas as análises foram realizados pelo software estatístico Stata, versão 13.1 (https://www.stata.com), levando-se em conta o delineamento complexo da amostra do Educatel.
O Educatel foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE: 48129115.0.0000.5149 e parecer nº 1.305.863).
Resultados
A população estudada pelo Educatel foi composta por 6.510 professores da Educação Básica no Brasil, maciçamente feminina (80,28%) e com nível superior de escolaridade (90,56%). Um a cada três professores tinha menos de 34 anos (32,97%) e pouco mais de um a cada dez, 55 anos ou mais (10,55%). Cerca de dois terços dos professores trabalhavam na região centro-sul do país (Centro-oeste 7,17%; Sudeste 40,51%; e Sul 15,11%) e um sexto trabalhava em áreas rurais (15,92%). Em relação ao tamanho da escola, a maioria estava inserida em escolas com mais de 30 professores (54,94%). Metade (49,79%) trabalhava em mais de uma etapa da Educação Básica e cerca de dois terços estavam formalmente vinculados ao emprego (39,56% concursado/efetivo/estável e 26,27% estável e rede privada) (Tabela 1).
Cerca de 70% reportaram faltas ao trabalho em pelo menos um dia no ano que antecedeu ao inquérito. Problemas relacionados à própria saúde foram a causa mais frequente das faltas, incidindo sobre mais da metade (53,34%) dos professores (Tabela 2). Dentre os fatores de risco para as faltas ao trabalho, a percepção de alta exigência das tarefas foi o mais prevalente (81,59%), seguido pelo relato de ambiente agitado devido à indisciplina dos alunos (70,17%) e pelo ruído intenso no ambiente de trabalho (64,02%). Destaca-se também a percepção de baixo apoio social na escola (40,63%) (Tabela 2).
A ACP permitiu identificar três componentes significativos de fatores de risco. Após a rotação, os três componentes explicaram, respectivamente, 23%, 23% e 16% da variabilidade total. O primeiro (componente 1) foi caracterizado pela falta de oportunidade para novos aprendizados, insuficiência de tempo para a realização das tarefas, percepção de cerceamento da autonomia e baixo ou nenhum apoio social no ambiente escolar; o segundo (componente 2) foi caracterizado pela percepção de alta exigência das tarefas, vivência de agitação no ambiente devido à indisciplina dos alunos e percepção de ruído intenso; e o terceiro (componente 3) pela vivência de violência verbal e física praticada pelos alunos (Tabela 3).
Os três componentes apresentaram associação positiva aos diferentes motivos de faltas ao trabalho (Tabela 4). De modo geral, os componentes 1, 2 e 3 apresentaram maior magnitude de associação às faltas ao trabalho pela ocorrência de algo estressante na escola (RPa = 3,87; IC95%: 2,93-5,10; p < 0,05/RPa = 3,18; IC95%: 2,47-4,09; p < 0,05/RPa = 3,31; IC95%: 2,58-4,25; p < 0,05, respectivamente) e por problemas emocionais (RPa = 2,28; IC95%: 1,93-2,70; p < 0,05/RPa = 2,43; IC95%: 2,05-2,87; p < 0,05/RPa = 2,09; IC95%: 1,78-2,45; p < 0,05, respectivamente). Além disso, os componentes 1 e 3 apresentaram maior associação às faltas ao trabalho por problemas respiratórios (RPa = 1,59; IC95%: 1,36-1,86; p < 0,05/RPa = 1,51; IC95%: 1,29-1,76; p < 0,05, respectivamente), e o componente 2 por problemas de voz (RPa = 2,14; IC95%: 1,85-2,47; p < 0,05) entre os professores da Educação Básica.
Discussão
Dados inéditos sobre saúde, condições de trabalho e ausência à escola permitiram identificar fatores de risco para as faltas ao trabalho em uma amostra representativa dos professores da Educação Básica no território nacional. Ao assumir o caráter multifatorial do evento, este estudo identificou uma tipologia de fatores (componentes 1, 2 e 3) associada à falta ao trabalho na escola. Destaca-se a coerência quanto à composição interna de cada componente, bem como a associação com os diferentes motivos para não comparecer à escola.
