Open-access Condições de saúde e de trabalho entre os professores da Educação Básica no Brasil, no contexto da Reforma da Previdência

Health and work conditions among teachers in Basic Education in Brazil in the context of the Social Security Reform

Condiciones de salud y laborales entre docentes de la Educación Básica en Brasil, en el contexto de la Reforma de la Seguridad Social

Prezadas Editoras,

Agradecemos pela apreciação do nosso artigo Múltiplas Exposições ao Risco de Faltar ao Trabalho nas Escolas da Educação Básica no Brasil1. O comentário reforça a necessidade de reflexões críticas, embasadas cientificamente, sobre as causas e repercussões do absenteísmo entre os professores da Educação Básica no Brasil. E assim, gostaríamos de compartilhar algumas reflexões diante do posicionamento do colega Ricardo Vieira Teles Filho, da Universidade Federal de Goiás.

O artigo ratifica a articulação entre as dimensões do trabalho, saúde e educação. A qualidade de gestão das escolas e as condições de trabalho ofertadas aos professores são essenciais na determinação da saúde ocupacional. O absenteísmo por problemas na voz, por exemplo, é evidenciado principalmente entre os professores que estão expostos simultaneamente à alta exigência no trabalho, à indisciplina dos alunos e ao ruído intenso no ambiente escolar 1. E esse adoecimento repercute não só no plano singular do processo saúde/doença, mas também no plano macro do setor educacional, repercutindo na qualidade do ensino e no aumento dos custos para o sistema.

O custo médio anual com o absenteísmo por doença entre os professores da Educação Básica no Brasil foi identificado por meio dos dados do Educatel, considerando a remuneração média diária e o número de faltas dos professores. Dos R$ 61,4 bilhões/ano referentes ao custo com a remuneração dos professores e professoras da Educação Básica, cerca de R$ 1,2 bilhão/ano foi estimado para o custo com o absenteísmo por doença (dados não publicados). Entretanto, esse valor está subestimado por não considerar os custos indiretos da ausência do professor na sala de aula. Segundo dados transversais de um estudo longitudinal realizado em escolas públicas de Bogotá (Colômbia), o custo referente aos professores com problemas de voz, por exemplo, é muito maior devido à perda de produtividade do que com o próprio absenteísmo e a assistência médica 2.

Esse ônus financeiro poderia ser reduzido não só com a realização de capacitações educativas para a promoção da saúde vocal, mas, principalmente, com mudanças estruturais e organizacionais nas escolas. A reestruturação das escolas no intuito de promover isolamento acústico das salas e redução dos efeitos de reverberação do som, a disponibilidade de materiais como caixa de som e microfone para os professores na sala de aula, treinamento dos professores para o uso adequado da voz e atendimentos clínicos visando à prevenção e detecção precoce dos problemas vocais são algumas opções que deveriam ser efetivamente implantadas no âmbito do cuidado ao professor.

O risco aumentado para distúrbios da voz entre os professores, comparado a outras profissões, bem como para os professores do sexo feminino comparados aos do sexo masculino, é evidenciado cientificamente 3. Além disso, a exposição dos professores aos múltiplos e coexistentes fatores de riscos à sua saúde, como alta intensidade da jornada laboral, más condições de trabalho e exposição à violência verbal e física praticada pelos alunos, também são extremamente importantes e devem pautar discussões em relação à reforma previdenciária do Brasil. Muitos debates têm sido realizados quanto à Reforma da Previdência Brasileira e suas repercussões aos professores da Educação Básica. Até o momento, o tratamento especial à aposentadoria dos professores, instalado desde a década de 1960, será mantido. Entretanto, com o aumento da idade mínima para 57 anos entre as mulheres e para 60 entre os homens 4.

Nesse contexto de exposição, alguns desafios podem ser apontados: (i) Como garantir um ensino de qualidade com altas taxas de absenteísmo por doença entre os professores? (ii) Como valorizar os professores (uma das metas do Plano Nacional de Educação) sem o reconhecimento da jornada diferenciada dos mesmos na reforma da previdência? (iii) Como incentivar novos professores a exercerem a profissão diante das condições desfavoráveis de trabalho? Esse artigo, juntamente com os demais publicados no Suplemento 1 (2019) de CSP, contribuem com as evidências de que o adoecimento da categoria está associado à configuração do trabalho, bem como com a necessidade de valorização do professor diante de suas competências e relevância para a Educação Básica no Brasil.

Diante dos cortes orçamentários no país, a realização de estudos longitudinais e com representatividade nacional tem sido cada vez mais difícil. Entretanto, seguimos na expectativa de mudanças no quadro social, econômico e político do Brasil, no intuito de melhorar os incentivos às pesquisas e, principalmente, ao reconhecimento das necessidades de saúde e de trabalho da população. Evidências científicas quanto às múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho nas escolas da Educação Básica beneficiam não só a redução do absenteísmo por doença entre os professores, mas também a valorização das suas atribuições diante da sociedade e consequentes repercussões na qualidade de ensino do país.

Referências

  • 1 Maia EG, Claro RM, Assunção AÁ. Múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho nas escolas da Educação Básica no Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00166517.
  • 2 Cutiva LCC, Burdorf A. Medical costs and productivity costs related to voice symptoms in Colombian teachers. J Voice 2015; 29:776.e15-e22.
  • 3 Van Houtte E, Claeys S, Wuyts F, Van Lierde K. The impact of voice disorders among teachers: vocal complaints, treatment-seeking behavior, knowledge of vocal care, and voice-related absenteeism. J Voice 2011; 25:570-5.
  • 4 Resende T, Arbex T, Bragon R, Brant D. Câmara aprova regras mais brandas para professores na reforma da Previdência. Folha de S.Paulo 2019; 12 jul. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/camara-aprova-regras-mais-brandas-para-professores-na-reforma-da-previdencia.shtml
    » https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/camara-aprova-regras-mais-brandas-para-professores-na-reforma-da-previdencia.shtml

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2019
  • Aceito
    19 Set 2019
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