Mal-estar e adoecimento estão associados à restrição de tempo para repouso e recuperação. Provavelmente, é o caso dos professores da Educação Básica cuja jornada formal é frequentemente destinada à regência e reuniões intraescolares. Preparação de materiais, avaliação dos exercícios, provas etc são atividades comumente realizadas extra jornada formal. Em suma, está registrada a concorrência do tempo para tarefas profissionais versus o tempo para repouso e a recuperação do cansaço físico e mental 2020. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade 2009; 30:349-72.,2121. Borrelli I, Benevene P, Fiorilli C, D'Amelio F, Pozzi G. Working conditions and mental health in teachers: a preliminary study. Occup Med 2014; 64:530-2.. Insuficiência de tempo, cerceamento de autonomia e baixo ou nenhum apoio social são dimensões psicossociais que permaneceram no componente 1, expressando maior risco de faltar ao trabalho por motivos de saúde (respiratórios e emocionais) e por problemas estressantes vivenciados na escola. É possível conjecturar sobre a manifestação de uma situação que reflete globalmente um sistema de degradação do trabalho, no qual o ambiente físico, a indisciplina e as exigências das tarefas provocariam efeitos negativos sobre a saúde e o bem-estar, e provável incapacidade para desempenhar as funções 2222. Rugulies R, Christensen KB, Borritz M, Villadsen E, Bültmann U, Kristensen TS. The contribution of the psychosocial work environment to sickness absence in human service workers: results of a 3-year follow-up study. Work Stress 2007; 21:293-311.. A ocorrência do absenteísmo nessas condições retroalimenta seus determinantes, aumentando a carga de trabalho para os professores que substituem aqueles que não compareceram ou quebrando os laços de solidariedade face ao colega que se ausentou. Se for assim, tem-se um ciclo de deterioração das condições de trabalho com prejuízos tanto para a saúde dos professores quanto para o aprendizado dos alunos 2323. Penteado RZ, Pereira IMTB. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev Saúde Pública 2007; 41:236-43.,2424. Bowers T. Teacher absenteeism and ill health retirement: a review. Cambridge Journal of Education 2001; 31:135-57..
Alta exigência das tarefas, percepção de baixo apoio social, exposição ao ambiente agitado e ao ruído intenso são fatores associados às faltas ao trabalho escolar tanto em países com melhor renda per capita2525. Ervasti J, Kivimäki M, Kawachi I, Subramanian SV, Pentti J, Oksanen T, et al. School environment as predictor of teacher sick leave data-linked prospective cohort study. BMC Public Health 2012; 12:770.,2626. Notenbomer A, Roelen CAM, Van Rhenen W, Groothoff JW. Focus group study exploring factors related to frequent sickness absence. PLoS One 2016; 11:e0148647. quanto no Brasil 1212. Santos MN, Marques AC. Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma cidade do sul do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:837-46.,1313. Pereira EF, Teixeira CS, Andrade RD, Bleyer FTS, Lopes AS. Associação entre o perfil de ambiente e condições de trabalho com a percepção de saúde e qualidade de vida em professores de educação básica. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2014; 22:113-9.. O ruído intenso, além de ser o risco ambiental mais citado pelos professores, tem origem em múltiplas fontes no entorno: recreações no pátio ou jogos nas quadras esportivas, trânsito de veículos nas vias públicas, funcionamento de máquinas, ou mesmo nas próprias atividades realizadas na sala de aula 2727. Woolner P, Hall E. Noise in schools: a holistic approach to the issue. Int J Environ Res Public Health 2010; 7:3255-69.. O ruído interfere na comunicação entre professores e alunos, dificulta a memória de curto prazo, diminui a motivação, compromete a leitura e habilidades linguísticas, com prejuízos no aprendizado 2828. Jiménez-Tejada MP, Hódar JA, González-García F. Noise, what noise? Raising awareness of auditory health among future primary-school teachers. Teach Teach Educ 2012; 28:1083-90.. Análises da intensidade sonora em ambientes escolares no Brasil revelaram índices superiores ao limite recomendado pelas normas técnicas 2929. Batista JBV, Carlotto MS, Coutinho AS, Pereira DAM, Augusto LGS. O ambiente que adoece: condições ambientais de trabalho do professor do ensino fundamental. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:234-42.. Barulho e indisciplina na sala de aula são eventos associados, demandando esforço (alta exigência) do professor para recuperar a necessária tranquilidade para o desenvolvimento das atividades pedagógicas. De forma consistente, as variáveis que expressam essas três situações permaneceram no componente 2, cujo risco de faltar ao trabalho por problemas de saúde (principalmente problemas vocais e emocionais) aumentou. As respostas no nível físico, emocional e cognitivo que esse tipo de demanda (lecionar no ambiente agitado pela indisciplina e barulhento) requer do professor estão associadas a morbidades 3030. Klatte M, Lachmann T, Meis M. Effects of noise and reverberation on speech perception and listening comprehension of children and adults in a classroom-like setting. Noise Health 2010; 12:270-82. e provável ruptura da capacidade de comparecer ao trabalho.
Os resultados do Educatel são consistentes ao associar o componente 3, caracterizado pela exposição do professor aos episódios de violência verbal ou física perpetrada pelo aluno, às ausências ao trabalho devido principalmente à vivência de eventos estressantes na escola e problemas emocionais e respiratórios. Episódios de violência na escola provocam desmotivação e adoecimento do professor, afastamento do trabalho e abandono da profissão. Medo, angústia e isolamento são reações identificadas em grupos expostos 3131. Wilson CM, Douglas KS, Lyon DR. Violence against teachers: prevalence and consequences. J Interpers Violence 2011; 26:2353-71.. Sintomas emocionais foram identificados em 84% da amostra de professores canadenses que relataram experiência de violência na escola 3131. Wilson CM, Douglas KS, Lyon DR. Violence against teachers: prevalence and consequences. J Interpers Violence 2011; 26:2353-71.. A violência no trabalho é considerada em si um estressor ocupacional 3232. Barling J, Dupré KE, Kelloway K. Predicting workplace aggression and violence. Ann Rev Clin Psychol 2009; 60:671-92.. No Brasil, os transtornos mentais comuns foram significantemente associados aos relatos de violência 3333. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. Prevalência de transtornos mentais comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22:2679-91.. Vale mencionar que os problemas emocionais podem prejudicar a saúde do professor direta ou indiretamente, tornando-o mais vulnerável às doenças psicossomáticas. Dentre essas, destacam-se as agressões ao aparelho respiratório, como asma brônquica e dispneia ansiosa 3434. Contaifer TRC, Bachion MM, Yoshida T, Souza JT. Estresse em professores universitários da área de saúde. Rev Gaúch Enferm 2003; 24:215-25..
Ainda que se reconheça o caráter multifatorial das faltas ao trabalho, a clássica análise “um fator de risco para cada desfecho em saúde” prevalece na literatura especializada 3535. Catalina-Romero C, Sainz JC, Pastrana-Jiménez JI, García-Diéguez N, Irízar-Muñoz I, Aleixandre-Chiva JL, et al. The impact of poor psychosocial work environment on non-workrelated sickness absence. Soc Sci Med 2015; 138:210-6.,3636. Fernandes C, Pereira A. Exposure to psychosocial risk factors in the context of work: a systematic review. Rev Saúde Pública 2016; 50:24.. A abordagem adotada no presente estudo não só repercute uma tendência de pesquisas internacionais de analisar os desfechos reconhecidamente multicausais 3737. Seghers J, Rutten C. Clustering of multiple lifestyle behaviours and its relationship with weight status and cardiorespiratory fitness in a sample of Flemish 11- to 12-year-olds. Public Health Nutr 2010; 13:1838-46., como também favorece a elaboração de estratégias de promoção da saúde do trabalhador. Entretanto, sendo inédita em estudos ocupacionais, convém cautela na interpretação dos resultados, pois não é possível tecer comparações.
Algumas limitações do estudo devem ser mencionadas. Foram enfrentadas inconsistências na informação originada de dados administrativos quanto ao número de telefone para o contato com o professor sorteado. Mas vale destacar que as áreas das escolas (polo inicial de contato com os professores) contam com melhor cobertura telefônica quando comparadas à zona residencial. Independentemente dessa constatação, ponderação pós-estratificação foi utilizada para corrigir defasagens na cobertura 3838. Bernal RT, Malta DC, Morais Neto OL, Claro RM, Mendonça BCA, Oliveira ACC, et al. Vigitel - Aracaju, Sergipe, 2008: the effects of post-stratification adjustments in correcting biases due to the small amount of households with a landline telephone. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:163-74.. Informações autorreferidas obtidas por entrevista telefônica são passíveis de vieses. Cabe destacar, no entanto, que essa estratégia tem sido utilizada no Brasil 3939. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2016: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2017. e alhures 4040. Centers for Disease Control and Prevention. Behavioral Risk Factor Surveillance System (BRFSS). http://www.cdc.gov/mmwr/pdf/ss/ss6309.pdf (acessado em 28/Nov/2016).
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, devido ao baixo custo, rapidez e relativa simplicidade na coleta de dados quando a amostra está distribuída em vasto território. Desde a construção do instrumento até o desenvolvimento das análises estatísticas, os procedimentos foram elaborados de maneira a diminuir a probabilidade dos vieses esperados. Testes do instrumento buscaram garantir a consistência dos dados 1717. Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00108618..
Diversas ações têm sido desenvolvidas para a melhoria da Educação Básica no Brasil 4141. Dourado LF. Políticas e gestão da Educação Básica no Brasil: limites e perspectivas. Educação & Sociedade 2007; 28:921-46.. Dentre aquelas voltadas para promover a valorização dos profissionais da educação, destaca-se o Plano Nacional de Educação (PNE) em suas metas de estruturação dos planos de carreira e remuneração e apoio às relações democráticas de trabalho. De acordo com o PNE, são necessárias ações efetivas voltadas para a promoção, prevenção, atenção e atendimento à saúde e à integridade física, mental e emocional dos profissionais da educação, a fim de garantir a melhoria da qualidade dos serviços educacionais 4242. Brasil. Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei no 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf (acessado em 16/Set/2016).
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. Ao identificar o aumento das faltas dos professores ao trabalho quando expostos às condições desfavoráveis no ambiente físico e organizacional da escola, os resultados do Educatel reforçam as metas do PNE.
Os resultados descritos alertam para a gravidade do problema, uma vez reconhecidos os efeitos prejudiciais do ruído sobre a saúde dos membros da comunidade escolar 2828. Jiménez-Tejada MP, Hódar JA, González-García F. Noise, what noise? Raising awareness of auditory health among future primary-school teachers. Teach Teach Educ 2012; 28:1083-90.. A principal fonte de ruído são as próprias atividades dos professores e seus alunos. Sabe-se que não só o tamanho da turma, a idade dos alunos e a falta de experiência do professor são determinantes significativos para a exposição ao ruído, mas também o ambiente acústico inadequado da escola 4343. Kristiansen J, Lund SP, Nielsen PM, Persson R, Shibuya H. Determinants of noise annoyance in teachers from schools with different classroom reverberation times. J Environ Psychol 2011; 31:383-92.. Assim, tendo em vista as medidas de diminuição da poluição e os fatores que são passíveis de intervenção, recomenda-se o revestimento da superfície das salas de aula no intuito de promover o isolamento acústico e reduzir os efeitos de reverberação do som 4343. Kristiansen J, Lund SP, Nielsen PM, Persson R, Shibuya H. Determinants of noise annoyance in teachers from schools with different classroom reverberation times. J Environ Psychol 2011; 31:383-92..
Saúde auditiva e a violência na escola são temas relevantes para a vida em sociedade, que podem ser introduzidos nos textos escolares. Quanto ao primeiro, é possível modificar os comportamentos que sinalizam tolerância à poluição sonora dentro e fora do ambiente escolar. Planejamento de programas educativos específicos seria benéfico ao esclarecer futuros professores sobre os efeitos do ruído ambiental sobre a saúde física e mental das pessoas expostas 2828. Jiménez-Tejada MP, Hódar JA, González-García F. Noise, what noise? Raising awareness of auditory health among future primary-school teachers. Teach Teach Educ 2012; 28:1083-90.. Ações desse tipo ampliam as vias para o constante aprendizado e aperfeiçoamento da comunidade escolar. Em relação à violência, sugere-se integrar conhecimentos sobre direitos humanos e paz no conteúdo das aulas. Interessa identificar entornos escolares mais vulneráveis à violência para agir em diferentes frentes. Criar clubes de alunos para promover a paz no ambiente escolar 4444. Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura. Poner fin a la violencia en la escuela: guía para los docentes. http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001841/184162s.pdf (acessado em 30/Ago/2017).
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, definir o conceito de violência nas escolas, elaborar e divulgar diretrizes gerais de promoção de ambientes mais justos são proposições cabíveis 4545. International Labour Organization. Code of practice on workplace violence in services sectors and measures to combat this phenomenon. Geneva: International Labour Organization; 2003.. Diante da ocorrência de um evento, é razoável que os gestores, junto à comunidade escolar, garantam a confidencialidade das situações de maneira a não expor as vítimas e testemunhas. Sendo um problema de alcance nacional, os serviços de assistência à saúde do professor ao incorporar as diretrizes já divulgadas por agências e organizações sociais terão mais condições para apoiar as vítimas e promover a sua recuperação em condições humanas. A prevenção da violência concorre para aumentar a autonomia e ampliar o apoio aos professores, pois diz respeito à maneira de desenvolver políticas de relacionamento interpessoal com dignidade e respeito mútuo. Perceber-se apoiado na medida em que há margens na escola para compartilhar as angústias com os colegas ou vivenciar, sob a condução dos gestores, experiências positivas diante de situações semelhantes é um recurso fundamental para o professor enfrentar o estresse ocupacional 4646. García-Herrero S, Mariscal MA, Gutiérrez JM, Ritzel DO. Using Bayesian networks to analyze occupational stress caused by work demands: preventing stress through social support. Accid Anal Prev 2013; 57:114-23..
Lidar com os riscos de faltar ao trabalho escolar é uma maneira de observar e seguir a legislação de segurança e saúde no trabalho conforme designa a Organização Internacional do Trabalho 4545. International Labour Organization. Code of practice on workplace violence in services sectors and measures to combat this phenomenon. Geneva: International Labour Organization; 2003.. Inserir nos sistemas existentes (Censo Escolar, por exemplo) informações sobre os incidentes de violência facilitará a avaliação de risco com vista a implantar medidas de prevenção. Essas formas de apoio social diante das mazelas vivenciadas pela comunidade ampliam as fronteiras explicativas de caráter biológico, de maneira a estabelecer uma plataforma de promoção mais abrangente e eficaz à saúde do professor 4747. Reblin M, Uchino BN. Social and emotional support and its implication for health. Curr Opin Psychiatry 2008; 21:201-5.. Por fim, restrição de tempo tem a ver com o planejamento e gestão, e provável multiemprego. A modificação dessa situação depende da organização escolar, mas também do sistema educacional cujas metas já definiram o piso salarial sem que tenha sido adotado em todo país.
Conclusão
A hipótese da coexistência de múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho foi comprovada, de maneira a reforçar a primazia das metas de valorização do professor da Educação Básica no tocante ao desenvolvimento de recursos escolares. Quanto a esses, destaca-se a necessidade de diminuir o ruído ambiental, cessar a indisciplina e a violência. O incentivo a mudanças múltiplas e simultâneas na qualidade de gestão e nas condições de trabalho é necessário, beneficiando não só os professores, mas toda a comunidade escolar.
Agradecimentos
À Secretaria de Articulação de Sistemas de Ensino do Ministério da Educação, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Abr 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
23 Set 2017 -
Revisado
11 Jul 2018 -
Aceito
16 Ago 2018